Pragas resistentes a agentes de controle biológico

Décio Luiz Gazzoni

     A biodiversidade brasileira será uma das pilastras da competitividade do nosso agronegócio – basta que a sociedade promova o investimento necessário para conferir utilidade e valor econômico aos componentes da biodiversidade. A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia é uma das unidades da Empresa que se dedica a perscrutar as oportunidades contidas na biodiversidade.

     Estudos conduzidos pelo núcleo de Controle Biológico do Cenargen demonstraram que, bactérias encontradas em solos do Brasil, podem ser úteis para o controle biológico de insetos. Os pesquisadores investigaram a diversidade de bactérias do gênero Bacillus, reconhecidas de longa data como inimigos naturais de diversas pragas de plantas cultivadas. Com as exigências cada vez maiores da sociedade em relação à proteção do ambiente produtivo e à oferta de alimentos inócuos, as inovações em controle biológico representam um diferencial de competitividade para o agronegócio brasileiro.

  Biodiversidade e competitividade
    
Durante 15 anos, os cientistas da Embrapa recolheram amostras de solo, das cinco regiões geográficas brasileiras, delas extraindo 2022 estirpes de Bacillus, sendo 217 de B. cereus, uma de B. pumillus, três de B. subtilis, 21 de B. laterosporus, 402 de B. sphaericus e 1378 de B. thuringiensis.

As estirpes tóxicas são caracterizadas quanto ao perfil protéico e quanto à presença dos genes que codificam para as proteínas tóxicas. Os esporos são armazenados em tiras de papel de filtro estéreis a temperatura ambiente. Após o isolamento e identificação das estirpes, os cientistas avaliaram o seu potencial para uso em controle biológico, O número de estirpes que demonstrou efeito de controle sobre cada praga indicadora se encontra na Tabela 1.

Esse não é um trabalho isolado, porém compõe o esforço para organizar um Banco de Germoplasma de Bacillus spp. para controle biológico. Informações sobre o banco de dados da coleção estão disponíveis através do endereço www.sicom.cenargen.embrapa.br.

Tabela 1 – Número de estirpes de Bacillus thuringiensis que demonstrou alta atividade biológica sobre os insetos testados.

Culex quinquefasciatus

Aedes aegypti

Anticarsia gemmatalis

Spodoptera frugiperda

Tenebrio molitor

50

60

240

99

13

Pragas resistentes
    
O uso de microrganismos que controlam insetos é uma forma de reduzir o consumo de agrotóxicos químicos e, há décadas, eles são pulverizados sobre as plantas, com essa finalidade. A inovação moderna consistiu na transferência de genes de Bacillus para cultivos comerciais, produzindo variedades transgênicas que incorporam o controle biológico em seu genoma. Tanto em um caso como em outro, sempre há a preocupação do desenvolvimento de raças da praga, que não são suscetíveis à toxina do Bacillus, seja pulverizado ou incorporado na planta.

     Os cientistas já identificaram mais de 540 artrópodos resistentes a 310 agrotóxicos ou toxinas de agentes de controle biológico. Em todos os casos, o uso abusivo, em altas doses, com alta freqüência de aplicação, pulverizações sem necessidade e sem alternância de agrotóxicos com diferentes modos de ação, conduziu a essa situação indesejável.

     Na presença de raças resistentes da praga, a planta perde sua característica, voltando a exigir o uso de agrotóxicos. Por exemplo, a lagarta rosada (Pectinophora gossypiella) morre ao alimentar-se da maçã de variedades de algodão Bt, as quais contêm um gene de B. thuringiensis, que codifica para uma substância tóxica a alguns insetos, embora não tenha qualquer efeito sobre o homem ou outros animais. Quando alguns espécimes do inseto desenvolvem resistência à toxina, elas atacam o algodão sem que sejam afetados pela mesma.

     Recentemente, cientistas da Universidade do Arizona identificaram três genes da lagarta rosada que quebram a resistência das variedades de algodão Bt. O trabalho inicial dos cientistas consistiu em desenvolver uma metodologia que provou ser 1000 vezes mais eficiente para detectar pragas resistentes, comparada aos métodos tradicionais.

 

Genes e bioquímica
    
Com a nova ferramenta, os cientistas decifraram a rota da toxina no inseto, verificando que ela atacava uma proteína da parede do intestino da praga, chamada caderina. Nos espécimes resistentes, mutações alteraram o gene que codifica para a caderina, produzindo uma proteína com estrutura diferente, insensível à toxina do B. thuringiensis. Os cientistas identificaram três alelos do gene BtR (r1, r2 e r3), que conferem resistências ao algodão Bt. Todos os genes resistentes são recessivos, necessitando um par deles para o inseto ser resistente.

"Transgênese" natural
    
A ação das toxinas é como ligar um plugue em uma tomada elétrica. Existem diferentes padrões de plugues e tomadas. Para haver uma conexão bem sucedida, os plugues e as tomadas devem prover um encaixe perfeito. O mesmo ocorre na ligação das toxinas com os seus pontos de atuação no organismo, devido à elevada especialização das ações bioquímicas e fisiológicas das substâncias no organismo. Essa é a razão pela qual as plantas Bt afetam apenas alguns tipos de insetos, sendo inócuos para todos os outros animais, inclusive para o Homem.

     Nas alterações genéticas naturais (mutações), a caderina codificada pelo gene r1 estava desfalcada de 23 nucleotídios, provocando a substituição de dois aminoácidos e a omissão de outros oito na sua estrutura. O efeito do gene r2 é mais intenso, pois provoca a deleção de 202 nucleotídios e altera a posição de um aminoácido essencial da caderina. O gene r3 produz a caderina com a ausência de 42 aminoácidos. Essas alterações bioquímicas permitem que a caderina cumpra sua função plástica, porém tornam-na "invisível" para a toxina do B. thuringiensis.

Quando o receptor (no caso, a caderina) tem sua estrutura alterada, a toxina não consegue um encaixe, deixando de manifestar sua ação e o inseto torna-se resistente ao controle biológico embutido no código genético da planta. Essa descoberta é vital para desenvolver novas estratégias de manejo da resistência, prolongando a vida útil das variedades resistentes a pragas.

  Suscetibilidade, um patrimônio
    
A suscetibilidade de um inseto a um inseticida é um patrimônio a ser preservado, mesmo se o inseticida é produzido pela planta da qual o inseto se alimenta. Por esse motivo, nunca se deve eliminar 100% da população de uma praga, um conceito já incorporado nos programas de manejo de pragas.

     Nós, entomologistas, sempre alertamos sobre a necessidade de embutir nas práticas agrícolas o manejo da resistência de pragas a inseticidas ou a plantas transgênicas resistentes a insetos. É importante garantir que uma parte dos insetos sobreviva, para transferir os genes de suscetibilidade à descendência da praga. Além disso, os inimigos naturais das pragas necessitam de uma população mínima da mesma, para garantir o seu próprio ciclo vital. O que pode parecer um contra-senso ao leigo (deixar parte da população da praga na lavoura) é o que o diferencia de um técnico competente.

Manejo da resistência

     Com o crescimento do uso do controle biológico incorporado ao genoma das plantas cultivadas, a pressão de seleção de biótipos de insetos resistentes às cultivares Bt tenderá a crescer. Com a adoção das técnicas preconizadas pelos entomologistas, o problema poderá ser convenientemente administrado, sem maiores impactos para os agricultores. Para garantir a sustentabilidade do processo, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA está exigindo, por ocasião do registro de OGMs, um plano para o manejo da resistência. Os processos mais utilizados são a alternância de cultivares ou variedades resistentes e não resistentes e a divisão da lavoura, em que uma parte dela é cultivada com material resistente e outra com material suscetível. Até o momento, a maior dificuldade tem sido convencer os agricultores de que eles devem deixar uma parte do milho ou do algodão para servir de alimento – aos insetos!

A Europa e os OGMs

Décio Luiz Gazzoni

     Em 19 de maio de 2004 foi reaberta a análise de novas variedades ou espécies transgênicas pelo Comitê de Biossegurança Europeu. A aprovação de uma variedade de milho (Bt 11) marcará o fim da moratória de 4 anos sem novas licenças. A moratória se restringiu à aprovação de novas variedades e não significou a ausência de plantio ou comercialização de transgênicos no Velho Continente. Nesse período manteve-se o cultivo de OGMs, especialmente de milho, enquanto centenas de milhões de toneladas de soja ou derivados foram importados de paises que plantam soja RR, seja legalmente (EUA e a Argentina) ou de forma ilegal (Brasil).

  Novas licenças
    
Durante os últimos 4 anos acumularam-se os pedidos de licenciamento de plantas transgênicas, para plantio comercial na Europa, em especial de milho, soja, colza, beterraba e batata. Alguns pedidos foram retirados por obsolescência, tendo sido substituídos por variedades mais avançadas, posto que a ciência manteve seu ritmo de inovações durante a moratória. Outras solicitações referem-se a variedades que possuem mais de uma característica de transgênese, como o milho resistente a um inseto e tolerante a um herbicida.

Rotulagem
    
Na UE já havia a exigência de rotulagem de alimentos derivados de transgênicos. Devido à pressão de ONGs a nova regulamentação deu mais uma volta no torniquete, exigindo que conste no rótulo a presença de OGMs sempre que o produto contiver mais de 0,9% de produto transgênico. A rotulagem vale até para alimentos sem a enzima ou proteína que é codificada pelo gene introduzido. Assim, o óleo derivado de soja RR deverá ser rotulado, embora não contenha a enzima que diferencia uma cultivar RR de sua irmã gêmea convencional. A rotulagem está associada ao sistema de rastreabilidade e certificação, que permite recompor as tecnologias, os insumos e as matérias primas que deram origem ao alimento. Até aí tudo bem, o consumidor europeu médio dispõe de capacidade financeira para arcar com o custo da rotulagem.

Impactos
    
O final da moratória européia derivou de estudos em que especialistas concluíram que os OGMs produzidos em escala comercial não apresentam perigos à saúde humana, em índice superior aos produtos similares convencionais. Da mesma forma, os estudos de impacto ambiental não evidenciaram, nos experimentos e na prática, as preocupações argüidas, em especial no tocante ao fluxo gênico. Ao contrário, um dos argumentos mais poderosos para o fim da moratória foi a constatação de que o plantio de variedades de milho transgênicas, resistentes a insetos, permitiu economizar milhares de toneladas de agrotóxicos, a cada ano – uma forma de evitar riscos ao ambiente. A resistência de insetos a plantas Bt e de plantas a herbicidas constitui-se em um desafio que necessita ser enfrentado com o uso de tecnologias já disponíveis.

ONGs x Mercado
    
Não existe registro de uma tecnologia tão polêmica e que tivesse utilizado como "cobaias" os cidadãos do Primeiro Mundo, como é o caso de OGMs. As estatísticas demonstram que os maiores plantadores (à exceção da Argentina) e os maiores consumidores de transgênicos se encontram entre os países ricos de Primeiro Mundo. Isso ocorreu, apesar do trabalho desenvolvido por diversas Organizações Não Governamentais, que têm batalhado para impedir o plantio e a comercialização de OGMs no mundo. Estas organizações continuam ativas na Europa e mantém sua luta. Entretanto, os fatos têm se mostrado mais poderosos que os argumentos brandidos pelos militantes das ONGs. Deve-se computar como vitória das ONGs a moratória a novos licenciamentos, que ora se extingue e, em decorrência a menor taxa de utilização de OGMs na Europa em relação a outros países como os EUA, o Canadá, a Austrália, a China e a Argentina. O grande teste virá agora, com o fim da moratória. Um incremento na área de OGMs da Europa, nos próximos anos, significará um pesado revés à luta das ONGs.

A Embrapa parou. Parou por que?

Décio Luiz Gazzoni

                    Felizmente, a Embrapa não cerrou as portas em definitivo. E esse dia nunca chegará, se Deus e os cidadãos conscientes do Brasil assim o desejarem, apesar de as intenções governamentais não serem claras a esse respeito. A Embrapa parou alguns dias para que o Brasil reflita se a Embrapa é um bom investimento para a sociedade.

É bom para o agricultor?
     Qual agricultor brasileiro nunca se beneficiou da Embrapa? Quantos só permanecem na atividade porque a tecnologia da Embrapa o viabiliza? Há 15 anos a área cultivada com grãos no Brasil, é a mesma. Já a produção bate recordes anuais, acumulando mais de 100% de crescimento no período. Nos últimos sete anos, dobrou a produção de soja e a produtividade cresceu mais de 25%. Sem o aporte tecnológico da Embrapa, jamais o Brasil alcançaria a posição de principal exportador de soja do mundo, em vias de ser o maior produtor. Idem para o milho e para o algodão, que brotam fagueiros de um Cerrado outrora improdutivo. Vale para as frutas, temperadas ou tropicais. Vale para o arroz, o feijão, a mandioca, a criação animal. São números que o Governo Federal alardeia, à boca cheia, como suas grandes conquistas.

É bom para o cidadão urbano?
    
A atividade agropecuária manteve a inflação baixa, retendo o valor da cesta básica ao alcance do consumidor. Maior produtividade no campo permitiu que o agricultor lucrasse, mesmo vendendo alimentos mais baratos. Baratos, porém mais saudáveis, mais nutritivos, cada vez com menos contaminantes químicos e biológicos.

  É bom para os Governos?
     Sem os agronegócios o Brasil estaria em forte recessão. O crescimento do agronegócio (6,5% em 2003) impediu que o PIB brasileiro afundasse -2,5% ao invés de -0,2%. E o agronegócio obtém sua competitividade da tecnologia gerada pelos institutos de pesquisa. Os 28 bilhões de dólares previstos para o superávit da balança comercial de 2004 virão, integralmente, do agronegócio pois os demais setores da economia são deficitários nas transações internacionais. A Embrapa ajudar a fechar as contas internacionais e, também, as nacionais, porque dos agronegócios sai parcela ponderável da arrecadação tributária. Saem os poucos empregos gerados no país. Que evitam as migrações para as periferias das cidades.

É bom para o ambiente?

     A Embrapa possui uma extensa agenda ambiental, diminuindo os impactos da exploração agrícola e gerando alternativas com forte fundamento ecológico, para a produção primária. Estudos comparativos entre os impactos ambientais da produção agrícola dos anos 70 e do início desse século, demonstram os benefícios das tecnologias da Embrapa para uma agricultura sustentável.

 

É bom para a saúde?
     Mais que bom, excelente! As novas técnicas de controle de pragas reduziram os casos de intoxicação dos aplicadores e dos consumidores. Porém, o maior benefício está nos novos produtos para o consumidor, fundindo os conceitos de nutrição e saúde. Os novos alimentos apresentam propriedades funcionais como a redução do risco de tumores cancerígenos, de acidentes cardiovasculares, aumentam a disponibilidade de anti-oxidantes, facilitam as funções metabólicas e fisiológicas. Traduzindo: devido ao labor da Embrapa você vai menos ao médico, usa menos remédio e melhorou a sua qualidade de vida!
  Porque a Embrapa parou?
     Parou porque seu orçamento, em termos reais, equivale a 50% do valor de anos anteriores (deve ser a herança maldita!) e, apesar do orçamento menor, quase nada foi liberado pelo Tesouro Nacional. Parou porque, neste mês, 120 títulos foram protestados em cartório resultando em Internet e telefones cortados. Parou porque seus empregados são cidadãos conscientes da importância da instituição para o nosso Brasil. Parou para alertar a sociedade dos prejuízos decorrentes da menor atividade da Embrapa. Parou porque seu quadro funcional é de primeiríssima ordem, atraindo olhares gananciosos de empresas privadas e de instituições internacionais, sequiosas de tê-los em seus quadros. Parou alguns dias para evitar que, no futuro próximo, você sofra o efeito de a Embrapa haver parado definitivamente. Agora, se você, agricultor ou consumidor, pobre ou rico, jovem ou adulto, nada fizer para auxiliar a quem, silenciosamente, tem contribuído para o desenvolvimento do Brasil e para melhorar a sua vida, o arrependimento pode chegar tarde, quando o agronegócio brasileiro perder competitividade, o preço dos alimentos afastá-los de sua mesa, ou o desemprego bater à sua porta.

Infra-estrutura, o gargalo

Décio Luiz Gazzoni

     Estudo do IPEA considerou o desenvolvimento tecnológico como o principal responsável pelo sucesso do agronegócio brasileiro. Com tecnologia adequada, o Brasil será o principal país agrícola do mundo, na avaliação da UNCTAD. Entretanto, apesar de os cientistas da Embrapa cumprirem a sua missão, as deficiências de infra-estrutura restringem o potencial do agronegócio brasileiro.

Estradas
    
A Confederação Nacional dos Transportes estima que 82% das estradas possuem sérias deficiências. Cerca de 8.000 km de estradas, que já tiveram piso asfáltico, estão intrafegáveis. Quem por elas circula corre o risco - otimista - de danificar o veículo. Na hipótese pessimista, o risco é de morte do condutor e dos passageiros. Ironicamente, o Ministério dos Transportes, que deveria prevenir e solucionar esses problemas, limitou-se a informar que a safra de 2004 terá "sérios problemas de escoamento por falta de investimentos no setor". De acordo com o Centro de Estudos de Logística da UERJ, a perda por deficiências nos sistemas de transporte atinge 16% do PIB. Esse valor equivale ao pagamento de um salário mínimo, todo o mês, para 49,7 milhões de trabalhadores. Mesmo com o salário mínimo dobrado, seriam 24,8 milhões. Eis aí nossa sugestão para o presidente Lula resgatar suas promessas de criar 10 milhões de empregos e dobrar o valor do salário mínimo, eliminando o desemprego estrutural no Brasil!
  Barcos e navios
    
O transporte fluvial e a cabotagem costeira são incipientes. Apesar do potencial hidroviário de 40 mil km apenas 2% do transporte de carga é fluvial. Um mau exemplo é o complexo Tietê-Paraná, com 2,4 mil quilômetros de extensão, que custou à sociedade US$ 2 bilhões, e opera com 10% de sua capacidade, escoando 2 milhões de toneladas de carga/ano. Um comboio trafegando pelo rio Madeira equivale a 600 caminhões transportando soja de Mato Grosso aos portos do sul (Santos ou Paranaguá). O grande segredo não é investir, maciçamente, em um ou outro meio de transporte – como fizemos com as rodovias. Estrategicamente, devemos investir nos sistemas multimodais, aproveitando as vantagens comparativas de cada sistema, em função da mercadoria, da localização geográfica e das distâncias.
 

Ferrovias
    
Um estudo do Geipot demonstrou que a racionalização do transporte da safra economizaria R$ 80 milhões aos players do agronegócio – equivalente a produzir 2 milhões de sacas de soja adicionais. A melhoria decorrente da privatização foi insuficiente para atender demandas nacionais. Nossa malha (32.000 km) equivale à do Japão, país com 5% da área do Brasil, e coberto por cordilheiras inacessíveis. A velocidade de nossos trens é risível (25 km/h), em decorrência de bitolas estreitas e composições com defasagem tecnológica.
   

Caminhões
    
A frota de caminhões tem idade média de 18 anos, com tecnologia defasada - pré-carroça, de acordo com o nada saudoso ex-presidente Collor. A idade avançada significa altos custos de manutenção e operação e redução da velocidade média do transporte. Nos últimos anos, a velocidade dos veículos de carga que se dirigem aos portos diminuiu em 40%. Para quem buscava um exemplo de custo Brasil, esse é didático.

 

Portos
    
A recente paralisação do Porto de Paranaguá demonstra sua inadequação gerencial e operacional, que eleva os custos de carga e mina nossa competitividade. Chegamos ao absurdo de ter uma fila de caminhões ligando o porto a Curitiba! A paralisação significou um prejuízo de R$ 1,6 bilhão aos agricultores. Enquanto a média internacional indica o carregamento de 40 conteineres/hora, no Brasil a média é de 24. Nossa alocação de mão de obra chega a ser 9 vezes superior à existente nos portos eficientes. Se o Governo não acordar de sua letargia, que embarga o desenvolvimento nacional, o agronegócio brasileiro perderá mais uma de suas oportunidade de ouro e o Brasil abrirá mão de bilhões de dólares em divisas, mesmo ralo por onde escoarão centenas de milhares de empregos.
  A Embrapa parou. Parou porquê?
     Recebemos mais de mil e-mails de solidariedade à Embrapa, em função da coluna da semana passada. Agradecemos a todos, porém aguardamos que, além da solidariedade, ações concretas sejam tomadas para resgatar a Embrapa a fim de que ela continue bem servindo a sociedade brasileira – enquanto ainda há tempo!

Sofre de gota? Coma cereja!

Décio Luiz Gazzoni

As descobertas científicas associando alimentação e saúde constituem uma das facetas mais instigantes da C & T do agronegócio. Dessas pesquisas surgiu um dos nichos mais promissores da agropecuária, que trata dos alimentos funcionais e dos princípios nutracêuticos que lhes são característicos. Em alguns casos, a ciência resgata e comprova os efeitos de produtos da farmacopéia popular. Em outros, novas propriedades terapêuticas são descobertas em alimentos consumidos pela população.

Cereja
As cerejeiras em flor constituem um dos mais emocionantes cartões postais da primavera de Washington (EUA). Existem duas espécies de cereja: a doce (Prunus avium) e a ácida (P. cerasus). Trata-se de uma fruteira da família das rosáceas, a mesma do pêssego, da pêra e da maçã. Ela é originária da região do Cáucaso asiático, mas é cultivada no Ocidente desde os tempos de Cristo. Seu uso vai de tortas e outros doces, licores, ao consumo in natura.

Da vovó à C & T
Os alfarrábios da vovó indicavam a cerejeira (frutos e folhas) como diurético e para a prevenção ou eliminação de cálculos dos rins e das vias urinárias. Recentemente, o estudo de um cientista norte-americano demonstrou que substâncias existentes nas cerejas aliviam os sintomas das inflamações artríticas. O mérito do Dr. R. Jacob, cientista do Agricultural Research System (ARS) na Califórnia, foi demonstrar os caminhos bioquímicos e os efeitos fisiológicos das substâncias com ação antiinflamatória.

O estudo
Verificado o alívio dos sintomas de artrites, o cientista estudou o efeito do consumo de cerejas sobre a gota, uma forma hereditária de artrite, resultante de um distúrbio metabólico, caracterizado pelo excesso de ácido úrico no sangue e depósitos de seus sais nas juntas dos pés e das mãos. Os voluntários (sadios ou acometidos pela gota) consumiram 45 cerejas frescas no desjejum – no dia do estudo - sem comer quaisquer frutas ou outros vegetais assemelhados nas 48 horas anteriores.

 

Os indicadores
    
O cientista mediu a concentração dos sais do ácido úrico no plasma sangüíneo e na urina dos voluntários, por até cinco horas após a ingestão das cerejas. Os resultados foram altamente auspiciosos, pois, enquanto a presença de uratos no plasma diminuiu, a sua excreção pela urina aumentou. Na seqüência, o cientista analisou a presença de indicadores de que o sistema imunológico estivesse agindo sobre o processo inflamatório. Os indicadores foram a proteína C-reativa, o óxido nítrico e o fator de necrose tumoral alfa.

 

Os resultados
     A proteína C-reativa, produzida pelo fígado, encontra-se em teores extremamente baixos no plasma de indivíduos sadios, porém aumenta rapidamente durante a vigência de qualquer processo inflamatório (presente na gota). O mesmo ocorre com o óxido nítrico dissolvido no sangue, suspeito de danificar as juntas artríticas. O fator de necrose tumoral alfa também se encontra em baixa concentração no sangue de pessoas sadias, porém aumenta quando o organismo está combatendo tumores que possam induzir um quadro inflamatório. As análises indicaram a ocorrência de redução dos teores de óxido nítrico e da proteína C-reativa, porém não houve alterações na concentração sangüínea do fator de necrose tumoral alfa.

 

Perspectivas
     O estudo do Dr. Jacob despertou muito interesse. Depois das descobertas iniciais, em 2003, outros estudos ampliaram o espectro de marcadores que estão sendo analisados e acompanhados, bem como o número de voluntários, com uma amplitude maior das faixas de idade e dos graus de intensidade de gota. Estudos como esses recuperam a sabedoria popular, mitigam o sofrimento de pacientes artríticos, substituem por cerejas o amargo e caro remédio químico– e, ao final, abrem uma oportunidade de emprego e renda no campo, em especial para a agricultura familiar.

Mudanças climáticas

Décio Luiz Gazzoni

     Nem os avós dos nordestinos lembram da última vez em que o sertão virou mar. Morrer afogado no interior do Piauí então, nem pensar. O Centro-Oeste que se caracteriza pela regularidade e previsibilidade climática, também foi inundado. O verão no Sul do Brasil foi exageradamente seco. Menos na região costeira, para estragar a praia de quem pensou em descansar uns dias. E quem achou que era esperto o suficiente para não sair de São Paulo e ir à praia foi recompensado com inundações diárias, durante 60 dias.

Crime e castigo
    
Se alguém imagina tratar-se de um castigo divino, destinado a purgar algum pecado coletivo cometido pela maioria dos cidadãos brasileiros, é melhor refletir globalmente e verificar que o pecado deve ser da sociedade planetária. As nevascas no Norte dos EUA seriam devidas, exclusivamente, ao voto pró-Bush nas eleições de 2000? As ondas de frio intenso na Rússia seriam uma punição extemporânea a um país ex-comunista? Que dizer da Europa, assolada por ondas de frio, depois de calor, nevascas e enchentes, além de secas? Mais fácil crer que a fúria divina se deve à retirada dos EUA da discussão do Protocolo de Quioto e da reticência russa em ratificá-lo.

     Melhor não imputar a uma divindade os erros que são nossos. Assim, consideremos Deus uma externalidade nessa análise e busquemos razões terrenas, pois a Ciência pode explicar, adequadamente, a seqüência de desastres climáticos que estão assolando o planeta Terra. Para início de reflexão, estima-se que, em 2003, 75.000 pessoas pereceram vítimas de desastres climáticos. Além do número absoluto, o que causa espanto é o aumento de 600% em relação ao ocorrido no ano anterior.

 

Aquecimento global
     Argumentos de diversos matizes são brandidos para explicar essa seqüência tétrica de catástrofes envolvendo fenômenos climáticos. Uns argumentam tratar-se de fenômeno cíclico, que se repete ao longo do tempo, sem que se lhe dê causa imediata. Outros insistem que se trata de mera coincidência de fatalidades. Apenas uma parcela da população compreendeu o alerta dos cientistas, afirmando que a resposta para o enigma está no aquecimento global do planeta.

     Estamos falando de um consistente aquecimento da superfície terrestre, terra e água, áreas produtivas e desérticas, calotas polares e ilhas tropicais, cidade e campo. Esse aumento de temperatura é motivado pela concentração de gases de efeito estufa (principalmente gás carbônico e gás metano) na atmosfera terrestre. O efeito estufa é um fenômeno natural, destinado a regular a temperatura terrestre. Seu ajuste fino para as condições ótimas de operação foi efetuado ao longo de centenas de milhões de anos de co-evolução de todas as interações entre fatores bióticos e abióticos.

Efeito estufa


    
Existem diversas atividades humanas que interferem com a concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera e, conseqüentemente, afetam a regulação térmica do planeta. Os gases são derivados de atividades poluentes, das quais a que mais se destaca é a queima de combustíveis fósseis, o que mobiliza os estoques de carbono e nitrogênio que a Natureza estocou há milhões de anos no subsolo. Nos últimos 150 anos, a concentração de CO2 na atmosfera aumentou em 33% (280 para 370 ppm).
        Um dos primeiros estudos que me demonstrou à sobejo o impacto de pequenas elevações de temperatura sobre a vida no planeta foi apresentado durante o XXI Congresso Internacional de Entomologia, realizado em Foz do Iguaçu. Na oportunidade, havia solicitado a um eminente cientista que proferisse uma conferência abordando o efeito do aquecimento global sobre a relação entre insetos e plantas. Foi-nos apresentado um complexo modelo matemático, relacionando a biologia do inseto (dependente do clima), os danos ocasionados aos cultivos e os custos de controle. Foi espantoso verificar como apenas 1º C de elevação de temperatura média podia triplicar os custos de controle de pragas de ciclo biológico curto e rápido desenvolvimento, como ácaros e pulgões. Mesmo insetos com ciclo médio de desenvolvimento de 30 dias (período entre a eclosão do ovo e a realização de uma postura por uma fêmea adulta), com pequenas alterações de temperatura, apresentavam uma geração a mais no campo, ocasionando tanto aumento dos danos da praga como incremento nos custos de seu controle.

   

Conseqüências

     Todos sabemos que grande parte dos animais que habitavam a Terra foram extintos com o advento da era do gelo, sendo o mamute o exemplo típico. O que poucos percebem é que, durante a Idade do Gelo, a temperatura média da Terra era 5º C menor que a atual. Apenas 5º C! Vejamos alguns efeitos do aquecimento global, previstos pelos cientistas:

a. o aquecimento global torna o clima mais instável, as secas mais prolongadas, desloca as chuvas de seus locais habituais, provoca tempestades, tufões e furacões mais freqüentes e intensos;
b. ao longo do século passado, o nível dos oceanos aumentou 3mm ao ano. As previsões para o presente século são de que possa crescer mais de 10mm ao ano. Mantido o fenômeno, ao final do século centenas de cidades litorâneas terão submergido no mar;
c. além dos danos às culturas e criações, existem insetos que são vetores de doenças, como é o caso dos mosquitos. O aumento de sua população significará epidemias mais amplas e mais intensas de dengue, malária e assemelhadas;
d. uma das belezas naturais da Austrália é a sua barreira de corais, com extensão superior a 1.000km. Devido ao aquecimento da atmosfera, os cientistas prevêem que, em 50 anos, 95% da barreira serão destruídos. A certeza dos cientistas foi reforçada em 1988, quando houve um aumento de 1º.C na temperatura da água do mar, estimando-se que 16% dos corais oceânicos tenham sucumbido devido a essa pequena variação;
  e. a população de pingüins tem decrescido, consistentemente, devido ao derretimento de geleiras polares;
f. as secas que ocorrem nas regiões tropicais, historicamente úmidas, têm ocasionado o desaparecimento de diversas espécies, como é o caso comprovado dos sapos;
g. o krill, um crustáceo fundamental da base da cadeia alimentar marinha, teve sua população reduzida em 10%, nas últimas duas décadas;
h. regiões férteis poderão transmutar-se em inóspitas, por alteração radical do regime de chuvas.

 

Impactos
    
Os impactos na vida sobre a Terra poderão ser enormes. À primeira vista, alguns até parecerão benéficos, se examinados no microcosmo. Por exemplo, algumas regiões da Sibéria poderiam tornar-se agricultáveis. Outras regiões próximas aos círculos polares também poderiam tornar-se aptas ao plantio. Entretanto, regiões nobres para a agricultura poderão ser devastadas por instabilidades climáticas, que aumentariam muito o risco dos produtores agrícolas, forçando-os a abandonar a atividade.

     Veranicos mais freqüentes – ou mesmo secas intermináveis, sobrepondo-se à toda a janela de cultivo – poderão inviabilizar enormes áreas agricultáveis. Outras regiões, situadas em várzeas, serão inundadas e transformadas em pântanos ou lagos rasos. Culturas que dependem fortemente do clima - não apenas para obter produção mas também para atender requisitos de qualidade - serão as mais atingidas. Entre elas estão, principalmente, flores, frutas e hortaliças, justamente as culturas de maior valor intrínseco e de maior potencial de rentabilidade para o produtor.

  Sustentabilidade, a solução
    
O mais importante é a Humanidade parar de buscar explicações esotéricas para o fenômeno que abala o clima planetário e concentrar-se na hipótese mais provável – justamente a mais pessimista e de maiores impactos. Ou seja, será necessário mudar, radicalmente, hábitos, usos e costumes, para reduzir o impacto das atividades humanas sobre o clima. Desenvolvimento sustentado é a chave para a mitigar os impactos sobre o clima.

     Consciência da necessidade de reparar os erros passados é fundamental para retroverter o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, o que significa não apenas a aprovação e implementação do Protocolo de Quioto, como ir muito além das medidas pouco ambiciosas por ele propostas. A outra alternativa é legarmos aos nossos filhos uma perspectiva de baixa qualidade de vida, falta de alimentos, desemprego, desastres naturais e de economia global combalida.

E as outras dívidas?

Décio Luiz Gazzoni

Há cerca de um mês, após proferir uma conferência, fui inquirido sobre o entrave ao crescimento do agronegócio nacional, em função das deficiências de transporte e armazenamento. "Companheiro, você não acha que existe uma dívida de infra-estrutura do Governo brasileiro para com o sistema produtivo?" foi a pergunta objetiva. A qual me trouxe à mente as análises de antanho – corretissimas! – do Partido dos Trabalhadores sobre a multiplicidade das dívidas do Governo para com a Nação e a Sociedade, e o questionamento sobre a prioridade absoluta para uma delas – a dívida com o setor financeiro. "E as demais dívidas - social, de infra-estrutura, educacional, ambiental, de justiça – quem as quita?" indagavam os próceres do PT aos governos passados.

A dívida financeira
     Pilastra central do neo-liberalismo, a prioridade absoluta ao pagamento do principal e de juros da dívida constitui-se na bigorna que aborta o desenvolvimento de países emergentes que adotam esta política. O exemplo do Brasil é irrefutável: o superávit primário que o FMI impôs - e o Governo brasileiro ampliou - apesar de provocar uma recessão no país, permitiu pagar 40% do serviço da dívida. Os outros 60% (e o principal) foram refinanciados, o que aumentou a dívida, gerando um ciclo vicioso que a torna impagável e que torniqueteia o desenvolvimento.
  Por que a prioridade?
     Ao opor-se a essa prioridade, o PT antigo tinha duas alegações. A primeira indicava que, por conta dos "spreads" aplicados sobre os juros (justificados pelo risco Brasil), a dívida já havia sido paga há muito tempo, portanto sua negação não se constituiria em calote. A segunda vertente exigia que o atendimento a outras demandas, de cunho social e desenvolvimentista, deveria ter prioridade sobre a dívida financeira. Com essa análise propalava-se a esperança de não ter medo de ser feliz!
  A dívida social
     Composta por carência de empregos, baixos salários, má distribuição de renda, falta de escolas e professores, déficit de postos de saúde, hospitais e laboratórios, má remuneração de profissionais de saúde, falta de policiamento, remuneração inadequada dos policiais entre outras, essa dívida foi o eixo condutor da proposta de Governo do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. O questionamento da sociedade, que hoje se observa, remete à negação do compromisso e à reversão das expectativas. Havia uma promessa explícita de repactuação dos compromissos financeiros, os quais deveriam subordinar-se a uma agenda social prioritária. Infelizmente, essa agenda foi remetida às calendas gregas, matriz do desencanto, da frustração e da desesperança atual da cidadania.

A dívida de infra-estrutura
     Não localizei estimativas oficiais ou oficiosas que apontassem para o montante necessário apenas – e tão somente – para recuperar as estradas brasileiras. Cálculos aproximados indicam que o custo de uma operação tapa-buracos aproximar-se-ia de R$70 bilhões. Que dizer do restante da infra-estrutura, aí inclusa as malhas ferroviária e hidroviária, novas estradas, portos e aeroportos, adequação da capacidade de armazenamento, oferta de energia, entre outros. Nessa conta também deve ser pendurada a dívida com inovação, resgatando do sucateamento as universidades e os institutos de C&T, mola propulsora da competitividade e do desenvolvimento nacional.
  A prioridade das dívidas
     Sem originalidade - porque esse questionamento era um patrimônio do Partido dos Trabalhadores, o que a sociedade pergunta é: dada a multiplicidade de dívidas do Governo para com diferentes corporações e estamentos sociais, por que a prioridade ao pagamento da dívida financeira, cujas raízes perdem-se na História e que sempre teve lugar de destaque na agenda dos políticos conservadores? Eu me confesso tão estupefato quanto os demais cidadãos brasileiros. Tive resposta adequada para a pergunta do primeiro parágrafo, porém não tenho para esta.

Alimentando o espírito

Décio Luiz Gazzoni

     Sempre afirmei que alimentação adequada não depende de oferta de alimentos, porém de capacidade financeira para adquiri-los. Enquanto em Pindorama, o Fome Zero mais parece um Marketing 100 que uma solução para o problema da fome; enquanto cientistas desenvolvem o arroz dourado, para fornecer alguma vitamina A e ferro aos desnutridos da África e da Ásia, a fim de evitar que fiquem cegos ou "economicamente imprestáveis", no Primeiro Mundo a prioridade é outra.

Alimento espiritual
     Superada a fase da fome, a etapa da gula, a síndrome da saúde ou a necessidade nutricional, o alimento alcança status espiritual e surge a indústria da alimentação do bem-estar. Os empresários estão descobrindo que alimentos do bem-estar podem ser "big business" - em especial quando vêem seu negócio em risco pela onda de alimentos funcionais. As justificativas vão desde difusas questões de espiritualidade e publicidade sugestiva, induzindo ao uso de alimentos de propriedades imponderáveis, perceptíveis apenas por "espíritos transcendentalmente elevados", seja lá o que isso significar. E quem não quer ser um espírito transcendentalmente elevado? Bem, tirante quem ainda está na fase fome 10, poucos restam.
  Cronobiologia
    
Os empresários partiram de algumas verdades científicas para criar o sorvete feliz e os biscoitos anti-stress. Existem transmissores nervosos associados à sensação de bem-estar (endorfinas), como a melatonina, a dopamina e a serotonina. A teoria da cronobiologia estabelece os horários associados com maior produção de determinados hormônios, enzimas ou neuro-transmissores. Essa teoria explica por que estamos sonolentos em determinados horários e ativos em outros, alegres ou sisudos, concentrados ou distraídos.

 

Melatonina
     Conhecida como hormônio do sono (e do bom humor), essa substância é utilizada para combater o "jet lag", ao final de longas viagens de avião. Transformando essa evidência em fato empresarial, após uma noite repousante, a vaca é ordenhada de madrugada, quando a concentração de melatonina é maior. Já é possível antever o próximo passo: se o "leite melatonina plus" cair nas boas graças do consumidor, os biotecnologistas aumentarão a produção de melatonina nos animais e nas plantas! Logo teremos a soja do riso, a beterraba soporífera, a maçã anti-stress, o pêssego do tríplice orgasmo, etc.
 

Florais
    
A criatividade empresarial é ilimitada. Na Escócia, um fabricante adiciona essência de orquídeas ao sorvete, afirmando que as pessoas que o ingerem sentem-se mais felizes. Por enquanto, nada existe de científico estabelecendo uma conexão de causa e efeito. Mas, as vendas estão sendo alavancadas pela novidade - que faria jus ao gênio inventivo de Duda Mendonça - pois a sugestão de que a pessoa se sente mais feliz após tomar o sorvete a obriga a perder o medo de sentir-se feliz, para não parecer trouxa aos olhares alheios. Para conferir uma aura espiritual ao produto, apenas trabalhadores felizes podem elaborar o sorvete. Ao adicionar a essência ao sorvete, o empregado tem a obrigação contratual de pensar somente em coisas boas... e ser feliz!

  Cogumelos
     Embora não seja propriamente um "santo alimento", algumas espécies de cogumelos, que possuem propriedades alucinógenas, estão na mira de empresários. Isso porque os homens de negócios descobriram que a legislação britânica não tipifica como crime a produção, a venda ou o consumo de cogumelos, desde que não tenham sido modificados de seu estado natural. Ou seja, cogumelos são vendidos sem processamento, aproveitando a brecha legal. O público que aderiu à novidade é delimitado, porém de alto poder aquisitivo e ávido por justificativas complexas e transcendentais.

Negócio divino

     De acordo com a BBC, um dos produtores desse tipo de cogumelo afirma que "somos bem idealistas já que esta é uma oportunidade de montar um negócio fora dos moldes capitalistas tradicionais". Essa empresa já sub-segmentou o mercado, oferecendo cogumelos apropriados para cada ocasião, incluindo uma espécie tailandesa "altamente espiritualizada". Os adeptos não relutam em pagar quase R$10.000,00 ao quilograma, por um alimento tão espiritualizado e voltado ao bem-estar! Bem, como falei no início, é tudo uma questão de prioridades: sensação de bem estar em país pobre ainda é barriga cheia. Enfim, está posta mais uma oportunidade para o agronegócio brasileiro: o alimento espiritual!

Comida mais cara

Décio Luiz Gazzoni

  O ano de 2003 reservou más notícias para os trabalhadores brasileiros. O desemprego aumentou e a renda diminuiu, movimentos sincronizados descritos nos manuais de Economia. O que não estava no script é que, apesar do desemprego e de salários menores, a comida ficasse mais cara. O custo dos insumos, a logística inadequada e os aumentos de impostos, encareceram a cesta básica, destarte o aumento da produção agrícola.  

 

Repique
    
O encarecimento foi particularmente violento em janeiro, atingindo 10% sobre o valor de dezembro. O tema é preocupante, pois parcela ponderável do salário de trabalhadores de baixa renda é destinada à alimentação. Por exemplo, na Bahia, a cesta básica para uma pessoa teve o custo estimado em R$143,00, o que equivale a 131 horas e 37 minutos de trabalho de quem percebe salário mínimo (R$240,00, em janeiro). Ou seja, mais da metade do mês, o cidadão trabalhou apenas para ele comer. E o alimento do resto da família? E as outras despesas?
  Fome Zero
     Não seria difícil estabelecer um programa de médio e longo prazo para erradicar a fome no Brasil, atacando as causas estruturais da falta de emprego e renda, ao invés de focar no assistencialismo. Considerando as variações regionais, a cesta básica do brasileiro tem um custo aproximado de R$150,00, o que confronta a idéia de transferir R$50,00 para famílias de baixa renda familiar. Uma família de 6 pessoas teria um custo estimado de R$900,00 com alimentação. Deduzidos os R$50,00, é necessário matar um leão por dia na batalha pelos outros R$850,00. Por oportuno, o DIEESE estabelece o valor de R$ 837,11 para a alimentação de uma família de 4 pessoas, baseado no Decreto-lei 399.

Potencialides
    
É acaciano que o problema da fome será resolvido com oferta de empregos e a geração e distribuição de renda. Entretanto, um país com as nossas potencialidades naturais, a biodiversidade e a multiplicidade de ecossistemas, pode dar uma mãozinha pelo lado da oferta. Investir em pesquisa agrícola, perscrutando novos alimentos disponíveis regionalmente, e que já fazem parte da nossa cultura e dos nossos hábitos, pode significar uma ponderável redução de custos da cesta básica. Adicionalmente, novos produtos podem dinamizar o nicho preferencial da produção de alimentos básicos, que é a agricultura familiar, dando mais uma volta no circulo virtuoso da geração de empregos e formação de renda.
  Composição
    
Um detalhe que passa desapercebido ao público é que a composição da cesta básica varia de acordo com as preferências e os hábitos regionais. Entretanto, sua "coluna vertebral" é composta de leite, farinha, pão, café, banana, açúcar, óleo, manteiga, carne, tomate, arroz e feijão. Obviamente que a oferta é fundamental para a decisão de compra, até porque o preço é função da disponibilidade. Entretanto, produtos como óleo, açúcar ou café têm seu preço estabelecido no mercado internacional, sendo pouco suscetíveis às variações geográficas ou sazonais, ao contrário do tomate ou banana.

Saúde
O tema é complexo a ponto de não ser possível dissociar alimento de saúde. E, às vezes, não nos damos conta de quanto a saúde bucal interfere nos hábitos alimentares do cidadão. Embora caso isolado, o drama de Vaneide, uma baiana típica, com 24 anos de idade, provocou-me muita reflexão. Neide não suportava mais a dor de um dente cariado e infeccionado e decidiu extraí-lo. Faltava apenas conseguir os R$10,00 que o dentista cobrava pela extração. - Porque você não trata o dente ao invés de extraí-lo? inquiri. A resposta da Vaneide foi assertiva: - Porque tratar o dente custa R$15,00!. A falta desses R$5,00 (ou US$1,57) para um simples tratamento dentário significa que, dentro de outros 24 anos, Neide terá perdido mais da metade da dentição. O que exigirá mudanças na sua cesta básica, provavelmente concentrada em produtos que dispensem mastigação.
  PS. Paguei o tratamento dentário da Neide. Mas quem cuidará dos outros dentes da Neide e das outras Neides para quem a perspectiva de emprego e renda se resume ao discurso dos políticos? Que preferem políticas populistas e assistencialistas a equacionar a matriz do problema da fome?

Alimentos e alergia

Décio Luiz Gazzoni

     Estima-se que 10% da população humana seja hipersensível a determinadas substâncias presentes em alimentos. Trata-se da alergia, que resulta em lacrimejamento, ardor nas faces, coceira intensa, formação de gases estomacais ou intestinais, diarréia e até aperto na garganta (edema da glote), provocando sensação de sufoco. Tanto a espécie humana quanto outros herbívoros conviveram, até hoje, com o desconforto causado por alimentos contendo alergênicos. Alvíssaras, pois, dos laboratórios dos cientistas brotam soluções para as alergias alimentares.   Evitar o consumo
     Ovos, leite, amendoim, trigo, peixes, frutos do mar, nozes e soja são os alimentos com maior registro de casos de alergia. A recomendação médica básica é evitar o consumo desses alimentos. Entretanto, com o aumento progressivo dos alimentos processados, por vezes uma substância alergênica está presente de forma insuspeita. O exemplo da soja é didático. Derivados de soja entram na composição de inúmeros alimentos, de fórmulas infantis a hambúrgueres, de embutidos a chocolates, aumentando a probabilidade de contato com a substância alergênica. Os cientistas descobriram que a principal substância que provoca alergia em seres humanos é uma proteína denominada P34, naturalmente presente na soja.
  Eliminando o alergênico
     Cientistas da Universidade de Arkansas eliminaram a P34 da soja, suprimindo o gene responsável pela síntese da proteína ou impedindo que ele exerça a sua função. Uma das técnicas utilizadas é a introdução de uma cópia adicional do gene responsável pela P34, no genoma da soja. Ao reconhecer a seqüência genética a planta reage à intromissão e elimina tanto a cópia quanto o gene original. Assim, a P34 não é mais sintetizada, sendo substituída por uma similar, não alergênica, na estrutura do grão. Os testes com porcos hipersensíveis demonstraram a hipoalergenicidade do novo tipo de soja. A ironia desse estudo está no fato de que a grande crítica ao desenvolvimento de plantas transgênicas aponta para o seu eventual potencial alergênico. No caso, a biotecnologia foi usada para eliminar uma alergenicidade natural da soja!

 

Leite
Parcela da população humana é intolerante ao leite de vaca, especialmente pela deficiência de uma enzima responsável pelo metabolismo da lactose no organismo. Se a pessoa for alérgica, o sintoma se manifesta desde a tenra idade. A recomendação médica, nesse caso, é a eliminação do leite de vaca e a sua substituição por preparados de soja. Nos EUA, cerca de 25-30% dos infantes são alimentados com fórmulas infantis contendo soja. Um consumo tão elevado de soja, em uma quadra particularmente sensível do desenvolvimento humano, tem suscitado o incremento das pesquisas para garantir a qualidade da alimentação infantil.

Alterações metabólicas
    
Os cientistas nunca fazem qualquer concessão quanto à biossegurança. Com o aumento do consumo humano de soja, uma preocupação dos cientistas é com a alergia à P34. Outra preocupação é um eventual efeito das isoflavonas, que poderiam antecipar a puberdade. Também está sendo estudada uma possível ativação dos mecanismos de detoxificação orgânica, ou seja, aqueles processos naturais de defesa do organismo contra drogas exógenas, as quais são assumidas como invasoras e, portanto, metabolizadas. Se, de uma parte esse é um efeito benéfico - pois elimina substâncias tóxicas e alérgicas - por outro pode, eventualmente, reduzir o tempo de proteção de medicamentos administrados à criança.
  Amendoim
    
Os americanos devoram amendoim em grande quantidade. Porém, para 0,5% da população, o amendoim deflagra reações alérgicas, motivando cientistas do USDA a selecionarem cultivares não alergênicos. Cerca de 300 linhagens de amendoim estão sendo analisadas em laboratório, através do teste de anticorpos específicos para as três proteínas do amendoim, sabidamente alergênicas. Já foi identificada uma linhagem com a ausência das três proteínas alergênicas, a qual está sendo cruzada com cultivares comerciais, para obter um material que possa ser produzido pelos agricultores e ser consumido sem os problemas alérgicos das cultivares atuais. Com a ajuda dos cientistas, em breve a alergia alimentar será um problema do passado.

Créditos de Carbono e o agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

     Os cientistas demonstraram a estreita associação entre as emissões de gases como o gás carbônico, o metano e óxidos de nitrogênio e as mudanças climáticas. Após soar o alarme referente ao aumento dos gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, e as conseqüências derivadas desse acréscimo, a ONU desenvolveu uma série de negociações que culminaram na formalização do Protocolo de Quioto (PQ), em dezembro de 1997. Pelo protocolo, os países signatários comprometer-se-iam a reduzir as suas emissões em 5% - em relação ao existente em 1990 - entre 2008 e 2012. Uma das estratégias previstas para reverter o despejo de GEE na atmosfera é denominada de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), em cujo contexto são flexibilizadas as exigências para que cada país tenha que atingir a sua meta, de forma que não o seja isolada e estanque.   Compensações
     Pelo mecanismo proposto, o conjunto de países signatários deverá atingir a meta global. Entretanto, cada país, individualmente, poderá negociar com outros países de forma que o superávit de contenção de emissões de um país possa ser contabilizado a favor de outro, que não tenha atingido a meta. Esse superávit de contenção de emissões passa a ser denominado "crédito de carbono", assumindo um valor de mercado, flutuando ao sabor da Lei da Oferta e da Procura. Mecanismos similares às bolsas de valores conferirão transparência e liquidez ao mercado, inclusive sinalizando quanto à demanda e ao correspondente valor futuro, incentivando investidores a ingressar no mercado.
Perspectivas futuras
    
Na eventualidade da entrada em vigor do PQ, o Brasil será um dos players mais ativos do MDL, atuando na ponta da oferta de créditos de carbono. Essa perspectiva decorre tanto das possibilidades oriundas de projetos de florestamento e reflorestamento, contemplados no MDL, quanto de produção e uso de biocombustíveis (derivados do álcool ou do óleo vegetal), ou de outras fontes energéticas que substituam combustíveis fósseis. Em diversas situações a interface com o agronegócio é evidente e constitui uma oportunidade que não pode ser desperdiçada. Por exemplo, o cultivo da seringueira para a extração de látex ocupará um nicho importante, pelo incremento na oferta de borracha natural (a borracha sintética é derivada de petróleo), e a oportunidade de ingressar no comércio de créditos de carbono.
   

 

 

 

Os projetos de MDL
A obtenção de créditos de carbono comercializáveis depende de uma série de etapas burocráticas que, necessitam ser cumpridas antes, durante e depois da implementação do projeto propriamente. Elas são necessárias para garantir a correção e a fidedignidade das informações e para atingir as metas de redução das emissões. Face a esses quesitos burocráticos, haverá necessidade de constituir organizações dedicadas à elaboração, tramitação e validação dos projetos. O PQ prevê a existência de um Comitê Executivo de MDL, que será responsável pelo cumprimento dos dispositivos que embasam o mercado de créditos de carbono. Cada país membro deverá constituir um Comitê próprio o qual, em última análise, será o braço do PQ de cada uma das partes ratificantes.

 

Impacto no Agronegócio
    
Os projetos elegíveis para o MDL devem promover seqüestros de carbono ou reduções de GEE, que não sejam decorrentes de compensações entre áreas, e que sejam mensuráveis e permanentes. A duração de um projeto de MDL pode atingir até 21 anos. Um ponto importante é a adicionalidade das reduções, ou seja, as emissões de GEE devem ser menores na presença que na ausência do projeto, o que exige o estabelecimento de uma linha base, que servirá de referência para os cálculos de emissões. Para que o projeto de MDL seja aceito para transação, é necessária a sua validação, com base nos pressupostos anteriores, prevendo o monitoramento das metas ao longo da execução do projeto.
  Amortização de investimento
    
Na formulação de um projeto, tanto na área de florestamento/reflorestamento, quanto de obtenção e uso de energia limpa, os recursos que podem ser obtidos através da comercialização de créditos de carbono derivados do projeto passam a constituir uma importante vantagem competitiva, podendo alavancar determinados negócios que careciam de sustentabilidade mercadológica e consistência financeira.

O desafio sanitário da soja

Décio Luiz Gazzoni

 

Desde 2003 o Brasil é o principal exportador de soja do mundo, quando obteve US$8,4 bilhões em divisas. Em 18,5 milhões de hectares foram colhidas 52 milhões de toneladas, das quais 29 milhões foram processadas, resultando em 5,6 milhões de toneladas de óleo e 23,4 milhões de toneladas de farelo. Detendo 26,5% da produção mundial, o Brasil alcançou o píncaro da produtividade mundial, com média nacional de 2.816 kg/ha. Os melhores produtores colheram quase o dobro desse valor. Para a próxima safra estima-se que, na ausência de fatores adversos, deva ocorrer um acréscimo superior a 20% em relação à produção deste ano.

 

Números grandiloqüentes

Os estudiosos do assunto estimam que o valor dos negócios movimentados na cadeia da soja sejam equivalente a dez vezes o valor exportado. Assim, em 2003, cerca de US$84 bilhões (17% do PIB brasileiro) teriam irrigado os negócios de sementes, agrotóxicos, fertilizantes, máquinas, implementos, combustíveis, transportes, armazenagem, seguros, intermediações financeiras, processamento, embalagens, etc., no interregno entre a decisão de plantio do produtor e a exportação ou o consumo final da soja no mercado interno.

A produção de soja no Brasil dobrou entre 1990 e 2003. Esse aumento foi devido, principalmente, a um incremento da produtividade que passou de 2.000 kg/ha a mais de 2.800 kg/ha, nesse período. A razão principal do sucesso está no investimento em pesquisa de soja, ao longo do último quarto de século. Entretanto, embora o sucesso da pesquisa de soja seja um dos melhores exemplos da contribuição da P & D agropecuária ao desenvolvimento nacional, estamos longe de poder deitar eternamente em berço esplêndido, ao embalo de glórias passadas.

Em tempos de metáfora, dir-se-ia que o treino acabou, o campeonato vai começar agora. Como exemplo refira-se que, apenas para o controle da ferrugem da soja – última das pragas exóticas que ingressou no Brasil – estima-se um dispêndio de R$2 bilhões com fungicidas, para a safra que se avizinha. Nem os produtores, nem o Brasil, suportarão esse custo adicional, indefinidamente, razão pela qual necessitamos desenvolver outras formas de controle ou convivência com a ferrugem da soja. 

 

Oportunidade e ameaça
    Embora oscilações nas taxas de incremento da demanda mundial devam ocorrer, seguramente elas serão positivas por, no mínimo, uma década. A maior parcela do atendimento dessa demanda deve provir das lavouras da América do Sul (Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia).

Associada indelevelmente à expansão das oportunidades de negócios está a ameaça sanitária, pois crescem - em forma logarítmica - os riscos de ingresso de novas pragas exóticas na região. Dois outros fenômenos associam-se à expansão da soja rumo a novos nichos ecológicos e à maior disponibilidade de alimento para pragas: o surgimento de novas pragas (adaptação de espécies por vácuo ecológico) ou erupções mais freqüentes, mais abrangentes e mais intensas de pragas tidas como eventuais, secundárias ou esporádicas.

Neste cenário, potencializam-se os riscos de danos de pragas, acirra-se o recurso ao uso unilateral de agrotóxicos e novas barreiras sanitárias podem ser impostas à soja brasileira. Em conseqüência, deve crescer, na mesma proporção, a demanda por informações e tecnologias que permitam a mitigação dos riscos associados com a expansão da área e o crescimento da produção de soja, assim como de prejuízos causados à soja por ataque de pragas.

 

O risco das pragas exóticas

    Embora originária do Nordeste da China, a soja é hoje cultivada nos cinco continentes, sob as mais variadas condições de clima, solo e sistemas agrícolas, em contato com diferentes complexos florísticos e faunísticos. Algumas pragas são comuns a mais de uma região, porém a maioria é característica de uma região específica. Esse fato pode decorrer da incapacidade de adaptar-se a novos ambientes (o que é desejável) ou da falta de oportunidade de ingresso da praga no novo ambiente. Apenas o trabalho conjunto e integrado entre os sistemas de P&D e de defesa agropecuária pode minimizar os riscos de ingresso e proliferação de pragas.

 

A literatura registra mais de uma centena de insetos e um número elevado de fungos, bactérias, vírus, nematóides ou plantas daninhas, considerados pragas de soja. Um estudo preliminar, conduzido pela Embrapa, mostrou que, desse total, destacam-se 64 pragas exóticas que atacam a soja em outros países e que merecem atenção especial (48 insetos, 3 ácaros, 1 bactéria, 1 fungo, 2 vírus e 11 nematóides). Destas, 22 pragas foram consideradas de alto risco devido ao elevado potencial de introdução e dispersão e aos seus impactos econômicos, ambientais e sociais.

Também existe o risco de aumento dos danos de pragas secundárias já existentes no Brasil, ou de outros estresses bióticos que venham a prejudicar a cultura, devido ao ingresso da soja em novos nichos ecológicos. O risco de uma praga não haver ocupado determinado nicho por falta de oportunidade é uma ameaça sempre presente. 

 

Investimento imperioso
    Com a crescente globalização dos mercados e o aumento vertiginoso do intercâmbio comercial, as oportunidades de introdução de pragas exóticas se multiplicam. Para evitar que uma praga ingresse em um novo ambiente, os governos dispõem dos serviços sanitários e seus processos (quarentena, vigilância, monitoramento, campanhas de educação e erradicação, etc.). Como é impossível operar um sistema sanitário com risco zero, sempre existe a possibilidade de um determinado organismo patogênico ingressar no país e estabelecer-se como praga séria para a sojicultura nacional e regional.

            Fica patente que a soja, motor do agronegócio – por sua vez o sustentáculo da economia nacional – está a mercê de ameaças que podem esboroar a sua competitividade e sustentabilidade, drenando divisas, renda e postos de trabalho, além do incomensurável risco ao meio ambiente.

Um negócio que movimenta 17% do PIB brasileiro merece investimentos anuais equivalentes a frações de milésimos desse valor para garantir a sua sustentabilidade. Estamos falando de divisas, de renda, de salários, de empregos, de desenvolvimento, que transformar-se-ão em fumaça se não houver uma iniciativa enérgica das lideranças públicas e setoriais. 

P&D e o futuro da soja
      Mais que nunca será necessário investir, maciçamente, em programas de Pesquisa e Desenvolvimento. A soja brasileira ficou muito grande para prescindir de pesquisa à altura de seu potencial e das ambições futuras do Brasil. Além dos programas tradicionais de pesquisa, teremos que investir, com agressividade crescente, em tecnologias para evitar o ingresso de novas pragas ou para mitigar o seu impacto, na eventualidade de ingresso. São programas caros, demorados e trabalhosos, que envolvem parceiros nacionais e internacionais, destinados a gerar novas cultivares resistentes a pragas quarentenárias. Igualmente, teremos que investir em controle biológico e outras formas de controle dessas pragas, desenvolvendo a tecnologia antes que a praga ingresse no país. A alternativa é o pior dos mundos: a introdução de uma das 64 pragas exóticas acima referidas, gerando pesadas perdas de produtividade e acréscimos monumentais no custo de produção.
   A questão não se esgota nesse ponto. Pragas principais podem tornar-se resistentes aos métodos de controle atualmente utilizados. Pragas secundárias podem sofrer erupções de vulto ou mesmo assumir o status de praga principal. Outros organismos, que sequer eram referidos como pragas da cultura, podem adaptar-se à mesma, em função do vácuo ecológico e pela simplificação do ecossistema decorrente da monocultura da soja. Portanto, quem pretende ser o primeiro do mundo terá que investir para que efetivamente mereça chegar lá e, o mais importante, lá permanecer! 

          

Pesquisa e sanidade

    Paralelamente, todo o sistema de sanidade agropecuária terá que ser aprimorado. Reforços nas fronteiras do Brasil, em especial portos, aeroportos e passos fronteiriços, são essenciais. Novas técnicas de amostragem e inspeção necessitam ser desenvolvidas. Um sistema capilar e eficiente de monitoramento e vigilância fitossanitária deve ser organizado e mantido para constituir-se em ferramenta de detecção precoce e barreira à disseminação de novas pragas. Neste caso não estamos falando apenas de órgãos governamentais, porém de toda a cadeia produtiva de soja, que deverá compartilhar com os órgãos oficiais esta responsabilidade. 

Brasil, a nova potência energética?

Décio Luiz Gazzoni

Há um ano participei de uma reunião em Amsterdam, envolvendo cientistas, autoridades de governo e altos executivos de empresas de energia. Chamou-me a atenção o fato de que grandes players da área energética começam a colocar os pés em outras canoas que não o petróleo. Por exemplo, um diretor da British Petroleum comentou que o famoso logotipo contendo as letras "BP" passaria a significar "Beyond Petroleum" (além do petróleo) ao invés de "British Petroleum". É o entendimento claro que alguma coisa vai mudar, talvez antes da geração dos nossos filhos.

Falcatruas
    
O mercado rateia as empresas de petróleo pela relação entre as suas reservas confirmadas e a sua produção. Para a Petrobrás este valor é de 17, o que indica, grosso modo, que a Petrobrás dispõe de reservas seguras para operar durante os próximos 17 anos. Em meio às fraudes contábeis envolvendo empresas americanas, um fato chamou a atenção. No início deste ano, uma das maiores companhias de petróleo do mundo admitiu haver superestimado em 20% (3,9 bilhões de barris de petróleo) as suas reservas comprovadas. O valor equivale ao consumo brasileiro de quase 7 anos. As ações da empresa despencaram e as demais balançaram, porque o mercado desconfiou que a fraude poderia ser generalizada, pois cada empresa usa sua própria metodologia para contabilizar as reservas comprovadas.
  Reservas
    
O que excitou o mercado (e se constitui em uma das razões estruturais da recente subida de preços do petróleo) foi a constatação de que as reservas prováveis diminuíam, enquanto as comprovadas cresciam, entre meados dos anos 90 e o início do novo século. A leitura do mercado deveria ser otimista, pois as reservas prováveis estavam se confirmando. Entretanto, o ritmo de comprovação foi muito rápido e coincidiu com a safra das falcatruas contábeis. Conjuntamente, o estabelecimento de cotas pela OPEP, relativamente às reservas disponíveis, provocou uma reviravolta nas reservas comprovadas. Diversos países grandes produtores, não mais que de repente, aumentaram em até 300% essas reservas, para ter acesso a cotas maiores. O fato que restou é que as reservas comprovadas, no longo prazo, estão crescendo abaixo da demanda. E que a soma reservas prováveis mais reservas comprovadas mantém crescimento baixo e estável.
 

Cenário
    
A extração de petróleo - inclusive de águas profundas, os petróleos não-convencionais, os pesados e o polar - deve ter seu pico em 2010. Analistas sérios estimam que a produção decrescerá, paulatinamente, até que, em meados deste século, a produção equivalerá à metade de 2010. Naquela data, o petróleo será insuficiente para suprir 20% da demanda de combustíveis líquidos. O petróleo convencional já atingiu o teto de produção com 27 bilhões de barris por ano, que se estenderá até 2010, devendo cair até 2050, quando serão produzidos somente 8 bilhões de barris. O gás natural alcançará o pico de produção até 2020, a partir do que seguirá uma curva descendente. Essas previsões pressupõem um crescimento da economia mundial de 2,5% ao ano e embutem a previsão das reservas a serem descobertas, no mesmo ritmo do passado recente.

Japoneses
Acho que agora ficou mais fácil entender porque o diretor do Banco de Cooperação Internacional do Japão (JBIC), Koichi Yajima, acertou com o Ministro Roberto Rodrigues um investimento de US$600 milhões no pólo de biocombustíveis de Piracicaba, visando exportar álcool para o Japão. Os nipônicos pretendem adicionar 3% de álcool à gasolina. Este valor, extremamente baixo se comparado ao mercado brasileiro (25% de álcool na gasolina), exigirá a importação de 10 bilhões de litros de álcool, para uma produção brasileira estimada em 13 bilhões. Somando esta demanda com outras provenientes da Europa, significa que o Brasil canavieiro está arregaçando as mangas para mais que dobrar a sua produção, no curtíssimo prazo. E, em um prazo só um pouquinho mais longo, será a vez dos produtores de combustíveis derivados de óleos vegetais decolarem de vez, moldando o que será o maior negócio do agronegócio nacional.

Pesquisa, desenvolvimento e o futuro do agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

     Em 2004 o PIB do agronegócio será de R$537 bilhões, um crescimento de 5,8%, contra 6,5% do ano anterior. Como o agronegócio representa um terço do PIB nacional, sem a sua contribuição a economia brasileira teria encolhido 2,5% em 2003, ao invés dos 0,2% verificados. Com tal grau de maturidade, o agronegócio necessita de gestão profissionalizada, inclusive nos enlaces entre Ciência e Tecnologia e a sustentabilidade do agronegócio nacional. Apenas a contribuição das tecnologias da Embrapa representou um adicional de US$4 bilhões na renda dos produtores de grãos, em 2003. Analisamos, a seguir, alguns desafios da C&T do agronegócio, sem pretender esgotar o assunto.   Tendências do agronegócio
     Conviveremos, por longo tempo, com os subsídios dos países ricos e, até a eternidade, com crescentes exigências ambientais. Os mercados tornam-se progressivamente mais competitivos, apesar do crescimento da demanda, em especial por novos produtos e do aumento do comércio internacional de agro-produtos. O desafio a enfrentar é a constituição de um sistema de Pesquisa, Desenvolvimento, Inovação e Empreendedorismo (PDI&E) calcado na competitividade e na proteção ambiental, integrando órgãos públicos e a iniciativa privada. Tecnologia adequada é a grande arma de que dispõe o produtor brasileiro para enfrentar os subsídios dos países ricos.
  Tendências de consumo
     O consumidor moderno tem consciência de seus direitos. O acesso amplo à informação está provocando alterações nos padrões de consumo de alimentos, com tendência à diversificação. Aumentam as pressões de organizações sociais e as exigências éticas e de qualidade no processo de produção. O desafio para a PD&I é assestar o foco no cliente final e dispor de capacidade de antecipar tendências e mudanças de hábitos de consumo.

Tendências do meio ambiente
O agronegócio do futuro terá seu destino indelevelmente associado à preservação ambiental. A preocupação com os efeitos negativos dos impactos ambientais incorpora-se no dia a dia dos negócios, exigindo tecnologias que protejam ar e solos, preservem a fauna e a flora e, particularmente, promovam melhor gerenciamento do uso da água. O desafio a enfrentar é o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, tanto do posto de vista econômico quanto social e ambiental, ou seja, produzir mais e melhor, com respeito ao capital ambiental e ao Homem.
  Tendências tecnológicas
Antecipa-se a inevitabilidade da ampliação do uso de produtos derivados da biotecnologia e o crescimento da pesquisa em biofármacos, com mudança de foco gradual da indústria química. Outra vertente importante é a bioenergia e a química verde a ela associada. Independentemente do ramo do agronegócio, ganham importância os processos de certificação e de rastreabilidade.

 

Invariantes
Existem algumas "boas apostas" que podem ser feitas, como a urbanização, a desaceleração do crescimento populacional, a elevação do nível educacional da população - inclusive nas áreas rurais - e a maior consciência relativamente ao meio ambiente e ao desenvolvimento social. Neste particular, aumenta o poder de pressão dos movimentos sociais, conjuntamente com o acirramento da competição pelos mercados, o que conduzirá a maiores exigências do mercado consumidor, impondo diferenciais de competitividade que devem ser providos por investimentos em C & T.
  Quo vadis?
O agronegócio crescerá como um conjunto, mas alguns segmentos serão mais atrativos. A grande aposta é a agricultura energética, atualmente um nicho de mercado, que será o maior componente do agronegócio, em algumas décadas. Alimentos tradicionais serão gradativamente substituídos por alimentos funcionais, mesclando os conceitos de saúde e nutrição. A exigência de melhor qualidade de vida impulsionará o mercado de flores e ornamentais, especialmente nos países ricos. O ponto de união entre os três segmentos será a transversalidade dos processos biotecnológicos, que dominarão os mercados de produtos e insumos, em um futuro tão próximo que já é quase o presente. E o agronegócio será modulado pela excelência de seus sistemas de PD&I e de defesa agropecuária.

Aposentadoria heterodoxa

Décio Luiz Gazzoni

     Lembro-me das feições do professor, escapa-me seu nome. Mas na disciplina de Planejamento Rural, nos meus idos tempos de universitário, o mestre nos apresentou um projeto que havia realizado para um proprietário rural gaúcho, visando garantir uma renda de médio e longo prazo. Tema: reflorestamento.

  Juventude e paciência
     Passados mais de 30 anos, revisito o ensinamento do velho mestre, com uma proposta de um fundo de aposentadoria diferente. Se você tem menos de 40 anos, com perspectiva de alguma sobra financeira nos próximos dez anos, está coçando a cabeça com o déficit e as constantes reformas da previdência (que aumentam o que você paga, diminuem o que você recebe e prolongam a idade mínima de aposentadoria) e com a má gerência dos fundos de pensão, organize o seu próprio fundo de aposentadoria. Você gostaria de garantir R$10.000,00 mensais, durante 30 anos? Retirado de uma chácara de 5ha? Utopia? Leia primeiro, conversamos depois.

Teca
Não, ainda não compre ações da tecelagem Teka. Estou falando da árvore Teca (Tectona grandis), de porte alto, resistente ao fogo, fungos, cupins e outras pragas. Madeira forte, leve e impermeável, ótima para móveis, esquadrias, construção, indústria naval, etc. Originária do Sudeste Asiático, e pouco conhecida no Brasil, esta árvore produz madeira nobre, muito valorizada no mercado internacional. Uma substância conhecida como tectoquinona é responsável pela qualidade da madeira, tornando-a superior ao mogno, na avaliação dos especialistas. Ela pode ser serrada, aplainada, lixada, furada, sem rachar. Essas características foram descobertas pelos ingleses, que plantaram florestas da árvore na Índia, para suprir a sua florescente indústria naval. Se ela resiste bem a moluscos, brocas marinhas, salinidade e outros agressores marítimos, imagine a durabilidade na construção civil e no ramo mobiliário. Seduzidos por estas vantagens, dezenas de empresários estão implantando projetos de reflorestamento com Teca, em muitos estados brasileiros.

 

Nicho de mercado
O Brasil sempre foi um importante pólo madeireiro. No entanto, a exploração predatória e irracional das décadas passadas arrasou o nosso patrimônio florístico e as florestas já dão sinais de esgotamento. Na Amazônia existem cerca de 3.000 espécies de plantas que poderiam fornecer madeira, porém apenas 20 representam o filé do mercado - as madeiras nobres - que respondem por um quarto de toda a produção. As reservas de mogno, cerejeira e freijó estarão exauridas em 15 anos, e mesmo as madeiras nativas de segunda linha não devem resistir mais que 25 anos. Mas o mercado consumidor continua crescendo, no Brasil e no exterior. Com oferta em baixa, demanda em alta, o que ocorre com o preço? Explode até o limite da capacidade de pagamento do mercado. Como os projetos florestais são de longo prazo, o mercado é sedutor para os investidores que pretendam lucros altos, desde que não imediatos.
  O financeiro
Tirante a maturação longa, a Teca é um ótimo investimento. Em 5 ha, com o plantio de grãos (soja, milho, arroz, trigo ou feijão), ou o produtor se condena à eterna pobreza, ou perde a terra. Mesmo com exploração familiar, diversificada, mistura de agricultura e pecuária, a renda permite sobreviver apenas espartanamente. Mas, dispondo de outra fonte de renda, você pode plantar 5 ha com Teca, à razão de meio hectare por ano. A partir do 25o ano, e por 10 anos, você pode auferir um rendimento estimado de R$250.000,00/ano. Como você queria apenas R$10.000,00/mês, restarão R$130.000,00/ano que você aplica na caderneta de poupança (juros de 6% reais a.a.), garantindo os outros 20 anos de sossegada aposentadoria. E, ao partir dessa para melhor, ainda deixa uma chácara e um cheque de R$1.250.000,00 para a viúva – equivalente a um prêmio da Mega Sena!
  O cálculo
Como cheguei a esses números? Um hectare de Teca rende, no mínimo, 60m3 de madeira de primeira. Esta madeira é cotada pelo diâmetro da tora: as mais finas (40-50cm) valem entre US$800-2.300,00/m3. As toras excepcionais, com mais de 67cm de diâmetro são vendidas apenas em leilão – tamanha sua procura - com lance inicial ao redor de US$3.500/m3. Com a redução das reservas madeireiras, imagine o preço daqui a 25 anos! Belo negócio. Porque eu não entro nessa? Deveria ter ouvido meu professor de Planejamento, que este é investimento para jovens de até 40 anos. Infelizmente!

Garapa salva o Botafogo?

Décio Luiz Gazzoni

     Talvez nem reza braba opere a mágica, mas não custa tentar. Em 2001, a Ponte Preta também tinha um time tecnicamente limitado, mas chegou em 6º lugar ao final do Campeonato Brasileiro e, em 2002, a Caldense foi campeã mineira. Será que a garapa que os jogadores ingeriram ao final de treinos e jogos influenciou na colocação obtida?

Energético natural
    
A onda começou pelos países ricos e espalhou-se pelo mundo. É só entrar em qualquer farmácia ou drogaria e surgem centenas de produtos especiais para atletas de competição. Normalmente são produtos caros, embora sem muito segredo em sua composição. Foi daí que surgiu a idéia de testar o suco de cana – a garapa das barraquinhas de rua – e avaliar a sua eficiência como suplemento energético para atletas. Pesquisadores da Unicamp debruçaram-se sobre o tema, objetivando comprovar os efeitos benéficos da garapa sobre o rendimento físico e para recuperação da massa muscular de atletas.
  Fisiologia
    
Para movimentar a máquina representada por um organismo vivo é necessário energia. No caso dos atletas, em que o exercício beira a exaustão, a demanda de energia é muito maior. O combustível humano é o glicogênio, que está disseminado pelas células do organismo e é transportado pela corrente sanguínea, de maneira a estar prontamente disponível quando exigido. Como o glicogênio é formado a partir de outros carboidratos (glicose, frutose, sacarose ou amido), após uma grande demanda de energia, há a necessidade de reposição de seu estoque. Sem reposição, o atleta sente fadiga e seu rendimento diminui. Logo, o recurso à garapa é uma abordagem óbvia, por ser um produto rico em sacarose e outros açúcares, natural, barato e de sabor apreciado.
  Nutritivo
    
O caldo de cana contém até 70% de água, porém 50% de seu peso seco compõe-se de açúcares de baixo peso molecular, prontamente assimiláveis pelo organismo. Uma molécula de sacarose, na presença de água, pode ser desdobrada em uma molécula de glicose e outra de frutose, posteriormente convertidas para glicogênio. Após a prensagem da cana, o caldo conserva todos os nutrientes da cana-de-açúcar, entre eles minerais como ferro, cálcio, potássio, sódio, fósforo, magnésio e cloro (3 a 5%), e vitaminas dos complexos B e C. Além da sacarose, a planta contém glicose (2% a 4%) e frutose (2% a 4%) livres, proteínas (0,5% a 0,6%), amido (0,001% a 0,05%), lipídios (0,05% a 0,015%) e corantes (3% a 5%).

Ponte Preta
     Em 2001, os cientistas da Unicamp entabularam uma parceria com a Associação Atlética Ponte Preta, de Campinas. Foi estabelecido um protocolo de pesquisa, de maneira que a reposição de líquidos era efetuada com garapa, que supria, concomitantemente, as necessidades energéticas dos atletas, ao final dos exercícios. O teste envolveu 60 atletas, sendo 30 da equipe de futebol profissional e 30 da categoria júnior, os quais recebiam a quantidade pré-determinada de garapa após o treino ou ao final de uma partida. Coincidência ou não, o fato é que, com um time tecnicamente limitado, a Ponte Preta chegou ao final do campeonato brasileiro na 6ª. posição.

 

Caldense
     Já o time mineiro obteve um sucesso retumbante: a Caldense sagrou-se campeão estadual no ano de 2002. O segredo? Pode não ser o único, mas o time também efetuou a reposição energética com garapa de cana. Os pesquisadores da Unicamp estão muito satisfeitos com os resultados obtidos, porém antevêem um problema: como proceder com os atletas brasileiros, que forem adaptados à reposição com garapa, quando competirem no exterior? Solução: liofilizar o caldo, produzindo a garapa em pó. Esta é a nova etapa da pesquisa, que promete criar um produto com grande apelo comercial, que poderá render bons lucros, agregando valor ao agronegócio da cana. Já os botafoguenses não se importam com lucro financeiro, querem saber é se até um time ruim como o do Botafogo está sujeito ao efeito Caldense, se os jogadores tomarem garapa!

Avestruz

Décio Luiz Gazzoni

     Essa talvez você não saiba: a criação de avestruzes foi impulsionada pela demanda de plumas para confecções. Até hoje esse é um mercado aberto, sendo o Brasil um dos grandes importadores de plumas utilizadas na confecção de fantasias de carnaval. Nosso fornecedor principal é a África do Sul, maior produtor mundial de avestruzes. A carne apenas ganhou importância comercial expressiva nos últimos 40 anos e, no Brasil, a criação teve início em meados da década passada.

Uma ave resistente ...
    
Os cientistas a denominam Struthio camelus, e a classifcam como omnívoras (alimentam-se de carne e de vegetais) e como ratitas (aves que não voam). Sua origem é o sul da África onde habitam as grandes planícies. Para completar a coleção de palavras difíceis, a avestruz é monogástrica, com grandes possibilidades de exploração em pastagens extensivas. Se não for abatida para consumo, a avestruz pode viver mais de 70 anos. Trata-se de um animal muito valorizado desde a tenra idade: um filhote de avestruz vale R$800,00 aos três meses, R$1.200,00 aos seis e quando atinge a idade reprodutiva vale até R$9.000,00.

... e veloz!
    
Não se iguala ao Schumacher, mas uma avestruz pode correr a 60 km/hora por mais de dez minutos seguidos. Adaptada à competição selvagem, possui visão de águia e uma pata que é uma poderosa arma de defesa. Seu porte é alto, chegando aos três metros de altura, e seu peso atinge até 150 kg. Não é muito difícil separar machos de fêmeas. Enquanto estas são castanhas a pardacentas, aqueles apresentam plumagem preta e branca. As fêmeas colocam, em média, 60 ovos por ano. Se você achou pouco, saiba que cada ovo de avestruz equivale a duas dúzias de ovos de galinha. Isso significa que uma avestruz põe o equivalente a quatro ovos de galinha por dia!

Mil e uma utilidades
    
O rebanho mundial ultrapassa a 2 milhões de exemplares, sendo 5% criado no Brasil. Os maiores produtores são a África do Sul, os EUA, a Europa e a China. No Brasil, São Paulo, Bahia e Mato Grosso são os principais estados produtores. A carne de avestruz é muito apreciada e, por escassa, muito cara. O preço ao consumidor oscila em torno de R$60-70,00/kg. Da avestruz, além da carne, comercializam-se as plumas, os ovos, o couro – altamente valorizado na indústria da moda – as unhas e os bicos, usados para a confecção de bijuterias.
  Criação
    
O dito popular denomina estomago de avestruz o sujeito que não enjeita comida. A avestruz se alimenta de ervas, milho, alfafa, feno, aveia e sabe lá Deus o que mais! Mas, se ela puder escolher, prefere a alfafa. A avestruz necessita de 4,8 kg de alimento para engordar 1 kg. O produtor não pode descuidar, pois se der mole, a avestruz ingere qualquer objeto cuja cor ou forma lhes chame a atenção, como calhaus ou pedaços de madeira. A vida reprodutiva da avestruz atinge 35 anos, iniciando a postura aos 2 anos de idade. A experiência mostra que uma fêmea gera 20 filhotes por ano, a partir de ovos, que medem 20 cm e pesam de 1 a 2 kg. O período de incubação é de 42 dias e, ao nascer, os pintos pesam de 800g a 1 Kg. Nos primeiros 6 meses, a taxa de crescimento é de aproximadamente 30 cm por mês. Os animais superam os 100 kg aos 15 meses (idade média do abate) gerando de 30 a 35 kg de carne limpa, 1,4 m2 de couro, além das plumas. Pelas vantagens que tem demonstrado, a avestruz passará a disputar a preferência dos pecuaristas e competirá no mercado com as carnes nobres de gado.

ICE2004: o libelo dos pobres

Décio Luiz Gazzoni

      

      Em agosto estive em Brisbane (Austrália), participando do XXII International Congress of Entomology (ICE). Impossível detalhar, mesmo parcialmente, mais de 270 simpósios, divididos entre 18 sessões científicas simultâneas. Vou ater-me ao tema que mais chamou a atenção dos participantes, pois o tom conceitual do Congresso foi modulado pela conferência da Dra. J. Thomson (Universidade de Cape Town, África do Sul), que pretendeu refletir o pensamento dominante no continente.

 

  Grita
      A conferência constituiu-se em um libelo reflexivo sobre o momento político das relações internacionais, cobrando menos discurso e mais apoio concreto e factual, a recidiva colonialista, a segregação norte/sul, os caminhos da ciência e sua junção com o agronegócio e os sistemas de duplo padrão do comércio internacional. Alertou para fatos globais, como o crescimento da população mundial, em que 90% dos novos nascimentos até 2050 ocorrerão no hemisfério sul, o mais pobre. Que, em 1966, havia 0,45ha para produzir alimentos para cada habitante do mundo. Em 2000 era 0,25 e será de 0,15 em 2050. Logo, será necessário produzir muito mais alimentos em menor área - e a maior demanda virá dos países pobres.

 Crítica

      A cientista criticou os subsídios agrícolas, responsáveis diretos por parcela da pobreza da África e de outros países que dependem da agricultura. Responsabilizou-os pelos fluxos migratórios para os países ricos. Condenou o duplo padrão dos países europeus, que adquirem milho e soja transgênica dos EUA, Argentina e Brasil, para formularem rações bovinas, produzindo carne e produtos lácteos. Entretanto, esses mesmos países impõem duras restrições ao ingresso de carne produzida com milho transgênico, procedente da África.

África
      Lá, 70% da população têm na agricultura a única fonte de renda. Entretanto, sua produção é a menor do mundo, importando 25% de seu consumo. Prevê-se uma defasagem de 90 milhões de toneladas de cereais, em 2025, nos países ao sul do Sahara. Segundo a pesquisadora, a biotecnologia é uma das ferramentas que podem evitar a concretização desta profecia, melhorando a eficiência, a qualidade e a produtividade dos cultivos. Num encontro de especialistas da UNIDO (Nairobi, 2003), definiu-se o desenvolvimento de cultivares transgênicos resistentes a insetos, a viroses, a plantas daninhas e a fungos que produzem micotoxinas, além de cultivares tolerantes à seca, como a prioridade da pesquisa agrícola continental.
  Em andamento
      A conferencista referiu sucessos de cientistas africanos, no desenvolvimento de cultivares transgênicas de milho e mandioca resistentes a vírus e à plantas daninhas do gênero Striga, uma das mais importantes na agricultura mundial, pois possui o hábito de entrelaçar o seu sistema radicular com o do cultivo onde se instala, asfixiando a planta cultivada. Um dos maiores problemas de saúde pública da África é o desenvolvimento de micotoxinas em milho armazenado. A solução encontrada foi a introdução de cultivares Bt, as quais, além de serem resistentes a alguns insetos, também se mostraram tolerantes aos fungos que produzem micotoxinas, reduzindo dramaticamente os casos de intoxicações e tumores associados a elas. Além disso, o milho Bt aumentou a renda dos pequenos agricultores, que vendem o excedente de milho para o mercado. 

 

Futuro
      Para enfrentar a seca, foram transferidos genes da “ressurection plant”, nativa da África, que pode perder 95% do seu conteúdo de água, e “ressuscitar” em três dias, após uma irrigação. As primeiras variedades de milho transgênico estão demonstrando tolerância à seca, à salinidade de solo e ao calor. Foi ressaltado o crescimento da área de cultivares transformadas nos países em desenvolvimento, que hoje respondem por 30% dos 68 milhões de hectares cultivados com OGMs no mundo. Lembrou que o incremento da área entre 2002 e 2003 foi devido, em partes iguais, ao crescimento observado nos países industrializados e em desenvolvimento. Porém, o crescimento nos países em desenvolvimento foi de 28%, enquanto nos países ricos foi de 1,1%.
  Fecho
      A conferencista encerrou sua apresentação com um eslaide expondo que o mundo industrializado pode se dar ao luxo de dizer “nós temos comida, portanto dispensamos OGMs”, porém os países pobres clamam que “necessitam, desesperadamente, de comida e que qualquer fórmula que torne sua vida mais digna será bem vinda”.

 

Dissecando os insetos

Décio Luiz Gazzoni

         Estou escrevendo de Brisbane (Austrália), onde 2.600 entomologistas de 74 países reúnem-se no XXII Congresso Internacional de Entomologia para discutir o que esta Ciência avançou desde a edição anterior (2000), em Foz do Iguaçu. Não há nada bombástico para relatar, mas muita novidade interessante para comentar. Afinal são seis dias de congresso, com sete conferências e mais de 270 simpósios, divididos em 18 sessões simultâneas, além de um milhar de apresentações em pôster.

 

Agricultura orgânica
        Ainda existe um longo caminho a trilhar, no desenvolvimento de técnicas seguras de controle de pragas sem o recurso aos agrotóxicos. Diversos países estão investindo na área, e esperamos que este seja um exemplo para o Brasil.

Apesar de a soja orgânica atingir 60.000 ha nos EUA, o controle de algumas pragas como o pulgão da soja e diversos besouros, além de doenças fúngicas e viróticas, ainda é precário sem o recurso ao controle químico. A agricultura orgânica tem crescido muito nos EUA e na Europa, devido ao auxílio do governo, em especial através de subsídios agrícolas, o que, aliado com o prêmio do mercado aos produtos orgânicos, permite ter sucesso na atividade, mesmo com menor produtividade.

            As lavouras dedicadas à agricultura orgânica são, necessariamente, de pequenas áreas, em especial devido aos problemas com plantas daninhas. Por este motivo, crescem os cultivos de frutas e hortaliças que incorporam princípios orgânicos. Para o controle de pragas, o recurso ao caolim e ao óleo de nim rivaliza com o uso de feromônios, plantas resistentes (que não sejam transgênicas) e o controle biológico.

            A rotação de culturas não é possível nos pomares, porém a técnica é uma das bases do manejo de pragas em agricultura orgânica. Deixar algumas faixas de plantas nativas no meio da cultura, para abrigo de agentes de controle biológico, é outra técnica utilizada.

 

Soja
            Na última edição de Cultivar comentamos o risco sanitário da soja, um alerta quanto ao risco das pragas exóticas. Portanto, nada mais natural que acompanharmos o tema durante o congresso. Um grupo japonês relatou os problemas causados por uma mosca (Asphondylia yushimai), que causa galhas no caule da soja. Já os pesquisadores coreanos referiram como pragas principais os percevejos Riptortus clavatus e Halyomorpha halys, felizmente ainda desconhecidos em nossas lavouras. Esta última espécie ingressou nos EUA em 1996 e é motivo de preocupação para os americanos.

            Os colegas japoneses também apontam Riptortus clavatus como uma das principais pragas. Um país rico, como o Japão, pode inovar até no monitoramento de pragas. No caso deste percevejo, foi desenvolvida uma armadilha, contendo uma substância que atrai os insetos. O interessante é que os insetos são contados automaticamente e o resultado é transmitido por um equipamento sem fio, diretamente para o laboratório dos pesquisadores!

A sofisticação também está na cor: as armadilhas brancas ou amarelas coletam mais insetos. A idéia dos pesquisadores é detectar, precocemente, o surgimento da praga, alertando os agricultores para o seu controle. Um problema é que a mesma armadilha também atrai o percevejo Piezodorus hybneri, um primo do nosso percevejo pequeno, mas que ainda não pintou pelas plagas brasileiras. 

  

Pulgão da soja
            Esta praga é um grande risco para a soja brasileira. Ela ingressou nos EUA em 2000 e já se expandiu para 21 estados, além de três outros no Canadá, causando danos diretos e sendo vetor de doenças. Estuda-se a biologia e a ecologia da praga, nas condições dos EUA, e as formas de seu controle, sendo que o agricultor nada pode fazer além do controle químico.

Para diminuir sua incidência na safra, as plantas que abrigam o pulgão no inverno estão sendo identificadas. Uma planta nativa do gênero Rhamnus aparenta ser muito importante para a reprodução do pulgão no inverno. O fato é importante, porque o pulgão ataca a soja em qualquer idade. Logo, se houver uma alta população após o plantio, os danos serão maiores que os observados em um ataque tardio.

            O pulgão é um problema particularmente sério na soja orgânica, onde inseticidas químicos não podem ser usados. Para os americanos este é um desafio importante, pois, nos 60.000 ha de soja orgânica nos EUA, a rentabilidade do agricultor é 4-5 vezes superior à obtida com soja convencional.

 

Algodão
            Dois estudos chamaram a minha atenção. O primeiro deles demonstrando que, tal qual a soja, o algodão compensa as perdas ocorridas no início do desenvolvimento. A redução de 80% das folhas, a retirada dos ponteiros de 100% das plantas (por três vezes consecutivas), a retirada do ponteiro e dos dois nós superiores ou a eliminação dos quatro primeiros galhos a florescerem, não causaram perdas de produção.

            O segundo estudo é uma comprovação, por pesquisadores australianos, do que a Embrapa já recomenda para o controle de pragas da soja. Eles demonstraram que a mistura de sal de cozinha com inseticidas reduz a dose do agrotóxico, mantendo o mesmo índice de controle de pragas sugadoras. Além disso, a vantagem está no aumento da seletividade do inseticida. Os cientistas atribuem o sucesso a um aumento de 30-35% nas picadas de prova que os insetos efetuam na planta.

            Também impressiona o crescimento do uso de cultivares transgênicas. O sucesso vertiginoso fez com que surgisse uma nova geração de cultivares, incorporando outras toxinas de Bt, para ampliar o espectro de pragas controladas. Destaca-se uma cultivar que incorpora uma proteína tóxica às pragas, que é totalmente diferente das demais, inclusive com outro modo de ação, o que abre perspectivas animadoras para administrar o problema de desenvolvimento de resistência das pragas.

 

Resistência
            Há tempos a agricultura se beneficia de plantas tolerantes ou resistentes a insetos. Uma inovação está no desenvolvimento de “vacinas” para criar cultivares resistentes. Cientistas da Universidade da Califórnia obtiveram sucesso com o uso do metil jasmonato para induzir resistência multigênica contra um grande número de insetos, em diversos cultivos.

Outra novidade é a descoberta da utilidade de fungos endofíticos para controlar insetos. Estes fungos se desenvolvem nos espaços entre as células das plantas vegetais, sem impactos negativos sobre elas, porém com diversas utilidades. Entomologistas da Nova Zelândia descobriram que a peramina, produzida por fungos endofíticos de pastagens, diminui o “apetite” dos insetos, além de ser tóxica para diversas pragas. Já os americanos demonstraram a associação entre substâncias produzidas pelas plantas e aquelas sintetizadas por fungos endofíticos, que resultam em resistência aos insetos.

            Inúmeros estudos estão buscando identificar os genes responsáveis pelas substâncias produzidas pelas plantas e que afetam, negativamente, as pragas. Através de biotecnologia será possível aumentar o teor destas substâncias ou transferi-las para outras plantas, que não as produzem naturalmente.

 

 Transgênicos
            A polêmica aumenta na razão direta do crescimento vertiginoso de cultivares transgênicas para controle de pragas. Nos EUA já são cultivados 58 milhões de hectares com transgênicos (apenas com soja, milho, algodão, canola e papaya), estimando-se os lucros devidos à tecnologia em US$1,5 bilhões. Na China, 58% da área de algodão está coberta com cultivares Bt.

     O veterano Prof. Van Emden, da Inglaterra, chama a atenção para o desenvolvimento de resistência das pragas às cultivares Bt, devido ao seu uso unilateral para controle de pragas. O desafio é integrar controle químico/trangênese com outras formas de resistência ou tolerância e com controle biológico.        Mesmo quando se recorre a outras técnicas, deve-se evitar que qualquer delas atinja 100% de sucesso. Quando isso ocorre, a natureza reage, desenvolvendo “antídotos” nos insetos, seja contra plantas resistentes ou agentes de controle biológico.        Quanto aos impactos ambientais, como transferência de genes para outras espécies ou efeito sobre espécies não visadas, há mais iniciativas sugerindo que sejam aprofundados os estudos do que impactos comprovados. No caso de plantas resistentes a herbicidas, pesquisadores ingleses estudaram diversas espécies de plantas RR e descobriram que, quando se permite a presença de algumas plantas daninhas, ao longo do ciclo de cultivo, não há diferenças na diversidade de insetos quando comparados a cultivos semelhantes, sem a resistência ao glifosato.

 

Soja e alergia

Décio Luiz Gazzoni

     A reação alérgica é uma forma de proteção do organismo contra substâncias exógenas. Assim como a dor alerta o organismo de que algo está fora dos padrões, a alergia é uma maneira de o organismo defender-se de eventuais perigos externos. Por vezes essa reação é exagerada ou, até, desnecessária. No caso da alergia ou hipersensibilidade a alguns alimentos, observa-se uma reação anormal deflagrada por alguma substância presente no alimento, resultando em uma série de sintomas desconfortáveis.

Epidemia
     Estudos realizados nos EUA, em 2001, determinaram que 1,5% dos adultos e 6% das crianças com menos de 3 anos de idade (cerca de 4 milhões de cidadãos) são suscetíveis a algum tipo de alergia, configurando um aumento da sua prevalência em relação a estudos anteriores. Desse total, 150 vão a óbito, anualmente, em decorrência de reações alérgicas extremas. Os principais alimentos que deflagram reações alérgicas em adultos são peixes e frutos do mar, amendoins e nozes, leite e ovos. Já os infantes são mais alérgicos a ovos, leite, amendoim, soja e trigo. De acordo com o FDA, o Departamento do Governo que cuida da segurança dos alimentos, 90% das reações alérgicas são devidas a proteínas presentes nos alimentos. Existem também alimentos "emergentes", como frutas tropicais, temperos e condimentos, que vêm ganhando importância como alergênicos.
  Soja
     Ainda de acordo com o FDA, a soja é o 11º produto em termos de alergenicidade, respondendo por apenas 3% dos casos de alergia em crianças. Leite e ovos são considerados produtos muito alérgicos e, para crianças sadias, a soja é, geralmente, muito menos alérgica que o leite de vaca. Entre os adultos, são raros os casos de reações alérgicas à soja. As primeiras reações alérgicas deflagradas pela soja ou pelo leite de vaca são observáveis aos 3 meses de idade. Os sintomas incluem vômitos, diarréia, irritabilidade, dermatite difusa, rinite e asma. Um percentual muito grande de crianças, que expressaram sintomas alérgicos nesta idade, perderam a sensibilidade após os 3 anos de idade. Entretanto, o mesmo não ocorre com alergias a amendoins, nozes, peixes e frutos do mar, que tendem a acompanhar o indivíduo durante sua vida. Os cientistas também observaram uma correlação entre alergia ao amendoim e à soja, mas não detectaram associação entre alergia à soja e ao leite de vaca.

Funcionalidade e alergia
     Foram identificadas 15 proteínas de soja com potencial alergênico, entre elas a P34 e as globulinas 2S, 7S e 11S, que contém conglicininas e glicinas. Normalmente, quem for alérgico à soja deve evitar produtos à base da leguminosa, embora aqueles processados por fermentação (como shoyu, tempeh, natô, misô e tofu) sejam menos alergênicos que outros derivados da soja. Entretanto, com a presença de proteína hidrolizada, concentrados protéicos ou proteína texturizada em uma infinidade de alimentos processados (embutidos, pães, bolos, doces, chocolates, bolachas, massas, etc), por vezes não é possível seguir a recomendação à risca. Com a descoberta contínua de benefícios à saúde, decorrentes das propriedades funcionais da soja, cresce significativamente o número de adeptos de alimentos contendo soja, o que representa um desafio para os cientistas, a fim de encontrar uma solução definitiva para o problema.
 

Solução
     Este desafio já está sendo enfrentado pelos pesquisadores. A maior preocupação dos cientistas é com os bebês e crianças, por sua maior fragilidade e suscetibilidade. Por essa razão, pesquisas estão sendo realizadas para identificar os genes ligados às substâncias que deflagram alergia à soja, como é o caso da proteína P34. Utilizando técnicas de biotecnologia, estão sendo desenvolvidas cultivares, transgênicas, onde a proteína alergênica é substituída por outra ou, então, o gene é "silenciado", ou seja, embora ele permaneça presente no cromossomo, não codifica para proteína alergênica. Esta solução pode parecer ironia, pois a biotecnologia é a grande arma que dispõem os cientistas para eliminar reações alérgicas causados por alimentos, quando a crítica que é feita às variedades transgênicas é de que elas possam deflagrar reações alérgicas!

As pragas agrícolas e o aquecimento global

Décio Luiz Gazzoni

     Raros são os sojicultores que não conhecem o percevejo verde (Nezara viridula), que ataca a soja. É um inseto polífago (alimenta-se de diversas plantas), porém restrito a regiões de clima sub-tropical a temperado. Em junho de 2004, foram encontradas colônias do inseto em parques de Londres. A novidade criou um dilema entre os entomologistas britânicos: mudou o percevejo ou mudou o clima?

Mudança climática
     Aparentemente o percevejo não mudou. Para que ele pudesse estabelecer-se na fria Londres, a 45º. de latitude, onde jamais fora registrado, as condições ambientais mudaram, como vinham alertando cientistas do mundo inteiro. É o chamado aquecimento global, devido ao impacto ambiental de diversas atividades humanas, capitaneado pela queima de combustíveis fósseis. Este é um dos principais motivos pelos quais a sociedade mundial tem se mobilizado, em busca de alternativas menos agressivas ao ambiente.
  Conferência Mundial
     Esse foi o tema central da Conferência Mundial sobre Energias Renováveis, realizada na Alemanha, em junho passado. Apesar da pressão do lobby petroleiro, a declaração final da conferência, endossada por 154 países, incentiva a pesquisa e o uso mais intenso de energias limpas e renováveis (solar, eólica, hídrica e biomassa). A declaração é um importante marco político, em linha com as políticas estabelecidas por diversos países. O Brasil foi pioneiro neste aspecto, com o Proálcool e agora prossegue na mesma trilha com o Probiodiesel. Neste último caso, a meta é adicionar 2% de biodiesel ao petrodiesel, já a partir de 2005, elevando este percentual para 5% até o final da década. O governo do Japão determinou a adição de álcool à gasolina automotiva. Apenas a guinada japonesa significa uma demanda adicional de 6 bilhões de litros de álcool, e o Brasil é o grande candidato a abocanhar o mega-negócio.

Plano de Ação
    
Mais do que uma proposta genérica, a Conferência resultou em um Plano de Ação concreto, compreendendo 165 projetos, envolvendo os países europeus e outras regiões, focados no desenvolvimento de alternativas de energia limpa. As três grandes demandas energéticas da Europa são energia elétrica, aquecimento de residências e prédios comerciais e transporte. Em qualquer dos casos, o Brasil é o país com as melhores condições para ofertar energia de biomassa, seja através de briquetes, álcool ou óleo vegetal.

Os investimentos
     Sabedores do potencial brasileiro, o Banco de Desenvolvimento Japonês acena com investimentos de US$600 milhões no nosso pólo sucro-alcooleiro. Já o Banco Europeu de Investimentos anunciou, durante a conferência, uma linha de crédito de 800 milhões de euros, para projetos de energia limpa, até o final da década. A intenção do Banco é dispor de linhas com recursos superiores a 400 milhões de euros anuais, a partir de 2010. Além dos recursos oficiais, o mercado de carbono deverá crescer exponencialmente, sendo o Brasil um dos mais importantes receptores destes recursos, especialmente em projetos de agricultura de energia.

  Efeito sobre as pragas
    
A mídia tem sido pródiga em abordar diversos impactos negativos decorrentes do acirramento do efeito estufa, devido à queima de combustíveis fósseis. Além destes, o agricultor está sujeito à maior incidência de pragas. Tanto podem surgir novas pragas, devido à mudança de clima que permite a sua adaptação, quanto podem surgir novas raças de pragas. No entanto, o que deve ocorrer com mais freqüência é a alteração do ciclo biológico das pragas. Pragas de ciclo curto, como ácaros e pulgões, podem ter mais uma geração por ano, o que pode significar mais uma ou duas aplicações de agrotóxicos, afora os danos que não possam ser prevenidos. A única faceta interessante de toda esta história é que, ao produzir biomassa como base de energia limpa, o agricultor também estará evitando o agravamento do problema de pragas na lavoura.

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