Europa, nosso cliente
Décio Luiz Gazzoni 

Recentemente, tivemos a oportunidade de participar da elaboração do Plano Nacional de Agroenergia. Um dos temas que colocamos em evidencia no Plano é a inevitabilidade da liderança brasileira na geração e comércio internacional de agroenergia. Inevitabilidade em termos: todas as vantagens comparativas estão do nosso lado – precisamos transformá-las em diferenciais competitivos e em negócios palpáveis.

Um dos futuros clientes preferenciais do nosso biodiesel será a Europa, onde a consciência sobre a necessidade urgente de câmbio da matriz energética internaliza-se com muita rapidez entre os cidadãos. Trata-se de um mercado rico, multifacetado, remunerador e promissor. Logo, que tal analisarmos, sucintamente, o quadro energético europeu, nosso potencial comprador de biodiesel? 

Política Energética
    Na Europa, como no resto do mundo, a luz amarela acendeu com a primeira e a segunda crises do petróleo (anos 70). Existiam na Europa diversos órgãos governamentais monopolistas de geração de energia elétrica e, inclusive, de geração de energia nuclear ou produção e distribuição de combustíveis fósseis, em especial na Europa Oriental. Fontes renováveis de energia constituíam-se em exceção, concentradas em hidroeletricidade, mormente na Suécia e Itália.

     A partir dos anos 80, inicia-se um processo gradual de mudança deste quadro, lastreado em questionamentos sobre a segurança do suprimento energético, temas ambientais, competitividade das economias européias e desenvolvimento regional.

     Entretanto, a maior visibilidade do processo, até o momento, é o aumento da demanda energética. Por exemplo, estima-se que a dependência externa de petróleo e gás natural crescerá de 80% e 46% (2000) para 93% e 73%, respectivamente, se a matriz energética não for alterada. Estes números apontam para sérios desdobramentos como: i) aumento da dependência do Oriente Médio; ii) exposição à custos crescentes de energia; iii) sujeição a crises de abastecimento; iv) impactos ambientais crescentes.

     Em conseqüência, a Europa trabalha com cenários que prevêem aumento da eficiência energética,  geração própria de energia renovável, ou sua importação de terceiros países. Aí se concentra a nossa oportunidade, não apenas para biodiesel, porém para etanol e derivados de florestas energéticas.

 

Peso ambiental
            Não se pode perder de vista que a Europa foi um dos principais proponentes e impulsionadores do Protocolo de Kyoto, um contraponto à renitente resistência americana. Aliás, Kyoto apenas se viabilizou quando as lideranças européias convenceram a Rússia a firmar o Protocolo. Esse empenho não ocorreu por acaso: a Europa é o continente que tem sido mais assolado por extremos climáticos (nevascas, enchentes, secas, ondas de calor, etc), derivadas da queima excessiva de combustíveis fósseis. Assim, quando os líderes europeus pugnaram por Kyoto, tinham em mente o apelo de seus eleitores e os enormes custos (financeiros, sociais e ambientais) das mudanças climáticas. 

As oportunidades
            A estratégia européia para cumprir as metas de Kyoto consistem em i) maior eficiência do uso final da energia; ii) aumento da proporção de energia renovável na matriz; iii) aumento do seqüestro de carbono. Embora o Brasil possa ser beneficiado pelo ponto (iii), é na geração de energia renovável – especialmente agroenergia, com portabilidade – que estão nossas melhores oportunidades de negócios.

            A conclusão óbvia é que o nosso mercado interno é muito importante, porém deve ser visto também como uma oportunidade de fortalecer a musculatura, ganhar eficiência e competitividade, de olhos postos no mercado europeu. Entre outros aspectos, desde já devemos nos preocupar com baixo custo, atendimento das especificações e absoluto respeito às questões sociais e ambientais de todo o ciclo de produção de energia.

 

O imprescindível novo modelo energético
Décio Luiz Gazzoni 

O Brasil está perplexo com a atitude do Presidente da Bolívia, de expropriar o patrimônio da Petrobras. Há décadas não se via algo parecido e esta decisão, seguramente, vai custar muito caro a ele – pessoalmente – e ao povo boliviano. Por muitos anos, investidores sérios não vão querer absolutamente nada com a Bolívia. E assim, irão para o ralo as divisas, os empregos, a chance de progresso. Morales não foi nada original, pois estava tudo escrito no “Manual do Perfeito Idiota Latino Americano” (Plinio A. Mendoza, Carlos A. Montaner e Alvaro Vargas Llosa - Editora Bertrand Brasil, 1997).

Cucarachadas
Temo pelo pior. Acho que, mais uma vez, a Bolívia fará jus ao seu passado e vislumbro um cenário em que Morales não completará seu mandato. Infelizmente para a democracia e para a América Latina, vista lá de fora como um amontoado de republiquetas de bananas. Quem semeia ventos, colhe tempestades. Para eleger-se, Morales destemperou a língua, prometeu mundos e fundos aos grupos de reivindicação, muitos conflitantes entre si. Uniu-os, precariamente, para eleger-se, mas não conseguirá cumprir as promessas e já havia perdido 20% de sua popularidade entre março e abril. No desespero, Morales confiscou os bens das companhias petrolíferas, para atender uma parte das reivindicações, de olhos postos nas eleições de junho. O problema é que, para investidores internacionais, Bolívia, Venezuela, Argentina, Brasil e outros países latino-americanos acabam tendo a mesma imagem de instabilidade e desconfiança, reduzindo os investimentos ou aumentado o custo dos empréstimos.
  Repercussão
O alinhavo anterior evidencia as ameaças e oportunidades contidas no ato retrógrado de Morales. Uma das ameaças recai sobre os brasileiros que plantam na Bolívia, ou nos empresários que venderam para estes agricultores. Outra ameaça é a elevação do custo do gás, logo do custo de produção de agrotóxicos e fertilizantes e de processamento de produtos agrícolas, matéria prima do biodiesel. Os empresários ficarão altamente inseguros em investir em ampliação de fábricas, devido à instabilidade energética. Você confiaria no abastecimento e no preço do gás boliviano? A oportunidade: cada vez fica mais claro que não podemos continuar dependentes de combustíveis fósseis, em especial do exterior.
  Biodiesel
Precisamos cumprir nosso destino de ser o líder mundial da produção de agroenergia. Além dos excelentes negócios que propicia, a independência energética nos livraria de ver o país chantageado, e sem reação à altura. Embora o biodiesel não seja um sucedâneo direto do gás natural, ajuda na transformação da matriz energética, rumo à nossa auto-suficiência, distanciando-nos do risco de atitudes tresloucadas. Ampliando a produção de biodiesel e de álcool, estaremos dando um impulso novo à Agroenergia, o que incentivará a produção de biogás e de gás combustível através de gaseificadores de biomassa (sólidos-gás ou líquidos-gás). Precisamos incentivar esta nova mentalidade no país, entre as autoridades governamentais, as lideranças privadas, os formadores de opinião e a sociedade em geral, para alicerçarmos nosso desenvolvimento em fatores autóctones, que independam de Chavez, Morales e similares.

 

Mercado de Biocombustíveis: Uma análise
Décio Luiz Gazzoni 

Em 2002, o consumo mundial de energia (independente da fonte energética) foi de, aproximadamente, 10,5 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP, ou TOE, na sigla internacional, em inglês). A análise da demanda projetada de energia no mundo indica um incremento médio de 1,7% ao ano, entre 2000 e 2030, quando alcançará 15,3 bilhões de TEP/ano, de acordo com o cenário base traçado pelo Instituto Internacional de Economia. Em condições ceteris paribus, sem alteração da matriz energética mundial, os combustíveis fósseis responderiam por 90% do aumento projetado na demanda mundial, até 2030.

             Este cenário já prevê alterações na dinâmica da oferta de energia, em especial a escalada de preços de petróleo, as mudanças climáticas globais e a reação da sociedade globalizada aos efeitos deletérios das emissões provenientes de fontes energéticas de carbono fóssil.

             Para qualquer análise prospectiva do setor energético, é importante considerar dois fatos: o primeiro é a elevada concentração de fontes de carbono fóssil (80%) na matriz energética mundial, sendo 35% referentes à participação do petróleo na matriz; em segundo lugar, atente-se que as reservas comprovadas de petróleo do mundo se alçavam a 2,3 trilhões de barris, em meados do século XIX, antes do início de sua exploração extensiva. Atualmente, as reservas são estimadas em 1,137 trilhões de barris, 78% dos quais no subsolo dos países do cartel da OPEP.

 

 Posto o consumo atual, estas reservas permitem suprir a demanda mundial por 40 anos. É evidente que tanto as reservas quanto o consumo se incrementarão, ao longo deste período. Admitindo-se que o crescimento projetado de 1,7% ao ano para a demanda global de energia possa ser extrapolado para o petróleo, o consumo atual de 80 milhões de barris/dia seria elevado para 120 milhões de barris/dia, em 2025. Assim, o consumo anual seria de 44 bilhões de barris, o que confirma o esgotamento das reservas até meados do presente século.

             Pela lei da oferta e da procura, solidificando-se o cenário de esgotamento das reservas de petróleo, os preços se manterão em trajetória ascendente, buscando um novo ponto de equilíbrio, que será obtido pela conjunção entre redução da demanda energética e substituição do petróleo por outras fontes competitivas e sustentáveis. Entre estas fontes estão aquelas derivadas da agroenergia, como biodiesel, etanol, carvão vegetal, biogás, briquetes, lenha, etc.

             No momento, o break even entre o preço do álcool e da gasolina (tributação exclusa) oscila na amplitude do preço do barril de petróleo situado entre US$30,00 e US$35,00. Para biocombustíveis derivados de óleo vegetal, por ser uma tecnologia ainda imatura, o ponto de equilíbrio é estimado para o preço do barril de petróleo em torno de US$60,00, com forte tendência de declínio no médio prazo. Entende-se, portanto, que as condições econômicas estão postas, em forma estrutural, para a viabilização da agroenergia enquanto componente de alta densidade do agronegócio. As pressões social (emprego, renda, fluxos migratórios) e ambiental (mudanças climáticas, poluição) apenas reforçam e consolidam essa postura, além de antecipar cronogramas.

 

A rigor, o Brasil não é dependente do mercado internacional para assegurar a sua competitividade do negócio da agroenergia. Dispondo de um invulgar mercado consumidor interno, o Brasil pode alavancar um negócio poderoso na área de agroenergia, com invulgar competitividade no âmbito do biotrade – o mercado internacional de bioenergia. Sendo assim, o Brasil está destinado a ser o líder mundial não apenas na produção e comercialização de agroenergia, como também de biomateriais derivados de biomassa, que estão sendo viabilizados com os avanços da genética, biotecnologia, processos químicos e engenharia, devendo, para tanto, valer-se de suas vantagens comparativas, transformando-as em fatores de competitividade para alcançar e manter esta liderança.

             O mercado para produtos da agroenergia é amplo, encontra-se em expansão e possui um potencial quase ilimitado. No curto prazo, a principal força propulsora do crescimento da demanda por agroenergia será a pressão social pela substituição de combustíveis fósseis. Considere-se que a concentração de CO2 atmosférico teve um aumento de 31% nos últimos 250 anos, atingindo, provavelmente, o nível mais alto observado nos últimos 20 milhões de anos. Os valores tendem a aumentar significativamente se as fontes emissoras de gases de efeito estufa não forem controladas, como a queima de combustíveis fósseis e a produção de cimento, responsáveis pela produção de cerca de 75% destes gases.

            Pela análise exposta, percebe-se uma invulgar oportunidade para o Brasil ingressar em um mercado potencialmente fabuloso, permitindo a consecução de diversos objetivos nacionais e globais, em especial aqueles vinculados aos temas social (criação de empregos, geração e distribuição de renda, desenvolvimento), ambientais (redução das emissões de gases de efeito estufa), econômicos (progresso, altas taxas de crescimento do PIB) e negociais (estabelecimento de um poderoso mercado de bioenergia).

 

Biodiesel: um processo para atender pequenos consumidores

Décio Luiz Gazzoni* e Paulo Henrique N. Felici**

A Embrapa e a UnB, desenvolveram uma rota alternativa para produção de biodiesel, através de craqueamento óleo vegetal ou gordura animal. O protótipo comercial desse equipamento está sendo desenvolvido em parceria com a empresa Global Energy and Telecommunication (GET), com apoio FINEP. A rota tecnológica denominada craqueamento (quebra das cadeias de moléculas de carbono) é uma alternativa à rota de transesterificação.

O óleo vegetal é colocado em um craqueador de aço inoxidável, sendo submetido a altas temperaturas, na presença ou não de catalisadores. No craqueador, ocorre rompimento das ligações atômicas, em especial das mais sensíveis. Desse modo os triglicéridos, que possuem 50 ou mais átomos de carbono, são desdobrados em moléculas orgânicas, com até 17 átomos de carbono. Os vapores das novas moléculas passam por uma torre de destilação fracionada, com um complexo sistema de fluxo e refluxo, onde ocorre a separação e recuperação, em diferentes pontos da coluna, em função do ponto de condensação. No protótipo atual são previstos quatro estágios de recolhimento das frações destiladas, com características similares ao óleo diesel, à gasolina, ao querosene e ao gás liquefeito de petróleo. Essa última fração também contém outras moléculas (monóxido e dióxido de carbono e vapor de água).

 

As principais vantagens da rota de craqueamento são a não produção de glicerol como subproduto, a não utilização de álcool no processo, o menor custo de investimento fixo inicial e a relativa facilidade de operação, o que torna o processo particularmente adaptável para produção de biodiesel em pequena e média escalas. Nos pequenos e médios empreendimentos, a produção de glicerol e o uso de álcool anidro possuem considerações particularizadas.

O custo de refino do glicerol é, proporcionalmente, maior que nas plantas de grande dimensão. A pequena escala e, eventualmente, a irregularidade da produção, não permitem estabelecer contratos de médio e longo prazos, fixando prazos e quantidades definidas. Assim, o pequeno ou o médio produtor de biodiesel fica refém do mercado spot que pode ficar saturado no médio prazo, inviabilizando pequenos negócios. O mesmo raciocínio pode ser aplicado para a aquisição de álcool anidro. O pequeno ou médio produtor nunca conseguirá estabelecer contratos de longo prazo, garantindo seu abastecimento a preços compatíveis. Além do que, o frete para grandes distâncias pode dilapidar a competitividade do biodiesel, pela rota da transesterificação.

 

Com base nessas considerações, a parceria entre a Embrapa e a UnB focou no desenvolvimento de um produto que atendesse pequenos e médios produtores de biodiesel, em especial para consumo próprio ou abastecimento comunitário.

Os protótipos desenvolvidos na parceria com a GET estão sendo instalados nas unidades da Embrapa que desenvolvem pesquisas com soja, girassol, canola, mamona e dendê. Para os testes com o combustível produzido serão utilizados motores estacionários, máquinas, camionetes e tratores da própria Embrapa, que serão avaliados em suas funções rotineiras. Será avaliado o rendimento do combustível em diferentes blends, o desempenho durante a realização das diferentes atividades e o esquema de manutenção, em especial dos sistemas de alimentação e lubrificação do motor.

Os primeiros protótipos estão sendo projetados para atender às necessidades de produtores rurais ou cooperativas de pequenos produtores rurais em regiões afastadas, tornando-os auto-suficientes energeticamente. O equipamento também permite a constituição de micro e pequenas empresas, ou mesmo cooperativas de produtores, dedicadas a produção de biocombustíveis, melhorando as condições de exploração das pequenas e médias propriedades, pela oferta de uma tecnologia de agregação de valor ao produto agrícola.

 

Agroenergia e o mercado de óleos e proteínas
Décio Luiz Gazzoni

Escrevo de Veneza, a cidade dos Dodges. Aproveitei para voltar à Piazza de San Marco, para rechecar uma informação, com fins estritamente profissionais: desde a última vez que aqui estive, teria subido o nível da água em Veneza, ameaçando submergir um dos patrimônios da Humanidade?

Este é um dos exemplos que usarei em uma conferencia para cerca de 300 empresários, de diferentes países, ligados ao comércio internacional de produtos agrícolas. Foi me pedido para traçar um panorama do impacto da agronergia no agronegócio, nos próximos anos. E, do meu ponto de vista, um dos principais “drivers” da escalada acentuada da produção e uso de biocombustíveis está no tema ambiental.

A queima de combustíveis fósseis está provocando mudanças dramáticas no clima ao redor do mundo. Os eventos extremos estão aumentando a sua freqüência e tornando-se cada vez mais severos. Falo de ondas de frio ou de calor intensos, de furacões e tempestades, de nevascas. E falo de degelo dos pólos da Terra e de neves eternas, que já contavam com milhares de anos de existência, e estão desaparecendo em menos de 5 anos.

 

Degelo
Nos últimos 25 anos, cerca de 20% do gelo do Pólo Norte desapareceu. É só conferir em www.nasa.gov. A água não está desaparecendo, ela está indo para os oceanos. No século XX, o nível dos oceanos subiu cerca de 20 cm. A previsão dos cientistas é de que continuem subindo 1cm por ano, ao longo do século XXI. Com um metro a mais, não apenas a Veneza italiana desaparece, mas a Veneza brasileira – Recife – sofrerá enorme impacto em sua área urbana. De Copacabana até a Barra, também haverá impacto negativo. Para não falar da Holanda, cujos diques não suportarão a elevação dos mares.


Muito do estrago já está contratado, pelas bilhões de toneladas de poluentes jogados na atmosfera, por conta da queima de combustíveis fósseis - e nada pode ser feito para revertê-lo. O mundo está acordando para a necessidade de mitigar os danos futuros, reduzindo a dependência de fontes energéticas de carbono fóssil. O último baluarte da resistência ruiu em janeiro passado, quando o Presidente Bush admitiu que os EUA são viciados em petróleo e que a situação é insustentável. Mais uma vez a agricultura é chamada para dar a sua contribuição e o resumo da minha mensagem aos empresários será: até a metade deste século, a agricultura de energia movimentará o maior volume de recursos do agronegócio, muito mais do que a produção de fibras ou alimentos.

  

Biodiesel
            Ao contrário do etanol, que está com meio caminho andado, a indústria do biodiesel ainda é embrionária no mundo, sendo difícil antecipar com a precisão necessária, os impactos sobre o mercado. Entretanto, é possível avançar em alguns exercícios.

            O primeiro deles é o aumento da capacidade instalada no mundo, que hoje é de 5 milhões de toneladas e cuja projeção para 2007 ultrapassa 15 milhões de toneladas. A Europa ainda será responsável por parcela ponderável do aumento, porém países como Brasil, EUA, China e Índia já trilham o mesmo caminho.

            O segundo é decorrência, ou seja, quanto de biodiesel será produzido. Diversos países ou regiões estão impondo metas de incorporação de biodiesel em sua matriz energética. No caso da Europa, será obrigatória a mistura de 5,75% no diesel, até 2010. No Brasil será de 5%, em 2013. Com isto, prevê-se uma explosão na indústria e comércio de biodiesel, que deve alcançar mais de 34 milhões de toneladas, sendo um terço apenas nos EUA. Para 2020, a previsão é de 140 milhões de toneladas.

 

Óleo e proteína
            Em 2006, o mundo deverá produzir 143 milhões de toneladas de óleo e 220 milhões de toneladas de farelo protéico. Admitindo a previsão acima, o mundo deverá produzir, em 2020, mais óleo apenas para a indústria de biodiesel, do que produz hoje, para todos os usos.

            Considerando a soja como paradigma do mercado, para cada litro de óleo produzido, obtém-se 4 kg de farelo. A expansão da produção de óleo não poderá ocorrer, exclusivamente, por conta da cultura de soja, porque inundaria o mercado de farelo. No inicio, haveria o benefício da redução de custos da produção de suínos, aves e gado confinado. Porém, será impossível absorver esta produção extra, em apenas 15 anos.

            Logo, um duplo movimento deverá ocorrer. O primeiro é a mudança rápida do perfil da indústria nutricional, aproveitando a proteína vegetal para gerar novos produtos alimentícios. Paralelamente, outros produtos não alimentares (bio-produtos) serão elaborados a partir das tortas. O segundo movimento será a busca por oleaginosas com maior teor de óleo e com maior capacidade de produção de biomassa, para restaurar o equilíbrio do mercado em um novo patamar.

  

Biodiesel e competitividade
Décio Luiz Gazzoni 

 Estamos no alvorecer da era das energias renováveis, em seu contexto a agroenergia, onde desponta o biodiesel como uma das fontes mais importantes para os próximos anos. Por ser um mercado embrionário, ainda estamos testando os seus limites físicos, o seu potencial e, particularmente, os paradigmas de competitividade do biodiesel. Para entender o mercado e seus parâmetros é preciso analisar o ambiente que o cerca. 

            O biodiesel ganha impulso na esteira da consciência ambiental da sociedade global, alertada para os efeitos deletérios das mudanças climáticas globais. Este movimento é amplificado pela iminência do esgotamento das reservas ainda neste século e pelos conflitos derivados da disputa pela posse das últimas reservas. 

            O primeiro fato que chama a atenção é que o biodiesel é sucedâneo do diesel no bojo de um movimento de busca de energias renováveis. Logo, precisaremos entender o quanto diesel e biodiesel são concorrentes, uma vez que, aparentemente, a concorrência se dará entre as fontes renováveis e não entre fontes fósseis e renováveis. Donde advém a pergunta: existe alguma fonte renovável que pode disputar o mesmo nicho de mercado do biodiesel? Veículos elétricos ou movidos a célula de hidrogênio poderiam substituir os atuais motores de ciclo diesel? 

            Nós desenvolvemos um modelo simples que analisa as relações entre os preços do óleo vegetal e do petróleo, no mercado internacional, e que permite visualizar faixas de lucratividade com a produção e comercialização de biodiesel. Por exemplo, com o óleo vegetal cotado a US$400,00, o biodiesel passa a ser lucrativo quando o preço do petróleo está acima de US$65,00/barril. Ou, efetuando a análise inversa, se o barril de petróleo valer mais de US$110,00, o negócio biodiesel se viabiliza com o preço do óleo vegetal abaixo de US$650,00. 

 

  Entretanto, o mercado atual de biodiesel não é um mercado concorrencial puro, com formação de preços livre e transparente. Ao contrário, é um mercado derivado de políticas públicas mandatórias, que criam uma reserva de mercado para as misturas com óleo diesel. Neste caso, o preço de venda do biodiesel deixa de seguir os preços do petróleo. Porém, mesmo com uma concorrência parcial, existem as disputas de preço entre os produtores de biodiesel. Por exemplo, para exportar biodiesel para a Europa, o Brasil precisa mirrar no preço do biodiesel de canola, produzido naquele continente, e não no preço do petróleo em Roterdã.  

            Na margem do raciocínio, podemos entender que o biodiesel pode concorrer diretamente com o diesel de petróleo, além do mercado cativo das políticas mandatórias. Este será o caso, quando o preço de comercialização do biodiesel situar-se em patamares inferiores ao do diesel. Todavia, novamente precisamos atentar para a formação de preços. Caso a tributação diesel/biodiesel seja diferenciada, o biodiesel pode estar sendo favorecido e, em teoria, nada garante que o diferencial tributário será mantido. O que pode manter o favorecimento tributário ao biodiesel será a perpetuação das políticas públicas de incentivo ao seu uso, as quais, por sua vez, dependerão da disposição da sociedade de arcar com os custos (como contribuintes) do benefício ao biodiesel, favorecendo o cidadão e o consumidor. 

            Além das políticas públicas tributárias, não podemos esquecer dos recursos do mercado de carbono, que podem ser obtidos quando são desenvolvidos projetos que não estejam atrelados a políticas mandatórias, e que representam outra forma de incentivo ao uso do biodiesel, alterando os parâmetros de competitividade. 

            Finalmente, externo outra preocupação para reflexão conjunta. No momento, em qualquer discussão que se estabeleça, observa-se a disposição da sociedade de conferir suporte quase integral às políticas de incentivo ao uso de biocombustíveis, biodiesel incluso. Entretanto, a expansão da área de agricultura de energia em regiões de pouca disponibilidade de área (Europa, EUA, Sudeste Asiático) pode levar à redução da área de alimentos e, em conseqüência, ao aumento de seu preço. No momento em que o consumidor enfrentar alimentos mais caros, o cidadão ainda aceitará ser um contribuinte que arca com o custo de políticas de incentivo ao uso do biodiesel?

 

A oportunidade que se amplifica
Décio Luiz Gazzoni

Ninguém mais duvida da enorme oportunidade de negócios contida nos diferentes produtos energéticos provenientes da agroenergia, mormente do biodiesel. A questão agora é dimensionar o tamanho da oportunidade, que parece amplificar-se de tempos em tempos. Expor o estado da arte e discutir os cenários futuros da Agroenergia é a missão a ser desenvolvida pelos prelecionistas da Conferencia Internacional de Agroenergia, que será realizada em Londrina, PR, entre 11 e 13 de dezembro próximos. Para tanto, foram convidados palestrantes de escol, que abordarão todos os aspectos tecnológicos e mercadológicos do grande negócio que é hoje a Agroenergia.

             No caso do biodiesel, o Prof. Nivaldo Trama, presidente da Associação Brasileira de Biodiesel, é o palestrante convidado para expor os números que envolvem o mercado mundial de biodiesel. Perto deste grande mercado, os números domésticos do Brasil chegam a desaparecer. Enquanto falamos em consumir 2 bilhões de litros até 2012, chegando a 5 bilhões até 2020, o mundo já antecipa demanda superior a 140 bilhões de litros para o início da década de 20. Como produzir? Onde produzir? Com qual tecnologia? Com qual rentabilidade? Bem, são as respostas que vamos ouvir do Prof Nivaldo.

 

Como vamos ouvir outras personalidades mundiais, como o Prof. Alan Mc. Diarmid, Premio Nobel de Química de 2002 e o professor da Universidade da Pensilvânia. Ou do Prof. Ignacy Sachs, da Universidade de Paris, um dos maiores cientistas da atualidade. Também estarão presentes cientistas americanos, para explicar o que mais pode ser extraído das matérias primas agropecuárias, além do biodiesel, do etanol ou do biogás, que são os bioprodutos. Trata-se de substâncias de alto valor de mercado, que significam uma revolução dentro da revolução da agroenergia, e que tem o condão de viabilizar, em definitivo, esse novo segmento do agronegócio.

             Não serão apenas cientistas estrangeiros, a prata da casa também estará presente. Pesquisadores da Embrapa estarão apresentando os sistemas de produção atualmente disponíveis e discorrendo sobre a tecnologia da próxima década. Já está ficando claro não apenas para os cientistas, mas, especialmente, para os empresários agrícolas, que não poderemos contar apenas com soja, mamona ou girassol para produzir óleo na próxima década. Vem aí a macaúba e o pinhão manso, entre outras plantas, que deverão fazer saltar o patamar de produtividade e de rentabilidade deste setor.

 

Na área de processamento, também estarão presentes professores, cientistas e fabricantes para discutir os avanços que serão necessários nas máquinas, equipamentos e nos novos produtos que sairão das fábricas, nos próximos anos. Mas de onde vem a certeza de que a agroenergia se trata de um grande negócio? Este sentimento se encontra esparso em todos os segmentos do mercado, mas ganhou um novo impulso no dia 30 de outubro, quando o governo britânico liberou um documento conhecido como “Relatório Stern”. Sintomaticamente, o relatório foi encomendado pelo Departamento do Tesouro de Sua Majestade, e liderado pelo Vice-Ministro da área.

              Partiu-se da premissa que o aquecimento global, causado pela queima de combustíveis fósseis é um fato. Logo, a missão de Sir Nicholas Stern foi mostrar quais alternativas o mundo terá para migrar para uma nova economia, de menor intensidade de emissão de carbono. Leia-se: biocombustíveis e bioprodutos. Sua conclusão final: o mundo precisará investir 1% do PIB anual, daqui até a eternidade, para mitigar os efeitos da desenfreada emissão de carbono dos últimos 50 anos, se não quiser extinguir metade das espécies vivas do planeta e obrigar a Humanidade a migrar para os pólos, para suportar o aumento de temperatura que se avizinha.

 

           

As conclusões do Relatório Stern serão debatidas durante a Conferencia Internacional de Agroenergia, uma vez que elas solidificam os cenários de expansão do mercado global de biocombustíveis, para os próximos anos. Entre outras, as suas conclusões apontam para a necessidade de se conservar energia, a qualquer preço; reduzir a taxa de crescimento das emissões de gás carbônico e outros gases de efeito estufa; aumentar a proporção de participação da energia renovável na matriz energética mundial.   Com o aval do Tesouro de Sua Majestade, através do Relatório Stern, sem dúvida o mercado de agroenergia se tornará mais previsível e menos volátil, conferindo maior segurança para os mercados. Com isto, transparecem com maior evidencia os diferenciais competitivos do Brasil, e a necessidade de capturarmos esta oportunidade que se amplifica, para que o Brasil possa se tornar o grande líder mundial da Agroenergia. Não para ostentarmos o troféu, mas para aumentarmos nossa taxa de crescimento, para atrairmos capitais internacionais, para expandirmos a produção, para aumentarmos a renda interna, para gerarmos mais empregos, para distribuirmos melhor a renda, para oferecermos oportunidades aos nossos jovens, reduzindo os riscos de que estes sejam atraídos para a marginalidade.

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Sir Nicholas Stern é economista, membro da Academia Britânica de Ciências desde 1993, sendo membro honorário da Academia Americana de Ciências e Artes. Em 2004 ele foi designado Cavaleiro da Rainha. Stern foi Economista Chefe e Vice Presidente do Banco Mundial (2000-2003), posteriormente foi designado para o cargo de Secretário Permanente do Departamento de Tesouro da Inglaterra, além de Chefe do Serviço Econômico e da Comissão para a África, do governo inglês. Durante o ano de 2006, dedicou-se a analisar os impactos econômicos das Mudanças Climáticas Globais e as ações necessárias para sua mitigação, condensados no Relatório Stern.

 

 

 

Uma locomotiva apitando
Décio Luiz Gazzoni

             Não apenas apitando na porta de um país chamado Brasil, como estendendo um tapete vermelho e praticamente nos forçando a embarcar na composição. A dúvida é se conseguiremos embarcar. Esta imagem resultou das apresentações e discussões que ocorreram durante a Conferencia Internacional de Agroenergia, realizada de 11 a 13 de dezembro, em Londrina, PR. Está ficando cada vez mais claro como o mundo inteiro se move em direção às energias renováveis, onde se inclui o portfólio da agroenergia. Especificamente em relação ao biodiesel e ao etanol, os números apresentados durante a Conferencia são altamente animadoras, e projetam um mercado fortemente comprador, até a década de 20. Não que o mercado se extinga nesta década – os estudos disponíveis analisaram apenas os próximos 20 anos. 

 

  Nesta fase de construção do mercado de biodiesel, nota-se, com clareza, quatro grandes vertentes mercadológicas: 

1 – O mercado das políticas mandatórias, que cria uma reserva equivalente ao percentual de adição do biodiesel ao óleo diesel. No Brasil, este mercado é estimado em 800 milhões de litros para 2008 e de 2,2 bilhões para 2013. No mundo, mais de 70 países exararam legislação impondo a mistura compulsória de biodiesel ao diesel e outros o farão nos próximos anos. 

2 – O mercado corporativo, em que as empresas buscam um ganho de imagem pelo uso de um combustível verde, vem ganhando espaço crescente, apesar do preço mais alto do biodiesel. 

3 – O mercado concorrencial, em que as distribuidoras oferecem o produto além das imposições das políticas mandatórias. 

4 – O mercado de auto-abastecimento, em que produtores rurais ou frotistas produzem seu próprio biodiesel. 

            É difícil estimar o tamanho real do mercado potencial de biodiesel, para os próximos anos. A variável diretriz mais importante será a reação da opinião pública às mudanças climáticas globais e o suporte às corporações que investirem em combustíveis menos poluentes, como o biodiesel e o etanol.

 

           

 Pelo andar da carruagem, ao menos nos países desenvolvidos, este suporte será muito grande. Sei que a amostra é pequena, porém um fato chamou minha atenção em um workshop do qual participei, em Amsterdam. Um diretor de uma empresa distribuidora de energia relatou que a sua empresa havia colocado no seu site na Internet a opção para que o consumidor final decidisse o “mix” de fontes de energia elétrica que pretendia receber. O consumidor ingressava com seu número de conta de energia e deslizava uma chave em que poderia escolher qualquer valor entre 100% de energia produzida a partir de óleo diesel ou  100% de energia de biomassa. Resultado: em pouco mais de 30 dias foi obrigado a retirar a opção do seu site, pois não havia mais oferta de geradoras de energia elétrica que utilizassem biomassa.   Este pequeno exemplo indica a importância que o consumidor, que também é um cidadão, confere à necessidade de produzir energias limpas. Outro exemplo vem dos postos de biodiesel B100, que se multiplicam pela Alemanha, com um mercado claramente comprador. No caso das políticas mandatórias, estudos mostram que, somente entre os países grandes consumidores de óleo diesel, há uma estimativa de demanda superior a 33 bilhões de litros, já para o início da próxima década. Apenas a UE demandará entre 13 e 14 bilhões de litros. Quando é projetada a demanda para o início da década de 20, verifica-se que a demanda de óleo vegetal precisará crescer cerca de 160%, para atender o crescimento da demanda do mercado nutricional e o mercado cativo de biodiesel, proveniente da mistura compulsória.   Aí vem a questão: onde produzir? A resposta é intuitiva e fica cada vez mais clara. Nos próximos 5 anos, esgota-se a área do Hemisfério Norte, em especial da UE e dos EUA. China, Índia, Japão e outros grandes consumidores de energia já não têm área para expansão. Os grandes produtores de dendê, como Malásia, Tailândia e Indonésia, atingirão seu limite de expansão na próxima década. Não se pode contar com a Austrália e a África ainda tem um longo caminho pela frente até tornar-se um ambiente favorável a grandes negócios. A Argentina esgota sua área de expansão nos próximos 20 anos, o Paraguai antes disto. A Bolívia não receberá investimentos internacionais para expandir sua produção, nos próximos 15 anos, até que a imagem negativa de agressão ao patrimônio privado e descumprimento de contratos desapareça.

           

 

Sobra um grande país chamado Brasil. Que tem área para expandir nos próximos 50 anos, tem sol, água, agricultores, empresários e tecnologia. Mas que precisa resolver alguns problemas, antes de embarcar na locomotiva. Entre eles os seguintes:

  1. Reduzir a tremenda carga tributária sobre os investimentos produtivos;
  2. Reduzir a excessiva taxa de juros;
  3. Disponibilizar crédito no volume e momentos adequados e em modelos compatíveis com o risco e com a maturação dos empreendimentos;
  4. Adequar a taxa de câmbio, evitando a sobrevalorização do real, que desestimula a produção para exportação;
  5. Garantir a segurança patrimonial da propriedade privada e a consistência do arcabouço jurídico;
  6. Dispor de uma política industrial e de exportação que permita agregar valor aos produtos no próprio país;
  7. Incentivar a formação de mão de obra especializada;
  8. Suportar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias, para que o país sempre esteja na fronteira do conhecimento, em condições de competir com vantagens sobre os concorrentes.

            Cumprida a lição de casa, é só embarcar na locomotiva, que nos espera com dezenas de bilhões de dólares em negócios na área de agroenergia, gerando milhões de empregos no interior do país, aumentando a renda e provocando melhor distribuição da mesma, oferecendo oportunidades aos jovens, consequentemente reduzindo os índices de criminalidade do país.

 

             E então, o Brasil vai embarcar nesta locomotiva? Só depende de nossas autoridades e lideranças.

Terra em transe
Décio Luiz Gazzoni 

Escrevo de Paris, onde participo da reunião do Painel de Energias Renováveis, da Academia Internacional de Ciências, da qual sou membro. Neste foro somos 13 cientistas, cada qual especializado em um segmento de energia renovável, embora todos tenham que entender de tudo, para que possamos bem cumprir nossa missão. Além de energia, estamos ficando especialistas em Mudanças Climáticas Globais, porque os câmbios estão ocorrendo em uma velocidade tal e com uma intensidade tão forte, que o tema ambiental está se tornando o principal “driver” das mudanças da matriz energética mundial. Queria denominar este artigo de Terra Febril, mas acho que o nosso planeta já está entrando em convulsão e a febre (aquecimento global) é só um dos sintomas. Embora no exterior, acompanho o clima em nosso país e vejo que as chuvas no Sul, Sudeste e parte do Centro Oeste não dão trégua e causam prejuízos humanos e materiais.

 

Estações trocadas
No resto do mundo não está muito diferente, pois, nos Estados Unidos o inverno inexistiu até meados de janeiro. Foi quando uma frente polar hiper intensa reduziu a temperatura em até 30oC, em menos de 24h, congelando praias e pomares da Califórnia e produzindo estragos até o Nordeste do país. As cerejeiras de Washington e do Central Park haviam florido com 4 meses de antecedência e agora as inflorescências queimaram com o gelo. Aqui em Paris estávamos a cálidos 12oC, ao contrário do tapete de neve que deveria se esperar para esta época do ano. De repente, na semana passada, formou-se a tempestade que atingiu a Inglaterra, a França e a Alemanha, matando (até o momento) 67 pessoas. E então, de repente, nevou em grande parte da Europa. O leitor pode argumentar que estas coisas acontecem. É verdade, cada evento, isoladamente, pode ocorrer, embora com baixa probabilidade. No entanto, é quase tão improvável quanto acertar sozinho na Mega Sena creditar a fenômenos naturais a seqüência de extremos, que se repetem continuamente, nos últimos anos.
  Extremos climáticos
Os sintomas do descompasso estão nas notícias do dia a dia. Por aqui, ligo a televisão na RAI Uno e vejo uma reportagem sobre o Piemonte, norte da Itália, e sobre os Abruzos, próxima de Roma, tradicionais centros de esportes de inverno. Ambos declararam estado de calamidade natural, pois não há gelo (nem neve) nas pistas de esqui. Olhando as séries históricas, verifico que, desde o inicio do registro das temperaturas (há 150 anos), não havia na Itália um janeiro tão quente como 2007. Normalmente, são esperadas temperaturas abaixo de zero. No entanto, na semana passada as temperaturas eram: Aosta 22 graus, Turim 19, Milão 18, Cortina d'Ampezzo, 10 graus. O problema é só em janeiro? Antes fora! O mês de dezembro de 2006 também foi o menos frio de todos os dezembros em toda a série histórica. Problema só da Itália? Qual nada, em Moscou, com média histórica de -30oC, os termômetros estão marcando 6oC neste janeiro. Problemas localizados? Errado novamente, pois a Agência Européia do Meio Ambiente relata que, no século passado, os Alpes perderam 30% de suas geleiras.

 

Prejuízo à vista
Os europeus estão temendo pelo pior. Pela perda da qualidade de vida, perda de renda, de negócios, de emprego. Por exemplo, a prosseguir no ritmo do passado recente, até 2025 desaparecem as geleiras dos Alpes, inviabilizando os negócios baseados nos esportes e no turismo de inverno. Os negócios agrícolas também começam a ser afetados. Cultivos permanentes estão florescendo em pleno inverno, e a florada acaba se perdendo na primeira geada ou nevasca. A previsão dos climatologistas é que culturas como uva, maçã, pêra, pêssego ou cerejas, concentradas próximas ao Mediterrâneo, terão sua produtividade muito reduzida, nos próximos anos. As mesmas previsões indicam que a indústria turística deverá perder mais de 100 bilhões de euros anuais, pelas temperaturas insuportáveis esperadas para o verão, que deverá afugentar os turistas para o Norte da Europa. Até pouco tempo, alguém em sã consciência pensaria em procurar praias na Suécia, Noruega, Finlândia ou Inslândia?

  Clima e Energia
A esta altura o leitor deve estar se perguntando: o que tem a ver o clima com nossa reunião de energias renováveis? Tudo a ver. As mudanças climáticas decorrem da alteração da composição química da atmosfera, pois o ponto de equilíbrio dos gases na atmosfera demorou centenas de milhares de séculos para estabilizar-se. Bastou um século e meio de uso de petróleo e carvão para pôr tudo a perder, pois dezenas de milhões de toneladas de carbono, estocadas há milhões de ano no subsolo, foram jogadas na atmosfera. Com isso, a capacidade de dissipação de calor para fora da camada atmosférica foi reduzida, gerando as mudanças climáticas. Mesmo que parássemos de usar estes combustíveis hoje, a queima realizada no passado já foi suficiente para provocar mudanças que se estenderiam pelos próximos 50 anos. Não é por outro motivo que a União Européia propõe-se a substituir 20% do petróleo por biodiesel e etanol, até 2020. O mesmo motivo que faz o presidente Bush propor a substituição de 15% da gasolina por etanol, em 10 anos, além de conceder fortes estímulos ao uso de biodiesel. Pelo andar da carruagem, dentro de uns 5 anos nem mesmo a queda do preço do petróleo vai interromper o incremento no uso de biocombustíveis, como biodiesel e etanol, pois a pressão política e social será muito forte. Cabe a nós aproveitarmos, adequadamente a oportunidade que, infelizmente, está sendo gestada por uma terra em transe.

  

Biodiesel de algas
Décio Luiz Gazzoni 

No começo vai soar esquisito, mas tenho certeza que, ao terminar de ler o artigo, você achará que faz sentido produzir biodiesel de algas. Em primeiro lugar, lembremo-nos que a fonte primária de energia em nosso planeta é o sol. O que os vegetais e algumas bactérias fazem é interceptar a radiação solar, a fim de construir moléculas complexas (proteínas, carboidratos, lipídios, etc), a partir de água e gás carbônico. Até o momento, nos concentramos em produzir biodiesel apenas de óleos vegetais de plantas superiores e de gorduras animais. Porém, quando examinamos a tremenda demanda projetada para o biodiesel, nos próximos anos, começamos a coçar a cabeça e imaginar de onde vamos tirar tanto óleo, onde existe tanta terra disponível para plantar, se não vai haver conflito com produção de alimentos, se não vai faltar água e adubo, entre outras inseguranças. 

Insumos baratos
São estas considerações que me fizeram pensar na necessidade de buscarmos um paradigma diferente para atender a demanda energética a partir da década de 20. Num primeiro instante, países como o Brasil podem investir em plantas perenes, de alta densidade energética. Mas, em poucas décadas, esta nova solução também ficará arcaica, pelo crescimento contínuo da demanda de energia, pelo esgotamento das fontes fósseis e por atingirmos os limites da fronteira agrícola em todo o mundo. Além disso, as minas de fósforo e potássio, bem como a disponibilidade de água para irrigação, também estarão em vias de esgotamento. Esta análise me faz concluir que teremos que contar com uma nova forma de produzir energia, que não seja dependente de terra e de insumos. Então, porque não algas cultivadas no mar, em lagos ou lagoas? Que precisam apenas de sol, água, gás carbônico e alguns micronutrientes dissolvidos na água?
  Algas
As algas compreendem vários grupos de seres vivos aquáticos e autotróficos, ou seja, que produzem a energia necessária ao seu metabolismo através da fotossíntese. A maior parte das espécies de algas são unicelulares e, mesmo as mais complexas, não possuem verdadeiras raízes, caules ou folhas. Embora tenham, durante muito tempo, sido consideradas como plantas, apenas as algas verdes têm uma relação evolutiva com as plantas superiores; os outros grupos de algas representam linhas independentes de desenvolvimento evolutivo, paralelo às que levaram às plantas superiores. São conhecidas mais de 100.000 espécies, que dominam o fitoplancton dos oceanos e que também são encontradas em diversos ambientes aquáticos ou umedecidos.
  Biodiesel
Existem diversos grupos de pesquisa, tanto no setor público quanto privado, em países da Europa e nos EUA, que perscrutam a viabilidade de uso de espécies de algas para produção de biodiesel, tendo sido identificadas espécies com teor de óleo superior a 50%. O que chama a atenção é a estupenda capacidade de produção de óleo que, nas espécies mais produtivas, pode chegar a 170 t/ha/ano, ou seja, equivalendo a 35ha de dendê, a oleaginosa mais produtiva que dispomos, no momento. Por exemplo, para substituir por biodiesel as 40 milhões de toneladas de óleo diesel consumidas no Brasil, precisariamos de míseros 235.000 ha de algas. Isto se deve ao crescimento extremamente rápido das algas. As dificuldades que necessitam ser transpostas são juntar em uma única espécie de alga as características de crescimento rápido, alta concentração de óleo, capacidade de fixação de nitrogênio do ar, capacidade de competição com outras espécies, resistencia a uma ampla gama de pH e temperatura, tipos de bioreatores, entre outros. Não vejo como atingir este objetivo sem investir, fortemente, no uso de ferramentas biotecnológicas para conseguir uma ou mais espécies de algas com todas estas caracteristicas, concomitantemente.

 Mais energia
Porém, das algas é possível obter mais benefícios. Uma vez extraído o óleo, a biomassa restante é composta de amido ou outras formas de carboidratos, incluindo fibras, além de outras substâncias químicas. A partir desta biomassa é possível produzir metanol, etanol ou butanol, seja por fermentação de açúcares de baixo peso molecular ou por quebra enzimática de polissacarídios. Eventualmente, a porção fibrosa pode ser utilizada para queima direta em caldeiras, embora este seja um uso menos nobre. Finalmente, a diversidade de substâncias químicas contidas no resíduo desengordurado pode ser aproveitada para a extração de produtos para uso em alimentos, para arraçoamento animal ou elaboração de bioprodutos de interesse farmacêutico ou da indústria de química fina.

 

Sumidouro
Outra possibilidade muito interessante é o uso de algas como sumidouro de gás carbônico de plantas industriais, uma espécie de estação de tratamento de ar, à semelhança das estações de tratamento de água, que devolvem aos rios água em melhor condição do que aquela captada para uso industrial. O conceito é a utilização de grandes piscinas (que podem ser as mesmas de tratamento de esgotos ou de água) para produção de algas, em que o gás carbônico gerado em processos industriais (fermentação, combustão, reações químicas) seria injetado na massa de água, para uso pelas algas. Pela reação de fotossíntese, o gás carbônico serviria de insumo para a produção de óleo, carboidratos ou proteína. Ou seja, estaríamos produzindo biodiesel e alimentos, ao mesmo tempo em que reciclaríamos o gás carbônico industrial.
  Pesquisa
Ao contrário de outras matérias primas, o aproveitamento de algas para produção de energia ainda está na pré história, necessitando de muito investimento em inovações, especialmente com o uso de biotecnologia, a única forma de viabilizar esta enorme oportunidade de geração de energia, alimentos e bioprodutos, e que ainda pode reduzir as emissões de gás carbônico. Neste caso, também pode ser uma ótima oportunidade para venda de créditos de carbono. No entanto, de alguma forma as coisas já estão acontecendo na prática. Em novembro de 2006, a Green Star Products (California, USA) firmou um acordo comercial com a De Beers Fuel Limited (África do Sul) para construir 90 bioreatores para produzir biodiesel de algas. A capacidade total instalada será de 3.406.870.800 litros. Ou seja, quatro vezes mais do que a produção de biodiesel do Brasil, projetada para 2007. Pense nisso como um dos grandes negócios do futuro.

Etanol celulósico
Décio Luiz Gazzoni 

Aparentemente, o título do artigo não tem nada a ver com biodiesel. Mas, se pensarmos um pouco mais, tem muito a ver sim. Os três principais pontos de contato que gostaria de chamar a atenção são: (i) Etanol é matéria prima para produção de biodiesel. Se o etanol escassear ou encarecer, o biodiesel também encarece ou escasseia; (ii) A demanda de biodiesel depende muito do humor da sociedade, na sua aceitação de energias renováveis. Quanto maior for a aceitação do etanol, maiores serão as chances de ampliar o mercado de biodiesel; (iii) O mais importante: quanto mais gasolina for substituída por etanol, menor será o refino de petróleo, logo menor a produção de diesel, consequentemente maior a demanda potencial de biodiesel. A grande dúvida do momento é: conseguirá o mundo atender a demanda projetada de etanol, se a matéria prima continuar sendo cana-de-açúcar, cereais e beterraba?

 

O impulso americano
O Presidente Bush estabeleceu a meta de reduzir o consumo de gasolina nos EUA em 80%, até 2017. Do total, 75% (150 bilhões de litros) seriam substituídos por etanol. O Comissário da UE, Durães Barroso, propõe reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 20% até 2020, demandando outros 150 bilhões de litros. São 300 bilhões de litros de etanol combustível, adicional aos 30 bilhões de litros produzidos hoje. Estereotipando a análise, se o etanol fosse produzido de cana-de-açúcar, necessitaríamos mais 38 milhões de hectares; a partir do milho, seriam outros 80 milhões de hectares. Sem contar o consumo de etanol combustível em outros países e a demanda de etanol para outros setores. Conclusão: é inviável atingir estas metas, com as atuais matérias primas e processos de produção.
  Matéria prima
O caminho natural será o uso de celulose, cuja produção mundial anual é estimada em 1,5 quadrilhões de toneladas. Em teoria, obtém-se 500kg (633 L) de etanol para cada tonelada de celulose. Extrapolando ao máximo as previsões até 2020, para, digamos, 500 bilhões de litros, seriam necessárias 790 milhões de toneladas de celulose. Esta matéria prima, que representa 0,00005% da celulose produzida no mundo, pode ser obtida de restos vegetais, palhadas, serragem, restos de madeira, lixo urbano, gramíneas de alto potencial de produção de biomassa ou florestas energéticas. Entretanto, dispor da matéria prima é solucionar a parte mais fácil do problema. O busílis da questão é o processo de transformação de celulose em etanol.

Celulose
A celulose é um polímero de cadeia longa, composto de um só monômero carboidratado, classificado como polissacarídeo, com fórmula empírica (C6H1005)n, com um valor mínimo de n=200. Tem uma estrutura linear ou fibrosa, na qual se estabelecem múltiplas pontes de hidrogênio entre os grupos hidroxilas das distintas cadeias justapostas de glicose, tornando-as impenetráveis à água. A celulose é o componente estrutural primário das plantas e não é digerível pelos animais superiores. É comum nas paredes celulares de plantas, estando presente na maioria das fibras puras de algodão, sendo encontrado nas plantas na combinação de lignina com qualquer hemicelulose. Alguns animais, como os ruminantes, podem digerir celulose com a ajuda de microorganismos.

Transformação
O etanol é obtido da cana-de-açúcar pela fermentação da sacarose por microrganismos, como os do gênero Saccharomyces. Eles são altamente eficientes, porém somente conseguem decompor açucares de baixo peso molecular. No caso da celulose, o polímero é formado por mais de 200 moléculas de glicose, diretamente fermentável para etanol. O desafio é efetuar a quebra das moléculas de celulose até os açúcares primários, que deve ser efetuada por outros microrganismos. Existem exigências industriais mínimas para que um microrganismo possa ser utilizado para produção de etanol celulósico, como: (i) rendimento de etanol superior a 90% do teórico; (ii) tolerância à concentração de etanol superior a 40g/L; (iii) produtividade de etanol superior a 1g/L/h; (iv) baixo custo de produção dos microrganismos; (v) resistencia a substancias inibidoras; e (vi) grande amplitude de adaptação à temperatura e acidez. Não existem microrganismos na Natureza que possuam, ao mesmo tempo, todas estas características, sendo necessário o seu desenvolvimento em laboratório.
 

Biotecnologia

Não há outra fórmula para tornar a produção de etanol celulósico competitiva e sustentável que não a utilização da engenharia genética para transferir todas as características necessárias para algumas bactérias. No momento, as pesquisas se concentram nas bactérias Escherichia coli, Kebsiella oxytoca e Zymomonas mobilis, que foram transformadas para atender a todos os requerimentos acima, além de eliminar alguns “defeitos” dos microrganismos, como a produção de diversos ácidos a partir da celulose, ao invés de gerar etanol. Esta tecnologia ainda é embrionária, existe um longo caminho a trilhar, porém, devido ao enorme potencial de negócios, plantas industriais de médio e grande porte já estão sendo instaladas na China, Espanha, Canadá, EUA e África do Sul, entre outros países. O desafio para o Brasil é não ficar para trás na corrida tecnológica, evitando perder o trem de um dos mais promissores segmentos do agronegócio do futuro, que significa renda, empregos e desenvolvimento para o país.

 

 

Biodiesel no mundo
Décio Luiz Gazzoni 

Os biocombustíveis estão opondo interesses mundo afora. Ao longo do último mês assistimos um duelo interessante, em que no córner direito estavam Lula e Bush e no esquerdo Chavez, Fidel e Morales. Obviamente que o jogo de interesses é multi-facetado e não pode ser simplificado. Mas, no lado direito, Bush busca reduzir a dependência americana do petróleo de Chavez, Ahmadinejad e assemelhados. Lula sonha com o Brasil ocupando uma parte apetitosa deste novo mercado. Do outro lado, Chavez tem medo de perder os petrodólares que lhe permitem fazer o seu jogo geopolítico. Fidel e Morales nada mais são que escudeiros pobres, que ajudam a tocar o bumbo para Chavez desfilar. O companheiro iniciou batendo no etanol, mas assestou as petro-baterias contra o biodiesel. Ocorre que, enquanto a banda furiosa faz todo este barulho, o mundo, movido pela pressão ambiental, se move cada vez mais na direção dos biocombustíveis.
 

O Brasil tem o maior programa mundial de biocombustíveis, chegando a substituir até 30% da gasolina, e estamos recém iniciando um programa de biodiesel. Entretanto, quando se projeta o médio e o longo prazo, as oportunidades do Brasil não estão na coluna do consumo mas na da produção. Enquanto isto, iniciativas de produção e uso de biodiesel pipocam em todo o mundo.   A Europa arrancou na frente e hoje detém mais de 50% da produção e do consumo de biodiesel no mundo. Pode perder posição relativa nos próximos anos, porém continuará sendo o player mais importante. A produção total em 2005 foi de 3,2 milhões de toneladas, para uma capacidade instalada de 4,2 milhões de toneladas. Em 2006, cerca de 60% do total do óleo de canola produzido na UE destinaram-se à produção de biodiesel e a Europa deixou de ser um exportador líquido para ser um importador de óleo. O continente europeu possui uma frota ponderável de veículos diesel (inclusive de passeio) e a tendência é que a proporção de veículos de ciclo diesel continue alta nos próximos anos. Isto significa que parcela ponderável da legislação que obriga a substituição de combustíveis fósseis em 5,75%, no ano de 2010, será cumprida pelo consumo de biodiesel.   Dentro da Europa, a Alemanha é o grande motor da produção de biodiesel, seguida pela França e Itália. A Alemanha produziu, no ano passado, quasebilhões de litros de biodiesel, sobre o qual não incide a taxa de óleo mineral, permitindo a venda a € 0,10 por litro mais barato do que o diesel. A França, em 2005, produziu quase 500 mil toneladas de biodiesel e se manteve como a segunda maior produtora na Europa. O governo francês pretende aumentar a capacidade produtiva para 1,1 milhão de toneladas de biodiesel até o final de 2007.

           

Apesar da liderança, a Europa não atingiu a meta voluntária de 2% de biocombustíveis em 2005, que foi de 1,4%. A Política Agrícola Comum prevê um auxílio ao produtor de €45 por hectare, para pavimentar o caminho para cumprir as metas de substituição. Isto porque, para 2020, a meta é de misturar 20% biocombustíveis aos combustíveis fósseis.  Nos EUA há uma situação oposta, ou seja, os veículos de passeio são primordialmente movidos à gasolina, o que justifica os incentivos à produção de etanol. Nos EUA, os incentivos fiscais atingiram US$ 150 milhões em 2006, impulsionando a produção do biodiesel. O incentivo federal é um crédito fiscal oferecido no ato da mistura com o diesel, e vale US$ 0,01/gal para cada ponto percentual de biodiesel misturado ao diesel.

 

Nos EUA, dada a independência dos estados, existem, atualmente, mais de 30 leis em 22 estados. Minnesota estabeleceu a compulsoriedade da mistura de 2%. A liderança no varejo é de Illinois, devido a diversas políticas de fomento. A produção americana em 2006 foi de 660 milhões de litros. Em 2007, a previsão é de 1,5 bilhão de litros. No final de 2006, havia 88 plantas de biodiesel nos EUA, com capacidade instalada de 1,5 bilhões de litros. Para 2007 estão sendo construídas 50 novas plantas, aumentando mais 2,6 bilhões de litros na capacidade de produção. Nos EUA, o custo de processamento é de US$ 0,50/gal, somados ao custo da soja de US$ 1,95/gal de biodiesel. O custo operacional total (excluindo-se o custo de capital) é de US$ 2,49/gal, fazendo com que o preço ao consumidor exceda a US$ 3,00/gal.   Na Ásia e na Austrália estão os países que mais aumentaram o consumo de combustíveis fósseis nos últimos anos. Mas na Ásia também encontram-se grandes produtores de óleo vegetal, concentrando 80% da produção de óleo de dendê (Malásia e Indonésia). Nestes paises, na Índia e na China tem aumentado muito a produção de biodiesel. A China acaba de construir 5 grandes plantas de biodiesel, com capacidade de produção da ordem de 120 mil toneladas anuais.   Na Tailândia o governo envolveu-se fortemente na promoção do biodiesel. As políticas de promoção consumiram US$ 40 milhões no ano passado, sendo 60% do valor destinado a expandir o plantio de palma. A Malásia iniciou a construção de plantas para produzir B5. Na Austrália, a meta é dispor de capacidade para produzir 800 milhões de litros por ano em 2008. Do ponto de vista legislativo, há o Energy Grants Credits Scheme Act de 2003, que prevê a isenção fiscal para biodiesel e etanol, e um crédito de equalização preços entre o o diesel e o biodiesel.

 Todos estes fatos eram impensáveis até o início desta década. É a arrancada vertiginosa do biodiesel no mundobem como o do etanolque faz com que os interessados em manter o status quo antigo se manifestem com tanta energia contra o biodiesel.

Ciclo de vida do diesel e do biodiesel
Décio Luiz Gazzoni 

            O estudo do ciclo de vida de um produto é uma ferramenta fundamental para entender como este produto se relaciona com seus insumos, com o meio ambiente, com a espécie humana, quais são os fluxos de energia, o balanço de emissões, etc. Por ciclo de vida deve entender-se todas as operações envolvidas desde o plantio de uma oleaginosa (no caso do biodiesel) ou desde a perfuração do poço (petrodiesel) até a sua combustão nos motores. Esta ferramenta ganhou um impulso adicional com o incremento de uso da bioenergia, em que se torna muito importante conhecer as inter-relações entre os biocombustíveis e o ambiente que os cerca, especialmente o balanço de energia e o balanço de gases de efeito estufa. Pesquisadores americanos efetuaram um estudo comparativo entre os ciclos de vida do petrodiesel e do biodiesel. Vamos apresentar, a seguir um resumo das suas conclusões. 

1. Balanço de Energia.
            O biodiesel e o petrodiesel têm eficiências de energia muito similares. O estudo estima eficiências de energia de 80,55% para o biodiesel contra 83,28% para o diesel do petróleo. A eficiência mais baixa para o biodiesel reflete uma exigência de energia ligeiramente mais elevada para converter a energia contida no óleo vegetal em biocombustível (custo energético do processo). Em termos do uso eficaz de energia fóssil, o biodiesel rende ao redor de 3,2 unidades da energia para cada unidade da energia fóssil consumida no ciclo de vida. Em contraste, o ciclo de vida do diesel do petróleo rende somente 0,83 unidades da energia do produto do combustível por unidade da energia fóssil consumida.

            Estes valores confirmam a natureza essencialmente renovável do biodiesel pois, embora a eficiência energética do “nascedouro” ao consumidor final seja a mesma, o biodiesel usa muita energia renovável ao longo do seu ciclo de vida, ao contrário do diesel, que usa apenas energia fóssil. Quando se analisa o B20, verifica-se uma relação de eficiência de energia fóssil proporcionalmente mais baixa (0,98 unidades de energia do combustível para cada unidade da energia fóssil consumida). A relação de energia fóssil de B20 reflete o impacto da presença majoritária do petrodiesel, que diminui a eficiência da mistura final. 

Emissões de CO2.
            Dada a baixa demanda de energia fóssil associada com o biodiesel, não surpreende que as emissões de gás carbônico no ciclo de vida do biodiesel sejam substancialmente mais baixas. Para cada unidade do trabalho entregue por um motor de ônibus, o B100 reduz as emissões líquidas em 78,45%, quando comparado ao diesel do petróleo. As emissões do CO2 do ciclo de vida de B20 são 15,66% mais baixos do que às do diesel do petróleo. Assim, o uso do biodiesel em ônibus urbanos é uma estratégia extremamente eficaz  para reduzir emissões do CO2 em áreas urbanas e densamente povoadas. 

Material Particulado Total (MPT) e emissões de monóxido de carbono (CO)
            O ciclo de vida do biodiesel (B100) produz menos MPT e CO (reduções de 32% e 35%, respectivamente) do que o ciclo de vida do diesel do petróleo. A maioria destas reduções ocorre por causa de emissões mais baixas no cano de descarga. As emissões de MP10 (menores que 10 micra) de um ônibus urbano movido a biodiesel são 63% mais baixas do que as emissões do mesmo ônibus urbana operando com diesel do petróleo. A redução de CO por uso de biodiesel atinge 46%. 

Emissões de NOx
            Já as emissões de NOx são 13% mais altas durante o ciclo de vida do B100, comparado ao diesel do petróleo. O B20 tem emissões de NOx 2,67% mais elevadas que o diesel de petróleo. Este aumento é atribuído, essencialmente, a emissões mais elevadas de NOx que ocorrem no escapamento dos veículos, ou seja, trata-se de um processo vinculado à queima do combustível. Um ônibus urbano funcionando com B100 emite 8,89% mais NOx que operando a petrodiesel. Esta é, seguramente, a única grande desvantagem do biodiesel, que necessita de uma solução tecnológica imediata. 

Hidrocarbonetos totais (HCT)
            No ciclo de vida do biodiesel há um aumento nas emissões de hidrocarbonetos totais de 35%, comparado ao diesel do petróleo. As emissões do de HCT no escapamento do veículo são 37% mais baixas para B100, comparado ao diesel do petróleo. O aumento em emissões de hidrocarbonetos no biodiesel é devido à liberação do hexano durante o processamento de soja e à volatilização dos agrotóxicos aplicados na fase de produção da oleaginosa. Entretanto, analisando os resultados do estudo, verifica-se que os dados que baseiam esta afirmativa são ambíguos, de pouca consistência e solidez, devendo ser analisados com muita precaução. A principal dificuldade é que hidrocarbonetos constituem um grupo químico muito grande e as informações disponíveis se referem a um outro hidrocarboneto, como metano ou hexano, o que coloca sob suspeita a validade das conclusões. 

Consumo de água e sólidos
            O biodiesel tem um desperdício de água quase 80% mais baixo que o diesel de petróleo, embora o uso de água durante os respectivos ciclos de vida seja 3 vezes maior no biodiesel. A geração de resíduos perigosos é também muito mais baixa para o biodiesel, pois este gera somente 5% da quantidade de resíduos perigosos gerada pelo diesel do petróleo.   Em artigos próximos, pretendo analisar em pormenores cada um destes aspectos do ciclo de vida dos dois combustíveis. Entretanto, julguei importante iniciar pelas conclusões, para deixar claro que o uso de biodiesel não se trata de um mero modismo, passageiro, porém possui bases sólidas para uma mudança no cotidiano das pessoas, com vistas a uma menor agressão ao meio ambiente.

 

 

Cenários mutantes
Décio Luiz Gazzoni 

            Em maio passado participei da Conferencia Européia sobre Biomassa Energética, que se realizou em Berlin. Provavelmente, trata-se do maior evento sobre o tema, em escala mundial. Na seqüência, efetuei um giro por países do Leste Europeu, para aprofundar o conhecimento sobre o uso da biomassa como sucedâneo energético. O fato que salta à vista quando se discute bioenergia em outros países é que, com exceção do etanol brasileiro, os biocombustíveis são uma novidade em escala global, está todo mundo apreendendo e tentando entender como funcionará esta nova ordem energética. Como toda a inovação, sua dinâmica é muito mais intensa que aquela dos negócios estabelecidos e devidamente amadurecidos. Logo, quem formular planos de negócios de médio e longo prazo para produzir etanol ou biodiesel deve atentar para os cenários alternativos e para as mudanças constantes que ocorrem na área.

 

 

Vetores da mudança
            A todo o instante surgem fatos novos, com poder de modificar completamente os cenários. Os mais recentes, e que merecem análise, são:

a.         Os EUA se propõem a substituir 20% da gasolina por fontes renováveis, nos próximos dez anos. O etanol é a melhor aposta para cumprir esta meta;

b.         Os relatórios do Painel de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. Ficou evidente que vem profundas mudanças climáticas, que vão depreciar a qualidade de vida no planeta. São necessárias medidas urgentes e de longo alcance, para evitar conseqüências mais graves. A medida mais viável no curto e médio prazo é o aumento do uso de biocombustíveis;

c.         Antecipando-se à divulgação do relatório, a União Européia impõe-se, para 2020, reduzir em 20% as emissões de gases de efeito estufa; aumentar em 20% a eficiência de uso das fontes energéticas; e aumentar para 20% a participação de energias renováveis na matriz energética, sendo 10% com a utilização de biocombustíveis;

d.        O Governo da Índia se propõe a misturar 10% de biocombustíveis nos combustíveis fósseis, a China estuda ingressar pelo mesmo caminho, o Japão pretende adicionar 5% e etanol na gasolina e a Argentina aprovou a mistura de 5% de biodiesel no diesel, para 2010;

e.         A discussão do conflito entre oferta de alimentos e produção de agroenergia.

 

            As novidades não se esgotarm neste exemplo, até porque, a cada semana, mais países estão exarando políticas públicas com metas ambiciosas para cumprimento em prazos exíguos. Como tal, é chegado o momento de rediscutirmos o agronegócio em sua integralidade, incorporando, em definitivo, os impactos da agroenergia no curto prazo e projetando as necessidades de ajustes para o longo prazo. E a tecnologia será a variável diretriz que permitirá a acomodação das diferentes demandas que recairão sobre o agronegócio. 

Paradigma
Tenho comigo um dogma: Não vantagem comparativa natural que resista a uma mudança de paradigma tecnológico. Por esta visão, embora não desconheça a importância de disponibilidade de terra, de oferta climática, de intensa radiação solar, da capacidade empresarial do nosso agronegócio e da disponibilidade de mão de obra, entendo que dominará o segmento de agroenergia quem detiver tecnologia no estado da arte. Aliás, é exatamente o que está acontecendo neste instante, na produção de etanol no Brasil. Os americanos somente conseguem produzir o mesmo volume de etanol injetando bilhões de dólares de subsídios na cadeia produtiva e, mesmo assim, produzem um combustível mais caro e energeticamente ineficiente.
  O que me preocupa é que os países ricos estão investindo bilhões de dólares (ou euros) para encontrar outras saídas que não dependam de expansão de área ou de insolação. Esta foi uma das conclusões da viagem à Europa. Os países da UE efetuaram um levantamento preliminar de toda a disponibilidade de biomassa, nas suas mais diferentes formas (lixo orgânico, sobrenadante de esgoto, serragem, resíduos agrícolas e agro-industriais, etc), traduzindo os volumes para potencial energético. O levantamento passa a ser atualizado, anualmente. Pretendem demonstrar que existe biomassa disponível no Velho Continente e que podem dispensar o biocombustível vindo de alheres.   Para tanto, pensam em afastar-se do eixo da matéria prima dedicada , tipo cana/álcool ou óleo/biodiesel. Novos processos de produção de etanol (etanol celulósico) e biodiesel (Fischer-Tropsch ou flash-pirólise) ou de outros biocombustíveis (gaseificação) são as apostas para o uso da biomassa genérica para produção de biocombustíveis. No curto prazo (até 2020) o Brasil continuará imbatível na produção de etanol e é uma das esperanças mundiais de regularizar a oferta de óleos e gorduras. Porém, se não acompanhar o investimento em pesquisa e desenvolvimento, que se efetua nos países ricos, podemos estar deixando passar mais um cavalo encilhado que parou na nossa porta.

          Alguém pode argumentar que, por esta via, o custo de produção será muito elevado. Para contornar este óbice, os europeus estão desenvolvendo processos de obtenção de bioprodutos a partir da biomassa, em associação com produtos energéticos, que deverá garantir a sustentabilidade do dueto bioenergia / biorefinarias, no futuro próximo. Esta é uma das principais apostas que os países do primeiro mundo estão fazendo, ou seja, embora o custo de produção de biocombustíveis possa ser elevado, do conjunto de outros produtos de alto valor agregado, que substituiriam os produtos derivados da petroquímica, seriam obtidas margens razoáveis que viabilizariam a produção de biocombustíveis

 O Brasil dispõe de inúmeras instituições de pesquisa e desenvolvimento que atuam na área agronômica. Somente na Embrapa são quase 40 unidades de pesquisa. Existem as universidades, os institutos, as Oscips, as ONGs, as empresas estaduais, etc. Não está a nossa fragilidade. Não tenho qualquer dúvida que, no médio e no longo prazos, a liderança na produção de biocombustíveis pertencerá a quem estiver mais avançado tecnologicamente nos processos de transformação da matéria prima. Hoje, o Brasil é imbatível na produção de etanol de cana-de-açúcar, entre outros motivos pelo domínio de tecnologia de ponta. Porém, quando for viabilizado comercialmente o etanol celulósico como ficaremos? Lembremo-nos sempre que, durante séculos a Suíça dominou o mercado mundial de relógios, enquanto a melhor tecnologia era o relógio analógico, aquele de dar corda. vieram os japoneses com os relógios digitais e arrasaram a indústria suíça em menos de cinco anos. A matéria prima do relógio digital: o silício. Alguém conhece um país que ficou rico produzindo silício? Não? Mas conhece algum país que ficou rico com a tecnologia de processamento do silício (produtos eletrônicos, telefones, computadores, satélites, radares, etc.)? Seguramente, conhece.   Sem desconhecer a importância de dispor de matéria prima, com o aumento dos investimentos em PD & I de processos de produção de energia renovável que está sendo efetuado nos países ricos, os biocombustíveis de primeira geração terão seu pico na próxima década, sendo progressivamente substituídos por biocombustíveis de segunda e, posteriormente, de terceira geração. Novos combustíveis como butanol, dimetil éter e bio-óleo ganham espaço. O etanol terá seu ciclo de vida estendido por conta da tecnologia de etanol celulósico mediado por bactérias transgênicas. Nesta transição perdem importância as tecnologias de produção de matéria prima e ganham importância as tecnologias de processo. Quem dominar processos na fronteira do conhecimento dominará o mercado de Agroenergia. Que terá um ciclo limitado, porque países ricos não estão investindo apenas em processos de produção de agroenergia, mas em avanços na energia eólica, fotovoltaica, geotérmica, das marés, etc. Acorda Brasil!

      

Sinais do Mercado
Décio Luiz Gazzoni

 

No final de junho saiu o esperado relatório de plantio da safra de verão americana, produzido pelo Departamento de Agricultura dos EUA. Em linhas gerais, era o que o mercado estava esperando, ou seja, diminui a área de soja e algodão e aumenta a área de milho. O que sacudiu o mercado foi a intensidade das modificações, com uma subida mais forte do que o esperado na área de plantio de milho e uma queda muito forte na área de soja.

O que está nos bastidores do relatório são dois aspectos importantes. O primeiro aspecto é que os EUA estão no limite da sua área agricultável, a menos que seja reduzida a área de proteção ambiental. Ou seja, para aumentar a área de um cultivo, os americanos precisam reduzir no mesmo tamanho a área de um ou mais cultivos, plantados na mesma época.

O segundo aspecto é o crescimento da área agricultável dedicada à obtenção de biocombustíveis. Os diferentes níveis de governo dos EUA (estaduais e federal) estão exarando diversas políticas públicas de suporte à produção e uso de etanol e biodiesel. São políticas mandatórias de mistura e políticas fiscais de fomento, além dos subsídios às diferentes cadeias produtivas.

 

O descompasso nas áreas de soja e milho ocorreu porque o incentivo para a produção de etanol de milho foi muito mais intenso que o incentivo para produção de biodiesel de soja. Nada a ver com a eficiência energética de um ou outro combustível, mas sim com o peso dos lobies. O lobby da cadeia do milho tem sido muito mais eficiente que o da soja e conseguiu diversos benefícios, em especial financeiros, que redundam em fomento para a expansão da área. Na pratica significa que 20% da área de milho norte-americana será destinada a produzir etanol. E, diga-se de passagem, um etanol caro e insustentável do ponto de vista energético, que apenas se mantém à tona à custa de pesados subsídios governamentais.

Com a subida da área de milho, a nova previsão de colheita de soja retraiu para perto das 80 milhões de toneladas. Logo o mercado fica atento a qualquer perturbação climática durante a safra americana. E também vai ficar ligado no comportamento do clima entre novembro e março, período de cultivo da soja no Brasil e na Argentina. Uma seca mais forte ou mesmo um ataque mais intenso da ferrugem, pode fazer a cotação da soja disparar, podendo até atingir a maior cotação da série histórica.

 

O reflexo desta modificação na agricultura americana é o aumento do preço da soja no mercado internacional e, conseqüentemente, do óleo de soja. O óleo de soja atingiu cotação próxima a US$800,00, na esteira da subida do preço da soja. E aí não há como não discutir o conflito entre produção de energia e produção de alimentos, em escala planetária. No nosso Brasil, temos área suficiente para dar conta da demanda doméstica tanto de alimentos quanto de agroenergia. Entretanto, vivemos uma quadra de comércio globalizado com canais comunicantes que internalizam preços em função da situação da demanda e da oferta mundial de produtos agrícolas.   E então chegamos ao biodiesel e aos seus custos de produção. Não há como não levar em consideração que a subida de preços dos óleos em geral – e da soja em particular – vai causar profundas turbulências no mercado de biodiesel, podendo comprometer as metas previstas na Lei de Produção e Uso de Biodiesel. É preciso também considerar que não se trata apenas de produção de biodiesel nos EUA e no Brasil. É preciso considerar que existem outros 70 países com políticas públicas de fomento ao uso do biodiesel e que, em teoria, vão entrar no mercado comprando óleo e pressionando ainda mais as cotações. Em especial, é preciso olhar com cuidado para a União Européia, que leva muito a sério as metas de inclusão de energia renovável na matriz e que prevê a adição de 5,75% de biodiesel no diesel vendido no Velho Continente.   É preciso aproveitar a turbulência do mercado – que vai durar alguns anos – para investir na busca de novas fontes de matéria prima, em especial oleaginosas de uso exclusivamente industrial, que sofram menor interferência da competição entre produção de energia e de alimentos. É necessário garantir os recursos para as instituições de pesquisa, de maneira que, ao longo da próxima década, o Brasil possa dispor de outras alternativas de oleaginosas, garantindo as condições para o atingimento das metas propostas na legislação.

 

Células de Combustível Microbianas

Décio Luiz Gazzoni

 

Abrindo ainda mais o leque de oportunidades para o agronegócio, a sociedade mundial toma o rumo das energias renováveis, movida pelas Mudanças Climáticas Globais, pelo esgotamento das reservas de petróleo e pelos conflitos pela posse das últimas reservas. As Mudanças Climáticas estão ultrapassando a ameaça de uma guerra atômica, na avaliação dos riscos de extinção da espécie humana sobre a face da Terra. Por este motivo, autoridades e a sociedade civil se movem em busca de tecnologias de baixo potencial de agressão ao ambiente, especialmente com baixa emissão de gases de efeito estufa.   Assim, as células de combustível, em que produtos orgânicos são usados para gerar energia em forma contínua, através de reações químicas, ganham espaço na agenda do desenvolvimento tecnológico dos países centrais. Uma derivada deste conceito, as células de combustível microbianas, começam a despertar atenção, pela potencialidade de utilizar bactérias para produção de energia elétrica, usando biomassa como substrato. O conceito se baseia no fenômeno de que todo o ser vivo produz energia elétrica. Por que, então, não utilizar esta propriedade para gerar energia elétrica de forma limpa? Utilizando biomassa produzida pela agricultura, resíduos agrícolas ou lixo orgânico? Ou, no nosso caso, por que não biodiesel como combustível das células?

 

 

A célula

Quando um organismo atua sobre um substrato (açúcar, por exemplo), na presença de oxigênio, ele decompõe a substância de forma seqüencial, até a formação de água e gás carbônico (os “tijolos” iniciais da fotossíntese). No entanto, quando o oxigênio não está presente, a reação é incompleta, com produção de gás carbônico, de prótons e de elétrons, conforme a reação a seguir:

 

C12H22O11 + 13H2O à 12CO2 + 48H+ + 48e

 

As células de combustível microbianas, que se baseiam nesta lógica, compõem-se de duas câmaras, uma biológica e outra química. Na câmara biológica, existe um substrato (biomassa – que pode ser o biodiesel), uma cultura de um microrganismo apropriado e um mediador elétrico (por exemplo, azul de metileno). Neste compartimento há ausência total de oxigênio livre, o que força o microrganismo a usar a via respiratória anaeróbica, consumindo apenas parcialmente a energia da biomassa.

O mediador transporta os elétrons do interior do microrganismo até um eletrodo negativo (ânodo) mergulhado no meio de cultura. Após transferir o elétron ao ânodo, o mediador torna a ingressar na célula, buscando mais elétrons - um vai e vem que só acaba quando os microrganismos cessarem as reações químicas. Em teoria, numa célula de combustível, as reações nunca cessam, portanto este movimento é um moto contínuo, desde que as condições ambientais e de alimento sejam as ideais.

 

Geração de energia

O compartimento químico da célula contém uma solução de um agente oxidante e o eletrodo positivo (cátodo). O ânodo e o cátodo estão em extremidades opostas de uma carga, ou seja, de um equipamento (como um rádio ou uma lâmpada) que demanda energia elétrica para funcionar. O agente oxidante captura o elétron que ingressou no sistema pelo ânodo, atravessou a carga e chegou ao cátodo. Para completar o ciclo, existe uma membrana de troca iônica, que interliga as duas câmaras da célula, que permite a passagem seletiva de prótons da câmara biológica para a química. Na câmara química, prótons e elétrons se juntam ao oxigênio para formar água, completando o ciclo da decomposição da biomassa.

Por este processo, a biomassa é transformada em água, gás carbônico e energia elétrica – nada mais ecológico!. O caminhamento dos elétrons e prótons se repete dezenas de vezes por segundo, sendo o número de ciclos medido em Hertz. Assim, um equipamento que opera em 60 Hertz significa que ocorreram 60 ciclos de passagem de elétrons a cada segundo de operação.

 

A tecnologia

O processo em si é essencialmente biotecnológico. Os elementos fundamentais são a biomassa e uma cultura de um microrganismo para metabolizar a biomassa. O segredo é o ambiente anaeróbico que obriga a seqüência de reações químicas a acontecerem em câmaras separadas, permitindo o fluxo de prótons e elétrons, que gera a energia elétrica.

Esta não é uma tecnologia acabada, embora disponha um futuro muito promissor e compõe o conteúdo programático que propusemos para a futura Embrapa Agroenergia. O conceito é utilizar matéria orgänica para produzir energia e os empregos, a renda e o desenvolvimento decorrentes. Entretanto, não é qualquer microrganismo que pode ser utilizado em células microbianas. É necessário identificar quais características são desejáveis, em quais organismos elas se encontram, efetuando o mapeamento cromossômico e identificando os genes associados, para construir um microrganismo ideal para células de combustível, através da biologia molecular.

Parece ficção científica, mas é o futuro chegando às portas das nações que investirem em novos processos biotecnológicos para produção de energia, ajudando a resolver os problemas climáticos, sociais e energéticos. Ao menos para aquelas nações onde não prevalece o obscurantismo científico de bloquear toda a inovação baseada em métodos biotecnológicos.

 

O conflito entre alimentos e energia
Décio Luiz Gazzoni 

Este não é um tema simples de ser abordado. É necessário analisar ao menos três grandes vertentes. Uma delas é a geografia, ou seja, o conflito pode se manifestar na Europa, nos EUA, mas não ser verdadeiro no Brasil ou no Congo. O segundo é a cultura da qual estamos falando pois o conflito pode existir em cereais mas nunca se manifestar na cana-de-açúcar. O terceiro é o aspecto temporal: o conflito pode não ser perceptível hoje, porém pode ser fonte de múltiplas atribulações na década de 20. Permeando toda a discussão, existem outros parâmetros que são fundamentais e devem ser levados em consideração, como o crescimento populacional, o aumento da renda per cápita, a mudança de hábitos alimentares e as mudanças climáticas globais.

 

O Brasil
Se fosse possível isolar o Brasil do restante do mundo, esquecendo que existe um mercado globalizado, aqui produziríamos alimento e energia em quantidade suficiente, mesmo no ano 2100, quando seríamos algo como 260 milhões de brasileiros. Com menos de 100 milhões de hectares produziríamos grãos, frutas, hortaliças, etanol, biodiesel e tudo o mais o que precisássemos em termos de alimentos e energia. Ocorre que é impossível imaginar o Brasil à margem do mundo globalizado. Ao contrário, o mundo põe olhos gulosos na capacidade produtiva do Brasil, seja na área alimentar ou energética. Logo, podemos imaginar que o Brasil pode vir a enfrentar conflitos entre a produção de alimentos e de energia, em torno da metade do século.
  Biodiesel ou óleo comestível?
Em termos de cultivos, a cana-de-açúcar possui uma capacidade produtiva muito elevada, o que limita a possibilidade de conflitos, ao menos no médio prazo. O mesmo não se pode dizer das oleaginosas em geral. Do ponto de vista agronômico, é muito mais fácil produzir carboidratos que óleo, inclusive sob o aspecto do balanço energético. O mercado já se apercebeu deste detalhe e com pequenas contas do tipo quanto óleo se produz hoje, qual é a demanda prevista de biodiesel em 15 anos e qual a capacidade de resposta do mundo para produzir oleaginosas, precificou o futuro. É só olhar as estatísticas que mostram que, nos últimos 12 meses, a cotação média dos óleos vegetais no mercado internacional subiu 50%.
   Esta não é uma boa notícia para o setor produtivo de biodiesel, pois a maior parte dos planos de negócios foi efetuada com cotação de óleos vegetais ao redor de US$500,00 e agora o mercado opera acima dos US$820,00. Isto significa que o programa brasileiro de biodiesel vai fracassar? Não acredito, o custo em si será absorvido pelo mercado consumidor, uma vez que a adição de 2% de biodiesel no óleo diesel significa um acréscimo de custo apenas marginal. Vamos aos números: se, por hipótese, o custo de produção do biodiesel explodir, de maneira que um litro de biodiesel custe o dobro do valor de um litro de diesel, o acréscimo de preço ao  consumidor final, para uma mistura B2, seria de apenas 2%. O Governo dispõe de inúmeros instrumentos, inclusive a CIDE, para evitar o repasse deste valor ao consumidor.

               

 

O tempo
Entretanto, conforme avançarmos no tempo, o aumento das cotações dos produtos agrícolas, devido ao conflito entre produzir alimentos e produzir energia, pode tornar-se sério a ponto de comprometer as políticas públicas de substituição de energia fóssil por biocombustíveis. E isto não apenas no Brasil, mas em diferentes países do mundo. É óbvio que, em países de menor renda per cápita, o conflito se instala primeiro, devido à capacidade de pagamento da população e o limite financeiro para aquisição de alimentos ou energia. Entretanto, no longo prazo, este conflito também se instalaria em países ricos.

 

  Do meu ponto de vista, a Ciência encontrará solução para este conflito, seja por aumento da produtividade agrícola, pela viabilização de novas culturas com maior densidade energética, ou pela viabilização de novas fontes de energia. Entretanto, até que este conflito seja adequadamente equacionado, vamos conviver com aumento das cotações agrícolas. Examinando o último quarto de século, verificamos uma queda linear das cotações dos produtos agrícolas no mercado internacional. Em 1980, o índice de uma cesta de produtos agrícolas era de 180, foi de 120 em 1990, caiu para 80 em 2000 e situou-se em 50 no ano passado. Este ano, com a subida das cotações agrícolas deve evoluir para 75, iniciando um período de recuperação das cotações agrícolas previsto para os próximos anos. Esta reversão das cotações tem como base os programas de agroenergia e o aumento da renda per cápita no mundo.   Diversos institutos estão buscando antecipar a curva de evolução das cotações agrícolas, utilizando complexos modelos matemáticos. Na tabela 1, apresentamos um estudo efetuado pelo IFPRI (Instituto Internacional de Pesquisa de Políticas Alimentares), que estabelece três cenários para 2020 e uma antecipação para 2010. Verifica-se que, em qualquer dos cenários, há um aumento da cotação dos produtos agrícolas. Entretanto, o aumento é maior quando o investimento em tecnologia agrícola é menor. Esta é a grande chave que a sociedade mundial dispõe para mitigar o conflito entre energia e alimentos, no curto e médio prazos.

 

Tabela 1. Evolução dos preços das commodities agrícolas, em função de diferentes cenários de demanda de agroenergia e de patamar tecnológico

 

Crescimento agressivo de bicombustíveis, sem mudança de patamar tecnológico

Introdução comercial do etanol celulósico

Crescimento e mudança de patamar tecnológico

 

2010

2020

2020

2020

Mandioca

33

135

89

54

Milho

20

41

29

23

Oleaginosas

26

76

45

43

Beterraba

7

25

14

10

cana-de-açúcar

26

66

49

43

Trigo

11

30

21

16

 

 

 

Soybeans Conference
Décio Luiz Gazzoni 

Participei, recentemente, como conferencista na Soybeans Conference, pela primeira vez realizada na América do Sul. A Conferência objetivou prospectar o comportamento de médio e longo prazo da cadeia produtiva da soja e suas interfaces, como agroenergia e produção animal. O evento foi excelente e permitiu clarificar um pouco da nebulosidade de curto prazo que se abateu no abastecimento de óleo para produção de biodiesel.   O mercado de óleos é francamente comprador e está fortemente pressionado por dois potentes drivers - de um lado, o aumento da renda per cápita em países emergentes e de outro o crescimento da agroenergia. No tocante ao incremento da renda, a Ásia é o continente que mais pressiona o mercado de óleos, em especial a China e a Índia que, conjuntamente, detém um terço da população mundial. Com crescimento econômico estável, próximo aos 10% ao ano, dezenas de milhões de indianos e chineses ingressam no mercado consumidor a cada ano. Com isso, ambos os países, que eram auto-suficientes em óleo, ingressaram, anualmente, no mercado pressionando a demanda e fazendo as cotações saltarem de patamar.    No que diz respeito à agroenergia, a cotação dos óleos é pressionada por dois aspectos. Um deles é a própria demanda de óleo, para satisfazer as metas mandatórias, induzidas ou voluntárias, que ascendem a dezenas de milhões de toneladas, ao redor do mundo. E, de outro lado, pela disputa por área com outros cultivos, seja para consumo alimentar ou para produção de etanol, como é o caso do milho e do trigo.

Poucas alternativas
            Agentes de mercado não vêem solução no curto prazo, caso estas premissas sejam mantidas. Ao contrário, há uma preocupação muito grande com o desenvolvimento da próxima safra de soja, na Argentina e no Brasil pois, qualquer queda na produção estimada, pode fazer saltar as cotações para um patamar ainda mais alto, acirrando os problemas de abastecimento que já são grandes.

            Para equacionar a questão, em um período de 5 anos, as alternativas seriam:

  1. Desaquecimento econômico global, reduzindo a renda per cápita, e diminuindo a pressão por alimentos, o que ninguém almeja;
  2. Expansão da área de cultivo de outras oleaginosas, com destaque para o girassol de safrinha no Brasil. Outra alternativa seria o plantio de dendê em larga escala, com o inconveniente de que o impacto efetivo no mercado ocorre cerca de 7 anos após a instalação das lavouras;
  3. Descumprimento das metas de mistura de diesel e biodiesel, nos diferentes países com políticas públicas mandatórias de mistura;
  4. Outras alternativas tecnológicas para a substituição do diesel, como a produção de bio-óleo, a partir de pirólise da matéria orgânica, ou de uso de etanol em motores de ciclo diesel

 

 

China e Índia
A China enfrenta o dilema de como alimentar sua população, que se urbaniza e enriquece rapidamente. Para tanto, o Governo chinês estabeleceu um decálogo para recuperar e modernizar a sua produção agrícola, o qual enrubesceria qualquer formulador de políticas de um país ultra-liberal. Três pontos do decálogo chamaram minha atenção:

  1. privatizar e vender as pequenas propriedades agrícolas para ampliar o tamanho das unidades rurais, promovendo a economia de escala e impulsionando a produtividade;
  2. destinar as áreas agricultáveis, preferencialmente a produtos de maior valor econômico e aumentar a importação de produtos de menor valor;
  3. apoiar cada vez mais as pesquisas biotecnológicas. Na Índia, os governos provinciais dominados pelo partido comunista, proibiram greves para evitar perda de competitividade.
  4. Definitivamente, não se fazem mais comunistas como no século passado! Ao menos na China (maior país comunista(?) do mundo) e na Índia.
 

Novos tempos
O decálogo deve ser referendado pelo colegiado do Partido Comunista Chinês, que se reuniu na terceira semana de outubro, em Beijing, cuja missão é homologar as propostas que recebeu do Governo Central. Sua implementação significa que:

  1. a China promoverá a privatização dos meios de produção agrícola, como havia feito com a produção industrial;
  2. a China implementará a anti-reforma agrária, concentrando a terra para buscar eficiência produtiva;
  3. o produtor chinês será estimulado a cultivar produtos de alto valor intrínseco, destinados a alimentar a “elite” (inclusive chinesa), abandonando produtos da alimentação básica;
  4. milhões de agricultores chineses, que só sabem amanhar a terra há milênios, serão expulsos para a periferia das cidades, servindo como mão de obra industrial barata, deixando de produzir para ser consumidor de alimentos;
  5. a China havia estabelecido a meta de liderar a geração de biotecnologias nesta década e agora se propõe a liderar o mundo, até o final da próxima.

Quando se examina, sem part pris, o pragmatismo do Governo chinês (comunista), entendemos porque a China cresce 10% ao ano, há 20 anos, enquanto outros países, que estacionaram nos conceitos da Guerra Fria, ficaram na rabeira do crescimento mundial. Além do capitalismo hiper-selvagem da proposta, verifica-se que, de imediato, o decálogo chinês pode significar que os agricultores que permanecerem no campo entrarão definitivamente no conceito de agronegócio, buscando maximizar seus lucros, utilizando da forma economicamente mais racional os meios de produção.

Entretanto, sob o aspecto do abastecimento de alimentos básicos, e de óleo vegetal em particular, a atitude chinesa implicará, no médio prazo, em diminuição da produção e em aumento da demanda. O que significa garantir sustentabilidade ao novo patamar das cotações do óleo vegetal no mercado internacional.

 

Brasil
            Com este pano de fundo, temos que analisar o que poderá ocorrer no Brasil, onde a produção de biodiesel para atender a mistura B2 se encontra comprometida, pela indisponibilidade de matéria prima nos próximos meses, e pela alta cotação do produto. Além deste aspecto, houve um “overshooting” na resposta empresarial ao programa e, a serem postas em operação todas as plantas em construção ou projetadas, nossa capacidade industrial atingiria o pico de 6,2 bilhões de litros de biodiesel, equivalente, em valores de hoje, a quase uma mistura de 16% no diesel consumido no país.

            Apesar da sinalização do mercado, de falta de matéria prima e de altos preços ao longo do próximo ano, a imprensa noticia que o Governo Federal pretende, nos leilões programados para novembro próximo, promover a aquisição de biodiesel equivalente a B3. Esta é mais uma inovação a pressionar o mercado, além das mencionadas anteriormente. É necessário tomar em conta que a produção estimada de óleo de soja (90% da matéria prima do biodiesel brasileiro) para 2008 é de 5,8 bilhões de litros, para um consumo nutricional interno estimado em 3,5 bilhões de litros e contratos de exportação estimados em 2,2 bilhões de litros.

            Com base nestes números, as alternativas para 2008 são:

1)    Descumprir as metas do programa

2)    Sustar grande parte da exportação de óleo

3)    Esmagar mais soja internamente, buscando compradores para o farelo excedente

 

Como, dificilmente, o Governo aceitaria o descumprimento das metas, pelo empenho pessoal do Presidente da República, restam as outras alternativas. Desta maneira, as cotações do óleo no mercado internacional se manterão em alta, testando o patamar de US$1000/t. Além do que, os estoques brasileiros de óleo vegetal estarão muito próximos de zero, no final de 2008.

Logo, para não contaminar ainda mais o preço do diesel, que já está nas alturas, e que será pressionado pelos recordes sucessivos no preço do petróleo base Rotterdam, é bom que o Governo comece a pensar na redução da CIDE sobre o óleo diesel (garantindo que o benefício seja repassado ao consumidor), para evitar que o óleo diesel se torne um fator de pressão inflacionária e aumente ainda mais o custo Brasil.

 

Exportação de biodiesel
Décio Luiz Gazzoni

 A Europa precisará de 20 bilhões de litros de biodiesel na próxima década e de 40 bilhões após 2020. Finalmente, a UE concluiu que é impossível produzir todo este biodiesel na Europa e que vai precisar de ajuda do Brasil. Para verificar se o Brasil pode cumprir as suas exigências de sustentabilidade, a União Européia contratou a Universidade de Wageningen, localizada na Holanda. O grupo de pesquisadores envolvido no estudo visitou o Brasil, por longos períodos. Esteve no Norte e no Sul. No Nordeste e no Centro Oeste. Conheceu mamona, dendê, soja e girassol. Conheceu as usinas de produção de biodiesel. Discutiu com pesquisadores, professores, produtores, industriais e ambientalistas. Juntou esta experiência com números e com as demandas da União Européia. Não apenas das lideranças, mas da sociedade civil, organizada ou não, dos formadores de opinião. E preparou o primeiro “approach” do estudo.

 

Discussão
No contexto do estudo, foi realizado no dia 19/11 passado, na cidade de The Hague (Holanda) o seminário “Quality and sustainability of biodiesel for export from Brazil.” De comum acordo com entidades brasileiras, a Universidade de Wageningen nos convidou para fazer uma apresentação sobre o tema, a fim de embasar a sua discussão. Tanto a apresentação dos pesquisadores europeus, quanto a minha palestra, demoraram uma hora cada, mas a discussão estendeu-se além de duas horas!. Ao final, outras duas horas foram necessárias para acordarmos pontos básicos, que necessitam de aprofundamento ou estudo, para chegar-se a uma conclusão final, ou seja, o que precisamos melhorar em nosso país para sermos os fornecedores de biodiesel da União Européia.
  Sustentabilidade
A Europa vai precisar, daqui a quatro anos, de uns 4 bilhões de litros de biodiesel. Em 2020 o número é assombroso, algo acima dos 25 bilhões. Convencer os europeus que o Brasil pode produzir esta quantidade de óleo, dadas as garantias contratuais de demanda, não foi muito difícil. Para tanto bastou demonstrar que temos solo, água, clima, sementes e outros insumos, agricultores capazes e empresários de primeira linha. Discutir as especificações técnicas do biodiesel, e como vamos cumpri-las, também não foi difícil. Para isto existe a inteligentzia brasileira nas universidades e outras instituições de pesquisa.

 

A parte empedernida ocorreu na discussão das questões ambientais e sociais. As ONGs baseadas no Brasil – financiadas pelo Primeiro Mundo – se encarregam de veicular uma imagem muito distorcida do que ocorre no Brasil. Fui questionado sobre desmatamento na Amazônia; soja ou pastagem no lugar da mata; soja e milho que provocam erosão e poluem os rios; trabalho escravo na Amazônia ou nos canaviais; o balanço de carbono e a emissão de gases de efeito estufa dos cultivos energéticos e dezenas de outros tópicos. Afinal, eram duas dezenas de europeus do outro lado, sumamente interessados em que não pairasse qualquer dúvida sobre a capacidade de o Brasil produzir biodiesel de forma sustentável.

Pelo balanço final do evento, acho que respondi, convenientemente, a todas as questões - ao menos é o que ficou registrado. Não deixar dúvidas sobre a sustentabilidade ambiental e social da nossa agricultura passou a ser o busílis da questão e é importante que não percamos esta perspectiva para o médio e longo prazo. Ou seja, produzir será relativamente fácil. Colocar em um mercado que a cada dia impõe novas e crescentes exigências além das especificações técnicas, é que são elas.

 

A agenda da União Européia
Relato abaixo, de forma sucinta, a agenda que foi colocada na reunião e que precisa ser cumprida por quem pensar em exportar biocombustíveis para a União Européia.

 

ü  O balanço de gases de efeito estufa de toda a cadeia produtiva deve ser positivo;

ü  A produção de materia prima não deve ocorrer com prejuízo para a vegetação que seja considerada como importantes depósitos naturais de carbono da Natureza (ex. florestas);

ü  A produção de biomassa para energia não deve colocar em risco a cadeia de suprimento de alimentos, nem as demais aplicações tradicionais da biomassa (ex. lenha, fitofármacos, materiais de construção, etc.).

ü  A produção de biomassa não deve ocorrer à custa de aumento de risco para a biodiversidade, especialmente as espécies mais vulneráveis;

ü  Na produção e processamento de biomassa, o solo e as suas principais características devem ser preservados ou melhorados;

ü  Na produção e processamento de biomassa, a água de superfície, sub-superficial ou profunda não deve ser colocada em risco e a qualidade da água deve ser mantida ou melhorada;

ü  Na produção e processamento de biomassa, a qualidade do ar deve ser mantida ou melhorada;

ü  A produção de biomassa deve contribuir para a prosperidade do local de produção;

ü  A produção de biomassa deve contribuir deve contribuir para o bem estar social, dos empregados e da população local

 Está de bom tamanho ou ficou faltando algo?

Com o perdão da brincadeira, vai ficar mais fácil produzir e comercializar míssil interbalístico que alimentos ou biocombustíveis, tamanhas as exigências que as mudanças climáticas globais e a as atitudes ambientalmente e socialmente corretas imporão à produção agrícola. No entanto, assim como os alimentos vinham sendo submetidos a agendas sanitárias, ambientais e, mais recentemente, sociais cada vez mais rígidas, parece-me lógico que a agenda seria aplicada aos biocombustíveis.   Bem, meu registro final foi que o Brasil tem condições de cumprir esta agenda, integralmente. Desde que, o preço do produto contemple um bônus adicional pelas exigências não agronômicas ou não técnicas, que possuem um custo que representará um percentual elevado do custo de produção. E acho que esta deve ser a tecla da nossa negociação: sim, podemos entregar o produto exatamente do jeito que vocês estão encomendando. Nosso preço se compõe da cotação internacional mais x% para atender a agenda social e ambiental. E estamos entendidos.

Troco
Mas eu sou do tipo que dá um boi para não brigar e uma boiada para não fugir da briga. Os companheiros europeus foram lembrados que:

primeiro eles destruíram as suas florestas; e agora nos forçam a destruir a nossa, pois pagam preços altíssimos pela madeira nobre contrabandeada da Amazônia. Afinal, o desmatamento na Amazônia só ocorre porque cidadãos dos países ricos pagam preços exorbitantes pela madeira nobre extraída da mata;
 

que podemos investigar se há trabalho escravo aqui, mas se este for o critério, terão que fechar as importações da China, pois aquele país somente compete no mercado internacional à custa de trabalho escravo e exaustão dos recursos naturais, para não falar no cambio super-desvalorizado;
 

e que a principal razão do aparente descaso ambiental dos produtores agrícolas dos países emergentes é o alto subsidio agrícola do Primeiro Mundo, que derruba os preços dos produtos agrícolas deixando o agricultor sem capital para produzir, quanto mais para preservar.
 

Não alivia a nossa responsabilidade, mas ao menos empata o jogo!

Congresso de Biodiesel
Décio Luiz Gazzoni

 De 27 a 29 de Novembro passado foi realizado, em Brasília, o II Congresso da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel. Esta rede se compõe de, aproximadamente, 200 cientistas, de diferentes especialidades, que se dedicam a solucionar problemas nos seguintes aspectos da cadeia do biodiesel:

1. Agricultura e matérias primas para produção de biodiesel. Trata, fundamentalmente, de aspectos de zoneamento pedoclimático, variedades e cultivares de oleaginosas; técnicas de cultivo e de controle de pragas; e economia rural e modelagem de sistemas;

2. Armazenamento de biodiesel. Estuda-se os critérios e formas de armazenamento de biodiesel e de suas misturas; o desenvolvimento de aditivos para garantir as especificações técnicas do biodiesel;

3. Caracterização e controle de qualidade. Trata da caracterização da matéria prima (óleo vegetal ou gordura animal), do biodiesel e de suas misturas com óleo diesel; desenvolvimento de metodologias de análise e controle de qualidade;

4. Co-produtos. Busca-se maximizar o aproveitamento de co-produtos (glicerina, farelo, tortas, resíduos), objetivando a agregação de valor na cadeia;

5. Produção. Objetiva-se o desenvolvimento e a otimização de tecnologia de produção de biodiesel;

6. Biodiesel e desenvolvimento sustentável. Análise da viabilidade econômica; biodegrabilidade; ciclo de vida e impactos ambientais;

7. Uso do biodiesel. Destina-se a testar o biodiesel em motores veiculares e estacionários e verificar seu impacto sobre os mesmos, sobre os sistemas de injeção e seus componentes. Obviamente, é impossível relatar tudo o que ocorreu no Congresso, neste espaço. Mas gostaria de ressaltar o que mais me chamou a atenção em cada um dos grandes programas da rede, conforme a divisão temática acima.

 

Agricultura
Na área de agricultura, o que ressalta é a busca por novas oleaginosas, em especial de alta densidade energética. A espécie que mais tem recebido a atenção dos cientistas é o pinhão manso, que foi objeto de inúmeros estudos, desde a caracterização de bancos de germoplasma até o estudo de pragas e enfermidades que atacam a planta. A lógica central destes estudos é avaliar o potencial do pinhão manso como planta cultivada, destinada a produzir biodiesel. E, caso esta opção se configure, desenvolver um sistema de produção que permita produzir pinhão manso com o mínimo de riscos e o máximo de rentabilidade.
  Armazenamento
O desafio maior desta área é garantir que, ao final de um período de armazenamento do biodiesel ou suas misturas, o produto atenda as especificações técnicas da ANP. Um dos desafios principais desta fase é a estabilidade oxidativa, ou seja, a oxidação dos ésteres que compõem o biodiesel, em especial os ácidos linoléico e linolênico, que contém duplas ligações na molécula, o que os tornam particularmente suscetíveis à oxidação.  Uma opção lógica para contornar este problema é o uso de aditivos anti-oxidantes, tema que foi apresentado no congresso. Outra preocupação séria é com o ponto de fluidez e ponto de névoa de biodiesel, em especial obtido de óleo de dendê, que pode gerar problemas se utilizado em temperaturas abaixo de 20oC.

 

Caracterização e controle de qualidade
Uma das preocupações mais importantes que percebi no Congresso, no tocante a este tema, é a busca de métodos simples e expeditos para análise da qualidade do biodiesel e do atendimento às especificações técnicas. Igualmente, percebe-se o interesse dos cientistas em caracterizar devidamente as matérias primas para produção do biodiesel, pois as propriedades do óleo (ou gordura) original influenciam as características posteriores do biodiesel. Não menos importante foram as apresentações de análises químicas de diversas amostras de biodiesel, permitindo clarificar as condições de produção e a qualidade do biodiesel produzido no Brasil.
  Co-produtos
O aproveitamento de co-produtos é de fundamental importância para assegurar a rentabilidade da indústria de biodiesel, através da agregação de valor às tortas, farelos e resíduos. Um dos aspectos mais importantes é o desenvolvimento de novos usos e aplicações para a glicerina. Esta substância é muito valorizada na indústria de química fina, especialmente a farmacêutica. Entretanto, o tamanho de seu mercado é relativamente pequeno para os volumes de glicerina que serão produzidos nos próximos anos. E, neste particular, o congresso apresenta avanços muito otimistas, permitindo antever que, nos próximos cinco anos, novos produtos derivados de glicerina chegarão ao mercado, oriundos das pesquisas da rede, como lubrificantes e recuperadores para a indústria de petróleo, tensoativos, aditivos para gasolina, blendas e materiais de construção. A detoxificação da torta de mana, que venha a permitir o seu uso seguro na alimentação animal, é outro estudo de destaque da rede.

 

Biodiesel e desenvolvimento sustentável
Sob esta ótica agrupam-se os estudos de impacto ambiental da produção de biodiesel, os indicadores de sustentabilidade, em especial para a agricultura familiar, a análise de risco de culturas de oleaginosas de acordo com as características edafo-climáticas de diferentes regiões, a análise da viabilidade de produção de oleaginosas em assentamentos de reforma agrária, a prospecção da cadeia de biodiesel em relação ao seu futuro e a sustentabilidade na produção de biodiesel, considerando os princípios da química verde.
  Produção
Diversos aspectos da produção de biodiesel foram apresentados, com destaque para a otimização da produção, através do estudo de novos catalizadores, homogêneos ou heterogêneos, e com o uso de enzimas, como as lípases. A principal rota comercial de produção de biodiesel é a metanólise. Porém, como o Brasil é um grande produtor de etanol, os cientistas desta área vem se esforçando para otimizar o uso de etanol, eliminando as restrições técnicas e procurando reduzir o custo de operação da etanólise.

 

Uso do biodiesel
Os cientistas envolvidos com este tópico estão procurando avaliar, minuciosamente, se a presença do biodiesel misturado ao diesel pode trazer algum problema operacional, de eficiência ou de desgaste de peças nos motores. Da mesma forma, estão sendo estudadas as emissões dos motores, para garantir que estas são menos tóxicas e menos prejudiciais que o uso exclusivo do diesel. Um aspecto que me chamou a atenção foi a análise da qualidade do óleo lubrificante, demonstrando que um motor diesel, operando com B10, não altera a qualidade do óleo lubrificante. Nesta mesma categoria, foi apresentado um estudo que demonstra a viabilidade do uso do biodiesel como aditivo melhorador de lubricidade nas misturas álcool e diesel.

 

Os interessados em obter mais informações sobre os trabalhos científicos apresentados no II Congresso da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel podem escrever diretamente para o organizador do evento, no email abipti@abipti.org.br

 

 

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