Biorefinarias, agregando valor na cadeia do biodiesel

Décio Luiz Gazzoni

 

Em maio passado participei do Congresso Europeu de Biomassa Energética, que se realizou em Berlin (Alemanha). As preocupações dos europeus eram as mesmas que as nossas: como garantir a oferta de matéria prima, pelo forte incremento da demanda e como compatibilizar custos de produção com cotações do óleo em patamares elevados. As discussões avançaram por duas vertentes: buscar matéria prima genérica e novos processos de produçãopara superar o problema da oferta – e implementar o conceito de biorefinarias – para obter rentabilidade, mesmo com elevados custos da matéria prima. Hoje, não vamos entrar na discussão sobre novas matérias primas e novos processos de obtenção de sucedâneos do petrodiesel, para nos concentrarmos nas biorefinarias.

 

O que significa uma biorefinaria? É uma refinaria que utiliza biomassa como matéria prima. O conceito é importado das refinarias de petróleo (petroquímica), partindo de três princípios. O primeiro deles é que o petróleo é um derivado da biomassa, enterrado no subsolocentenas de milhões de anos. Logo, tudo (ou quase tudo) o que puder ser extraído do petróleo, pode ser extraído da biomassa. O segundo, é que os combustíveis obtidos do petróleo (diesel, gasolina, querosene, GLP) são vendidos a preços relativamente baratos, quando comparados com a cotação de mercado dos insumos para a indústria química, especialmente a farmacêutica, vendidos a preços, dezenas de vezes superiores; terceiro, o petróleo vai acabar, por isso está ficando cada vez mais caro, o que, por um lado  viabiliza as matérias primas concorrentes; e, por outro, obriga a Humanidade a buscar novas alternativas, para que a mudança do petróleo para outras matérias primas seja feita naturalmente, sem sobressaltos.

 

Baseados nestes princípios, os europeus estão pensando em compor o mix de receitas financeiras, que precisam ser distribuídas a montante da cadeia, com substâncias de mais alto valor agregado, que possam compensar o valor mais baixo do biodiesel. Neste caso, o biodiesel passaria a ser o co-produto e as especiarias, o filé da receita do complexo empresarial. Para conferir uma dimensão ao tema, apresentamos, no Quadro 1, uma lista das aplicações da oleoquímica contemporânea, ou seja, os grupos de produtos comerciais derivados de óleos vegetais, que hoje estão no mercado

 

Quadro 1. Lista não esgotante de produtos derivados de óleos vegetais.

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Material de construção    Material de Limpeza    Cosméticos    Detergentes    Substâncias anti-incêndio    Emulsificantes e flotantes

Agrotóxicos    Couro artificial    Lubrificantes    Tintas    Papéis    Fármacos    Plásticos    Têxteis    Borracha sintética

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No caso do biodiesel, a associação com refinarias ainda é uma proposta teórica, para os próximos cinco anos. Acredito que, para mostrar a forte conexão que existe entre biocombustíveis e biorefinarias, é melhor usar o exemplo do etanol, onde as coisas estão acontecendo na prática. O forte aquecimento do mercado consumidor e a pressão nos custos das matérias-primas originadas do petróleo, têm levado as indústrias de plástico a buscar, em fontes renováveis, matérias-primas substitutas para seus produtos. Plásticos feitos a partir do etanol de cana-de-açúcar, que podem ser reutilizados num processo de reciclagem, além de polímeros biodegradáveis produzidos por bactérias alimentadas por sacarose e outras substâncias, estão na linha de frente de pesquisas e investimentos anunciados por gigantes petroquímicas, como a Dow Química, a Braskem e a Oxiteno, fabricantes de resinas plásticas feitas a partir da nafta e de outras matérias-primas derivadas do petróleo.

 

A Braskem, líder latino-americana em produção de resinas, investiu US$ 5 milhões em pesquisa e desenvolvimento para chegar a um polietileno certificado, a partir de álcool da cana, chamado de “polímero verde”. Escusamo-nos de demonstrar o apelo mercadológico de um plásticoverde”, em tempos de ecologicamente correto e de mudanças climáticas globais. No caso da Braskem, o processo, bastante eficiente, transforma 99% do carbono contido no álcool, em etileno, matéria-prima do polietileno. O subproduto é a água, que pode ser purificada e reaproveitada.

 

 

De etanol a etileno

Relembrando as aulas de química, se tirarmos uma molécula de água do etanol obtemos o etileno (CH2=CH2), conforme o esquema abaixo

 

CH3-CH2-OH àCH2=CH2 + H2O

 

O método pode ser catalisado por ácido sulfúrico ou alumina (Al2O3) extraída da bauxita. A baixa temperatura favorece a produção do éter etílico (C2H5OC2H5) e alta temperatura favorece o etileno. O éter etílico também é um produto de alto valor mercadológico, além de servir como insumo para a indústria de química fina. No caso da produção do éter etílico, a reação é a seguinte

 

2 CH3-CH2-OH à C2H5OC2H5 + H2O

 

Uma vez obtido o etileno, o processo de polimerização para fabricar o polietileno é igual ao empregado para o etileno obtido do petróleo. A polimerização é uma reação em que as moléculas menores (monômeros) se combinam quimicamente para formar moléculas longas e ramificadas. A estrutura lembra uma parede (polímero, no caso, polietileno) composta por tijolos exatamente iguais (etileno). Até este ponto temos uma primeira etapa de agregação de valor, pois, enquanto o etanol vale cerca de US$600/t (CBOT), o etileno é cotado acima de US$1000/t.

 

O polietileno pode ser aplicado diretamente na produção de embalagens plásticas. Porém, seguindo na cadeia de agregação de valor, é possível produzir resinas de diferentes densidades, para aplicações rígidas e flexíveis em setores como o automotivo, empacotamento de alimentos, embalagem de cosméticos e artigos de higiene pessoal. O produto, que deverá custar entre 15% e 20% a mais do que os polímeros tradicionais, será destinado, principalmente, aos mercados asiático, europeu e norte-americano. Porém, este aumento no custo de produção não preocupa os fabricantes, pois o processo de aprendizagem e os ganhos de escala se encarregarão de reduzi-lo com o tempo. Além disto, o apelo à demanda por produtosverdes” se encarrega de anular a diferença no custo de produção, embora o polietileno, especificamente, não seja biodegradável, apresentando exatamente as mesmas propriedades do produto obtido a partir do petróleo. A diferença em termos de ciclo de carbono é justamente esta: não entrou petróleo ou outra matéria prima fóssil na sua fabricação. No caso do polietileno do álcool, para cada quilo de polímero produzido, são absorvidos em torno de 2,5 quilos de gás carbônico da atmosfera, pela fotossíntese da cana.

 

Negócios em marcha acelerada

O mercado capturou o filão. A Dow Química produzirá o polietileno de etanol, em associação com a Crystalsev, (empresa controlada pelas usinas Vale do Rosário e Santa Elisa). O plano é mais ambicioso e prevê a criação de um pólo alcoolquímico integrado, com capacidade para produzir 350 mil toneladas por ano de polietileno de baixa densidade. O empreendimento vai gerar 3.200 empregos diretos, além de centenas de indiretos nos setores agrícola, industrial e de manufatura. A fábrica de polietileno vai consumir 700 milhões de litros de álcool por ano, o que corresponde a 8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar (cerca de 100.000 ha de cana). O pólo foi planejado para ser auto-suficiente em energia e gerar excedente de energia elétrica para atender a uma cidade de 500 mil habitantes. O pólo alcoolquímico integrado, como foi denominado pelos sócios, nada mais é que a biorefinaria de que trata este artigo!

 

Não é apenas de transposição da tecnologia da petroquímica que viverão as biorefinarias. A PHB Industrial, (Grupo Pedra Agroindustrial e Grupo Balbo) fabrica, há 7 anos, em uma planta piloto, um plástico biodegradável produzido por bactérias naturais, que está sendo vendido em pequenas quantidades, com o nome comercial de Biocycle, para Estados Unidos, Japão e países da Europa. A matéria-prima tem sido empregada, principalmente na fabricação de plásticos rígidos, produzidos pelo processo de injeção e também em espumas para substituição do isopor. O Biocycle também se aplica à produção de substitutos de poliuretanos, além de chapas bioplásticas e produtos termoformados. Em dois anos estará em operação uma grande indústria, resultado do sucesso da planta piloto, que deverá produzir, até 30.000t/ano de plástico biodegradável.

 

O polímero base do plástico é produzido pela bactéria Alcaligenes eutrophus (sin. Cupriavidus necator), cultivada em meio que contém sacarose transformada em glicose. A partir desse açúcar, as bactérias produzem o polihidroxibutirato (PHB), que pertence ao grupo de polímeros denominados polihidroxialcanoatos (PHA), que são poliésteres acumulados por microorganismos na forma de grânulos intracelulares. A diferença para os polímeros constituem-se em um produto biodegradável, compostável e biocompatível. Existem mais de 150 bactérias que acumulam naturalmente o polímero em grânulos localizados em seu citoplasma. A vantagem da C. necator,  é acumular 80% e 90% do seu peso seco na forma de polímero. No entanto, existem bactérias transgênicas (recombinadas em laboratórios de universidades brasileiras) que possuem a vantagem adicional de produzir o polímero PHB-V, que é ainda mais maleável, portanto, com melhores características comerciais.

 

Completado o ciclo da bactéria, os grânulos são extraídos e o polímero isolado e purificado. Eles podem ter aplicações como produção de filmes ou estruturas rígidas, além de usos médicos e veterinários, como confecção de suturas, suportes para cultura de tecidos, implantes, encapsulação de fármacos para liberação controlada e outras, utilizando-se da nanotecnologia.

 

Biotecnologia

Aqui entramos em um terreno que é tão rentável e futurístico quanto polêmico, por atrair a ira de algumas ONGs que, por motivos que ainda não estão claros, atuam no sentido de barrar o avanço científico e tecnológico da biotecnologia no Brasil. No caso referido acima, as bactérias encontradas na Natureza e selecionadas em laboratório, fabricam naturalmente o polímero, mas o melhoramento genético permite que ocorra um aumento considerável da produção. Existe um projeto de pesquisa e desenvolvimento que está sendo executado pela PHB e as instituições parceiras, que permitiu desenvolver e patentear bactérias geneticamente modificadas. Os pesquisadores, também, procuram bactérias que produzam polímeros a partir de outras fontes de carbono que não a sacarose, como os resíduos agrícolas ou agroindustriais, o que reduziria tremendamente o custo de produção. O mesmo grupo, também, estuda aplicações do biopolímero, depois de purificado, como substrato para o crescimento de células-tronco, outra aplicação biotecnológica na área de saúde. Na mesma linha, os cientistas estudam o uso do biopolímero para a imobilização de enzimas e fármacos, uma área de convergência entre biotecnologia e nanotecnologia.

 

Todo esse avanço é entusiasmante, mas, na situação em que se encontra a biotecnologia no Brasil, foi muito mais fácil e rápido obter a inovação, que conseguir transpô-la para a realidade industrial, devido à oposição ferrenha de algumas ONGs. O busílis da questão, quando se discute biorefinarias, é a impossibilidade de avanços concretos sem o uso da biotecnologia e da nanotecnologia, posto que a maioria dos processos envolve fermentação ou outros usos de microrganismos para transformar a biomassa em produtos que sejam úteis à sociedade. Existem microrganismos encontrados na Natureza, que podem atender a este propósito, porém, em geral, são muito ineficientes e necessitam de melhoramentos para serem utilizados industrialmente.

 

Logo, sem biotecnologia, as possibilidades das biorefinarias ficam muito restritas e podem não atender ao propósito de agregar valor na cadeia de biomassa-biocombustíveis. Ao menos no Brasil, porque em outros países este tema está avançando a passos largos, o que pode servir para referendar mais uma vez a máxima de que o Brasil é o país do futuro, que nunca chega. Aliás, uma das explicações possíveis para o interesse de ONGs estrangeiras em retardar o avanço da Ciência no Brasil pode ser justamente este. pensaram o Brasil com as vantagens comparativas naturais de produção de biomassa e a vantagem competitiva de agregação de valor, por deter tecnologia na fronteira da Ciência? Interessa a algum país rico dividir este filão de mercado com o Brasil?

 

Incentivos à produção de biodiesel nos EUA

Décio Luiz Gazzoni

 

Não vejo como fomentar, adequadamente, o uso de qualquer fonte renovável de energia, sem uma forte alavancagem governamental, até que o mercado a absorva por seus próprios mecanismos. No caso do mercado de exportação, este pode ser o fator que fará a diferença, como está demonstrando a Argentina, que coloca todo o seu biodiesel no exterior. Neste artigo, vou me ater ao caso dos EUA, para que sirva de reflexão e modelo de discussão para a melhoria das políticas públicas de fomento à produção, uso e exportação de biodiesel no Brasil.

 

Como o texto será longo, não vou analisar os subsídios à produção de matéria prima (soja). No momento, devido à cotação recorde de toda a história da leguminosa, o subsídio é dispensável. Mas, quando os produtores brasileiros se endividam até às cuecas, devido aos baixos preços, os red necks americanos mantém sua renda devido ao elevado subsídio. Vou me ater, especificamente, aos subsídios e incentivos à produção e uso de biodiesel, a partir da matéria prima (óleo vegetal) disponível na planta.

 

O primeiro incentivo é federal. Em janeiro de 2005 o presidente Bush assinou a lei de incentivo à produção e uso de biodiesel. Simplificadamente, a cada 1% de adição de biodiesel no petrodiesel, o distribuidor recebe US$0,01/galão de crédito tributário. No limite, o B99 recebe um crédito de US$0,99/galão, o que levou a uma grande exportação de biodiesel americano (subsidiado) para a Europa, onde as metas são mais agressivas que nos EUA, logo a demanda estava mais aquecida.

 

O segundo incentivo também é federal. A Agência de Proteção Ambiental (EPA), de acordo com a legislação do Clean Air Act (1990) e da Lei Energy Independence and Security Act (2007) deve revisar, anualmente, o Renewable Fuel Standard (RFS), estabelecendo o percentual máximo de mistura de combustíveis renováveis em combustíveis fósseis. Para 2008 o EPA fixou em 7,76% este valor, o que significa que o mercado potencial é de 34 bilhões de litros. Devido ao avanço da produção de etanol nos EUA, o maior volume será destinado a este biocombustível.

 

Mesmo assim, a previsão é de aumento da produção de biodiesel (Fig 1.), pois tramita no senado norte-americano legislação prevendo um mandato federal de adição de 2% de biodiesel de imediato, aumentando a mistura para 5% na próxima década. Isto significa valores extremamente elevados (8 bilhões de litros de imediato e 20 bilhões no médio prazo). Juntamente com as políticas públicas estaduais, a legislação federal promoveu uma expansão recorde das plantas de produção de biodiesel nos EUA, que atingiu 170 unidades em 2007 (Fig. 2).

 

Os demais incentivos são estaduais. No total, são cerca de 160 atos legislativos estaduais de apoio, incentivo ou subsídio (fevereiro de 2008). A maioria dos atos legais é de 2006, o que mostra que, após conseguir a aprovação do incentivo federal de 2005, o poderoso lobby do biodiesel/soja norte-americano logrou atuar nos principais estados dos EUA, para obter legislações favoráveis ao biodiesel.

 

Pontos de destaque

  1. Pelo menos 19 Estados dispõem de legislação para incentivar a utilização e / ou produção de biodiesel. Já existem isenções fiscais, créditos ou descontos em impostos nos estados de Arizona, Califórnia, Havaí, Indiana, Illinois, Kansas, Kentucky, Massachussets, Maryland, Nebraska, New Hampshire, New Jersey, Nova York, Oklahoma, Carolina do Sul, Virginia e Washington.
  2. Impõem o uso de biodiesel em frotas governamentais: Arizona, Colorado, Havaí, Illinois, Michigan, Missouri, Mississippi, Tennessee, Vírginia e Washington.
  3. Possuem mandatos B2/B5: Californa, Kansas, Louisina, Pensilvania, Mississippi, Virginia.
  4. Pelo menos outros 10 estados consideram alguma forma de incentivo à utilização mandato de uso compulsório ou biodiesel em frotas
  5. Pelo menos 4 estados possuem legislação para melhorar o estado da infra-estrutura para facilitar o acesso ao biodiesel: Iowa, Illinois, Kansas, Nebraska
  6. Pelo menos 9 estados possuem legislação oferecendo vários outros incentivos para utilização e / ou produção biodiesel, como a emissão de títulos estaduais, a utilização de terras públicas para a produção das oleaginosas, conversão subsídio programas e subvenções: Connecticut, Havaí, Kansas, Minesotta, Missouri, Nova York, Pensilvania, Vermont, Washington
    Pelo menos 4 estados estão considerando legislação que oferecem incentivos para as escolas e os distritos escolares para compra de biodiesel combustível para os autocarros escolares: Connecticut, Georgia, Iowa e Mississippi.

 

Exemplos

 

Vou resumir os principais atos, em cada estado, para conhecimento do leitor.

 

1. Arizona (Aguarda aprovação do Governador)

Esta lei institui a compra de biodiesel para a frota pública, em determinadas proporções. A propriedade agrícola utilizada especificamente para produzir biodiesel sofrerá uma taxação menor do tributo imobiliário (equivalente ao ITR brasileiro)

 

2. Arkansas ( em vigor desde 10/4/2006)

Prevê o reembolso de imposto sobre consumos específicos, de US$0,50/galão de B100, até o limite de 2% da mistura. Um distribuidor que vende 1 milhão de galões de diesel necessitará de 20.000 galões de biodiesel, logo se credita em US$10.000,00 em impostos.

 

3. Califórnia (em vigor desde 25/4/2006)

Decreto do Governador estabelecendo a meta de produzir e utilizar um mínimo de 20 por cento de biocombustíveis nao Califórnia em 2010, 40 por cento até 2020, e 75 por cento em 2050. Biocombustíveis inclui tanto etanol eo biodiesel.

 

4. Colorado (em vigor desde 31/3/2006)

Regula a utilização de biocombustíveis pelos diversos níveis do Governo estadual, inclusive no aquecimento dos prédios públicos. SB 16. Exige que todos os veículos estatais sejam abastecido com B20.

 

5. Geórgia (em vigor desde 28/4/2006

Trata da especificação produto para venda no Estado, define biodiesel, de acordo com ASTM D 6751. Torna ilegal a venda, compra ou mistura biodiesel, a menos que satisfaça esta definição.

 

6. Havaí (em vigor desde 12/5/2006)

Estabelece um sistema de preferência para abastecimento das frotas públicas com biodiesel, de acordo com a disponibilidade. Também estabelece limites mínimos de uso de biodiesel por veículo público.

 

7. Indiana (em vigor desde 21/3/2006)

Institui créditos fiscais ao longo de toda a cadeia produtiva do biodiesel.  Este crédito deve ser aumentado para a venda a varejo de misturas petrodiesel e biodiesel em 2010.

Encontra-se em debate no legislativo estadual a proposta de exigir dos automóveis vendidos em Indiana que cumpram as normas de utilização B20.

 

8. Kansas (em vigor desde 18/4/2006)

A lei estabelece um incentivo de US$0,30 para cada galão de biodiesel vendido. Para 2007 o teto do incentivo foi de US$475.000,00 e, atualmente, o teto é de US$875.000,00 trimestrais, até julho de 2016.

Início 1 de julho de 2007, e posteriormente trimestral, R $ 875.000 serão colocados à disposição do

 

9. Maryland (em vigor desde 16/5/2006)

Impõe que, a partir de 2008, ao menos 50% dos veículos da frota oficial do estado movidos a diesel utilizem a mistura de, pelo menos, 5% de biodiesel.

 

 

10. Mississippi (em vigor desde 24/4/2006)

Cria um Comitê de Estudos sobre o Potencial Uso de Biodiesel . A comissão deverá propor a necessidade mandatos estaduais de utilização de biodiesel.

 

11. Nova York (em vigor desde 21/5/2006)

Implanta um crédito fiscal para uso de aquecimento residencial com biodiesel, equivalente a US$0,01 para cada ponto percentual de adição de biodiesel por galão de combustível de aquecimento, até o limite de B20.

 

12. Virginia (em vigor desde 6/4/2006)

Cria o fundo de produção de biocombustíveis e concede incentivos ao programa. O Programa oferece incentivos financeiros para os produtores de biocombustíveis, que inclui o B100. Para ser elegível para uma subvenção, o produtor deve produzir acima de 10 milhões de galões de biocombustíveis por ano, utilizando matérias originárias internamente dentro dos Estados Unidos. A subvenção prevê até US$0,10 por galão de biocombustível/ano. O Programa e Fundo deveria expirar em 31 de dezembro de 2016.

 

13. Washington (em vigor desde 30/3/2006)

Institui um fundo de educação de US$98.000,00 (a partir de 2007), objetivando educar o consumidor para consumir as misturas de biocombustíveis, incluindo biodiesel.

Institui a obrigatoriedade do B2 a partir Dezembro 1, 2008, ou quando a matéria prima cultivada no estado satisfizer o requisito 2 por cento. Estende o requisito para B5, quando o estado puder produzir matéria prima suficiente par a mistura.

 

Fig 1. Produção de biodiesel nos Estados Unidos

 

Fig. 2 – Unidades de produção de biodiesel nos EUA

 Texto explicativo retangular com cantos arredondados: Implantação da política federal de crédito fiscal ao biodiesel 
 

  

O BQ9000 é um programa voluntário coordenado pelo National Biodiesel Board. O programa é uma combinação das especificações ASTM standard para biodiesel (ASTM D 6751) e um sistema de controle de qualidade que inclui estocagem, testes, mistura, embarque, distribuição e práticas de manejo de combustíveis.

 

A relação completa das 171 plantas de biodiesel, com detalhes de matéria prima, produção e homepage, podem ser acessadas no arquivo Plantas de Biodiesel nos EUA.pdf (clique aqui).

 

Biodiesel na Alemanha

Décio Luiz Gazzoni

 

Os alemães, em sua maioria, estão convictos de que os biocombustíveis são a única alternativa para os combustíveis fósseis, capazes de contribuir para garantir o transporte, a curto ou a médio prazo. Congruente com a visão da opinião pública, a Associação da Indústria Automotiva Alemã (VDA) instituiu, em fevereiro de 2006, a mistura voluntária de 10% de biocombustíveis para motores diesel e gasolina. Posteriormente, a Comissão Européia apresentou, em janeiro de 2007, a proposta de um roadmap para ampliar o uso de energia renovável, pressionando os estados-membros a aumentar a utilização de biocombustíveis. O desafio agora é garantir o espaço já ocupado e avançar ainda mais, superando os problemas com os quais a cadeia de biodiesel está se defrontando.

 

Com a edição do Plano de Ação de Biomassa, proposto pela Comissão Européia no final de 2005 e a estratégia da EU para os biocombustíveis, exarada em janeiro de 2006, a utilização de biomassa para fins energéticos cresce cada vez mais em importância. Em janeiro de 2007, a Comissão Européia publicou o Roteiro das Energias Renováveis, que inclui metas mais ambiciosas, sugerindo um aumento no consumo de energia renovável de até 20% em 2020 e uma meta obrigatória de 10% para os biocombustíveis, na mesma data, avaliado sobre o conteúdo energético total dos combustíveis para transporte.

 

Legislação

Em 1/1/2004 foi aprovada a alteração da Lei Fiscal do Óleo Mineral, conferindo privilégios fiscais para os biocombustíveis. A adoção da diretiva comunitária (2003/30/EG), sobre a promoção de biocombustíveis, bem como a Diretiva de Tributação da Energia (2003/96/EG), que reestruturou a tributação dos produtos energéticos, deixou patente a pressão e a urgência de promover os biocombustíveis como um elemento. Por outro lado, a UE autorizou os estados membros a reduzir a tributação dos biocombustíveis a nível nacional. Neste particular, em fevereiro de 2004, a Comissão Européia autorizou a Alemanha a isentar os biocombustíveis da taxa de óleo mineral entre 1/1/2004 e 31/12/2009.

 

A Comissão Européia também reconheceu que não apenas os custos de produção têm de ser tomados em conta para determinar o alcance de qualquer dedução fiscal, mas que o menor conteúdo energético dos biocombustíveis também deve ser considerada (fator de incremento de custo). Este fator não se aplica às misturas de Diesel, com teor máximo de 5% de biodiesel (de acordo com a DIN EN 590) ou gasolina  até o máximo de 5% de bioetanol (de acordo com a DIN EN 228).

 

No entanto, as mudanças legais podem levar a uma redução de receitas fiscais, caso sobrevenha um rápido crescimento do consumo de biodiesel e bioetanol. A fim de não perder de vista o incentivo ao aumento do uso de biocombustíveis, se cogita substituir os privilégios fiscais por uma obrigação de mistura dos biocombustíveis, o que colocou na oposição da mudança tanto as associações industriais do setor dos biocombustíveis, as distribuidoras, as associações de agricultores e da indústria automobilística. Esta discussão está levando à conclusão da necessidade de encontrar outros mecanismos de compensação após 2009, quando expira a redução fiscal.

 

O segundo aspecto importante da legislação é a Lei da Quota de Biocombustíveis, que entrou em vigor em 1/1/2007, com as seguintes reduções nos privilégios fiscais do biodiesel e do óleo vegetal:

 

Ano

Taxas sobre biodiesel

Taxas sobre oleo vegetal

2007

9 Euro cents/litro

0 Euro cents/litro

2008

15 Euro cents/litro

10 Euro cents/litro

2009

21 Euro cents/litro

18 Euro cents/litro

2010

27 Euro cents/litro

26 Euro cents/litro

2011

33 Euro cents/litro

33 Euro cents/litro

após 2012

45 Euro cents/litro

45 Euro cents/litro

 

Ocorre que os impostos sobre combustíveis vendidas na Alemanha são considerados muito elevados, e podem tornar o negócio de biodiesel deficitário já em 2008/09. As estatísticas apontam que a demanda de biodiesel caiu em 2007 e muitas plantas não estão funcionando a plena carga. A previsão da capacidade de produção de biodiesel na Alemanha era chegar a 4,5 milhões de toneladas no final de 2007. Considerando as discussões inconclusas sobre o rumo a seguir, aliado ao fato de que muitos países recém chegados à UE estão de olho no mercado ( e nas isenções fiscais) da Alemanha, o mesmo problema que vive o Brasil, o overshooting da capacidade instalada, pode ocorrer na Alemanha!

 

Produção

Hoje a Alemanha não é só líder mundial da produção de biodiesel, como se encontra no estado da arte tecnológico, o que tem levado muitos países a efetuar aquisições de fábricas turn key, de importação de tecnologia ou de associação com indústrias alemãs para produção de biodiesel.

 

Considerando que a capacidade instalada tenha atingido 4,5 milhões de toneladas, este número representa um enorme avanço sobre as 265 mil toneladas do ano de 2000 e seria suficiente para substituir 12% do consumo de diesel neste ano. Este foi um dos principais argumentos dos defensores da mistura obrigatória e das quotas, para evitar um desestímulo ao futuro do programa. No entanto, apenas entre 1,3 e 1,4 milhões de toneladas de biodiesel pode ser vendida para a indústria do petróleo com a utilização do B5, de acordo com a Norma Européia PT 590. Devido ao rápido crescimento da capacidade instalada, o Governo alemão e a Comissão Européia pensam em permitir o uso de B10 – atitude possivelmente copiada pelo Governo brasileiro ao antecipar a mistura B3.

 

Entretanto os investimentos na expansão recente da capacidade instalada, estimados em cerca de 400 - 500 milhões de euros, estão levando os produtores alemães a pensar na possibilidade – inimaginável há um ano – de exportar biodiesel! Não será tarefa fácil, posto que o mercado europeu de biodiesel ainda é embrionário e carece de uma legislação harmonizada. Por exemplo, na França existe uma política que dificulta as importações, embora incentive as exportações, inclusive para a Alemanha!

 

Outro problema enfrentado pela Alemanha – novamente similar ao brasileiro – é a dificuldade de acesso à matéria prima a custos compatíveis. O óleo vegetal que abastece a indústria de biodiesel provém da colza, que, como outros óleos, experimentou um salto de preços que duplicou seu valor em menos de um ano. Para aliviar um pouco a pressão de custos, seria possível importar óleo de dendê um pouco mais barato, do sudeste asiático. Entretanto, por ser obtido de uma palmácea tropical, composto de ácidos graxos de cadeia curta, o óleo de dendê necessita aditivação e outras soluções tecnológicas para obter uma performance adequada nos rigorosos invernos europeus.

 

Investimentos estruturais

A Alemanha não investiu apenas na expansão da capacidade de produção de biodiesel, o que levou ao fim das importações do biodiesel processado e ao aumento das importações de óleo de canola e de soja. Os postos de combustível também foram adequados e os dados da associação dos varejistas indicam investimentos de 8 milhões de euros em 2006, na construção de novas facilidades ou na adaptação das existentes nos postos de serviço, para venda de biodiesel. Desde o início da comercialização de biodiesel, já foram investidos 35 milhões de euros para melhoria dos postos de serviço.

 

Estes investimentos permitiram expandir a oferta de biodiesel aos consumidores finais, atingindo 1,3 milhões de toneladas em 2006. Parte dos investimentos foi dedicado a implementar serviços de controle de qualidade do biodiesel, o que levou à detecção de inúmeros casos de não conformidade, especialmente de biodiesel importado. Em toda a Alemanha existem cerca de 1900 postos de venda de biodiesel diretamente ao público. Destes, cerca de 1300 integram a rede de controle de qualidade do biodiesel (AGQM ou Arbeitsgemeinschaft Qualitätsmanagement Biodiesel e.V., na denominação em alemão).

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No processamento de material prima também ocorreram investimentos. Cerca de 60-70 milhões de euros foram investidos para expandir plantas de extração de óleos ou para a construção de novas plantas. Nos últimos 3 anos estima-se que, apenas entre as pequenas esmagadoras, o número de instalações tenha crescido de 98 para mais de 300, elevando em 500 mil toneladas a capacidade de processamento de colza.

 

Em conclusão, a Alemanha - como outros países, Brasil inclusive – vivencia um momento de contradições, em que a opinião pública tem consciência da necessidade de mudanças rápidas e intensas na matriz energética, especialmente veicular, porém as políticas públicas não acompanham o ritmo do mercado e provocam turbulências, desânimo e pessimismo. Lá como aqui, o Governo não previu adequadamente o impacto das demandas extras sobre a cotação dos óleos vegetais, comprometendo a rentabilidade do negócio. Mais uma vez fica claro que a mudança de um paradigma, especialmente envolvendo hábitos arraigados, necessita ser suportada por políticas convenientes, especialmente do ponto de vista fiscal e da mobilização da capacidade de compra do governo, entre outras formas de garantir um espaço de mercado e escala para um negócio embrionário.

 

Agroenergia x Alimentos

Décio Luiz Gazzoni

 

Os leitores que me perdoem voltar a discutir o sofisma do conflito entre a produção de biocombustíveis e de outros produtos agrícolas. Desde 2004 me dedico a prospectar os impactos da agricultura de energia sobre a oferta, demanda e preços da agricultura mundial. Pertencer ao Painel Científico Internacional de Energia Renovável sem dúvida abriu-me muitas portas e me permite um ponto de observação isento e distanciado. Como a história completa é comprida, vou começar pelas conclusões para depois demonstrar cada um dos pontos.

 

Com exceção do etanol de milho dos EUA e de trigo da UE, e do biodiesel de canola da UE, os biocombustíveis não têm quase nada a ver com aumento de preços de produtos agrícolas no mundo. Procure os culpados (!) na inclusão social na Ásia e na África, nos subsídios agrícolas do Primeiro Mundo, na desvalorização do dólar em escala global, no aumento estratosférico do custo dos fretes, na especulação financeira que está deslocando a liquidez para commodities (não só agrícolas) e no aumento de custo dos insumos agrícolas - que são causas estruturais - e no clima adverso que frustrou algumas safras de cereais no ano passado. Neste contexto, os biocombustíveis exercem um papel terciário e marginal no aumento de preços de commodities agrícolas. Este impacto, mesmo pequeno, se deve – repito - exclusivamente ao etanol de milho americano, o biodiesel de canola e o etanol de trigo na Europa. Ponto final.

 

Os fatos do Primeiro Mundo

As declarações contra a agroenergia (o presidente do FMI, do BIRD, da Nestlé, o Primeiro Ministro da Inglaterra, o Comissário para Agricultura da UE e outras lideranças do Primeiro Mundo.) fazem parte de um claro jogo de interesses. Ninguém é inocente e todos sabemos que algumas dezenas de bilhões de dólares, a permanência no cargo, a liderança geopolítica e a votação na próxima eleição depende do que o político ou o ocupante de um cargo  verbalizar na mídia. Nos bastidores das declarações de lideranças políticas e empresariais do Primeiro Mundo esconde-se a defesa do status quo petroleiro, dos subsídios agrícolas da Europa e da especulação com commodities.

 

Até pouco tempo, os mesmos líderes (ou similares) mostravam-se mortificados com a divulgação dos relatórios do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas, o grupo de cientistas de primeira linha que ganhou o Premio Nobel da Paz de 2007. Na oportunidade, os políticos faziam declarações prometendo um futuro mais limpo, sempre com o apelo para a energia renovável, em especial da agroenergia. Por que? Pela simples razão que os formadores de opinião, a sociedade e os seus eleitores exigiram ações imediatas para resgatar a dignidade do Planeta Terra.

 

Foi neste contexto que a União Européia ampliou sua meta já agressiva de substituição de combustíveis fósseis por renováveis, prometendo, em 2020: a) reduzir em 20% a emissão de gases de efeito estufa; b) aumentar para 20% a participação da energia renovável na matriz energética (10% apenas com biocombustíveis); c) aumentar em 20% a eficiência de uso da energia. Foi pelo mesmo motivo que o Presidente Bush sancionou uma legislação ainda mais ambiciosa de substituição de derivados de petróleo.

 

Como o discurso mudou, em poucos meses... E depois reclamamos que jogador de futebol não para mais em time algum, vive trocando de camiseta, defendendo com o mesmo ardor a camiseta que veste no momento contra o time que defendeu com garra há apenas cinco partidas! E os políticos, que mudam para posições antagônicas, ao sabor dos interesses e das conveniências do momento? Esquecendo as juras e promessas do mês anterior? Será que o perigo das mudanças climáticas passou, que se tratava de alarme falso?

 

Mudanças climáticas

Não é o que mostram os fatos recentes. Apesar das nevascas do começo do ano na Europa e na China, o mês de março de 2008 foi o segundo mais quente já registrado no planeta, e o mais quente quando se considera só a temperatura em terra firme, de acordo com a NOAA (Agência Nacional da Atmosfera e Oceanos dos EUA). A agência afirmou que temperaturas altas na maior parte da Ásia puxaram a temperatura terrestre deste mês para 4,9º C, ou seja 3,9º C acima da média do século 20. Em 129 anos de medições, só o mês de março de 2002 foi mais quente que o mês passado. Embora a Ásia tenha tido neste ano sua maior cobertura de neve em janeiro, o calor em março causou um derretimento rápido, e a cobertura de neve naquele mês teve uma mínima recorde. Já nos oceanos, as temperaturas foram mais baixas, com março de 2008 sendo apenas o 13º mais quente da história.

 

O calor ao longo das últimas décadas, com 11 dos 12 anos mais quentes desde o século 19 (quando começaram as medições com termômetros) registrados desde 1990, continua a trazer preocupações com o aquecimento global, causado pelas emissões de gás carbônico pela queima de combustíveis fósseis. E, no que depender dos EUA, as temperaturas continuarão subindo pois, de acordo com a AIE, as emissões dos Estados Unidos devem crescer mais um quarto até 2025 em relação a 1990.

 

O ano de 2025 foi a data estipulada pelo presidente Bush para as emissões americanas pararem de crescer. Se Bush não tivesse rejeitado o Protocolo de Kyoto, a partir de 2008 as emissões americanas precisariam declinar em relação a 1990. Porém, de acordo com a AIE, as emissões de gases-estufa dos EUA vão crescer 18% entre 2005 e 2025 ou 38% a mais, comparado com 1990. Mesmo se todas as medidas anunciadas por Bush - como eficiência energética e biocombustíveis - forem implementadas, o crescimento total em relação a 1990 será de 23%.

 

Logo, a questão das mudanças climáticas e da necessidade vital de contar com a agroenergia para sua mitigação continua presente. Devemos, portanto, buscar as razões das reações dos políticos em outro terreno, perscrutando as razões subjacentes às suas falas.

 

Os fatos dos outros

O jogo de interesses do time contrário à agroenergia não se esgota no Primeiro Mundo. Basta olharmos o que ocorreu durante a Conferência Regional da FAO, realizada em Brasília (14 a 17 de abril de 2008). Já na chegada, de forma orquestrada, os representantes da Bolívia, Argentina, Cuba e Equador abriram suas baterias contra os biocombustíveis, ameaçando com os quatro cavaleiros do Apocalipse ou com a peste da fome a quem produzisse energia ao invés de comida. Pode-se desconfiar de ignorância total sobre o tema, de má fé ou de jogo de interesses. Do meu ponto de vista, estes companheiros nada mais fizeram que reverberar o discurso do companheiro Chavez, de quem dependem financeira e politicamente.

 

Chávez ataca os biocombustíveis porque os recursos financeiros para fazer seu jogo geopolítico vêm dos petrodólares, portanto não poderia fazer gol contra. E porque jamais vai perder uma oportunidade de bater nos EUA e, particularmente, em Bush. No caso, os EUA realmente cometem o pecado mortal de produzir etanol de milho, ineficiente sob qualquer ótica de análise, seja ambiental, social, energética ou econômica.

 

Alguém pode argumentar: Mas o companheiro Chávez não poderia ser mais inteligente, e selecionar melhor onde e em quem bater? Acontece que ele é inteligente e tem objetivos muito claros. É muito fácil demonstrar o erro estratégico de produzir etanol de milho e suas conseqüências nefastas. Mas, o que ele ganha ao bater, indiscriminadamente, nos biocombustíveis, o que parece um contra-senso? Ora, ora, companheiro. Com quem ele disputa a liderança na América Latina, e o espaço de mídia tão ao seu gosto, para expor seus factóides de tanto mau gosto? Com Lula. Logo, ele precisa ser o contraponto do discurso de Lula porque, sendo seu aliado, ficaria obnubilado, o que não é exatamente o objetivo que Chavez persegue.

 

Lula

Então só o Lula é santo? O Lula não é santo coisissima alguma, ele também joga o jogo de interesses, só que do outro lado do campo. Ele foi – felizmente – emprenhado pela visão futurista de seu ex-ministro Roberto Rodrigues, de que a Agroenergia será o maior negócio do agronegócio mundial. E quem ganha neste jogo são os países que podem expandir sua agricultura, ou seja, América Latina e África. E, por expansão, entenda-se produzir mais, melhor e de forma sustentável, seja com aumento de produtividade ou expansão de área.

 

Lula está puxando a brasa para o seu assado, que é o assado da maioria dos países pobres ou remediados. Logo Lula joga o jogo do país que preside. Se Lula fosse presidente de um país com fortes subsídios agrícolas ou grande produtor de petróleo - onde a produção de agroenenergia não trouxesse benefícios sociais, ambientais ou econômicos - não acredito que o seu discurso atual seria prioridade para ele.

 

Por enquanto, ele é voz isolada. A Argentina poderia jogar no mesmo time, mas depende de Chávez para comprar seus títulos públicos e manter o populismo crônico dos ocupantes da Casa Rosada. Como ninguém quer comprar títulos do Tesouro argentino, o país fica refém de Chávez pois, caso contrário, teria que fazer sua lição de casa, cortando gastos públicos, reduzindo o déficit, reajustando preços da economia – especialmente alimentos e energia – e liberando as exportações agrícolas.

 

A Bolívia, igualmente depende de Chávez, de seu dinheiro e seu apoio logístico e político. Cuba é um país extremamente pobre e inviável há 50 anos. Chávez nada mais faz que substituir a ex União Soviética ao aportar milhões de petrodólares mensais para amparar um governo deficitário. Em troca, associa seu nome com Fidel Castro, um mito da esquerda contemporânea mundial. Não nos esqueçamos que Cuba gasta algo como US$3 bilhões por ano para importar alimentos, apesar da pobreza do seu povo e de sua economia ser eminentemente agrícola. Quem financia esta importação no devido momento, cobra seu preço. Não em dólares, mas em apoio político às suas teses bolivarianas.

 

Países africanos também se beneficiarão da agroenergia no futuro. Naquele continente existe muita terra para expansão da agricultura, seja para produzir alimentos, fibras, pastagens, flores, ou energia. Ocorre que nenhum país africano tem a projeção que o Brasil tem no mundo. Seus líderes ainda restringem-se às fronteiras nacionais e não podem sonhar com o espaço de mídia e a repercussão que o Brasil e Lula têm. Na recente visita de Lula a Gana, seu presidente John Kufuor apoiou a tese defendida pelo presidente brasileiro. Porém, quem acompanha a imprensa internacional viu que apenas Lula apareceu, o apoio de Gana passou totalmente despercebido.

 

Por enquanto, Lula é o Davi agrícola contra o time dos Golias petroleiros, protecionistas e especuladores. Quem sair vencedor desta contenda vai balizar muito do futuro do mundo: se permaneceremos com matriz energética suja ou se vamos limpá-la; se o impacto dos relatórios sobre Mudanças Climáticas provocarão mudanças estruturais no mundo ou se tudo não passou de um cala-boca momentâneo; se o Primeiro Mundo continuará a ditar as regras globais da agricultura e da energia, especialmente as comerciais, ou se viveremos uma nova quadra de maior equidade no mundo dos negócios planetários.

 

Inclusão social

Passemos das conclusões às demonstrações. Por questão de espaço, não será possível colocar todas as informações que demonstram que, nos últimos anos, a fome está diminuindo no Mundo e sua população está ingerindo produtos de melhor qualidade e mais alto valor nutricional. Não falo do Brasil, nem da América Latina, onde há fome, porém parcial, de menor escala. Refiro-me aos países asiáticos e africanos, onde se concentra a disparada maioria dos 800 milhões de famintos que a FAO ainda estima existir no mundo.

 

Este número já foi maior, porém o crescimento econômico espetacular de países superpopulosos (especialmente China e Índia) traz aos mercados, a cada ano, dezenas de milhões de seres humanos outrora famintos. O mundo não estava preparado para aumentar a produção agrícola na mesma proporção em que aumenta a demanda, há um retardo na reação, típica dos mercados regidos por demanda e oferta: primeiro cresce a demanda, em forma consistente, depois a oferta vem atrás.

 

Nesta situação, ocorre o que consta dos manuais de rudimentos da ciência econômica há séculos: maior demanda sem oferta equivalente, preços mais elevados. Bingo. Parece que as lideranças do Primeiro Mundo, além de não lerem as notícias de jornais ou as estatísticas dos órgãos internacionais que mostram o crescimento acelerado destas economias, não sabiam que aumento da renda per cápita em países pobres leva, inexoravelmente, ao aumento da demanda de alimentos. Também cabularam as aulas de economia que lhes teriam ensinado que, nesta condição, só há um rumo a tomar: aumentar a produção de alimentos. Depois o Terceiro Mundo é que tem ensino de baixa qualidade. Se descartarmos esta tese, a alternativa é muito pior, pois indicaria que apenas beócios são guindados a cargos políticos de poder e liderança.

 

Na Figura 1 pode-se verificar o quanto aumentou a demanda de soja pela China e, na Figura 2, o aumento da demanda de milho, pelo mesmo país. Verifica-se que, em ambos os casos, a China troca de sinal no mercado internacional, passando de exportadora para importadora de grãos. No caso de soja, em 2004 e, no caso do milho, em 2010. Não cabe qualquer discussão sobre as causas que levaram a China a aumentar dramaticamente suas importações de soja ou milho. Trata-se, indubitavelmente, de aumento de consumo de alimentos, aliado a uma redução da disponibilidade de área plantada e frustrações de safra.

 

Figura 1. Importação de soja pela China.

 

Fonte: 1982-2007: ERS/USDA; 2008-2021: projeções do autor

 

 

Figura 2. Importação e expoertação de milho pela China

 

Fonte: ERS/USDA.

 

A Figura 3 mostra a evolução do preço dos óleos vegetais no mundo, mostrando com clareza como o mercado precifica a futuro o desequilíbrio entre a demanda de China e Índia por óleos vegetais e a escalada de preços, a partir de 2006

 

Figura 3. Cotação dos principais óleos vegetais na CBOT

Fonte: ERS/USDA

 

Embora os estudos tenham sido efetuados antes de o mundo perceber o dramático impacto na inclusão social gerada pelo abandono das teses comunistas e a adesão ao capitalismo pelo governo chinês, as previsões efetuadas pelo IFPRI (International Food Policy Research Institute) já apontavam para uma demanda acelerada de alimentos, no período, conforme pode ser observada nas Figuras 4 e 5.

 

Figura 4. Demanda mundial de cereais para consumo humano direto

 

  Fonte: IFPRI

 

Figura 5. Demanda mundial de carnes

 

Fonte: IFPRI

  

Percebe-se que a demanda por carnes apresenta uma taxa de incremento alta, o que significa também maior consumo de cereais. Qualquer agrônomo bem informado sabe que, em média, a produção de um quilo de carne nos sistemas confinados exige o consumo de 7 kg de grãos. Logo, comer mais e melhor significa que a agricultura terá que aumentar em muito sua produtividade e, até certo ponto, a área ocupada, caso contrário os ganhos de renda per cápita nos países pobres terá sido em vão, porque os alimentos vão subir acima dos demais preços da economia. A menos, obviamente, que os países ricos se disponham a reduzir seus subsídios agrícolas e abrir seus mercados. Viva fosse e Maria Antonieta poderia dizer” ...se falta pão que comam gadgets”. Porque gadgets? Ora, porque mais pão (=alimentos) será produzido nos países pobres e os gadgets eletrônicos continuarão a ser produzidos nos países ricos, ou por empresas destes países.

 

A figura 6 mostra a evolução do PIB mundial, nos últimos anos, demonstrando que, nunca antes na História recente da Humanidade o mundo experimentou um ciclo de crescimento alto e sustentando, por um período tão longo. Desde 2003 iniciou-se um ciclo de crescimento, com crescimento médio mundial superior a 5% ao ano. As economias menores e os países em desenvolvimento mostram maior dinamismo e pujança, com crescimento mais elevado que as economias maduras e estabilizadas. A China e a Índia tem sido as locomotivas deste crescimento mundial.

 

A figura 7 mostra como os programas de controle de inflação, aplicados em escala mundial nos anos 90, reduziram a inflação mundial, tanto nos países ricos quanto nos pobres. A combinação dos dois fatos (crescimento econômico e inflação baixa) melhorou a distribuição de renda e permitiu o acesso de um grande número de pessoas à alimentação, o que não ocorria até o final do século passado. A evolução do PIB per cápita pode ser observada na Figura 8.

 

 

Figura 6. Crescimento anual do PIB mundial

Fonte: World Bank

 

Figura 7. Inflação anual mundial

 

Fonte: World Bank

 

Figura 8. Crescimento anual e acumulado do PIB per cápita

 

Fonte: IMF

 

Nas Figuras 9 a 11 exponho minha visão, destarte simplificada, da relação entre evolução da renda per cápita e consumo de alimentos. Para melhor entendimento, o eixo das ordenadas é o mesmo para os três gráficos, logo existe uma relação de magnitude entre os mesmos.

 

Figura 9. Comportamento do consumo de alimentos ou energia em função do crescimento populacional.

 

 

Na Figura 9 observa-se que o aumento do consumo de alimentos ou de energia, devido exclusivamente ao crescimento populacional, é uma reta, ou seja, cada filho que nasce em determinada família, em condições ceteris paribus (a renda dos filhos é a mesma dos pais), o consumo de alimentos ou de energia tende a ser o mesmo de geração para geração.

 

Figura 10. Relação entre renda per cápita e consumo de alimentos

 

 

 

 

Figura 11. Relação entre renda per cápita e consumo de energia.

 

 

 

Na Figura 10 observa-se que o primeiro aumento de renda per cápita é dirigido quase que exclusivamente para a alimentação. Entre as populações muito pobres, no início há um aumento do consumo quantitativo de alimentos (mais calorias). Atingida a saciedade calórica, ocorre a busca por alimentos mais nobres e de melhor qualidade, utilizando apenas parte da renda. Finalmente, na terceira parte da curva, ocorre a saciedade de ambos os fatores (quantidade e qualidade) e a renda passa a ser dirigida para outras necessidades. É importante observar que, na terceira parte da curva, o aumento da demanda de alimentos se deve, exclusivamente, ao aumento populacional. Nesta fase, o consumo de alimentos é inelástico em relação ao aumento da renda per cápita, que é a condição dos países ricos.

 

Na Figura 11 verifica-se um comportamento quase inverso, pois os primeiros incrementos da renda per cápita quase não significam aumento do consumo de energia, posto que a renda é dirigida essencialmente para a alimentação. Na fase central da curva há uma divisão relativamente similar entre alimentos e energia. Já, na fase final da curva (renda per cápita muito elevada), ocorre um aumento logarítmico do consumo de energia. É a fase onde o consumidor adquire o segundo, depois o terceiro carro; quando passa a viajar de avião cada vez com mais freqüência; a residência passa a ser maior, com maior necessidade de iluminação e de eletrodomésticos. No início da curva, o efeito população é mais intenso que o efeito renda, para explicar o aumento do consumo de energia. A partir de renda per cápita média, o efeito população é muito inferior ao efeito renda, para explicar o aumento de consumo.

 

Portanto, embora não seja possível colocar números no sentimento qualitativo, eu diria que cerca de 50% do incremento de preços de commodities agrícolas nos últimos dois anos se deve ao aumento de consumo de alimentos em países pobres, explicado parcialmente pelo aumento da população (cerca de 1,2% ao ano), porém especialmente pelo aumento de renda per cápita (incremento anual de 4% ao ano).

 

Subsídios agrícolas

Aqui não é preciso gastar muito fosfato nem muita saliva. Quem acompanha de perto esta discussão, em especial a rodada de Doha, sabe que os países de Primeiro Mundo (leia-se União Européia, Estados Unidos e Japão) não abrem mão de seus subsídios agrícolas, que ultrapassam o valor de 1 bilhão de dólares por dia, quase US$400 bilhões por ano. Para efeito de comparação, o valor total da produção brasileira de grãos mal ultrapassa a US$60 bilhões.

 

Como os subsídios agrícolas afetam os preços? De muitas formas e de maneira muito complexa. Estereotipadamente, os produtores americanos recebem diversos mimos das gordas tetas do Tesouro americano, o que lhes permite fugir da exposição aos riscos do mercado. Assim, podem produzir de forma ineficiente, com altas aplicações de insumos (o que aumenta o custo de produção). Na Europa não é diferente. Por exemplo, um produtor de leite, que tenha 20 vacas, recebe, anualmente, o equivalente a US50.000,00 apenas pelo fato de ser proprietário das vacas! Este valor já seria uma boa remuneração, porém, alicerçado nos demais subsídios, consegue manter elevada produtividade de leite por vaca, conseqüentemente maior volume de venda de produtos lácteos. No setor de grãos, as distorções causadas por subsídios são similares.

 

Com o incentivo muito forte dos subsídios, os agricultores do Primeiro Mundo produzem além do necessário para abastecer seu mercado doméstico. Aí entram os subsídios para exportação, que são ainda mais perniciosos, pois eliminam do mercado os países mais pobres, com maiores vantagens comparativas naturais, os quais não podem subsidiar sua produção como os países ricos, e acabam alijados do mercado. Eliminado o fator que poderia tornar mais naturais os preços de mercado de produtos agrícolas, os países ricos impõem seu preço ao mundo. Ocorre que a renda per cápita superior a US$25.000,00 anuais dos países ricos permite aos seus consumidores pagar altos preços por alimentos, o que não é o caso dos países desenvolvidos.

 

Estudo recente da OCB demonstrou que 27% da receita do agricultor vêm dos cofres do governo nos 30 países-membros da OCDE. Os preços de produtos agropecuários nos países ricos são, em média, 21% mais altos do que os preços mundiais. O exemplo mais gritante é o arroz: seu preço doméstico é 230% maior nos países da OCDE que a cotação mundial. O açúcar é 97% mais caro nos países ricos, para proteger produtores locais. O leite, 39%. Ovos e trigo, 7%; soja 4%. A entidade é crítica em relação ao Japão e Coréia do Sul - entre os mais protegidos no mundo desenvolvido. Os campeões do ranking de subsídios agrícolas, no entanto, continuam sendo a Islândia, Noruega, Coréia e Suíça, com mais de 60% da renda dos produtores sendo originada nos subsídios agrícolas. Ou seja, para proteger seu mercado doméstico a ferro e fogo, os países ricos pouco se importam com a fome no mundo – e isto não é classificado como um problema moral.

 

Portanto, quando o presidente do FMI, o europeu Dominique Strauss-Kahn comete o desatino de dizer que “...produzir biocombustíveis é um problema moral”, pode-se entender sua servidão aos interesses de quem o colocou e o mantém no cargo – seguramente não os países pobres. Porém, se livre fosse destes grilhões, poderia dizer que os subsídios agrícolas dos países do Primeiro Mundo são um problema moral, ao perpetuar a pobreza e a fome no mundo, mesmo quando os países pobres vivem um momento de crescimento de suas economias. Ou seja, o Sr. Strauss-Kahn poderia impor aos países ricos – que ainda subsidiam sua agricultura ineficiente – a mesma política que impôs a países do Sudeste asiático, como a Tailândia, quando de sua crise financeira, na década passada. Lembremo-nos que o FMI exigiu o fim dos subsídios agrícolas, jogando na miséria e na fome uma multidão de tailandeses, que dependiam do arroz subsidiado. Naquele caso não havia um problema moral, apenas um problema de dois pesos e duas medidas, ou de amnésia seletiva.

 

De minha parte tenho a convicção de que a agricultura da Europa não resistiria a três anos de competição limpa, sem subsídios, com países emergentes, como Brasil, Paraguai, Argentina e outros. Os americanos até poderiam resistir, porém fazendo uma brutal reforma agrária às avessas, com forte concentração de terras, para diminuir os custos fixos e ganhar escala e competitividade. Sem subsídios, seguramente teríamos formação de preços mais transparente, que auxiliaram na inserção social de mais famélicos do mundo.

 

Desvalorização do dólar

Este tema é árido, porém vou tentar explaná-lo de forma didática. Há cinco anos, de forma consistente, o dólar vem perdendo valor na paridade com todas as moedas do mundo. Este fenômeno causou uma série de problemas, alguns que veremos nos tópicos seguintes. Porém, sua relação direta com os preços é a seguinte: sendo o dólar a referencia internacional para os preços agrícolas, estes apresentam maior cotação nominal nesta moeda. O fato ocorre porque as Bolsas de Chicago (CBOT) e Nova Iorque (NYSE) concentram o maior volume de negócios do mercado internacional de produtos agrícolas. Porém, em outras moedas, a cotação pode ser menor que outras, verificadas em anos anteriores, com paridade cambial mais favorável ao dólar.

 

A maior cotação nominal de um produtos agrícola não significa que o agricultor ou o restante da cadeia agrícola tenham rentabilidade maior que apresentavam há cinco anos, equalizando-se as cotações agrícolas. Grosso modo, isto poderia ser entendido pela paridade do poder de compra de outros produtos, com a venda de uma tonelada de soja ou de milho, pelo mesmo valor em dólares em 2003 ou 2008. Seguramente, em 2003, a mesma cotação em dólares era mais remuneradora.

 

Neste caso conta mais a percepção social de subida de preços que uma efetiva escalada das cotações – embora, em valores reais medidas por paridade de preços, as commodities agrícolas estejam mais caras hoje que há cinco anos. Sei que a amostra é enviesada - porque o real foi a moeda que mais se valorizou frente ao dólar nos últimos 5 anos – mas lembremo-nos que no dia da posse do Presidente Lula (1/1/2003) um dólar comprava quase quatro reais. Hoje compra R$1,67. Porém, neste período, a inflação brasileira foi de 25% e a americana de 7%. Logo, por poder de compra, um dólar equivale hoje a R$1,35, em termos de paridade de compra comparada aos R$4,00 do início de 2003.

 

Portanto, usando apenas o exemplo brasileiro, tomemos a cotação da soja, para um cálculo extremamente simplificado. O produtor que vendeu soja em janeiro de 2003, na cotação Chicago de US$264,00/t obteve R$1.056,00/t. O mesmo produtor que vendeu em abril de 2008 a US$551,00, obteve o equivalente a R$743,00, mantendo-se o poder de paridade de compra do real de janeiro de 2003. Ou seja, a cotação em dólar mais que dobrou porém, na internalização cambial do preço e na correção da paridade de compra, o agricultor estaria perdendo cerca de 30%. Este cálculo não pode ser extrapolado para o mundo porque, repito, o Brasil foi o país do mundo com a maior apreciação de sua moeda nos últimos 5 anos. Outros exportadores agrícolas também perderam com a desvalorização cambial, porém muito menos que os agricultores brasileiros.

 

Na Figura 12 observa-se o comportamento do Real (Brasil), Peso (Argentina), Yuan (China), Rupia (India), Euro (União Européia) e Libra (Reino Unido), como amostras de países desenvolvidos e em desenvolvimento, de alto e baixo crescimento.

 

Observa-se, claramente, que o real foi a moeda que mais se valorizou frente ao dólar, dentro deste grupo. Entretanto, mesmo considerando outras cestas de moedas, o real continuará aparecendo como a moeda mais valorizada. Isto explica, parcialmente, o baixo crescimento do Brasil (15%) frente à China (46%), à Índia (34%) e à Argentina (35%), entre 2003 e 2008.

 

A segunda maior valorização no período foi do Euro, o que explica a perda de dinamismo e de competitividade da Europa (9%) e a menor desvalorização a do peso argentino, o que também ajuda a explicar porque um país que aplicou o maior calote da História na sua dívida externa conseguiu crescer 35% no período. No caso da Europa, incluso o Reino Unido (crescimento de 11%), baixas taxas de incremento do PIB são naturais, em virtude da alta renda per cápita e da maturidade de suas economias.

Figura 12. Percentual de valorização de algumas moedas, em relação ao dólar, considerando a paridade de 1:1 em 1/1/2003

 

Fonte: Bank of Canada

 

Custo dos fretes

Os fretes estão subindo por quatro fatores principais: a) o custo terrorismo, após o ataque terrorista de 11 de setembro, nos EUA; o aumento do comércio globalizado, em especial dos produtos agrícolas; a desvalorização do dólar; e o aumento da cotação do petróleo. Os fretes marítimos afetam os preços agrícolas de duas formas. Em primeiro lugar, aumentando o preço dos insumos importados por um país, como fertilizantes, sementes e agrotóxicos, ou máquinas e implementos, redundando em aumento do custo de produção. Em segundo lugar, pelo aumento do custo de transporte entre o país exportador e o importador.

 

O Brasil é afetado nas duas pontas, por sua dependência de fretes tanto para a importação de insumos de longas distâncias, quanto para colocação de seus produtos nos mercados importadores, especialmente os asiáticos, de distância mais longa.

 

Na Figura 13 observa-se a evolução do custo do frete marítimo por dia de uso de grandes graneleiros, enquanto a Figura 14 mostra o custo por tonelada transportada. Em ambos os casos verifica-se uma ascensão abrupta dos preços dos fretes a partir de 2003, aumentando em 900% o custo diário e em 620% o custo por tonelada transportada, no período 2003/2008. Este fator, seguramente, pesa mais no aumento dos preços das commodities agrícolas que a produção de biocombustíveis.

Figura 13 – Custo do frete marítimo em US$1000,00 por dia de uso de um graneleiro de grande porte.

 

 

Fonte: USDA

 

 

Figura 14. Custo do frete marítimo em dólares por tonelada, no trecho EUA/Japão

 

 

Fonte: USDA

Especulação financeira

Obviamente, não é possível colocar especulação financeira em gráficos ou tabelas. A sua análise é claramente factual. In casu, o fato central é o excesso de liquidez existente no mundo, causado pelo elevado crescimento econômico dos últimos 5 anos e pelo ritmo intenso do mercado internacional. Uma vez auferido um lucro ou um rendimento, os detentores de capital buscam aplicações remuneradoras para o mesmo. Essa aplicação pode ser em terras, em imóveis, em títulos públicos ou privados, em ações, em derivativos, em commodities agrícolas, commodities não agrícolas, para falar apenas nos negócios legais.

 

Estamos atravessando, no momento, um período de intensa turbulência no mercado de capitais, causado justamente pelo excesso de liquidez, que é uma das causas dos ciclos típicos do capitalismo. De forma simples, o que ocorreu foi que, devido à elevada disponibilidade de recursos e à necessidade de encontrar tomadores para aplicações efetuadas em títulos bancários, os bancos americanos reduziram suas exigências nas análises de risco dos tomadores de crédito, ingressando num terreno pantanoso conhecido nos EUA como “sub-prime”. Uma tradução liberal deste termo seria um mercado de alto risco de calote.

 

Em determinado momento, os bancos – na falta de tomadores com bom cadastro – passaram a conceder empréstimos hipotecários neste mercado de sub-prime (ou de alto risco), gerando derivativos que foram negociados além fronteira dos EUA, o que explica a contaminação parcial do setor financeiro mundial, a partir de um problema de crédito doméstico dos EUA.

 

Ocorre que a desvalorização dos imóveis nos EUA, fruto de um movimento de racionalização do mercado, expôs os tomadores de crédito a uma situação em que seus imóveis valiam muito menos que as hipotecas tomadas. Conclusão: ao tomador do empréstimo era melhor negócio devolver o imóvel ao banco, através da inadimplência no pagamento, mesmo com perdas do que houvera pago. Em conseqüência, há um ano o sistema financeiro está buscando amortizar a enorme dívida gerada pelo sub-prime, parcialmente por mecanismos de mercado (como concordatas e falências), por injeções de liquidez do Fed americano e por redução acentuada da taxa de juros que, no momento, é negativa nos EUA, o que aumenta a liquidez do mercado e incentiva a população a consumir.

 

Explicada a crise, fica fácil entender o nexo entre o elevado risco do sub-prime e de outras linhas de crédito e a busca por aplicações, mais seguras, rentáveis e de alta liquidez. A liquidez do mercado encontrou um refúgio momentâneo nas commodities, tanto as agrícolas (milho, trigo, arroz, soja, óleos, farelos, etc.), quanto as não agrícolas (petróleo, minério, aço, carvão, etc.). Dá para entender agora porque o petróleo está disparando de preço (Figura 15), sem um correspondente incremento de demanda que justifique esta escalada? E porque a maior cotação do petróleo em todos os tempos não está provocando uma recessão brutal em um mundo visceralmente viciado em petróleo? Embora, efetivamente, parcela da cotação atual do petróleo possa ser explicada por um incremento da demanda, e pela precificação a futuro do esgotamento das reservas, parcela ponderável do aumento do petróleo é especulação em mercado spot, pelo deslocamento da liquidez do mercado para investimentos em commodities.

 

Figura 15. Cotação do petróleo tipo Brent em Nova Iorque.

 

Fonte: British Petroleum

 

Como é da lógica do capitalismo, alguém ganha e alguém perde e logo esta especulação em commodities entrará em ciclo de baixa, com os investimentos buscando outro porto seguro. Com isto, reduz-se o preço do petróleo, do milho, da soja, e não será porque diminuiu a produção de biocombustíveis. Será porque o capital especulativo foi parar em outro ancoradouro. Isto também explica com maior consistência o aumento de preços de produtos agrícolas que o ataque emocional aos biocombustíveis.

 

Estudos do Instituto Ícone demonstram a influência do petróleo sobre as commodities agrícolas energéticas, como soja, cana e milho, porém o reverso não é verdadeiro. Entretanto, é importante notar que outras commodities não energéticas, como café, frutas e hortaliças também se encontram em alta, sem que possa ser estabelecido um nexo causal entre biocombustíveis e estas commodities.

 

Aumento dos custos de produção

O custo de produção de soja entre 2000 e 2008 aumentou 133%, passando de R$706,00 para R$1650,00, conforme apresentado na Figura 16. O que tem a ver custo de produção com cotação de mercado de um produto agrícola? Embora a cotação não reflita, diretamente, o custo de produção, o mercado sabe que se o custo de produção se aproximar, perigosamente, da cotação de mercado, o produtor será desestimulado a produzir pela relação desfavorável entre risco e rentabilidade e pelo custo de oportunidade de outras aplicações.

 

Por outro lado sempre existe uma disputa no seio de qualquer cadeia produtiva. Quando a cotação de mercado de um produto sobe, inicia-se uma luta entre os elos da cadeia pela apropriação do diferencial, cada qual buscando aumentar suas margens. No caso da soja, a disputa ocorre entre as cadeias de insumos, os produtores, os esmagadores, os exportadores e os importadores.

 

Figura 16.Evolução do custo de produção de um hectare de soja.

 

Fonte: CONAB

 

Nos últimos três anos observamos um aumento no custo de produção, em parte devido a esta disputa pela apropriação dos diferenciais, em parte pelo aumento real da demanda de insumos e, finalmente, pelo aumento dos custos de produção de insumos, em especial com o aumento do petróleo e dos fretes.

 

Desde que os preços do petróleo dispararam a partir de 2003, quando estava cotado a US$26,00, chegando agora a US$116,00, delineou-se um salto de patamar de preços das commodities agrícolas. Nos últimos anos os preços do petróleo e da maioria das commodities agrícolas passaram flutuar com os mesmos índices – porém puxados pelo petróleo. Percebe-se, então, uma interação tríplice entre petróleo, custo de produção e cotações agrícolas.

 

Os preços dos agrotóxicos e dos fertilizantes dispararam nos últimos três anos. No caso de fertilizantes potássicos, a subida de preços foi superior a 300% em 3 anos, índice semelhante ao aumento de custo dos fertilizantes nitrogenados. O Brasil é dependente da importação destes produtos. No caso do potássio Canadá, Rússia e Alemanha, são os principais produtores, e são rotineiramente acusados de combinação de preços. A única jazida brasileira localiza-se na Amazônia, e sua exploração padece de restrições ambientais. No caso de fósforo, o Brasil produz 49% do total consumido, mas a capacidade de produção está praticamente no limite. No caso do nitrogênio, o potencial é maior, porque depende de petróleo, o que não é propriamente um problema para o Brasil.

 

A dependência, que aumenta os custos de produção brasileira (e o Brasil é um dos mais importantes países agrícolas no mercado internacional de alimentos), pode ser demonstrada em números. Em 2007, importamos US$ 4,528 bilhões em fertilizantes, contra US$ 2,355 bilhões importados em 2006. No primeiro trimestre de 2008, o valor despendido chega a US$1,258 bilhão, segundo a Secretaria do Comércio Exterior (Secex). Esta escalada de valores é devida principalmente ao aumento de preços e, em menor intensidade, ao aumento de volume. Uma vez mais fica demonstrado que o aumento do custo de produção é de tamanha intensidade que explica com maior consistência a manutenção das cotações agrícolas em patamares elevados que a embrionária agroenergia.

 

Problemas climáticos

É raro o ano em que problemas climáticos não reduzem as expectativas de produção agrícola. Em 2007, foram observados problemas intensos de seca na China, no Leste Europeu (especialmente na Ucrânia), na União Européia, no Canadá e na Austrália. Este é o principal motivo da explosão do preço do trigo no mercado internacional, em 2007 (Figura 17). O mercado globalizado atua em interfaces transversais, onde cada produto influencia outros produtos, em função do grau de substituibilidade e da competição por área de cultivo. Sempre que ocorre o aumento do preço de um cereal específico – no caso o trigo – ele contamina o preço de outros cereais, como milho, cevada, centeio ou arroz. Igualmente, quando sobe o preço do milho, ocorre uma contaminação do preço do trigo, seja porque com a menor oferta de milho aumenta o consumo de trigo, ou porque o preço mais alto do milho envia uma sinalização ao mercado para expansão de sua área, à custa de outros produtos, agrícolas, entre eles o trigo.

 

 

Figura 17. Evolução do preço do trigo na Bolsa de Chicago

 

 

Fonte: http://futures.tradingcharts.com/

 

Na Europa, as chuvas ocorreram na hora errada e no local errado, reduzindo a produtividade do trigo e da cevada. Na Ucrânia a seca foi considerada como a mais severa no período de 100 anos, reduzindo fortemente a safra de cereais, em especial do trigo, reduzindo a produtividade em mais de 60%. Em conseqüência, o governo da Ucrânia limitou fortemente as exportações, forçando os preços no mercado internacional. Na Austrália, a produção foi reduzida em 27% em comparação com a média dos últimos 5 anos. No Canadá houve uma redução superior a 15% na produção.

 

E os biocombustíveis?

Partilho da tese que o conflito entre produção de biocombustíveis e de outros produtos agrícolas está, no momento, circunscrito ao milho nos EUA, trigo e canola na União Européia. No Brasil não percebemos qualquer sintoma deste conflito e, seguramente, não vamos perceber nos próximos anos.

 

O programa de biodiesel é fortemente concentrado na utilização do óleo de soja, o que não é recomendável, eficiente ou sustentável no longo prazo. Entretanto, o Brasil solucionará este problema por três vias distintas: a) utilizando outras oleaginosas, de alta densidade energética e sem uso alimentar; b) utilizando processos de obtenção de bio-óleo por pirólise de biomassa; c) pela progressiva substituição do petrodiesel por etanol, em motores de ciclo diesel.

 

O programa de substituição de gasolina por etanol é um paradigma mundial, perfeitamente compatível com os conceitos de sustentabilidade social, ambiental e econômica. Seguramente, dentro de 15 anos o consumo de gasolina será marginal no Brasil, restrito a 5% do consumo de combustíveis para veículos leves.

 

Devido às suas características edafo-climáticas e geográficas, o Brasil apresenta condições não apenas de suprir integralmente seu mercado doméstico, como de abastecer grande parte do planeta, nas mesmas condições de sustentabilidade. Ao projetar o futuro, devemos considerar que, no momento, a produtividade de cana-de-açúcar representa cerca de 30% de seu potencial teórico, podendo ser duplicada em um horizonte de 20 anos, devido à inovações de tecnologia agronômica. Igualmente, a produtividade industrial deve crescer no mínimo 50%, por ganhos diversos devidos aos avanços tecnológicos, em especial o etanol celulósico.

 

Neste cenário, o Brasil pode passar dos atuais 3,5 milhões de hectares e 23 bilhões de litros de etanol previstos para 2008 para algo como 10 milhões de hectares e mais de 100 bilhões de litros de etanol, em pouco mais de 10 anos. Deste total, o consumo doméstico representaria 50%, sendo o restante liberado para exportação. De onde sairiam os 6,5 milhões de hectares adicionais? Especialmente de pastagens abandonadas, que perderam sua condição de rentabilidade devido à degradação e que não serão incorporadas novamente à produção animal pelo diferencial de rentabilidade entre produzir carne em forma extensiva (0,9 cabeças por hectare) e produzir cana-de-açúcar. Estima-se existir mais de 100 milhões de hectares de pastagens degradadas no Brasil. Logo, usar 6,5% deste patrimônio não convenientemente explorado em prol da Humanidade é, acima de tudo, uma obrigação do país.

 

É justamente o receio de que o Brasil transforme as suas vantagens comparativas em vantagens competitivas que apavora as lideranças políticas e setoriais do Primeiro Mundo. Eles temem que as sobretaxas, as cotas e outras barreiras impostas ao etanol brasileiro não sejam suficientes para evitar que um produto muito mais competitivo se imponha no mercado internacional. Como o discurso não pode ser direto, dizendo que estão fechando seu mercado doméstico e subsidiando as exportações de produtos ineficientes, prevalece o discurso do sofisma entre produção de biocombustíveis e alimentos.

 

Neste particular, é interessante analisar a questão por um aspecto que não chamou a atenção de mais ninguém até o momento – ao menos nada foi publicado a respeito e que tenha chegado ao meu conhecimento. Vamos assumir algumas premissas para esta análise:

 

a) O crescimento da população mundial seguirá a previsão da FAO, iniciando em 1,2% ao ano em 2008, com redução anual progressiva desta taxa;

b) A população de famélicos do mundo é de 800 milhões de pessoas, conforme estimativa da FAO;

c) As lideranças mundiais executam um ambicioso programa destinado a promover a inclusão alimentar de 5% dos famélicos ao ano, sem prejuízo nutricional para o restante da população;

d) Não haverá incorporação de áreas de terras adicionais para a produção de alimentos;

e) A produtividade agrícola no mundo crescerá, anualmente, entre os 1,5% atuais até 1,75% no vigésimo ano do programa.

 

Pela análise da Figura 18 observa-se que, no período de 20 anos, a oferta de alimentos se incrementará em 38,3%, superior à demanda que crescerá apenas 30%. Haveria déficit variável no período entre 2009 e 2017, atingindo um déficit máximo de 1,12% em 2012.

 

Para suprir este déficit o mundo teria duas alternativas: a) reduzir em 1,12% o desperdício de alimentos no mundo, estimado em quase 20%, no percurso entre a lavoura ao consumidor; b) aumentar em 1% a área plantada entre 2009 e 2017 (apesar da premissa de que não haveria expansão de área, fixada apenas para verificar-se qual seria a contribuição exclusiva do incremento de produtividade).

 

A partir de 2018, passaríamos a contar com superávit de produção de alimentos que, nos primeiros 8 anos serviriam para compor poderosos estoques destinados a enfrentar uma eventual seqüencia de anos ruins para a agricultura. Após este período, a Humanidade poderia se dar ao luxo de reduzir a área plantada de alimentos, sem conseqüências adversas para o seu abastecimento quantitativo ou qualitativo.

 

Esta análise pode parecer futurista, porém está calcada em números reais e projeções perfeitamente razoáveis. Por exemplo, nos últimos 40 anos a produtividade agrícola no mundo cresceu, em média, 1,5% ao ano (Figura 19). Verifica-se que, entre 1960 e 2008, a população mundial cresceu de 3 para 6,6 bilhões (120%), entretanto a área cultivada passou de 0,95 para 1,08 bilhão de hectares (13%). A razão da diferença entre as taxas de crescimento populacional e de área cultivada é o crescimento da produtividade da agricultura, que diminuiu de 1,5 para 0,75 (50%) o número de hectares necessários para alimentar uma pessoa.

Figura 18. Oferta e demanda mundial de alimentos, objetivando erradicar a fome no planeta em 20 anos.

 

 

Figura 19. População mundial, área cultivada e número de hectares necessários para alimentar uma pessoa

Fonte: FAO

Em decorrência, é perfeitamente razoável imaginar que as taxas de ganho de produtividade possam ser projetadas para o futuro mediato, sendo incrementadas ainda mais quando as inovações da biotecnologia e da nanotecnologia puderem ser incorporadas aos sistemas agrícolas.

 

Portanto, o que eu recomendaria aos líderes que insistem no discurso contrário à Agroenergia é promover fortes investimentos em geração e transferência de tecnologia agrícola, em especial nos países em desenvolvimento, abrindo seus mercados para o escoamento da produção agrícola.

 

Obviamente que a análise tem outra premissa: que vamos deixar o mercado flutuar de acordo com o embate de forças de suas leis naturais e os países ricos vão deixar de insistir em produzir energia a partir de sistemas agrícolas ineficientes, como o etanol de milho provocando distorções como as observadas na Figura 20.

 

Figura 20. Uso do milho produzido nos EUA.

Fonte: USDA.

 

Observa-se que o percentual de milho destinado à alimentação humana ou animal está em processo de declínio desde 1997, quando atingiu o pico de 79%. Coincidentemente, é neste ano que inicia o impulso de produção de etanol de milho, que apresenta três saltos de patamar em 2000, 2002 e 2007.

 

O segundo problema decorrente do desvio da produção de milho americana para o etanol é a progressiva retirada dos EUA do mercado internacional de milho, onde este país vinha sendo o principal exportador. Após atingir um pico de exportação de 25% de sua produção de milho, em 1995, os EUA vêm diminuindo consistentemente os seus envios ao exterior, que são previstos estabilizarem-se em 11% nos próximos anos.

 

Na realidade, é este movimento de retirada do mercado internacional que provocou a elevação dos preços do milho no mercado internacional, contaminando também os preços da soja, uma vez que outros países deverão produzir o milho que o mercado internacional demanda e os EUA não mais fornecerão. Estes países também estão sendo pressionados a produzir mais soja, ocorrendo uma disputa por área, no curto prazo.

 

Na Figura 21 observa-se a subida de preços de soja, milho e trigo no, ocorrida em 2007/08. Explicamos a ascensão destes preços anteriormente (milho= etanol americano; trigo= frustração de safra; soja = aumento do consumo na Índia e China). No gráfico projeta-se a redução destes preços a partir de 2011, como parte da reação dos produtores, expandindo a produção, através do aumento da produtividade ou da área cultivada.

 

Figura 21. Preços internacionais de soja, trigo e milho, cotados na CBOT e previsão de comportamento futuro

 

Fonte:ERS/USDA

 

Entretanto, é importante ressaltar que esta disputa por expansão de área ocorre por aumento da demanda mundial de milho e soja para alimentação, pouco ou nada tendo a ver com a produção de etanol de milho ou biodiesel de soja.

 

Finalmente, analisemos uma última questão. Se podemos abastecer o mundo de alimentos apenas incrementando a produtividade agrícola, podemos utilizar a área agrícola ainda por incorporar para outras finalidades. A FAO estima que ainda existem 1,5 bilhões de hectares aptos para agricultura. Vamos considerar que apenas 30% deste estoque possa ser efetivamente mobilizado nos próximos 50 anos, por motivos ambientais ou de outra ordem. Seriam 450 milhões de hectares ainda por cultivar!

 

Imaginemos, por hipótese, que 10% deste total (45 milhões de hectares) fossem destinados à produção de bicombustíveis, sendo 22,5 milhões para cana-de-açúcar e área equivalente para palmáceas tropicais, como dendê. No caso da cana de açúcar obteríamos cerca de 250 bilhões de litros de etanol, além de estimados 800GWh de eletricidade gerados a partir da combustão do bagaço. Com o plantio de dendê ou outras palmáceas tropicais será possível obter mais de 130 bilhões de litros de biodiesel. Em conjunto, estes dois bicombustíveis poderiam substituir 10% dos combustíveis fósseis atualmente utilizados, acima das metas atuais de políticas públicas.

 

Portanto, ao invés de recorrer a sofismas para encobrir interesses não confessados, melhor fariam as lideranças mundiais se atentassem para o enorme perigo representando pelas Mudanças Climáticas Globais e se utilizassem todo o potencial das energias renováveis, em especial da agroenergia, para mitigar este problema. Além de ajudar a resolver os dilemas energéticos e ambientais, o avanço da agroenergia permitirá acelerar a inclusão social de dezenas de milhões de famílias de agricultores – este sim um problema moral que poderia ser equacionado pelo FMI.

 

Biotecnologia e Agroenergia

Décio Luiz Gazzoni

 

Não interessa quão bom você era no paradigma antigo. Quando muda o paradigma, tudo volta á estaca zero. A duras penas a indústria suíça de relógios descobriu que, no paradigma do relógio digital, os japoneses eram imbatíveis. Os fabricantes de disquetes foram à falência com o ingresso no mercado de CDs, DVDs e Pen-drives. Não podemos permitir que o mesmo aconteça com a agricultura de energia brasileira, condenando mais uma geração a ouvir o batido discurso de que o Brasil é o celeiro do mundo, o país do futuro. Um futuro que pode nunca chegar se nos atolarmos no obscurantismo científico ou se não investirmos adequadamente em inovações tecnológicas.

 

A decisão política

No momento, a produção de etanol a partir de cana-de-açúcar, com tecnologia brasileira, é a mais competitiva do mundo. Os americanos ameaçam nossa hegemonia ancorados em bilhões de dólares de subsídios ao milho. Mas, tudo pode mudar em um futuro muito mais próximo do que se imagina, como bem alertaram o ex-ministro Roberto Rodrigues e o Premio Nobel de Química Allan McDiarmid, em evento realizado em Brasília, no final de 2005. O Presidente Bush resolveu investir fortemente em produtos energéticos da biomassa e seu governo não ficou apenas no discurso, abrindo as burras do Tesouro americano para financiar as inovações tecnológicas. Para ilustrar, quero referir o documento “Breaking the biological barriers to cellulosic ethanol – a Research Agenda”. Trata-se de um documento oficial do Governo Americano, que traça um caminho para a obtenção de bactérias que produzam etanol a partir de celulose.

 

A ameaça

Por que o Governo Americano persegue denodadamente este objetivo? Porque produzir celulose (florestas, pastagens, resíduos agrícolas, dejetos, lixo urbano) é muito mais barato que produzir açúcares ou amido (cana-de-açúcar, milho, trigo, beterraba, etc). Quem dominar esta tecnologia, domina a produção de etanol no mundo. As bactérias que ocorrem naturalmente e que digerem celulose são ineficientes. Entretanto, já existem bactérias (Escherichia coli, Klebsiella oxytoca e Zymomonas mobilis) que receberam genes de outros organismos, tornando-as capazes de produzir etanol a partir de polissacarídios, com alta produtividade, sendo tolerantes à concentração de etanol no ambiente. Além disso sua criação é muito barata, resistem às substâncias inibidoras presentes na biomassa, suportando acidez e alta temperatura. Assim, produz-se etanol de celulose a custos muito baixos, o que coloca em xeque um dos mais fulgurantes segmentos do agronegócio brasileiro.

 

A oportunidade

Estamos definitivamente perdidos? Não, em absoluto. Precisamos trilhar o mesmo caminho dos cientistas americanos, investindo pesadamente em técnicas biotecnológicas para aumentar a produtividade da cana e seu teor de sacarose, maximizar a eficiência do processo fementativo, obtendo bactérias com genes exógenos que produzam álcool a partir do bagaço e da palhada de cana, bem como de qualquer outro material celulósico. Sem isso, entraremos no desvio da História e a fulgurante indústria de etanol será apenas um case do passado. Lembremo-nos que o mundo produz, anualmente, 1,5 quadrilhões de toneladas de celulose. O consumo mundial de gasolina é estimado em 1 bilhão de toneladas, o que equivaleria (em poder calorífico) a 1,5 bilhão de toneladas de álcool. De cada tonelada de celulose pura é possível extrair 630 litros de etanol, portanto, com 0,0001% da celulose produzida, anualmente, seria possível substituir a gasolina consumida no mundo. É um negócio muito grande para perdermos o desenvolvimento, os empregos e a renda a ele associados.

 

Outros riscos

Os cientistas americanos estão criando Células de Combustível Microbiano. É isto mesmo, uma cultura de bactérias sobre um meio de biomassa, que produz energia elétrica, um processo exclusivamente biotecnológico de produção de energia. A técnica já está disponível nas bancadas dos laboratórios, em fase de aprimoramento. Um dos aprimoramentos é a maximização da eficiência da reações bioquímicas que geram energia elétrica, através da engenharia genética. Igualmente, os cientistas estão acreditando que as algas serão a matéria prima do futuro, para a produção de biodiesel, deixando soja e canola a ver navios. Uma vez mais, para obter um processo competitivo e sustentável, técnicas de engenharia genética estão sendo utilizadas. Portanto, para evitar que o Brasil continue sendo o eterno país de um futuro que nunca chega, não vislumbro outra alternativa que não o investimento em Ciência e Tecnologia, lançando mão das mais modernas ferramentas disponíveis, como a biotecnologia.

 

           

Os biocombustíveis e os entraves da biotecnologia no Brasil

Décio Luiz Gazzoni

 

As chances do Brasil se sustentar como o mais importante fornecedor mundial de biodiesel e etanol são reconhecidamente muito grandes. Mas o desestímulo à pesquisa, provocado pelos entraves legais e sociais à biotecnologia, colocam em risco a liderança brasileira do setor. Prova disso é o que ocorre com uma promissora linha de pesquisa, que busca produzir grande volume de energia líquida renovável, a partir de algas. Ela está em pleno desenvolvimento nos Estados Unidos e na Argentina, mas caminha a passos lentos no Brasil, aguardando investimento.

 

            Após identificarem espécies de algas com características desejáveis para a indústria energética – como alta velocidade de crescimento, alto teor de óleo e carboidratos, adaptação a um espectro amplo de temperatura e acidez do meio, capacidade de fixar nitrogênio da atmosfera, e maior eficiência fotossintérica –, cientistas trabalham, agora, para encontrar os genes associados a cada uma dessas qualidades e incorporá-las a um genoma único, por meio de transgenia.

 

            Para se ter idéia do potencial dessa matéria prima, as espécies de algas identificadas como as mais produtivas podem oferecer até 170 toneladas de óleo por hectare, ao ano. Para produzir esse mesmo volume de óleo,com outras culturas, seriam necessários 35 ha de dendê ou 280 ha de soja. Nesta linha de raciocínio, é possível acreditar que uma variedade de alga transgênica, que contenha todas as características industriais desejáveis, possa produzir óleo suficiente para substituir as 40 milhões de toneladas de diesel consumidas no País, com parcos 235.000 ha cultivados.

 

            Além do biodiesel, os estudos também apontam as algas como boa matéria-prima para produção de etanol. Com a extração do óleo, resta da matéria da planta uma espécie de torta com alto teor de açúcares, como a sacarose (carboidrato de baixo peso molecular) e a celulose (carboidrato de alto peso molecular).  Por meio de processos similares aos usados nas usinas de cana-de-açúcar - e com a ajuda da engenharia genética - fermenta-se a glicose desta torta e chega-se ao etanol.

 

            Outra possibilidade interessante é o uso das algas como agentes despoluídores do ar. Nesta técnica, o gás resultante de processos industriais ou da queima de energia seria injetado na água de criação das algas e absorvido pelas algas, para produzir biomassa, desde que se disponha de espécies de algas com carga genética adequada. Além de despoluir o ar, essa prática geraria um volume ponderável de créditos de carbono, significando mais empregos, renda e desenvolvimento.

 

            Em um único exemplo de linha de pesquisa, até aqui, desperdiçada, é possível perceber o quanto o País perde em embargar o livre e responsável desenvolvimento das mais diversas frentes da biotecnologia. Apesar do atraso em relação às algas, o Brasil permanece com todas as chances de se estabelecer como o maior pólo de biocombustíveis do mundo – por suas vantagens geográficas e pela habilidade e persistência de seus cientistas. Mas não devemos contar sempre somente com isso. Está mais do que na hora de abrirmos definitivamente nossas mentes para algo que só tem contribuído com a evolução do homem e do meio: a ciência.

 

Petroquímica ou bioprodutos?

Décio Luiz Gazzoni

 

Será possível  produzir óleos vegetais que poderiam rivalizar com o petróleo, para usos industriais, ou mesmo para melhorar a saúde humana, se forem utilizados na farmacologia, ou ainda para substituir o óleo diesel nos motores? Cientistas americanos estão buscando respostas para esta pergunta. Um dos grupos que estuda o assunto pertence ao Departamento de Agricultura americano. Quem lidera as pesquisas são os cientistas John Dyer, que é químico e Jay Shockey, geneticista vegetal. O primeiro desafio sobre o qual se debruçaram foi entender porque determinadas plantas, como o tungue, produziam óleos que não eram encontrados em outras plantas. Decifrar este mistério, encriptado no código genético, permite introduzir nas plantas características agronômicas interessantes, para produzir os tipos de óleo que a sociedade necessitar.

 

As plantas oleaginosas estão entre as principais commodities agrícolas transacionadas no comércio internacional. Em 2006, mais de 400 milhões de toneladas de oleaginosas foram produzidas no mundo. A maioria dos óleos, extraídos da, soja, algodão, amendoim ou dendê, são produzidos para fins nutricionais. Mas, não podemos esquecer que a indústria química atual é baseada no petróleo, o que significa impacto ambiental, preços em ascensão e esgotamento das reservas. Logo, há um grande potencial a explorar, se pudermos manipular o teor e a composição dos ácidos graxos das oleaginosas, para melhorar suas propriedades químicas e industriais. Os óleos vegetais são quimicamente similares ao óleo cru, servindo de matéria prima para tintas, revestimentos, plásticos, fármacos ou combustíveis.

 

Na área nutricional, as plantas poderiam ser engenheiradas para aumentar o seu teor de ácidos graxos importantes para a saúde humana, como aqueles presentes nos peixes (ômega 3), que são bons para o coração, o cérebro, e os olhos. O trabalho dos Drs. Dyer e Shockey tem como objetivo final permitir à sociedade dispor deste benefício. Por exemplo, alguns óleos importantes do ponto de vista industrial são produzidos em pequenas quantidades pelas plantas, ou então as plantas que os produzem são de cultivo muito difícil e de baixa produtividade. Tomemos o caso da planta de tungue, que produz o ácido eleosteárico, um tipo de óleo muito raro, que é um isômero do ácido linolênico, presente no girassol e na soja.

 

Este ácido possui propriedades industriais muito interessantes, em especial auxiliando no secamento rápido das tintas a óleo, devido à sua rápida polimerização quando exposto ao oxigênio do ar. Ele confere à pintura características desejáveis de durabilidade e resistência à umidade, tanto em superfícies de madeira quanto plásticos. Se fossem usados óleos comuns para esta finalidade, a tinta não seria absorvida pela madeira, nem secaria a contento, redundando em pintura de baixa qualidade. Ocorre que é muito difícil produzir tungue, que é um arbusto sobre o qual pouco se conhece. Então, por que não produzir o mesmo ácido graxo em plantas que os agrônomos conhecem bem e os agricultores estão acostumados a cultivar?

 

Para enfrentar este desafio, os cientistas introduziram na planta modelo Arabidopsis os genes que determinam a produção do ácido eleosteárico e estão estudando os caminhos bioquímicos que fazem com que a planta produza este óleo. O que os cientistas já sabem é que os genes são responsáveis por ordenar à planta que produza determinadas enzimas, as quais fazem funcionar o mecanismo de produção e estocagem de óleo, nas células das plantas. Uma vez entendidos os pormenores do mecanismo, será fácil não apenas produzir o ácido eleosteárico em plantas de fácil cultivo – como a soja – bem como usar a mesma técnica para aumentar a produção de outros óleos, igualmente demandados pela sociedade, e que sejam de difícil produção.

 

Durante os estudos, os cientistas identificaram a seqüência de genes e enzimas envolvidos na produção do ácido graxo. Duas enzimas são particularmente importantes: a DGAT1 e a DGTA2. As enzimas DGAT não são específicas da planta de tungue ou sequer dos vegetais - elas são encontradas inclusive em humanos, onde auxiliam a síntese dos triglicéridos, que é o nome químico dos óleos. Estas enzimas atuam na fase final do complicado processo bioquímico de síntese de óleos e gorduras. Ocorre que existe uma família de enzimas DGAT, sendo que o tipo DGAT1 é uma enzima do tipo genérico ou “faz tudo”, um coringa adaptado para produzir os ácidos graxos mais simples. Por sua vez, outras enzimas da mesma família são produzidas para direcionar a síntese dos óleos para um tipo específico de ácido graxo. Este parece ser o caso da enzima DGAT2 no tungue, que é responsável pelo elevado teor de ácido eleosteárico nas sementes da planta.

 

A informação pode parecer trivial, mas ela é extremamente importante. Agora os pesquisadores sabem que precisam identificar exatamente o que faz cada tipo de enzima da família das DGAT, para associá-las com o tipo de ácido graxo que se pretende produzir. Elucidando a atividade da enzima, é preciso associá-la com o gene que a produz. A partir daí os cientistas podem transferir os genes para outras plantas, de fácil cultivo, que atuam como verdadeiras usinas para produzir, de forma barata e com alta qualidade, os ácidos graxos que a sociedade demandar. Além disso, os cientistas podem aumentar a quantidade de óleo que uma planta produz.

 

Se este caminho for trilhado até o final, os cientistas terão descoberto uma fórmula para tornar o século XXI progressivamente independente do petróleo (e de seus impactos ambientais e toxicológicos negativos), rumo a  uma nova economia, baseada em produtos naturais, renováveis, lastreada em bioprodutos ao invés de petroquímicos.

 

Um caminho para o desenvolvimento
Décio Luiz Gazzoni

 

Neste inicio de 2008 fomos surpreendidos com as boas novas referentes à regeneração completa de tecido cardíaco de camundongos a partir de células-tronco. As boas novas não se restringiram a doentes cardíacos: paraplégicos agora têm expectativas para a recuperação de traumas na medula espinhal, através de métodos biotecnológicos.

Tanto na área de saúde quanto de alimentação, as novas conquistas da biotecnologia se acumulam quase diariamente. Na agricultura, os avanços não são menos espetaculares. Prova disso é que as sementes transgênicas quebraram um paradigma tecnológico e conseguiram superar vantagens comparativas até então consideradas imbatíveis.

Tomemos o exemplo da produção de milho. Os Estados Unidos, desde o início do século passado, são líderes na produção mundial e na exportação de milho. Essa liderança sempre foi garantida por um diferencial: a tecnologia de ponta. Os agricultores americanos, ciosos por maximizar a rentabilidade, sempre estiveram na linha de frente do uso de tecnologia avançada.

Agora voltemos para o Brasil. O País sempre foi o maior produtor de cana-de-açúcar e era líder mundial da produção de álcool combustível. Como dispunha de muita terra para expandir a produção, de clima adequado e mão-de-obra farta e barata, até cinco anos atrás o Brasil estava deitado em berço esplêndido, achando que, se o mundo quisesse álcool combustível, teria que vir nos pedir de joelhos. As vantagens comparativas estavam do nosso lado, pois o etanol de cana parecia imbatível.

Então os americanos, acostumados a sempre romper as fronteiras da ciência, melhoraram ainda mais a sua tecnologia. Com o auxílio da biotecnologia, desenvolveram processos mais eficientes para produzir álcool de milho, o que era um tabu até a virada do século XX. E, na área agronômica, usaram a biotecnologia para desenvolver novas variedades de milho, ainda mais produtivas e com menores custos.

Uma dessas tecnologias que fizeram a diferença para os americanos foi o milho transgênico resistente a insetos pragas — o chamado milho Bt. Os milhos geneticamente modificados respondiam por um terço das lavouras americanas em 2002, e no ano passado já atingiram cerca de 60% da área plantada com a cultura. Montados nesse cabedal tecnológico, os americanos ampliaram a produção de etanol de milho e, há dois anos, tiraram do Brasil a liderança mundial da produção de álcool combustível.

Mas, com o maior uso de milho para a produção de álcool, abriu-se um espaço no mercado internacional do grão, no qual a demanda está crescendo. Parece muito lógico que o Brasil ocupe grande parte deste espaço. Para tanto, além das vantagens comparativas naturais - terra, clima e mão-de-obra - o País precisa dispor de uma alta produtividade de milho, aliada a baixos custos e a um baixo impacto ambiental, com menor uso de agroquímicos. Este é o diferencial de competitividade que necessitamos para ocupar o mercado mundial de milho.

Acontece que maior produtividade, menores custos e menor impacto ambiental significam uso de tecnologia avançada, sobretudo de biotecnologia. Um exemplo é o milho Bt, resistente à lagarta da folha. O potencial desta tecnologia para aumentar a competitividade do milho brasileiro no mercado internacional é imenso, e por isso a recente liberação de dois tipos de milho transgênico no Brasil representou um alento para os agricultores brasileiros e o restante da cadeia produtiva.

Para colocar números nesta análise, vamos nos valer de um estudo do Centro Nacional para Políticas Agrícolas e Alimentares (NCFAP) dos EUA, o qual demonstrou que, em 2002, o uso de variedades derivadas de biotecnologia gerou um aumento da produção agrícola superior a dois milhões de toneladas, adicionando US$ 1,5 bilhão na renda dos agricultores e reduzindo em 23 mil toneladas o uso de defensivos agrícolas, em apenas cinco culturas. Somente na lavoura de milho, a produtividade extra das variedades biotecnológicas gerou 1,7 milhão de toneladas adicionais de grãos. Com o rápido aumento no uso da biotecnologia nas lavouras americanas, estes números seguramente mais do que dobraram nos últimos cinco anos.

No Brasil, até agora, o produtor de milho era obrigado a arcar com custos maiores para o controle de pragas, além de expor-se às restrições ambientais dos países importadores quanto à presença de resíduos químicos nos grãos de milho. Ao abrir a rota do desenvolvimento e da tecnologia, o País está fechando a torneira por onde escoavam a competitividade, os empregos, as divisas e o desenvolvimento regional, e abrindo um leque de oportunidades para o agronegócio.

Energia das algas
Décio Luiz Gazzoni

Quando se analisa o duplo desafio de substituir as fontes fósseis de petróleo e diminuir as emissões de gás carbônico (o paradigma dos gases de efeito estufa), verificamos que os produtos e as tecnologias de que dispomos no momento não permitem atingir estes objetivos, no longo prazo. No médio prazo, com o adensamento energético de cultivos atuais, e com inovações tecnológicas que aprimorem os atuais processos, é possível obter resultados razoáveis. Porém, quando se analisa a questão no horizonte de 30 anos, plasma-se a necessidade de rompimento dos paradigmas tecnológicos atuais, sob pena de agravarmos os problemas energéticos e ambientais.

Biodiesel
O etanol e o biodiesel são os dois combustíveis líquidos que, presumidamente, devem substituir a gasolina e o diesel de petróleo. Atualmente, o etanol é produzido de cana-de-açúcar e, com menor eficiência, de beterraba ou cereais. A evolução do processo será a transformação enzimática de celulose em etanol. No caso do biodiesel, dependemos de fontes de óleo que são cultivos anuais (girassol, canola, soja) e uma única planta perene (dendê). Para o médio prazo, novas plantas perenes, com maior produção de óleo por hectare, mitigarão o problema. Porém, a demanda de centenas de milhões de toneladas anuais de biodiesel exigirão que se quebre o paradigma atual, partindo para novas soluções. Uma das soluções possíveis é o cultivo de algas.

As algas
As algas compreendem vários grupos de seres vivos aquáticos e autotróficos, que produzem a energia necessária ao seu metabolismo por fotossíntese. A maior parte das espécies de algas são unicelulares e, mesmo as mais complexas, não possuem verdadeiras raízes, caules ou folhas. Embora durante muito tempo tenham sido consideradas como plantas, apenas as algas verdes têm uma relação evolutiva com as plantas superiores; os outros grupos de algas representam linhas independentes de desenvolvimento evolutivo, paralelo às que levaram às plantas superiores. São conhecidas mais de 100.000 espécies, que dominam o fitoplancton dos oceanos e que também são encontradas em diversos ambientes aquáticos ou umedecidos. Os cientistas identificaram espécies de algas com características altamente desejáveis, como alta velocidade de crescimento, alto teor de óleo e carboidratos, adatação a um espectro amplo de temperatura e acidez do meio, capacidade de fixar nitrogênio da atmosfera, maior eficiência fotossintérica, entre outras.

Desafio
As espécies mais produtivas podem chegar a 170 t/ha/ano de óleo, ou seja, equivalendo a 35ha de dendê ou a 280ha de soja. Entretanto, as espécies mais produtivas apresentam deficiências em outras características igualmente importantes. Consequentemente, o desafio será reunir, em uma ou poucas espécies, todas as características industriais desejáveis. Os cientistas são absolutamente céticos de que esta espécie exista na Natureza. Portanto, a única saída para que a Humanidade possa se beneficiar do tremendo potencial produtivo das algas será através da Engenharia Genética, identificando os genes associados a cada uma das características desejadas e incorporando-as a um genoma único.

Potencial
Por exemplo, uma espécie de alga com todas as características industriais ideais, produziria óleo para substituir por biodiesel as 40 milhões de toneladas de óleo diesel consumidas no Brasil, sendo cultivada em parcos 235.000 ha. Porém, das algas não se extrai apenas biodiesel. Do resíduo desengordurado é possível também obter carboidratos de baixo peso molecular, diretamente fermentáveis, ou polissacarídios que podem ser digeridos por bactérias desenvolvidas por Engenharia Genética, para produzir etanol. Teríamos os dois biocombustíveis de uma única fonte. Há mais: da fração proteica, é possível produzir componentes para a alimentação humana ou arraçoamento animal. Finalmente, diversos bioprodutos para a industria farmaceutica ou quimica, também podem ser extraidos de algas. Bactérias com genoma modificado podem produzir bioplásticos degradáveis, a partir das fibras das algas.

Sumidouro
Outra possibilidade muito interessante é a associação da criação de algas com indústrias poluidoras, em especial as que emitem muito gás carbônico. Através de técnicas biotecnológicas podem ser desenvolvidos microrganismos com alta capacidade de utilização de gás carbônico. O gás resultante de processos industriais ou da queima de energia pode ser injetado na água de criação das algas, aumentando a produtividade de biomassa das mesmas, uma vez que a fotossíntese nada mais é que aproveitar a água e o gás carbônico para produzir moléculas complexas. Além de despoluir o ar, um cluster deste porte geraria um volume ponderável de créditos de carbono, significando mais empregos, renda e desenvolvimento. Eis um belo exemplo de como as modernas ferramentas da Ciência podem redundar em melhoria da qualidade de vida da Humanidade.

 

Etanol celulósico

Décio Luiz Gazzoni

 

O Presidente Bush estabeleceu a meta de reduzir o consumo de gasolina nos EUA em 80%, até 2017. Do total, 75% (150 bilhões de litros) seriam substituídos por etanol. O Comissário da UE, Durães Barroso, propõe reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 20% até 2020, demandando outros 150 bilhões de litros. São 300 bilhões de litros de etanol combustível, adicional aos 30 bilhões de litros produzidos hoje. Estereotipando a análise, se o etanol fosse produzido de cana-de-açúcar, necessitaríamos 38 milhões de hectares; a partir do milho, seriam mais 80 milhões de hectares. Sem contar o consumo de etanol combustível em outros países e a demanda de etanol para outros setores. Conclusão: é inviável atingir estas metas, com as atuais matérias primas e processos de produção.

 

Matéria prima

O caminho natural será o uso de celulose, cuja produção mundial anual é estimada em 1,5 quadrilhões de toneladas. Em teoria, obtém-se 500kg (633 L) de etanol para cada tonelada de celulose. Extrapolando ao máximo as previsões até 2020, para, digamos, 500 bilhões de litros, seriam necessárias 790 milhões de toneladas de celulose. Esta matéria prima, que representa 0,00005% da celulose produzida no mundo, pode ser obtida de restos vegetais, palhadas, serragem, restos de madeira, lixo urbano, gramíneas de alto potencial de produção de biomassa ou florestas energéticas. Entretanto, dispor da matéria prima é solucionar a parte mais fácil do problema. O busílis da questão é o processo de transformação de celulose em etanol.

 

Celulose

A celulose é um polímero de cadeia longa, composto de um só monômero carboidratado, classificado como polissacarídeo, com fórmula empírica (C6H1005)n, com um valor mínimo de n=200. Tem uma estrutura linear ou fibrosa, na qual se estabelecem múltiplas pontes de hidrogênio entre os grupos hidroxilas das distintas cadeias justapostas de glicose, tornando-as impenetráveis à água. A celulose é o componente estrutural primário das plantas e não é digerível pelos animais superiores. É comum nas paredes celulares de plantas, estando presente na maioria das fibras puras de algodão, sendo encontrado nas plantas na combinação de lignina com qualquer hemicelulose. Alguns animais, como os ruminantes, podem digerir celulose com a ajuda de microorganimos.

 

Transformação

O etanol é obtido da cana-de-açúcar pela fermentação da sacarose por microrganismos, como os do gênero Saccharomyces. Eles são altamente eficientes, porém somente conseguem decompor açucares de baixo peso molecular em álcool. No caso da celulose, o polímero é formado por mais de 200 moléculas de glicose, diretamente fermentável para etanol. O desafio é efetuar a quebra das moléculas de sacarose até os açúcares primários, que deve ser efetuada por outros microrganismos. Existem exigências industriais mínimas para que um microrganismo possa ser utilizado para produção de etanol celulósico, como: (i) rendimento de etanol superior a 90% do teórico; (ii) tolerância à concentração de etanol superior a 40g/L; (iii) produtividade de etanol superior a 1g/L/h; (iv) baixo custo de produção dos microrganismos; (v) resistencia a substancias inibidoras; e (vi) grande amplitude de adaptação à temperatura e acidez. Não existem microrganismos na Natureza que possuam, ao mesmo tempo, todas estas características, sendo necessário o seu desenvolvimento em laboratório.

 

Biotecnologia

Não há outra fórmula para tornar a produção de etanol celulósico competitiva e sustentável que não a utilização da engenharia genética para transferir todas as características necessárias para algumas bactérias. No momento, as pesquisas se concentram nas bactérias Escherichia coli, Kebsiella oxytoca e Zymomonas mobilis, que foram transformadas para atender a todos os requerimentos acima, além de eliminar alguns “defeitos” dos microrganismos, como a produção de diversos ácidos a partir da celulose, ao invés de gerar etanol. Esta tecnologia ainda é embrionária, existe um longo caminho a trilhar, porém, devido ao enorme potencial de negócios, plantas industriais de médio e grande porte já estão sendo instaladas na China, Esxpanha, Canadá, EUA e África do Sul, entre outros países. O desafio para o Brasil é não ficar para trás na corrida tecnológica, evitando perder o trem de um dos mais promissores segmentos do agronegócio do futuro, que significa renda, empregos e desenvolvimento para o país.

Biotecnologia e qualidade de vida
Décio Luiz Gazzoni

Há algum tempo encontrei em um congresso científico a Dra. Lila Vodkin, prestigiada cientista da Universidade Illinois (EUA), que me contou, entusiasmada, os progressos do mapeamento do código genético da soja, liderado por ela. Trata-se de um investimento de dezenas de milhões de dólares, envolvendo seis universidades, que estudam mais de 200.000 pedaços de cromossomos, para identificar os genes da soja.

História de americano louco, alguém pode pensar. Mas, a Inglaterra, a Alemanha, a França e o Japão também investem na identificação dos genes de plantas e animais.

Só para país rico, com dinheiro sobrando, outro pode comentar. China, Cuba e Índia investem maciçamente em engenharia genética. O governo chinês pretende liderar o setor de biotecnologia entre os países emergentes, ainda nesta década e, até 2020, liderar o setor em escala planetária.

O Governo chinês é visionário? Não, é pragmático. Esses países entendem que o futuro do agronegócio está reservado para quem dispuser de diferenciais mercadológicos. Um agricultor pode vender sua produção bruta para o atravessador, a preço vil, ou pode agregar valor, processá-la e embalá-la, obtendo um diferencial de preço. O mesmo ocorre em escala global. O Brasil pode limitar suas aspirações ao crescimento vegetativo de sua venda de soja (que hoje vale uns US$ 10 bilhões) ou agregar valor à soja de maneira que a torne um diferencial no mercado. Como fazê-lo?

Para responder à questão, pesquisei na literatura o que sairá da cornucópia dos cientistas nos próximos anos e discuti o tema com renomados cientistas, do meu âmbito de conhecimento. Grupei os avanços científicos em cinco categorias: enriquecimento de alimentos com minerais ou vitaminas; enriquecimento nutricional de óleos vegetais; melhoria dos teores e da qualidade de carboidratos e proteínas; melhoria de componentes funcionais (nutracêuticos) e; redução de componentes indesejáveis.

O resultado da minha pesquisa aponta para uma significativa melhora na sua qualidade de vida. Por exemplo: a vitamina E, sintetizada apenas nos vegetais, é essencial para os animais e seu efeito anti-oxidante previne inúmeros distúrbios de saúde. Os cientistas introduziram na soja o gene que aumenta o teor de tocoferol, que é o precursor da vitamina E, tornando a soja importante fonte desta vitamina. Isto significa que o envelhecimento de seu organismo será retardado.

A soja, têm alto teor de minerais, como Cálcio e Fósforo. Entretanto, a maior parte pode estar indisponível na forma de sais do ácido fítico. Os cientistas introduziram um gene que sintetiza a enzima fitase e torna disponíveis esses nutrientes da soja para o organismo. Isto pode significar menos osteoporose.

O óleo de soja é o mais consumido no Brasil e um dos mais consumidos no mundo. Torná-lo mais saudável é um desejo dos médicos e uma preocupação dos cientistas. Existem genes que melhoram o perfil dos ácidos graxos da soja. Um deles aumenta o ácido oléico, reduz o teor dos ácidos saturados e, conseqüentemente, a necessidade de hidrogenação dos ácidos graxos para produzir margarinas, tornando o óleo mais saudável e diminuindo os custos de processamento. O seu coração, penhorado, agradece.

Por outro lado, uma descoberta recente permite substituir, parcialmente, os ácidos graxos ômega 6 por ômega 3, o que diminui acentuadamente o risco de acidentes cardiovasculares. Ponto para a saúde! E ponto para a biotecnologia, que permite este ganho de qualidade de vida.

A soja possui algumas deficiências de aminoácidos, essenciais para o organismo humano, que podem ser corrigidas com a introdução de genes que sintetizam esses aminoácidos ou aumentam o seu teor. Entre os componentes funcionais, aqueles que mais entusiasmam os cientistas são os fitoesteróis e as isoflavonas. Essas substâncias são responsáveis pela redução dos riscos de acidentes cardiovasculares e de tumores de mama, útero e próstata, entre outros. Os cientistas identificaram os genes responsáveis por estas substâncias, o que gerou novas variedades de soja com propriedades terapêuticas muito superiores às atuais. Mais pontos para a saúde .. e para a biotecnologia!

Apesar de ser um ótimo alimento, a soja possui restrições. Ela pode produzir alergia ou flatulência intestinal, em parcela da população sensível a estes distúrbios. O problema está sendo resolvido pelos cientistas. Eles isolaram o gene que sintetiza a proteína P34, responsável pela alergia da soja. Também foi identificado o gene que sintetiza a rafinose, que causa a flatulência. Ao interromper as atividades dos dois genes serão eliminados esses dois inconvenientes da soja. Anote mais estes pontinhos a seu favor!

Usei o exemplo da soja, porém o exposto se aplica a outros grãos, frutas, hortaliças ou produtos derivados de animais. O Brasil pode acomodar-se e oferecer uma matéria prima convencional ou investir, fortemente, em tecnologias de última geração, e agregar valor aos produtos ofertados, tornando-os mais saudáveis e nutritivos, a melhores preços e condições no mercado. A decisão é nossa, mas precisa ser rápida, porque os concorrentes já estão virando a curva lá na nossa frente!

 

Preservação da Identidade

Décio Luiz Gazzoni

 

            Há pouco mais de dez anos iniciou uma revolução silenciosa no mundo dos negócios, em especial no comércio internacional, com a criação da OMC. O agronegócio foi um dos setores mais afetados com as novas regras. Embora os países ricos ainda resistam a ceder na questão dos subsídios agrícolas, as mudanças nos requerimentos para comércio internacional estão ocorrendo com velocidade quase inimaginável. Digo quase porque, quando da criação da OMC, eu atuava como assessor do então Secretário de Defesa Agropecuária do MAPA e, na nossa visão de futuro, todos esses câmbios foram previstos. Para apoiar o agronegócio brasileiro, propusemos, à época, a criação da Agência Brasileira de Defesa Agropecuária, que nasceria sob a égide do novo ambiente de comércio internacional. Infelizmente, a iniciativa foi abortada e nunca se transformou em realidade, o que poderia ter significado um empuxo adicional para o agronegócio nacional.

 

Sanidade

            Desde a criação da OMC, o comércio internacional experimenta uma taxa de aceleração sem precedentes na História, com ênfase para as trocas comerciais vinculadas ao agronegócio. Os números apontam para um crescimento médio anual, no comércio internacional, 4% superior ao crescimento do PIB mundial, entre 1994 e 2004, com picos de até 7% acima do crescimento do PIB. O volume de transações deve atingir, em 2005, 9 trilhões de dólares.

            Um dos setores mais afetados pelas novas regras é a sanidade agropecuária. Progressivamente, os países importadores de alimentos estão se tornando mais exigentes e mais restritivos quando à qualidade e a inocuidade dos produtos agropecuários. As regras são severas tanto para plantas e animais vivos - que podem veicular pragas exóticas para os países importadores - quanto para produtos processados, que precisam estar isentos de contaminantes físicos, químicos ou biológicos. Hoje em dia não há mercado rico que não imponha regras estritas de certificação e de rastreabilidade. No caso dos EUA, com a paranóia terrorista que vive o país, as regras são ainda mais rígidas, para evitar que alimentos possam ser transformados em armas terroristas.

 

Identidade

               O crescimento do comércio internacional tem sido de tal ordem que, no paradigma tecnológico atual dos sistemas sanitários, não é possível assegurar, integralmente, a qualidade, a identidade, a sanidade e a inocuidade dos alimentos transacionados no mundo. Caso os governos decidissem manter laboratórios e pessoal suficiente para garantir a qualidade, dentro dos padrões exigidos pela sociedade, o custo de controle encareceria sobremaneira o preço dos alimentos.

            Para enfrentar o desafio, formulou-se o conceito de preservação de identidade (PI), que funde os princípios de certificação e rastreabilidade. Um alimento com identidade preservada informa ao consumidor todos os insumos e tecnologias utilizadas na produção e processamento do alimento, bem como as condições ambientais ocorridas, o bem estar animal e os eventuais riscos aos quais o alimento esteve submetido.

 

Nanotecnologia

            A pesquisa se concentra no desenvolvimento de mecanismos de monitoramento, registro e acompanhamento, que permitam a PI de produtos agrícolas. Os cientistas estudam a quantificação das demandas energéticas, em processos metabólicos, ao nível molecular. Por exemplo, mudanças na demanda de energia, que poderia ser sensoreada por alterações térmicas, seria um sinal de alterações na composição do alimento. Baseado nessa premissa, é possível desenvolver um sistema de registro de temperatura, baseado em nanosensores e nanogravadores, que manteriam o registro das oscilações térmicas ao longo de todo o processo de produção de alimentos.

            Os cientistas também estão desenvolvendo sistemas que permitem a detecção de aplicações de agrotóxicos ou produtos veterinários, bem como fertilizantes ou suplementos nutritivos, que permaneceriam registrados até o momento do consumo final do alimento.

 

Novas tecnologias

            No curto prazo, serão desenvolvidos kits miniaturizados para detectar a presença de pragas no campo, na fase inicial de ataque. O mesmo processo será útil para detectar pragas ou microorganismos durante a fase de armazenamento. Nanochips serão desenvolvidos para detectar a presença de patógenos ou de determinadas proteínas. Essas proteínas tanto poderiam ser indicadoras da presença de patógenos, quanto toxinas ou ainda identificariam determinadas cultivares ou animais transgênicos.

            Em um prazo mais longo, imagina-se que o custo destes nanoequipamentos será reduzido a um valor tal que permita o uso de materiais biodegradáveis, mantendo sua capacidade de rastrear parâmetros físicos, químicos ou biológicos. Um ramo da nanotecnologia se revela altamente promissor para tornar esse fato realidade: é o desenvolvimento da bioengenharia baseada em ácidos nucléicos, que permitirá o desenvolvimento de nanoequipamentos valendo-se de “tijolos” de ácidos nucléicos. Além de garantir a preservação da identidade, as novas tecnologias apóiam-se, tanto quanto possível, em estruturas já desenvolvidas pela Natureza.

 

Embrapa e Inovação
Décio Luiz Gazzoni

 

            Ao contrário da música dos Titãs, na Embrapa você pode confiar, apesar de ter mais de 30 anos, cujo aniversário ocorreu em 26 de abril. Consolidada, a Embrapa prepara-se para galgar um novo degrau em sua escalada conceitual do desenvolvimento tecnológico. No início, a Embrapa concentrou seus esforços na recuperação, consolidação e introdução de tecnologia, nacional ou alienígena, para compor pacotes tecnológicos. Seguiu-se uma etapa de experimentação e adaptação, desaguando em investimentos em pesquisa própria. Os anos 80 testemunharam o crescimento das investidas em desenvolvimento, plasmando grupos de competência em P&D na Embrapa.

 

Primeiras mudanças

            Os novos paradigmas da década de 90 exigiram reformulações conceituais, solidificando o conceito de inovação. A organização conquistou a respeitabilidade das autoridades públicas e da iniciativa privada, por atender às diretrizes das políticas públicas governamentais, imiscuindo-as com as demandas dos atores do agronegócio e com as exigências do consumidor, atentando para os componentes sociais e ambientais do desenvolvimento tecnológico, sem esquecer os requerimentos do mercado internacional. No presente, atenta à dinâmica dos cenários de C&T, a Embrapa amplia seu escopo, plasmando um novo conceito, que atende pela sigla de PDI&E – E de empreendedorismo, bafejada pelo advento da Lei de Inovação.

 

Estratégia

            A par deste complexo arranjo, a Embrapa reservou parte da energia institucional para investir em projetos estratégicos, resultante de cenários que indicavam visões de futuro globais ou setoriais, com oportunidades tecnológicas para as quais a instituição deveria estar preparada. A trilha programática foi entremeada de ações que expandiram a capacidade inovativa da empresa e asseguravam a correção das prioridades e diretrizes de P&D. A Embrapa sempre foi aberta a parcerias e associações de cunho estratégico, com seus pares públicos ou privados, ou com organizações que partilhavam objetivos comuns. Os programas de treinamento tiveram destaque especial na Embrapa, mormente aqueles que apontavam para a internalização do conhecimento, tornando-a um repositório do estado da arte da tecnologia agropecuária mundial.

 

Inovação

Como resultado da cultura organizacional, que sempre perseguiu o avanço tecnológico, com fulcro na inovação, a Embrapa é hoje uma organização científica respeitada por seus pares e seus clientes, reconhecida no mundo inteiro como referencia em tecnologia para a agropecuária tropical. O portfólio de inovações da Embrapa abrange um amplo leque, que inclui material genético que se ombreia ao estado da arte internacional, tecnologias de nutrição de plantas e animais e de controle de pragas que permitem a expressão do potencial genético das culturas e criações. A melhor expressão dos resultados atribuíveis às inovações geradas pela Embrapa pode ser visualizada, de forma didática, no invulgar crescimento da produtividade da agricultura brasileira. Tomando-se os últimos 15 anos como referencia, a área cultivada expandiu meros 22% enquanto a produção cresceu 124%, resultado de um crescimento espetacular de 82% na produtividade.

 

Riscos e oportunidades

            A trajetória da inovação na Embrapa tem enfrentado obstáculos, como o elevado custo de equipamentos de laboratório e de treinamento de seus cientistas, agravado pelas dificuldades inerentes à rigidez dos processos burocráticos governamentais. O orçamento da Embrapa não tem acompanhado o crescimento das demandas, o que pode ser evidenciada quando se compara a sua evolução orçamentária com o crescimento do PIB do agronegócio nacional.

De outra parte, a Embrapa conta com parceiros e alianças estratégicas, atuando complementar ou suplementarmente às suas próprias competências. Juntamente com a capacidade de acessar fundos competitivos nacionais e internacionais, foi possível superar, parcialmente, as dificuldades orçamentárias.

            O advento da Lei de Inovação embute um novo desafio à Embrapa, que assesta sua visão estratégica no empreendedorismo. A nova etapa permitirá estreitar ainda mais as alianças e parcerias estratégicas, a sua associação com empresas de base tecnológica e uma aderência ainda maior com políticas públicas e com as demandas e exigências de seus clientes.

 

Resultados

Em conseqüência do trabalho da Embrapa, a cesta básica diminuiu o custo, e o superávit da balança comercial superou US$38 bilhões de dólares, em 2005, devendo ser ainda maior em 2006. Assumimos a liderança de exportação de produtos, como carne, frango ou soja. Abrimos novos e importantes mercados e nichos comerciais, expandindo o leque de produtos comercializados pelo Brasil. Outro resultado palpável da atuação da Embrapa foi a sua constante preocupação com o impacto ambiental e social de suas inovações, o que conduziu a uma redução palpável de poluição de cursos de água ou perdas de solo, assim como a uma contração espetacular nas intoxicações causadas por agrotóxicos. Em suma, as inovações da Embrapa são as responsáveis pelos avanços na qualidade de vida do cidadão brasileiro, nos anos recentes.

 

 

O MST era o que havia de pior?

Décio Luiz Gazzoni

 

Diz a sabedoria popular que, quando se chega ao fundo do poço, pode cair muita terra sobre nossa cabeça. Há décadas não se via algo parecido com a decisão do ex-cocaleiro, hoje presidente da Bolívia que, seguramente, vai custar muito caro a ele – pessoalmente – e ao povo boliviano. Por alguns anos, investidores sérios não vão querer absolutamente nada com a Bolívia. E assim irão para o ralo as divisas, os empregos, o progresso. Morales não foi nada original, pois estava tudo escrito no “Manual do Perfeito Idiota Latino Americano” (Plinio A. Mendoza, Carlos A. Montaner e Alvaro Vargas Llosa - Editora Bertrand Brasil, 1997).

 

Política Externa

Pode ser que não se aplique o bordão da moda (“Nunca antes na História deste país...”), mas dá para dizer que foram poucos os momentos em que a nossa política externa foi uma sucessão tão grande de fiascos como agora. Perdemos as eleições na OEA, no BID, na OMC, dilaceramos o Mercosul, deixamos de apoiar a Argentina quando esta precisou, mas cedemos em tudo quando Kirchner exigiu privilégios comerciais. Perdoamos dívidas externas (inclusive da Bolívia), mas pagamos com o sangue do cidadão brasileiro a nossa dívida. Cedemos nossa liderança ponderada na América Latina, para o histrionismo do companheiro Chavez, que pinta e borda de Norte a Sul. Recentemente, ele ofendeu com palavras de baixo calão um dos candidatos à presidência do Peru. Soberanamente, o presidente peruano chamou de volta seu embaixador em Caracas.

 

Cucarachadas

Temo pelo pior. Acho que, mais uma vez, a Bolívia fará jus ao seu passado e vislumbro um cenário em que Morales não completará seu mandato. Infelizmente para a democracia e para a América Latina, vista lá de fora como um amontoado de republiquetas de bananas. Quem semeia ventos, colhe tempestades. Para se eleger, Morales prometeu mundos e fundos a todos os grupos de reivindicação, muitos conflitantes entre si. Uniu-os, precariamente, para eleger-se, mas não conseguirá cumprir todas as promessas. Com isto já havia perdido 20% de sua popularidade entre março e abril. Como haverá eleições constitucionais em junho, no desespero Morales confiscou os bens das companhias petrolíferas, para atender uma parte das reivindicações, de olhos postos nas eleições. Já havia feito algo semelhante com a EBX, agradando a alguns companheiros radicais, mas desagradando quem perdeu emprego e renda.

 

Chavez

Morales não nega que seu conselheiro e inspirador é o companheiro Chavez. Talvez por esta razão o governo brasileiro, na prática, não reagiu à expropriação sofrida pela Petrobrás. Deveria ter reagido, pois o governo deve proteger os interesses e o patrimônio nacional, como é o caso da Petrobrás. E deveria ficar mais preocupado ainda com os boatos que correm o mundo de que, passada a eleição boliviana, reverter-se-ia, parcialmente, a legislação expropriatória. Parcialmente, porque, ao que consta, o patrimônio seria entregue para gestão da PDVSA. Você não sabe o que é PDVSA? Bingo: Petróleos de Venezuela! Caso Chavez transfira a Morales todo o seu know-how, lembre-se que os índices de pobreza da população cresceram acima 50% e a criminalidade aumentou mais de 400%, desde que Chavez assumiu o poder.

 

Novidades

De parte de Morales, a novidade (?) será uma nova expropriação. Para garantir mais alguns votos, promete desapropriar cerca de 10 milhões de hectares de terras que, atualmente, produzem soja e milho. Parte desta terra foi adquirida por brasileiros, que venderam o patrimônio que possuíam no Brasil, para investir na Bolívia. Agora arriscam ser escorraçados de volta ao Brasil, sem qualquer apoio do nosso governo. De parte do MST, a novidade é a notícia de que, atuar apenas na área rural não tem trazido retorno para o MST. O negócio agora é atuar na área urbana. Vem aí o MSS (sem supermercados), MAS (sem apartamentos), MSR (sem revistas), MSJ (sem jornal), MSB (sem bancos), MSI (sem igreja). Acho que vou aderir ao movimento, pois eu me enquadro em todos os itens, desde sem terra até sem igreja!

 

Agronegócio

O alinhavo anterior serviu para evidenciar as ameaças e oportunidades contidas no ato retrógrado de Morales. Uma das ameaças recai, diretamente, sobre os brasileiros que plantam na Bolívia, ou nos empresários que venderam para estes agricultores. Outra ameaça é a elevação do custo do gás, logo do custo de produção de agrotóxicos e fertilizantes e de processamento de produtos agrícolas. Os empresários ficarão altamente inseguros em investir em ampliação de fábricas, devido à instabilidade energética. Você confiaria no abastecimento e no preço do gás boliviano? A maior ameaça é que, para os investidores estrangeiros, Bolívia, Venezuela ou Brasil “é tudo farinha da mesma América Latina”, afastando investimentos do continente a cada cucarachada. A oportunidade: cada vez fica mais claro que não podemos continuar dependentes de combustíveis fósseis, em especial do exterior. Precisamos cumprir nosso destino de ser o líder mundial da produção de agroenergia. Além dos excelentes negócios que propicia, a independência energética nos livraria de ver o país chantageado, e sem reação à altura.

 

Desvantagens competitivas

Décio Luiz Gazzoni

 

Dia desses eu conversava com o Ministro Roberto Rodrigues, que lamentava sua impotência para mitigar as causas e conseqüências do que ele considerava “o pior ano do agronegócio brasileiro”. Obviamente, não quis consolá-lo, mas lembrei-o que o pior ano será o de 2007, a menos que sobrevenha um governo com capacidade de enfrentar as desvantagens competitivas do nosso agronegócio. Pode parecer paradoxal, pois estamos acostumados a ouvir loas sobre as vantagens comparativas do Brasil (terra, clima, tecnologia, mão de obra, capacidade de gestão privada, empreendedorismo, etc.). Porém, na ante-sala da mãe das crises do agronegócio é bom atentar para as nossas “desvantagens competitivas”, que, no frigir dos ovos, passam a ser as vantagens de nossos competidores.

 

Tributação

Sem dúvida, a maior das desvantagens. Quase 50% do PIB brasileiro é sugado pelo governo, que o reaplica de forma ineficiente e perdulária. Apesar das promessas e juras em contrário, o atual Governo tanto incrementou a pressão tributária sobre os contribuintes, quanto aumentou os gastos em despesas de custeio, diminuindo os investimentos. Em resumo, piorou a qualidade do gasto público. Estatísticas demonstram que o brasileiro trabalha quase seis meses por ano, apenas para pagar tributos – sem que os serviços públicos correspondentes sejam prestados. No agronegócio, o exemplo mais catastrófico é a “desindustrialização” da cadeia produtiva da soja. Alicerçada na nossa miopia tributária e incompetência para solver a questão, a Argentina está se transformando na maior potencia mundial de processamento de soja. Como não consegue produzir toda a soja que necessita, importa o grão do Brasil, para agregar valor e mão de obra, antes de re-exportá-lo. Ou seja, estamos exportando grãos, empregos e renda, tudo empacotado a preço vil.

 

Legislação trabalhista

Enquanto nos EUA e nos países mais competitivos do mundo, do total despendido pelo empregador, entre 85 e 90% é recebido pelo empregado, como remuneração, no Brasil o trabalhador recebe, em média, 50% do que o patrão desembolsa. Às vezes, o valor dos encargos sobre os salários é maior que o salário recebido pelo empregado. Com isto, os empregadores preferem a automação, os contratos com pessoas jurídicas ou a informalidade. Perde o Brasil e perde o trabalhador. É só olhar as estatísticas e perceber que o emprego no Brasil cresce abaixo da taxa de ingresso de jovens no mercado, e que os empregos criados são de baixa remuneração.

 

Logística

O que há de bom no setor de transporte e armazenamento é o que foi privatizado nos anos 90 (ferrovias, estradas pedagiadas, armazéns). As estradas federais estão intrafegáveis, fazendo com que, muitas vezes, o preço do frete seja superior ao custo de produção. Nos últimos anos, além do espalhafato de uma operação “tapa-buracos”, contestada quase integralmente pelo Tribunal de Contas do próprio Governo, nada mais foi feito. Aliás, você já refletiu o que significa “tapa-buracos” para um país que deveria ser um canteiro de novas hidrovias, ferrovias e até rodovias? É outro símbolo didático de desvantagem competitiva criada por nós, um contraponto às vantagens comparativas que Deus nos legou!

 

Segurança patrimonial

Basta dizer que, durante o atual governo, o número de filiados ao MST morando sob as lonas passou de 230.000 para mais de um milhão. O custo de garantir o patrimônio (terra, máquinas, benfeitorias) está onerando cada vez mais o nosso agronegócio. E, às vezes, não há como proteger o patrimônio, que é simplesmente perdido, sem qualquer apoio dos governos para manter a legalidade. Na ausência de controle das invasões de terras produtivas, os mesmos movimentos agora resolvem atuar na área urbana. A invasão do Congresso Nacional pode ser comparada ao aviso que antecedeu a Queda da Bastilha!

 

Juros e Câmbio

Pagando as mais altas taxas de juros do mundo, nossos produtores têm demonstrado uma habilidade gerencial superior a qualquer outro concorrente. Enquanto nos EUA, na Europa e no Japão, os governos subsidiam a agricultura, aqui ela é fortemente taxada e, quando há necessidade de empréstimos, os juros são escorchantes. Nunca antes na História deste país o real esteve tão apreciado, muito superior à relação 1:1 do início do Plano Real, que tanto prejudicou o agronegócio. A valorização do real é um dos principais fatores da atual megacrise do agronegócio.

 

Recriar

O que deveria ser uma “vantagem” das desvantagens é o fato de que eles podem ser superadas com uma gestão competente. Entretanto, esta parece ser mais uma das nossas desvantagens! O povo brasileiro não pode continuar acomodado, deitado eternamente em berço esplêndido, vendo escorregar entre seus dedos as oportunidades de desenvolvimento e renda, oriundas das vantagens comparativas naturais que Deus nos conferiu. Alguém parou para olhar como a China cresce contra as desvantagens naturais? Israel? Espanha? Índia? Será que precisaremos invocar ao Criador que zere o jogo, nos dê as desvantagens naturais e nos contemple com capacidade para não criar desvantagens competitivas?

 

Alimentos melhores e mais seguros

Décio Luiz Gazzoni

 

            Após a criação da OMC, as regras sanitárias do comércio de produtos agropecuários tem se tornado crescentemente restritivas. O fenômeno reflete uma nova postura dos consumidores, que exigem padrões cada vez mais rígidos de qualidade de alimentos. A inocuidade constitui um principais atributos da qualidade, impondo restrições cada vez maiores a contaminantes nos alimentos.

            Atropelados pela globalização que eliminou espaços geográficos e comprimiu o tempo, e pressionados pela sociedade que exige alimentos cada vez mais nutritivos, mais saborosos e mais seguros, os cientistas são instados a gerar tecnologias que garantam a pureza e a identidade dos alimentos, solidificando os sistemas de certificação e rastreabilidade.

            Para dar guarida à demanda social, os métodos e equipamentos de análise (química, física ou biológica) sofisticam-se e tornam-se cada vez mais precisos, para garantir a credibilidade e assegurar a confiança do consumidor. Por exemplo, já existem equipamentos que detectam substâncias contaminantes de alimentos, na escala de uma parte por trilhão (ppt). Sabe o leitor o que isso significa? Então imagine uma piscina com superfície de um hectare e cinco metros de profundidade, cheia de água até a borda (50 milhões de litros). Agora jogue uma única gota de uma substância química nesta piscina. Misture muito bem. Retire uma amostra e envie ao laboratório. A análise detectará a substância na proporção de 1 ppt!

 

Inovações

            Através da conjunção entre biotecnologia e nanotecnologia, será possível incrementar fatores associados à qualidade dos alimentos, como textura, odor, sabor, aroma, brilho ou cor. Além dos aspectos cosméticos, os cientistas podem utilizar as mesmas ferramentas para potencializar aspectos funcionais dos alimentos, incrementando teores de determinados componentes, como vitaminas ou aminoácidos essenciais. Também podem ser melhorados atributos associados à saúde e prevenção de distúrbios e disfunções como hormônios ou isoflavonas. Trazer para a realidade conceitos de plantas ou animais atuando como biofarmácias depende do avanço do ferramental da biotecnologia e da nanotecnologia.

 

Bioterrorismo

            Graças aos céus, ainda não ocorreu aos terroristas que mergulham o mundo em uma paranóia de insegurança, o uso de alimentos para seus tétricos fins. Entretanto, os Governos sabem do risco sempre presente de que alimentos possam ser usados para esta finalidade. A Ciência se prepara para minimizar os riscos de uso de alimentos para fins de bioterrorismo. Nanoequipamentos e sensores podem ser desenvolvidos para detectar traços, mesmo moleculares, de substâncias tóxicas ou de patógenos de alta periculosidade. Os sensores tanto podem emitir alertas para centrais, quanto modificar a aparência externa do alimento, ou mesmo provocar reações químicas tornando o alimento impróprio para consumo, como alterações profundas na textura, cor, sabor ou odor.

 

Proteção ambiental

            A mesma sociedade que exige alimentos mais seguros também impõe o desafio de que a meta seja atingida dentro de padrões de proteção ambiental elevados. Novamente, a Ciência é chamada para resolver a situação. Se a meta fosse apenas controlar as pragas, poder-se-ia, por exemplo, aumentar o uso de agrotóxicos para evitar ataques de brocas nos tomates ou fungos na alface. Porém, o uso exagerado de agrotóxicos poderia redundar em resíduos químicos nos alimentos ou afetar, negativamente, elementos da fauna ao longo da cadeia alimentar.

            Atualmente, os agricultores dispõem de tecnologia para efetuar a amostragem de pragas (insetos, fungos, bactérias ou nematóides), para tomar sua decisão de controle. Entretanto, a experiência tem mostrado que os processos disponíveis são demorados, caros, trabalhosos e exigem conhecimento profundo para identificação das diferentes pragas das culturas. O conceito futuro embute a sustentabilidade do processo, conjugando rentabilidade econômica, segurança alimentar e proteção ambiental. Os nanosensores alertarão o agricultor do futuro sobre o momento e a dose adequadas de agrotóxicos, fertilizantes ou água de irrigação. Os sensores integrarão os dados de microclima locais com informações sobre a biologia e a fisiologia das plantas, das criações, das pragas e de seus inimigos naturais para efetuar as indicações corretas.

 

Vínculo acadêmico

            Os avanços científicos estão ocorrendo em uma velocidade tão alucinante, que exigirá dos profissionais e das Universidades um repensar de seu relacionamento, não apenas em termos de currículo de formação, como de um reciclar constante. Em um futuro próximo não será exagero imaginar que o diploma universitário – ao menos nas áreas científicas e de engenharia – necessitará de revalidação de tempos em tempos, condicionado a uma reciclagem, para manter o profissional no estado da arte da informação e das ferramentas profissionais.  Será a forma de garantir que a exigência da sociedade por alimentos seguros e ambiente protegido seja atendida.

 

Biodiesel e os pequenos consumidores

Décio Luiz Gazzoni

 

A agricultura de energia ganha contornos de realidade, não apenas no Brasil como em diversos outros países. As razões principais são: os pesados impactos ambientais da queima de combustíveis fósseis, matriz das mudanças climáticas globais; os preços crescentes do petróleo e do gás; e as disputas bélicas e políticas envolvendo os negócios de gás e petróleo. A cada histrionismo dos companheiros Chávez ou Morales, aumenta a convicção da sociedade a respeito da necessidade de alternativas para garantir a oferta de energia de forma sustentável e segura.

No caso do biodiesel, o Brasil começou atrasado, mal figurando nas estatísticas mundiais, lideradas pelos europeus (como Alemanha e França) e pelos americanos. Porém, antes do final desta década, o Brasil será, seguramente, o maior produtor mundial de biodiesel. Esta liderança será alicerçada pela produção de grandes volumes, obtidos pelo processo de transesterificação. Por esta rota, adiciona-se álcool anidro a um óleo vegetal (ou gordura animal), obtendo-se como resultado da reação química o biodiesel e a glicerina.

Este processo é adequado para a produção em larga escala, porém apresenta alguns problemas para adequar-se à pequena produção. Fica difícil para quem necessita produzir 1000 litros de biodiesel por dia adquirir partidas de álcool anidro ou vender glicerina, em pequenas quantidades. Não bastassem estas restrições, o custo fixo das instalações industriais é muito alto, sendo difícil amortizá-las com baixos volumes de produção.

Atentos a esta demanda, que se constitui em um nicho de mercado a descoberto, a Embrapa e o Instituto de Química da UNB desenvolveram um processo inovador de produção de biodiesel, através do craqueamento de óleos vegetais ou gorduras animais.

Como funciona? Coloca-se o óleo vegetal em um reator químico, onde a temperatura é elevada até o ponto em que o óleo é transformado em vapor. No processo de vaporização, ocorre rompimento das ligações atômicas, em especial das mais sensíveis. Assim, os triglicéridos presentes nos óleos ou gorduras, que possuem 50 ou mais átomos de carbono, são desdobrados em moléculas menores, com até 17 átomos de carbono.

Obtém-se, assim, uma mistura de substâncias de alto poder combustível, que necessitam ser separadas em frações mais homogêneas. Para tanto, os vapores passam por uma coluna de destilação fracionada, que separa os vapores de acordo com o seu ponto de condensação. Desta forma é possível obter biocombustíveis derivados de óleos vegetais que se assemelham ao diesel, gasolina, querosene ou gás obtido pelo refino do petróleo.

Os protótipos de bancada existentes na Embrapa e na UNB vêm demonstrando excelentes resultados, o que animou os pesquisadores a produzirem um protótipo comercial, que está sendo desenvolvido em parceria com a empresa Global Energy and Telecommunication (GET), com suporte financeiro da FINEP.

O foco da pesquisa da Embrapa/UNB é constituído pelos pequenos consumidores de óleo diesel, que desejem substituí-lo por biodiesel. Estes pequenos consumidores podem ser tanto um grande agricultor quanto uma associação de agricultores, pequenas comunidades, cooperativas, assentamentos de reforma agrária ou as comunidades isoladas, sem acesso à energia elétrica, ou localizadas a grandes distancias, o que eleva o preço do óleo diesel a valores proibitivos.

Em contraste com o processo de transesterificação, as vantagens da rota de craqueamento residem no uso exclusivo de óleo ou gordura, dispensado o álcool anidro e, consequentemente, sem produção de glicerina, pois todo o óleo vegetal é transformado em biocombustíveis. Embora a previsão seja de que o protótipo comercial esteja disponível aos clientes apenas em 2007, estima-se que seu custo seja muito inferior a uma planta de transesterificação.

Para garantir a qualidade do equipamento que será oferecido ao mercado, bem como dos biocombustíveis produzidos, a Embrapa e a UNB estão desenvolvendo um projeto de pesquisa cujo objetivo é verificar a resistência e a durabilidade do equipamento de craqueamento, sob diferentes condições de trabalho. Igualmente, testes estão sendo efetuados com diferentes óleos vegetais, como canola, girassol, soja, dendê e mamona, para verificar a adequação de diferentes matérias primas à produção de biodiesel. E, para assegurar que os motores de ciclo diesel, aceitarão sem restrições o novo combustível, serão conduzidos testes em diversas unidades da Embrapa, envolvendo tratores, camionetes e motores estacionários, acompanhando seu desempenho e consumo, bem como o impacto sobre as peças internas dos motores.

Com o desenvolvimento dos protótipos comerciais e com os testes para verificar a sua durabilidade, bem como com os testes práticos dos biocombustíveis em máquinas e motores agrícolas, em condições rotineiras de uso, será possível oferecer aos pequenos consumidores de biodiesel uma alternativa eficiente e barata, permitindo expandir a parcela de beneficiados com o uso de biocombustíveis derivados de óleo vegetal.

 

Qualidade dos alimentos

Décio Luiz Gazzoni

 

No limiar do novo século, a sociedade exige padrões cada vez mais rígidos de qualidade de alimentos. Embutida na qualidade, a inocuidade constitui um de seus principais atributos. Cada vez menos a sociedade tolera contaminantes químicos, físicos ou biológicos. Atropelada pela globalização que eliminou espaços geográficos e comprimiu o tempo, a Ciência opera em duas grandes vertentes, para garantir alimentos de qualidade superior. De uma parte, os cientistas desenvolvem métodos e processos para garantir a pureza e a identidade dos alimentos, emoldurados pelos sistemas de certificação e rastreabilidade. De outra parte, os métodos e equipamentos analíticos tornam-se cada vez mais sofisticados e precisos, para garantir a credibilidade e assegurar a confiança do consumidor.

 

Atualidade

            Destarte o avanço logarítmico da Ciência, nos últimos anos, podemos nos considerar na pré-história dos sistemas de sanidade e segurança de alimentos, face ao que a mesma Ciência promete para um futuro próximo. Atualmente, se uma planta ou um animal é infectado por uma praga, pode demorar dias, meses ou mesmo anos (como é o caso da BSE) até que os sintomas se tornem evidentes. Por vezes, não há como evitar epidemias altamente destrutivas (como a gripe do frango), devido à alta patogenicidade dos agentes e a demora para o surgimento dos primeiros sintomas. Em outros casos, pragas que poderiam ser controladas com custos marginais, oneram em demasia o sistema de produção pois, quando são detectadas, já estão amplamente distribuídas. Atualmente, o controle exige aplicações generalizadas de agrotóxicos, pois não é factível delimitar com precisão as plantas afetadas.

 

Nova era

            Um conjunto de novos materiais e processos está sendo desenvolvido para atender a demanda social de maior qualidade. Pode-se identificar três grandes linhas de pesquisa na área de segurança de alimentos:

a.    Desenvolvimento de nanosensores para identificar contaminantes, sejam eles patógenos, resíduos químicos ou traços de radioatividade;

b.    Nanoregistradores, que permitirão efetuar todo o registro da produção, processamento, embalagem, transporte e armazenamento dos alimentos, incluindo as condições do ambiente de produção ou trânsito/

c.    Sistemas inteligentes, que transmitem informações e tomam decisões, atuando como controle remoto para interferências destinadas a garantir a segurança dos alimentos.

 

            Como sinais deste futuro, pode-se imaginar microsensores que monitoram, a cada minuto, a febre de um animal, remetendo as informações para sistemas de alerta, identificando com segurança os animais com distúrbios. Ou, então, nanoequipamentos que monitorarão fluídos orgânicos, como sangue ou saliva, analisando componentes críticos, que denunciam distúrbios orgânicos ou a infecção por patógenos. Assim, as medidas de controle sanitário ou a prevenção do efeito de estresses abióticos (seca, deficiências minerais) poderiam ser adotadas antes do surgimento dos sintomas em macro-escala, quando parte dos danos já seria irreversível e o custo mais oneroso.

 

Avanços

            Será possível detectar, pela leitura genômica de cada indivíduo, sua predisposição a determinadas moléstias, em especial aquelas diretamente derivadas de sua carga genética. A reprodução animal, garantindo a perpetuação de características desejáveis e bloqueando a herança de características desfavoráveis, experimentará um salto ponderável. A aplicação de agrotóxicos se tornará mais precisa, pela identificação de traços de substâncias voláteis liberadas por insetos, cuja concentração no ar seja proporcional à população do inseto.

            Os nanobioprocessadores permitirão o aproveitamento do que hoje é considerado lixo ou entulho ambiental (esterco, cascas, restos de processamento ou colheita), tornando mais efetivos e baratos os processos de conversão para obtenção de energia ou fertilizantes. Estudos estão sendo realizados com nanocatalisadores para a obtenção de biocombustíveis e biosolventes, a partir de óleos vegetais, de forma mais rápida, econômica e segura.

 

Estruturas

            Grupos de cientistas estão se dedicando ao desenvolvimento de embalagens e envoltórios específicos para alimentos. Os envoltórios deverão conter microsensores, que acusam condições inadequadas de manuseio, transporte ou armazenagem, em especial temperaturas fora das especificações. Também conterão detectores dos principais patógenos contaminantes de alimentos, que possam causar problemas à saúde dos consumidores. Existem pesquisas em andamento para embalagens que se “auto-constituirão”, a partir de determinadas estruturas moleculares, embalando os alimentos sem contato com fontes de contaminação. As embalagens também conteriam estruturas que impediriam a contaminação dos alimentos por patógenos, até o momento do consumo.

            Parece cada vez mais crível o conceito de Big Brother, visão futurística de George Orwell, em seu livro “1984”. O que o autor não antecipou foi o fato de que o Big Brother primeiro se manifestará na escala molecular, para depois surgir na macro-escala.

Plantas cabra macho, sim senhor!
Décio Luiz Gazzoni

             Sabemos que o Homo sapiens pertence ao Reino Animal e que, pela Teoria da Evolução, nossos avós são símios. Mas, alguém já pensou na semelhança entre homens e plantas? Pois há um ponto de contato naquilo que os italianos chamam de “il bisogno di tenersi un pó su!” Para um oriundi como eu é fácil entender, mas a tradução literal não significa nada. Digamos que é algo como “a necessidade de ficar teso, ereto, firme”. Nesse caso, plantas e homens – no masculino mesmo – têm no citrato de sildenafil e no ácido abcíssico um ancestral químico comum. A idéia ocorreu a pesquisadores da Universidade de West England. Eles descobriram que os processos químicos responsáveis pelo intumescimento e o relaxamento do órgão sexual masculino são os mesmos que promovem a abertura e o fechamento dos estômatos das folhas. De acordo com o Dr. Steve Neill, co-autor da pesquisa, o estudo abre enormes perspectivas para regular o consumo de água nos vegetais. 

A química
            O citrato de sildenafil, conhecido comercialmente como Viagra, é um potente inibidor da enzima fosfodiesterase, cuja função no organismo humano é metabolizar o monofosfato cíclico de guanosina (cGMP), um poderoso vasodilatador. Ao inibir a ação da enzima, o citrato de sildenafil permite uma atuação mais intensa do cGMP. Com esta ação mais intensa, outros processos fisiológicos induzem a vasodilatação em alvos específicos, ativando o mecanismo mediado pelo óxido nítrico. 

            Já o fito-hormônio ABA (ácido abscíssico) media a resposta das plantas tolerantes a estresses hídricos e também está envolvido na expressão da resistência induzida de plantas ao ataque de pragas. Nas sementes, o ABA promove o desenvolvimento e a maturação do embrião, a síntese das reservas das sementes (proteínas e lipídios), a tolerância à seca, a inibição da germinação (dormência) e a apoptose (é um tipo de "suicídio celular"). O ABA também está envolvido com o desenvolvimento e morfologia das raízes das plantas. 

 

A semelhança
            O ponto chave da semelhança entre este detalhe fisiológico de homens e plantas é um gás incolor, o óxido nítrico (NO). Trata-se de um radical livre, com múltiplas funções biológicas. No organismo humano, além da regulação do tônus vascular, atua na transmissão nervosa e participa de processos imunológicos. A síntese do NO se realiza a partir de um aminoácido essencial (L-arginina), catalisado por enzimas óxido nítrico-sintetases. 

            A descoberta da função do óxido nítrico no relaxamento dos vasos sanguíneos rendeu o Premio Nobel de Medicina de 1998 a Robert Furchgott, Louis Ignarro e Ferid Murad. Aproveitando essa pesquisa básica, um laboratório farmacêutico desenvolveu o citrato de sildenafil, que fornece ao organismo humano uma dose extra de NO, o que permite o intumescimento peniano e a manutenção de uma ereção prolongada. 

Tolerância à seca
            Já a descoberta dos cientistas ingleses ocorreu quase por acaso. Eles estudavam o efeito do ácido abscíssico, o qual é ativado nas plantas sob o efeito de stress hídrico. Os pesquisadores sabiam da ligação entre este hormônio e o fechamento dos estômatos, quando havia redução da disponibilidade de água para a planta, porém seu mecanismo bioquímico era desconhecido. A contribuição mais importante da equipe do Dr. Neill foi a descoberta que o ácido abscíssico estimula as células que circundam os estômatos a produzir o óxido nítrico. A maior concentração do gás promove o progressivo fechamento dos estômatos. O processo bioquímico básico é exatamente o mesmo do intumescimento peniano!          

 Vivemos tempos de mudanças climáticas globais, com secas cada vez mais freqüentes e mais intensas. No futuro próximo, a água se tornará um recurso caro e raro. Uma vez elucidado o mecanismo de ação do ABA, os agrônomos podem desenvolver o seu uso para aplicação em plantas, quando for necessário induzir o fechamento dos estômatos, para regular o consumo de água. As pesquisas também podem redundar na descoberta de variabilidade genética de plantas que possuam um mecanismo mais acentuado de regulação estomatal. Uma vez descoberto o controle genético, os genes podem ser transferidos através de transgenia, introduzindo a característica em plantas de interesse comercial, o que é uma forma de geneterapia vegetal. Quem diria, a regulação do intumescimento ainda pode encher de alegria o sertão do Nordeste – embora por motivos agronômicos!

 

 

Mercado de Biocombustíveis: Uma análise

Décio Luiz Gazzoni

 

            Em 2002, o consumo mundial de energia (independente da fonte energética) foi de, aproximadamente, 10,5 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP). A demanda projetada de energia no mundo indica um incremento médio de 1,7% ao ano, entre 2000 e 2030, quando alcançará 18,3 bilhões de TEP/ano, de acordo com o cenário base traçado pelo Instituto Internacional de Economia. Em condições ceteris paribus, sem alteração da matriz energética mundial, os combustíveis fósseis responderiam por 90% do aumento projetado na demanda mundial, até 2030.

 

            Este cenário já prevê alterações na dinâmica da oferta de energia, em especial a escalada de preços de petróleo, as mudanças climáticas globais e a reação da sociedade globalizada aos efeitos deletérios das emissões provenientes de fontes energéticas de carbono fóssil.

 

            Para qualquer análise prospectiva do setor energético, é importante considerar dois fatos: o primeiro é a elevada concentração de fontes de carbono fóssil (80%) na matriz energética mundial, sendo 35% referentes à participação do petróleo na matriz; em segundo lugar, atente-se que as reservas comprovadas de petróleo do mundo eram de 2,3 trilhões de barris, em meados do século XIX, antes do início de sua exploração extensiva. Atualmente, as reservas são estimadas em 1,137 trilhões de barris, 78% dos quais no subsolo dos países do cartel da OPEP.

 

            Posto o consumo atual, estas reservas permitem suprir a demanda mundial por 50 anos. É evidente que tanto as reservas quanto o consumo se incrementarão, ao longo deste período. Admitindo-se que o crescimento projetado de 1,7% ao ano para a demanda global de energia possa ser extrapolado para o petróleo, o consumo atual de 80 milhões de barris/dia seria elevado para 120 milhões de barris/dia, em 2025. Assim, o consumo anual seria de 44 bilhões de barris, o que confirma o esgotamento das reservas até meados do presente século.

 

            Pela lei da oferta e da procura, concretizando-se o cenário de esgotamento das reservas de petróleo, os preços se manterão em trajetória ascendente, buscando um novo ponto de equilíbrio, que será obtido pela conjunção entre redução da demanda energética e substituição do petróleo por outras fontes competitivas e sustentáveis. Entre estas fontes estão aquelas derivadas da agroenergia, como biodiesel, etanol, carvão vegetal, biogás, briquetes, lenha, etc.

 

            No momento, o break even entre o preço do álcool e da gasolina oscila na amplitude do preço do barril de petróleo entre US$30,00 e US$35,00. Para biocombustíveis derivados de óleo vegetal, por ser uma tecnologia ainda imatura, o ponto de equilíbrio é estimado para o preço do barril de petróleo em torno de US$65,00, com forte tendência de declínio no médio prazo. Entende-se, portanto, que as condições econômicas estão postas, em forma estrutural, para a viabilização da agroenergia enquanto componente de alta densidade do agronegócio. As pressões social (emprego, renda, fluxos migratórios) e ambiental (mudanças climáticas, poluição) apenas reforçam e consolidam essa postura, além de antecipar cronogramas.

 

            O mercado para produtos da agroenergia é amplo, encontra-se em expansão e possui um potencial quase ilimitado. No curto prazo, a principal força propulsora do crescimento da demanda por agroenergia será a pressão social pela substituição de combustíveis fósseis. Considere-se que a concentração de CO2 atmosférico teve um aumento de 31% nos últimos 250 anos, atingindo, provavelmente, o nível mais alto observado nos últimos 20 milhões de anos. Os valores tendem a aumentar significativamente se as fontes emissoras de gases de efeito estufa não forem controladas, como a queima de combustíveis fósseis e a produção de cimento, responsáveis pela produção de cerca de 75% destes gases.

 

            A rigor, o Brasil não é dependente do mercado internacional para assegurar a sua competitividade do negócio da agroenergia. Dispondo de um invulgar mercado consumidor interno, o Brasil pode alavancar um negócio poderoso na área de agroenergia, com invulgar competitividade. Sendo assim, o Brasil está destinado a ser o líder mundial não apenas na produção e comercialização de agroenergia, como também de biomateriais derivados de biomassa, que estão sendo viabilizados com os avanços da genética, biotecnologia, processos químicos e engenharia.

 

            Pela análise exposta, percebe-se uma invulgar oportunidade para o Brasil ingressar em um mercado potencialmente fabuloso, permitindo a consecução de diversos objetivos nacionais e globais, em especial aqueles vinculados aos temas social (criação de empregos, geração e distribuição de renda, desenvolvimento), ambientais (redução das emissões de gases de efeito estufa), econômicos (progresso, altas taxas de crescimento do PIB) e negociais (estabelecimento de um poderoso mercado de bioenergia).

 

Sanidade e Nanotecnologia

Décio Luiz Gazzoni

 

Os sensores já fazem parte do nosso dia a dia. São eles que acionam alarmes contra invasões de propriedades ou incêndios. Estão presentes nas estações meteorológicas, nas caixas d´água, nos veículos flex fuel, entre outros. Existem, também, os sensores biológicos, como o olfato, a audição, a visão, o gosto e o tato. Ocorre que estamos acostumados a perceber os sensores apenas na macro-escala, na amplitude daquilo que nossos sentidos percebem. Ou seja, percebemos o odor, mas é necessária muita abstração para imaginar a cadeia de reações químicas deflagradas quando uma molécula qualquer se liga aos receptores de odor, existentes em nosso nariz. Isso é fundamental para que, ao final do processo, o cérebro acuse qual odor está sendo percebido, por comparação com um banco de dados neuronal, fruto de nossa experiência de vida.

 

Inspiração

            Os cientistas que lidam com nanotecnologia inspiram-se no sistema biológico dos sentidos para criar sensores com uma sensibilidade muito mais aguçada e uma redução no tempo de resposta, antecipando a ocorrência de perigos. Por exemplo, imagine um biosensor analítico, que possa detectar uma única partícula de vírus, antes que a multiplicação ocorra e muito antes do surgimento dos sintomas em plantas ou animais. Algumas aplicações dos nanosensores no agronegócio envolvem a detecção de patógenos ou insetos pragas, contaminantes, características do ambiente (claro/escuro, frio/quente/ seco/úmido), deficiências minerais, metais pesados, toxinas, alergogênicos ou material particulado. Para tanto, os nanosensores deverão possuir algumas características (além da dimensão) como especificidade, capacidade de quantificação, precisão, reprodutibilidade, robustez, estabilidade e durabilidade.

 

Pesquisa básica

Como não é possível abordar todas as linhas de pesquisa ao mesmo tempo, a prioridade para os estudos está sendo conferida para o desenvolvimento de sensores para detecção de patõgenos, nutrientes e contaminantes. Os estudos ainda carecem de pesquisa básica, para o perfeito entendimento do funcionamento dos sensores na nanoescala, antes da construção dos primeiros protótipos. Os estudos estão focados, principalmente, nos mecanismos de tomada de amostra e na detecção do patógeno ou identificação da substância. O sistema pretendido é assaz complexo, imiscuindo sistemas micro-eletromecânicos (MEMS, na sigla inglesa), comunicação sem fio, nanochips e biologia molecular, envolvendo conhecimentos de economia, agricultura e biossegurança.

 

Biossensores

Um exemplo da integração entre nanotecnologia e biotecnologia, para a produção de biossensores é a introdução do gene da luciferase clonada em bactérias. Essa enzima media a luminescência dos vagalumes, que ocorre pela oxidação da proteína luciferina, na presença do ATP. Os biossensores com luciferina permitem denunciar a presença de substâncias tóxicas na água ou para bioprospecção de bactérias em alimentos. Como os pesquisadores já identificaram enzimas que fazem com que a luciferina produza diferentes cores (azul, amarelo, verde, vermelho), é possível não apenas denunciar o alimento estragado, como identificar qual patógeno está presente.

 

Desenvolvimento

Ao tempo em que estão sendo elucidadas as linhas básicas de funcionamento dos sensores, os cientistas já se debruçam sobre outros temas necessários ao seu desenvolvimento. Por exemplo, já estão sendo pesquisadas formas alternativas para que os nanosensores capturem e retenham o patõgeno ou a substância química que seja de seu interesse. Os novos métodos de captura e imobilização se baseiam em técnicas químicas, biológicas ou elétricas. Efetuada a captura, há necessidade de reconhecimento. Para tanto, estão sendo desenvolvidos estudos básicos em nanomateriais, biomimetismo, nanotubos de carbono, polímeros moleculares e biosensores com DNA recombinante.

            Efetuada a identificação, será necessário enviar um sinal para a “central de controle”. Novos mecanismos de transdução, envolvendo impedância, eletroquímica, sistemas óticos e piezoelétricos, nanocircuitos de DNA e técnicas de fotolitografia de DNA.

 

O futuro

Ainda nesta década estarão disponíveis as seguintes tecnologias:

a.    Sensoreamento remoto e permanente de produtos agrícolas, durante a sua produção, adaptados a diversos ambientes;

b.    Sensores baseados em ácidos nucléicos e métodos para amplificar os sinais de detecção de patógenos ou contaminantes;

c.    Biosensores para detectar patógenos ou contaminantes tanto na fase de produção (campo), quanto de processamento.

d.    Biosensores para detectar proteínas associadas a materiais transgênicos;

 

E, para a próxima década, o que pode ser esperado?

a.    Biosensores para identificação e controle de patógenos, contaminantes e toxinas, ao longo de toda a cadeia de produção e processamento;

b.    Sistemas de ação imediata para pronta resposta aos sinais de ataque de pragas ou contaminação;

c.    Novas ferramentas da medicina veterinária, incluindo diagnõstico preciso e precoce e novas formas de terapia, baseadas na nanoescala.

            Quando estas tecnologias chegarem na fazenda, certamente o produtor rural coçará a cabeça, tentando imaginar como era possível produzir sem elas.

 

 

Biomassa e biotecnologia

Décio Luiz Gazzoni

 

A biotecnologia será o paradigma científico do século XXI, como a química e a física se constituíram na base do avanço científico e do progresso do século XX. Entretanto, toda a revolução de usos e costumes - a substituição de um modelo dominante por um novo arquétipo - provoca turbulências, contestações e inseguranças. Este é um comportamento típico de seres humanos (e de outros animais também), que preferem transitar em um terreno que conhecem e dominam a enfrentar o desconhecido, o que implica em novos desafios.

 

É importante filosofar em torno da questão, para melhor entendê-la, pois a ciência não é um fim em si mesmo. Existem diversas motivações para a investigação científica. Uma é a curiosidade social (como as pirâmides foram construídas?); outra, a explicação de fenômenos (porque o ano tem estações?); ou o entendimento de como as coisas funcionam (como os insetos se comunicam?). Entretanto, a maioria das vertentes converge para o atendimento de necessidades sociais. Um exemplo é a convergência entre biotecnologia (processo) e biomassa (insumo) para atender o clamor por processos produtivos sustentáveis e de menor impacto ambiental.

 

Progresso e risco

No meu entender, a Humanidade evolui movida por três grandes forças: necessidade, comodidade e ambição – nesta ordem. A necessidade de proteger-se do frio levou o homem pré-histórico a esfolar animais para vestir-se com sua pele. A ambição e a vaidade humana fez a glória dos ternos Giorgio Armani. A necessidade de comunicação criou os hieróglifos. A comodidade induz os cientistas a introduzirem, quotidianamente, novas ferramentas na Internet.

 

Não há progresso sem inovações científicas, nem estas sem o risco de efeitos colaterais não desejados. Alimentos são nutritivos, essenciais à sobrevivência, porém podem conter princípios tóxicos ou provocar o acúmulo de LDL-colesterol no organismo, favorecendo acidentes cardio-vasculares. Por este motivo, a sociedade passou a exigir dos cientistas, com crescente veemência, a caracterização dos riscos das inovações tecnológicas.

 

Análise de risco

Devido à pressão social, os novos avanços científicos e tecnológicos, embora mais revolucionários, complexos e mais excitantes no imaginário popular, tendem a ser mais seguros. Quando a sociedade conscientizou-se ex-post do perigo do lixo atômico ou dos agrotóxicos, forçou a evolução e implementação da análise de risco. Trata-se de uma ferramenta que permite avaliar ex-ante os riscos associados ao uso de qualquer inovação, suportada por embasamento científico inquestionável à luz do conhecimento atual, isento de dúvidas consideradas razoáveis.

 

Assim, é transparente para a sociedade o custo/benefício de novos produtos ou tecnologias e a delimitação precisa dos riscos associados com seu uso. Há um consenso entre os cientistas que, produtos biotecnológicos, têm uma probabilidade muito menor de embutirem perigos não detectáveis. Há um evidente contraste com tecnologias desenvolvidas há 50 anos, quando as técnicas de avaliação eram rudimentares e a pressão pela caracterização dos perigos e transparência na sua comunicação eram incipientes.

 

Qualidade de vida

A força dominante atual, que determina o foco das inovações científicas, é a qualidade de vida. Mirando o passado, verifica-se que química e indústria farmacêutica andaram de mãos dadas, da mesma forma que física e tecnologia da informação são indissociáveis. As aplicações da biotecnologia unirão inovação e qualidade de vida, no futuro próximo.

 

No entanto, a biotecnologia interfaceará com outras ciências, sobretudo a química e a física. Como exemplo desta convergência pode-se citar a bioenergia, novas variedades de plantas ou raças de animais, biomateriais e biofármacos como realidades. Já os bio-sensores e os bio-computadores estão na bancada dos cientistas e vão revolucionar nosso “way of life” da próxima década.

 

Interregno menor

Uma das características das inovações do século XXI será o encurtamento do tempo entre a descoberta científica básica e a incorporação de uma nova utilidade pela sociedade. No século XIX, uma inovação tecnológica, que envolvesse quebra de paradigmas, demorava 50-60 anos para ser aceita pela sociedade. Em meados do século XX, esse interstício reduziu-se para 30 anos. No século XXI o interregno reduzir-se-á, progressivamente, dos 10 anos vigentes na década passada, para o limite em que as linhas de montagem estarão conectadas aos laboratórios, disponibilizando inovações no mesmo ano de sua descoberta.

 

A biotecnologia presta-se bem para exemplificar o câmbio do modelo científico dominante, bem como do encurtamento do prazo entre as etapas de PD&I e empreendimento. Em 2005, menos de 2% dos veículos do mundo são movidos a biocombustíveis e menos de 10% das matérias primas da indústria química provêem da biomassa. Uma estimativa conservadora do Conselho Nacional de Pesquisas dos EUA antecipa que, em 2020, 10% dos combustíveis líquidos e 25% dos produtos de química orgânica serão provenientes de biomassa.

 

Biomassa e biotecnologia

Esta mudança na base industrial é possível através do bio-processamento, que produz enzimas, aminoácidos, antibióticos, vitaminas, álcoois, etc. O que confere maior eficiência aos processos fermentativos (uma aplicação biotecnológica) é a melhoria dos microrganismos intervenientes, via de regra por processos de transgênese. Atualmente, o valor da produção mundial de fermentados é de US$5 bilhões, crescendo 8% ao ano. Este índice deve saltar para 15% ao ano ao longo da década, superando 25% na segunda década deste século.

 

Os produtos industriais que utilizam óleos transformaram-se em um mercado vigoroso, baseados em catalisadores e engenharia química. Através de processos biotecnológicos, os limites deste mercado serão largamente expandidos. É possível alterar a composição da fração lípidica das plantas, produzindo óleos de maior interesse, saturando ou dessaturando ligações, modificando a proporção de isômeros, entre outros. É possível interferir nos processos metabólicos das plantas, ativando ou desativando genes, introduzindo novos genes que codificam para enzimas ou outras substâncias que tornem o processo mais eficiente, do ponto de vista energético. As mesmas oportunidades estão abertas no processamento industrial.

 

Múltiplas finalidades

É possível visualizar uma dualidade nos processos industriais, que podem atuar em sinergia, transformando biomassa em utilidades sociais com valor econômico. Por exemplo, as atuais plantas para extração de óleos vegetais possuem a infra-estrutura necessária para a obtenção de carboidratos que, por bio-processamento, podem ser transformados em açúcares. Na mesma linha, podem ser obtidos ácidos graxos específicos, biofármacos ou polímeros. Esta visão de futuro se torna realidade com a melhoria dos métodos de bioprocessamento, com a obtenção de plantas transgênicas para expressar determinadas substâncias químicas - nos teores e nos tecidos desejados - e com biocatalisadores que permitem redesenhar os fluxos dos processos industriais. As vantagens visualizadas no bio-processamento são a pureza, a simplicidade, a segurança e o menor custo. 

O futuro chegando
Os exemplos migram dos laboratórios para as linhas industriais. Já existem materiais plásticos, obtidos por bio-processamento de óleos, com novos atributos, incluindo a biodegradabilidade, e com menores custos de produção. Plantas industriais de ácido poliláctico (PLA) já estão operando, produzindo polímeros a partir de biomassa, competindo com produtos tradicionais (derivados de petróleo), como o Nylon, o PET, o poliéster e o polietileno. Sua obtenção envolve a fermentação da dextrose para ácido lático, seguida por desidratação e polimerização, assistida por bio-catalisadores, conservando integralmente a massa de carbono do início ao fim do processo.

 

Os paradigmas inovadores (uso da biomassa, biotecnologia) também permeiam a conservação de energia. Nas modernas fábricas de PLA, cerca de 30% da energia industrial é obtido da radiação solar, o que reduz o custo e atende requisitos ambientais.

 

Embora em um estágio embrionário, quando comparado com as sólidas bases tecnológicas da indústria petroquímica, o bio-processamento baseado no dueto biomassa e biotecnologia, representa o futuro. Percebe-se que o futuro está chegando pela combinação entre os avanços obtidos pela Ciência e as demandas crescentes da sociedade por produtos mais seguros, com menores impactos ambientais e lastreados em sistemas sustentáveis.

 

 

 

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