Cadê a área?

Décio Luiz Gazzoni

Em 8/11/07 publiquei a coluna "Cadê a produção?" (http://dlgazzoni.sites.uol.com.br/pagina25.htm#cad), intrigado com a afirmativa do Ministro Cassel (MDA) de que, nos dez anos anteriores, o INCRA havia assentado 1,5 milhão de famílias, em uma área de 63 milhões de ha. Como isto representaria mais 193 milhões de toneladas na produção de grãos do Brasil, continuo procurando até hoje esta produção, sem obter resposta. Esperava que ela aparecesse no Censo Agropecuário realizado pelo IBGE em 2006. Fui relembrado do fato por outro artigo do Ministro Cassel (Um novo modelo de desenvolvimento rural - http://www.mda.gov.br/portal/index/show/index/cod/137/codInterno/22549), onde o Ministro afirma que a agricultura familiar responde por 38% do valor da produção agrícola brasileira, usando dados do Censo. A afirmativa do Ministro não responde a minha crônica dúvida (cadê os 147% da produção, que corresponderiam ao acréscimo de mais 63 milhões de hectares à área agrícola), porém gera uma confusão no meio de campo. Afinal, falar em agricultura familiar de forma genérica, coloca em um mesmo saco cães, gatos e ratos. Não se pode imiscuir extremos como assentados da reforma agrária, sem perspectiva social e econômica, e os fulgurantes produtores de hortaliças, frangos, suínos, frutas, etc. (símbolo do capitalismo no campo brasileiro). É uma aposta de que apenas leigos, que desconhecem agricultura, lerão o artigo. Seria como um fabricante de tubaína de São João do Cafundó afirmar que o consumo de refrigerantes na cidade é de 1 milhão de litros. Convenientemente, esconde que a Coca Cola responde por 99% do consumo e a tubaína por 1%.  

Área de assentamentos

No dia 29/10, o oficial do IBGE responsável pelo Censo apresentou seus números, em um seminário, em Brasília. Ao final do mesmo, perguntei-lhe onde poderia localizar os 63 milhões de hectares de assentamentos incorporados entre 1997 e 2007 e a respectiva produção. Não obtive resposta satisfatória. Entretanto, minha dúvida aumentou ainda mais porque, de acordo com o Censo, entre 1996 e 2007 a área total de terras agrícolas utilizadas no Brasil diminuiu em mais de 5%. São números oficiais do IBGE! Portanto, à velha dúvida incorporo outra: cadê a área cultivada dos assentamentos e cadê a sua produção? Não vale apelar para produtores familiares muito bem sucedidos e inseridos na agricultura comercial há décadas. Espero ter a resposta conclusiva antes de ser levado à parte me cabe neste latifúndio, como no poema de João Cabral de Melo Neto.

Látex x rugas

Décio Luiz Gazzoni

Primeiro foi a Natura que, aproveitando substâncias anti-inflamatórias de uma espécie de maracujá (Passiflora alata), criou um composto que detém os sinais do envelhecimento Agora é a vez do látex da seringueira, do qual é possível obter um gel antirrugas. Pesquisadores da USP, da Pele Nova Biotecnologia e d’O Boticário, identificaram e isolaram uma proteína da seiva de Hevea brasiliensis que mitiga os sinais da passagem do tempo sobre a pele. A proteína demonstrou a habilidade de atravessar as camadas mais externas da pele, estimulando a formação de vasos sanguíneos e desfazendo rugas. Para potencializar a ação, a formulação final contém cerca de 30 outros componentes que contribuem para a eficácia, a proteção contra o sol e a espalhabilidade, além de propiciarem um cheiro agradável do gel feito a partir da seiva da seringueira.O teste preliminar envolveu 60 mulheres com cerca de 50 anos, e reduziu 80% das rugas da testa e dos olhos, após um mês de uso diário. Uma avaliação mais ampla, com 300 mulheres de Curitiba, obteve resultados similares. Assim, um novo gel antienvelhecimento, capaz de restabelecer a produção de colágeno e a elasticidade da pele, pode ingressar no mercado ainda este ano.  

Múltiplos usos

O novo creme representa uma das aplicações mais recentes do látex, estudado na USP desde 1994. Da pesquisa já surgiram próteses de esôfago com borracha natural, implantadas em cães. As próteses estimulavam o crescimento de vasos sanguíneos e de tecidos e, após um mês, os animais do ensaio expeliam as próteses e o esôfago havia se reconstituído. Seu primeiro uso em seres humanos foi na cicatrização de feridas, principalmente em pés, de portadores de diabetes. Caracterizada como uma longa cadeia de isoprenos, que sustenta proteínas que se soltam aos poucos, a membrana já foi utilizada para substituir tímpanos destruídos por infecções. Serviu também como matéria--prima para regenerar esôfago, bexiga, nervos, tecidos de dente e artérias com pelo menos 0,5 centímetro de diâmetro em animais de laboratório. Mas a história não terminou: testes feitos com 30 homens durante seis meses, mostraram que a mesma proteína pode favorecer o ressurgimento e o espessamento do cabelo. Igualmente, está sendo avaliada a possibilidade de uma das proteínas do soro do látex servir para estimular o crescimento de células-tronco que beneficiem a reconstituição de tecidos ou de órgãos. Ao que tudo indica, a demanda industrial por látex de seringueira deve aumentar muito, já no médio prazo.

 

Movimento social?

Décio Luiz Gazzoni

 

Ato 1. Com mais de 170 assinaturas de parlamentares, tramitava no Congresso Nacional o pedido de uma CPI para investigar o MST, seus desmandos e as suas fontes de financiamento.

Ato 2. Na undécima hora, alguns parlamentares retiram sua assinatura do requerimento, inviabilizando a constituição da CPI.

Ato 3. Em decorrência, ciente de sua impunidade e do apoio político de que dispõe, uma falange do MST invade uma propriedade agrícola modelo, altamente produtiva, paradigma de eficiência, que gera milhares de empregos para brasileiros dispostos a sustentar sua família com o suor do seu rosto, com dignidade e honestidade, destruindo plantações, máquinas e infra-estrutura.

 

 

 

Não foi coincidência a seqüência dos três atos desta ópera bufa ou folhetim novelesco, de quarta categoria, que se repete ad nauseam nos últimos anos, sem qualquer inovação – e sem qualquer punição. E o que é pior, sem qualquer indício de que os últimos capítulos estejam chegando. Não apenas pelo apoio político e financeiro de que o MST dispõe, mas, também, porque todos nós – a sociedade brasileira – aceitamos passivamente que a Lei seja burlada impunemente, que nem todos sejam iguais perante a Lei (alguns podem cometer crimes porque não possuem CNPJ ou porque se intitulam movimento social).   Perpetua-se porque aceitamos, bovinamente, que o dinheiro de nossos impostos financie estas atividades. E, finalmente, porque aceitamos sem discussão que transgressores da Lei sejam alcunhados de "movimento social", banalizando os verdadeiros grupos sociais que se organizam para pugnar por objetivos transparentes, de real interesse da sociedade e das comunidades. Se é movimento social então tudo pode – até o que a Lei diz que não pode?

                                   

                                  Flagrante

Desta vez os meliantes foram apanhados tipo "baton na cueca", filmados por órgãos de imprensa, enquanto se empenhavam em cumprir os objetivos do "movimento social", ou seja, destruir o que outros constroem. O flagrante gerou reações enérgicas da mídia e de lideranças, condenando o fato.

Repercuto, por oportuno, e por refletir exatamente o que penso, o editorial da Folha de São Paulo de 8/10/09: "Milhares de pés de laranja destruídos; dezenas de tratores inutilizados, com os motores fundidos; banheiros com louças quebradas; comida estragada espalhada por cômodos das casas; pichações com iniciais do grupo -MST- sobre instalações e paredes da propriedade. Eis o saldo preliminar de mais uma ação criminosa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, desta vez numa fazenda da Cutrale, a maior exportadora de suco de laranja do mundo, no interior paulista. O Estado continua a sustentar grupos que promovem destruições desse tipo. Verbas oficiais, como as que dão margem à cobrança de "dízimos" -desviados de repasses do erário a assentados-, e o abrigo de militantes em postos que decidem a destinação desses recursos alimentam o circuito do ativismo predatório."

 

Diz mais o editorial: "Sabe-se há tempos que o moto-contínuo das invasões atende cada vez menos a uma demanda social e mais à conveniência de uma cúpula de dirigentes, profissionalizada e autoritária, e da pequena massa de manobra sob seu comando."

E finaliza: "Além dos métodos ilegais do grupo, o anacronismo de seus objetivos fica mais flagrante quando confrontado com os sinais de pujança do agronegócio, que se modernizou muito nos últimos anos e impulsiona o crescimento da produção e do emprego no país. Numa democracia, avanços sociais e institucionais devem caminhar juntos. Sob o pretexto de que não se deve criminalizar o movimento social, ouvido amiúde em setores do governo Lula, as autoridades foram até aqui tolerante demais com delitos recorrentes contra o patrimônio público e privado. Passa da hora de corrigir essa conduta."

 

                                                                                                                                            Reações

Autoridades e lideranças se manifestaram. No Governo Federal, o Ministro Stephanes foi enfático em condenar o ato e, mais que o ato isolado, a seqüência de atos impunes, sempre com o mesmo roteiro funesto. O Ministro Cassel (MDA) e o Presidente do INCRA fizeram coro na condenação, afirmando que atitudes como esta em nada contribuem para a reforma agrária no país. Seria importante que estas declarações servissem para uma nova postura, enérgica, de determinação do cumprimento da Lei por todos os agentes governamentais.   O Governador José Serra bem lembrou que, se pessoas podem se organizar para invadir e depredar uma fazenda produtiva, que gera tributos, progresso, renda e empregos, então também é possível organizar "movimentos sociais" para agir da mesma forma com bancos, supermercados, floriculturas, agências lotéricas, padarias e sabe lá Deus o que mais. No limite, o raciocínio do Governador paulista aponta que toda a propriedade pública ou privada pode ser esbulhada por "movimentos sociais", inclusive a sua sagrada residência, meu caro leitor! Basta ser movimento social, não ter CNPJ e ser inimputável criminalmente, contando com apoio político e leniência das autoridades que deveriam fazer cumprir a lei.

 

Eufemismo

 

Seguindo o mesmo raciocínio, responda o leitor: O PCC (Primeiro Comando da Capital) é um movimento social? Não apenas o leitor, mas até os integrantes do PCC responderiam negativamente.

Agora pergunto ao mesmo leitor: E se, num ato de esperteza lúgubre, o PCC se declarasse um movimento social (por exemplo, o MEPA – Movimento de Esbulho do Patrimônio Alheio)? Você concordaria que os atos criminosos do PCC fossem inimputáveis? Apenas porque o PCC não tem CNPJ, seus membros poderiam usufruir de imunidade criminal? E você concordaria que o Estado financiasse (com os 40% da sua renda que o Governo arrecada como impostos) estas atividades? A comparação pode parecer radical, mas me irrita profundamente a acomodação da sociedade brasileira que aceita com passividade todo o tipo de violação do nosso estamento legal - seja corrupção, desvios, desmandos, crimes, invasões, roubos ou similares.

Se os governos nada fazem, o contribuinte-eleitor deveria fazer!

 

A cana e o apagão

Décio Luiz Gazzoni 

O maior apagão da História do Brasil mostrou que precisamos a) diversificar a matriz de geração de eletricidade, b) aproximá-la dos pontos de maior consumo, e c) dispor de excedentes para pronta retomada da energia, em caso de falhas. A tendência moderna de “descarbonizar” a economia inclui, também, a geração de energia elétrica. Isto significa inverter a linha atual do Governo, de fomentar a instalação de termoelétricas movidas a energia fóssil, com alto grau de emporcalhamento da atmosfera, através de suas emissões. A biomassa é a grande oportunidade de o Brasil gerar energia elétrica, a custo compatível e com baixas emissões. A biomassa tanto pode provir de florestas plantadas ou de resíduos do agronegócio. No curto prazo, a melhor alternativa de que dispomos é o bagaço de cana. O potencial de bioeletricidade não aproveitado nos canaviais brasileiros é impressionante. Um estudo da ÚNICA mostra que seria possível exportar para a rede elétrica, de imediato, cerca 10.000 MW. Comparativamente, Itaipu, a maior hidroelétrica do mundo, produz cerca de 11.000 W médios. Somente no estado de São Paulo, a cana permitiria exportar 4.800 MW médios para a rede, o que significa 120% da capacidade de geração atual da CESP. À cana, pois!

 

Bioeletricidade

Existem no Brasil 434 usinas que processam cana. Todas, sem exceção, são autosuficientes em energia, obtida pela queima de bagaço de cana. Destas, 88 usinas vendem o excedente de energia elétrica, chamada de exportação de energia, sendo 54 em São Paulo e 34 em outros 11 estados. Mais não exportam por falta de incentivo governamental. Em geral, as usinas localizam-se próximas a centros grandes consumidores de energia. No caso de São Paulo, estão próximas à região metropolitana e de grandes pólos como o eixo Campinas – Ribeirão Preto. Existe outra vantagem, pois a bioeletricidade produzida de bagaço de cana é complementar à fonte hídrica, eis que a produção ocorre quando se reduz o fluxo de água para os reservatórios, ou seja, no período seco que vai de abril a novembro, na região Centro-Sul. Por razões econômicas, estratégicas e ambientais, a bioeletricidade da cana deve receber prioridade máxima do Governo. Congruente com este pensamento, estamos propondo, em nosso planejamento estratégico para a agricultura do século XXI que, a partir de 2020, seja proibido, por lei, a instalação de novas usinas termoelétricas movidas a energia fóssil. E que as existentes deverão ser convertidas, até 2025, para operação com biomassa.

 

O imperativo da produtividade

Décio Luiz Gazzoni 

Produtividade agrícola tem que estar sempre acompanhada de sustentabilidade. Isto significa que o agricultor produz o máximo possível, respeitando o ambiente, a condição social de seus colaboradores e obtém o máximo de rentabilidade financeira. Produtividade sempre foi uma palavra chave na agropecuária. No futuro, a exigência de produtividade será cada vez maior, pelas seguintes razões: a) O mercado internacional será fortemente comprador, nos próximos anos. Logo, aumentamos a produtividade ou derrubamos a floresta; b) As margens dos mercados agrícolas tenderão a ser cada vez menores, pela concorrência encarniçada no mercado globalizado, onde cada elo da cadeia tenta se apropriar da maior fatia das margens; c) O resultado final da rodada de negociações sobre o clima vai exigir que todas as cadeias produtivas diminuam suas emissões de carbono – a agropecuária entre elas. Uma das maneiras de reduzir as emissões, aumentando a rentabilidade, é produzir mais por unidade de área e por unidade de insumo utilizado. Ganha o clima e ganha o produtor.

 

Produtividade com baixo custo

É um sofisma que todo o aumento de produtividade implica em aumento de custo. Por vezes, é possível aumentar a produtividade simplesmente fazendo bem feito, com capricho, o que já vem sendo feito, e com custos mais baixos. Por exemplo, efetuar a análise de solo com amostragem adequada; comprar semente fiscalizada, da cultivar que melhor se adapta à sua lavoura; escolher a melhor época de plantio; regular adequadamente a semeadeira, verificar o número de sementes e a profundidade de semeadura; usar espaçamento e densidade adequados; inocular as sementes; efetuar corretamente o controle de plantas daninhas; controlar pragas no momento certo e apenas quando necessário; regular a colhedora, evitando perdas na colheita. A regra de ouro é sempre a mesma: feitas as contas, o aumento do custo por safra, computando-se o custo variável e as amortizações, sempre deve ser inferior à projeção do aumento da produção. Ou, dito de outra forma, o custo de produção de cada quilo de soja, na produtividade mais alta, tem que ser inferior ao custo do mesmo quilo, na produtividade anterior. Se você é sojicultor e está interessado em produzir mais e melhor, entre no site do Desafio de Produtividade de Soja (www.desafiosoja.com.br). Os melhores sojicultores do Brasil serão reconhecidos, premiados e servirão como exemplos aos demais, para que possamos aumentar a produtividade e a rentabilidade da soja brasileira.

 

Kip Cullers

Décio Luiz Gazzoni 

O leitor acha possível produzir 5.000kg/ha de soja? Melhor achar, pois diversos agricultores no Brasil atingiram esta produtividade. E 7.868kg/ha? Ou 9.348kg/ha? Ou ainda 10.356kg/ha? Seria possível? Se o leitor ficar incrédulo, eu entendo, afinal foi a minha reação ao deparar-me com estes números. Precisei pesquisar muito, conversar com muitas pessoas, visitar a American Soybean Association e agricultores nos EUA, para me convencer que os números eram verdadeiros. O que eles significam? Representam a produtividade de soja do agricultor Kip Cullers (Purdy, Missouri), vencedor dos concursos de produtividade de soja nos EUA, em 2006, 2007 e 2008 (ainda não foi divulgada a produtividade do concurso desta safra).  

Parcelas de observação

Essas produtividades foram obtidas em pequenas parcelas, onde, pelas regras do concurso, o agricultor pode “montar” o seu sistema de produção. O que aumentar a produtividade com alto grau de sustentabilidade, é testado em escala maior. E assim, sucessivamente, até abarcar toda a lavoura. Se o leitor coçou a cabeça e disse: “Eu quero ver esta produtividade em 100 ou 200 ha!” ele tem razão. O máximo de produtividade pode não significar, necessariamente, o máximo de rentabilidade. Kip Cullers é inteligente – como a maioria dos agricultores – e avança conforme verifica que o aumento de produtividade significa maior lucratividade e menor impacto ambiental. Assim, nos 200ha da sua lavoura, ele obteve, em média, 7.128kg/ha em 2008 – nas pequenas parcelas produziu 7.868kg/ha. Segundo ele, o clima correu mal – muito frio e muita umidade - e reduziu a produtividade da soja!

 

Pulo do gato?

Nas entrevistas, Kip sempre lembra que não existe pulo do gato. O salto de produtividade pode se dever ao uso de esterco ou à oferta adequada de água para a soja. Mas ele ressalta que importante mesmo é o olho do dono. Ou seja, muito capricho, aplicar o sistema de produção mais adequado, observar cada pormenor, acompanhar a lavoura diariamente e fazer as contas bem feitas. Ele tem demonstrado que aumentar a produtividade significa colocar mais dinheiro no bolso, pois os seus recordes de produtividade têm sido acompanhados de receitas também crescentes. Finalmente, Kip Cullers não é apenas um recordista de produtividade de soja: ele produziu 23.268kg/ha de milho no ano passado. Agora, se você acha que tem vocação para Kip Cullers, inscreva-se no Desafio de Produtividade da Soja (www.desafiosoja.com.br) e tenha a oportunidade de participar desta história de sucesso.

O médio prazo da tecnologia de combustíveis automotivos

Décio Luiz Gazzoni

 

1. Introdução 

Desde 2006 pertenço ao Painel Científico Internacional de Energia Renovável, vinculado ao International Council of Science – a Academia Internacional de Ciências. Trata-se de uma oportunidade ímpar para inteirar-se do que ocorre no mundo da energia renovável em escala global. Para desempenhar com sucesso nossa missão, compulsamos informações e estatísticas sobre políticas públicas de cada país ou bloco, investimentos comerciais, estudos e análises de tendências, negociações internacionais, programas e projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, entre outras fontes de informação. Entre nossos estudos destacam-se aqueles que fotografam o estado da arte da ciência e da tecnologia em energia renovável, o que está no pipeline dos laboratórios e o que começa a despontar para o futuro. Necessariamente trabalhamos com projeções de médio e longo prazo, que se constituem em nossos cenários.

  A constatação principal – nada original – é que o médio e o longo prazo se caracterização por um intenso dinamismo tecnológico. Pode-se afirmar que, como nunca antes na História da Humanidade, tecnologias chegarão como protagonistas e desaparecerão em pouco tempo, substituídas por outras mais eficientes sob os aspectos energético, econômico, ambiental e social. Isto posto, é importante analisar este fenômeno sob a ótica dos investimentos industriais e de sua amortização. Para o empresário é fundamental dispor de estudos e análises de cenários, que coloquem um farol no futuro, iluminando a trilha comercial que deverá percorrer, as oportunidades e ameaças que encontrará pelo caminho.   Em trabalho recente, desenvolvi um estudo prospectivo, traçando um cenário tão realístico quanto é possível quando se trata de projetar o que deve ocorrer ao longo de um século. As Figuras 1, 2 e 3 sintetizam este cenário, em forma meramente qualitativa, sem a preocupação da precisão tanto na escala do tempo (abscissa) quanto do market share (ordenada). Na Figura 1 observa-se a queda acentuada da participação das energias fósseis na matriz energética mundial, substituídas, gradativamente, por fontes renováveis. Para o nosso setor de biocombustíveis interessa, especialmente, observar a janela de oportunidades que se abre no período entre o início e meados deste século, posto que a segunda metade do século será dominada por captura direta de energia solar (fotovoltaica, térmica), eólica e pelo hidrogênio, como intermediário energético. A Figura 2 detalha os biocombustíveis dominantes em cada período e a Figura 3 busca alocar quais seriam as matérias primas mais importantes em cada período analisado.

          

Figura 1. Linha do tempo da evolução da demanda energética e da inclusão de energia renovável na matriz energética global.

 

 

Figura 2. Linha do tempo da evolução dos biocombustíveis, no contexto da matriz energética mundial.

   

 

Figura 3. Linha do tempo da evolução das fontes de biomassa para produção de energia renovável

 

2. O pano de fundo

Um estudo prospectivo realizado em 2009 identificou 12 tecnologias com alto potencial de tirar da zona de conforto a visão presente dos combustíveis para transportes, ao longo da próxima década. O estudo associa a dinâmica da Ciência, o aumento da demanda de energia e a elevação de seu custo, e a pressão social em torno das mudanças climáticas globais. O principal driver dos avanços se encontra nos marcos regulatórios e demais políticas públicas governamentais, em especial dos países ricos. Estes, além de grandes consumidores, se constituem em benchmarking para os demais países do mundo. Uma estratégia bem sucedida em um país desenvolvido sempre desperta o interesse para emulação em outros países.

 

O estudo analisa os avanços em motores de combustão, os novos biocombustíveis, a eletrificação dos transportes e outras tecnologias, traçando um quadro muito otimista dos novos desenvolvimentos, concatenados com o dueto inovação-empreendedorismo. Dentre as inovações, foram selecionadas 12 tecnologias, que incluem avanços em tecnologias existentes e novos produtos que incluem a eletrificação e o uso de biotecnologia para produção de biocombustíveis, os quais terão impactos imediatos sobre os mercados de diesel e gasolina e sobre as emissões de gases de efeito estufa. O estudo identifica diversas empresas inovadoras, que incluíram essas tecnologias em seus planos de negócios para os próximos cinco anos (até 2014), em diferentes mercados.


 
 

     Para tanto, foram consideradas tecnologias disruptivas aquelas que:

  1. Reduzam a demanda de combustíveis fósseis em mais de 20%, entre 2010-2030;
  2. Reduzam as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em mais de 30% em relação aos combustíveis fósseis diretamente substituídos;
  3. Entrarão em escala comercial até 2014
  4. Sejam competitivas com a cotação internacional do petróleo entre US$45 e US$ 90, dependendo da data de efetivo ingresso no circuito comercial.
 

3. As tecnologias 

As tecnologias de mais alto potencial foram divididas em três grupos:

 3.1 - Evolutivas. Trata-se de tecnologias que utilizam recursos atuais, ou seja, aquelas presentemente disponíveis em escala comercial. Entretanto, estas tecnologias ganham uma sobrevida com avanços pontuais, que representem um impacto significativo na redução das emissões, na segurança energética e na otimização do uso das fontes de energia atualmente em uso. Este grupo compreende:

a. A próxima geração de motores de combustão interna. Sob o estigma das metas que, fatalmente, advirão do acordo da rodada Copenhagen, nos próximos 5 anos os veículos serão mais econômicos e atenderão a especificações de emissões cada vez mais restritivas. Embora existam condicionantes importantes em termos de infra-estrutura, e de incentivos governamentais e privados, para impulsionar a eletrificação generalizada de veículos, as melhoras no motor de combustão interna podem ser rapidamente implantadas. Dois grandes drivers impulsionarão esta mudança: primeiro a pressão social por uma economia de baixo nível de carbono; segundo, e em decorrência do primeiro, as políticas públicas que apontarão nesta direção, como já está ocorrendo nos Estados Unidos.   b. Próxima geração de biocombustíveis. Enquanto a agricultura de alimentos e fibras tem um histórico de milênios, a agroenergia ainda engatinha. Há um potencial significativo de avanço na produção de biomassa, com o acesso a novas espécies e com o recurso da biotecnologia, permitindo introduzir ou otimizar as características desejadas, aumentar o rendimento e reduzir os custos de cultivo e processamento. Os avanços mais espetaculares serão observados na área de processamento, em especial na quebra da celulose e hemicelulose para moléculas menores, com a redução dos custos das tecnologias atualmente existentes, o que permitirá seu ingresso no circuito comercial. O ingresso na fase comercial, por sua vez, representará uma segunda onda de redução de custos, por ganho de escala.

 

c. Bicombustíveis de dejetos e resíduos. A tecnologia de obtenção de biocombustíveis a partir de resíduos e dejetos, embora emergente e restrita a laboratórios, ingressará rapidamente na fase de projetos pilotos, devendo entrar no circuito comercial antes da metade da próxima década. Os incentivos governamentais, em termos de apoio ao desenvolvimento tecnológico final, à instalação de plantas pilotos e demonstrativas e os incentivos financeiros para sua introdução no circuito comercial, serão basilares para o alavancamento da tecnologia. Uma vez implementada em larga escala, a tecnologia se mostra altamente sustentável, e poderia resolver dois problemas de uma vez: gerar biocombustíveis com matéria prima de baixo custo e de baixo-carbono, e uma resposta para o problema cada vez mais crítico para a redução da deposição de lixo urbano em aterros sanitários.   d. Purificadores de combustível para transporte marítimo. Em 2009, existem 46.340 navios de transporte de passageiros e carga, operando nos oceanos. Em média, cada navio opera com um motor principal de 5,6MW e três auxiliares de 750kW cada. O motor principal opera, em média, 300 dias por ano, enquanto os auxiliares trabalham 360 dias por ano. A estimativa é que o consumo destes navios se aproxime de 30 milhões de barris de derivados de petróleo, por ano. A partir de julho de 2010, os navios que transitarem no norte da Europa deverão produzir emissões equivalentes ao consumo de diesel de baixos teores de enxofre. Seguramente, nos próximos anos, esta restrição será estendida a outras regiões e, no limite, deverá ser uma exigência global. Nesta condição, surge com grande potencial a tecnologia de purificação de diesel, para eliminação de poluentes, em especial o enxofre.

 

3.2 - Revolucionárias. São tecnologias inovadoras que, porém, mimicam os combustíveis atuais, permitindo o uso da infra-estrutura de distribuição existente. Desta forma, eliminam-se as restrições de infra-estrutura diferenciada de distribuição, o que confere um potencial de alta velocidade e escala de penetração dos novos biocombustíveis. Este grupo inclui:

a. Diesel vegetal. O desafio neste caso não é mais tecnológico, porém econômico, vez que as tecnologias já ingressaram na fase de plantas pilotos e se encaminham para a fase pré-industrial. O uso de biologia sintética para converter açúcares (tanto a sacarose, como hexoses ou pentoses provenientes da degradação celulósica) em diesel vegetal tem avançado significativamente nos últimos anos. Duas empresas, a Amyris e a LS9, planejam implantar plantas em escala comercial a partir de 2011, com produção efetiva a partir de 2013. O produto obtido atende as especificações industriais para uso nos atuais motores de ciclo diesel, sem necessidade de conversão ou adaptação. Se os custos da tecnologia de biologia sintética aplicadas à cana se aproximarem dos custos da produção de etanol – medidos em termos de custo da energia disponível por unidade de massa - haverá um potencial significativo no mercado de sucedâneos do diesel. Isto se deve ao alto conteúdo energético da cana-de-açúcar e ao menor custo da unidade de energia produzida por unidade de área. O ponto de corte será a cotação do petróleo: mantendo-se a cotação acima dos US$80/barril (como é a previsão dos especialistas), esta tecnologia ganhará espaço rapidamente, passando a depender, exclusivamente, da disponibilidade de matéria prima.   b. Butanol. O butanol possui teor de energia semelhante ao da gasolina, maior octanagem e menor afinidade com a água, o que significa que pode ser transportado através dos dutos já existentes, utilizando a infra-estrutura atual, e ser misturado à gasolina em proporções muito maiores do que o etanol. Cientistas estão otimizando a tecnologia de produção de butanol (conhecida como ABE, pela rota etanol-acetona-butanol de fermentação de biomassa por Clostridium acetobutylicum), pela consolidação das etapas do processo de modificação genética e da eficiência das bactérias. A engenharia genética e os avanços na biologia sintética também levaram a avanços importantes em empresas como Gevo e Butamax, que já comprovaram a tecnologia em escala piloto e planejam instalar duas plantas comerciais, nos próximos anos.

 

c. Bio-óleo. A produção de bio-óleo, obtido a partir da biomassa, pode tirar proveito da infra-estrutura de refino e de distribuição existente, com pequenos investimentos adicionais, podendo levar a um avanço na adoção de combustíveis renováveis em todo o mundo. No III Congresso da RBTB, realizado em Brasília, uma palestra proferida por um executivo da empresa americana Kior Inc. apresentou a tecnologia comercial desta empresa para produzir bio-óleo, com processos inovadores, baseados em pirólise catalítica.   d. Biocombustíveis de algas. Ao contrário da maioria das fontes de biomassa, que já dispõem de tecnologia consolidada, transferida da agricultura de alimentos e fibras, o cultivo de microalgas se encontra em fase embrionária. Tecnologicamente, a indústria de algas é muito fragmentada, incluindo grandes players da indústria do petróleo (como Shell, ExxonMobil, BP, Chevron e Valero). As ações atuais focam em diversas tecnologias que objetivam eliminar etapas no processo produtivo, para reduzir a sua complexidade e o seu custo. Assim mesmo, existem diversos empreendimentos comerciais pioneiros, que devem crescer, consideravelmente, nos próximos 5 anos. Entretanto, a melhor aposta para que a produção de biocombustíveis de algas impacte, significativamente, o mercado se encontra em torno de 2020.

 

  e. Biocombustíveis para aviação. A indústria aeronáutica enfrentará pressões consideráveis para aumentar a eficiência, por conta do custo do combustível e da natureza competitiva do mercado, e para reduzir as emissões de GEE. As perspectivas para os biocombustíveis aéreos são positivas, pois é uma das poucas opções de reduzir as emissões dos aviões. O grande desafio se encontra nas restrições de fornecimento de matérias-primas, que compete com a demanda por biocombustíveis nos transportes rodoviários. O aumento da demanda induzirá o desenvolvimento de matérias-primas de alta produtividade, tais como algas, bem como acentuará a busca por outras alternativas para movimentar carros e caminhões.  

 

3.3 Quebras de paradigma. Sair dos combustíveis líquidos (e seus atuais motores) para movimentar veículos através de eletricidade, é a grande mudança esperada para os próximos anos. São diversas etapas a cumprir. Por um lado, espera-se um acentuado aumento do transporte público de passageiros e do transporte de carga movidos a eletricidade. Por outro, inicia-se um período de comercialização de veículos de passeio movidos a eletricidade, cuja maturação plena deverá ocorrer após a década de 30. As tecnologias nesta área incluem:

a. Veículos híbridos plug-in. Este tipo de veículo, cuja sigla em inglês é PHEV (Plug-in Hybrids Vehicles) representam a transição entre os atuais veículos movidos exclusivamente a combustão interna e os veículos puramente elétricos. Esta tecnologia tem recebido crescente atenção do governo e da indústria – com o lançamento de veículos com esta inovação - indicando que farão parte do cenário de médio prazo. Na prática, o motorista tem a opção de rodar exclusivamente com o motor elétrico, dentro do limite de autonomia da bateria, ou rodar com motor de combustão interna. O principal entrave no momento é, justamente, a baixa autonomia (cerca de 200 km), devido à grade dimensão e peso das baterias, que ainda possuem baixa relação energia/volume-peso. Além disso, os PHEVs têm o potencial de evitar emissões nos grandes centros urbanos, além da redução das emissões de GEE, se a geração de eletricidade for baseada em biomassa, hidráulica, fotovoltaica, eólica ou nuclear. As políticas energéticas de cada país deverão considerar o crescimento dos veículos PHEV, nos próximos anos, para evitar gargalos de oferta de eletricidade.   b. Carga controlada. Trata-se de tecnologia associada aos PHEVs ou EVs (veículos totalmente elétricos), permitindo uma conexão inteligente para recarga automática das baterias, aproveitando, especialmente, a utilização de tarifas menores de eletricidade, nos momentos fora dos picos de consumo.

 

  c. Vehicle-to-grid (V2G). Ainda não existe um termo em português para descrever esta tecnologia, podendo ser traduzida livremente para veículo conectado à rede elétrica. Esta tecnologia permite que veículos híbridos ou elétricos (PHEVs ou PEs) possam integrar-se à a rede de energia, tanto para receber carga para suas baterias, quanto para devolver esta carga à rede. No caso do carregamento, este também pode ser adequado à demanda global da rede, ou seja, nos horários de pico, a taxa de carregamento das baterias seria menor que nos horários fora de pico. A lógica da tecnologia reside em que os veículos de uso pessoal permanecem estacionados, em média, em 95 por cento do tempo. Logo, as baterias dos veículos poderiam ser utilizadas para permitir o fluxo de eletricidade do carro para as linhas de energia, auxiliando na equalização da oferta de energia. Na prática, pode-se imaginar uma hidroelétrica que, nos horários fora de pico, abre seu vertedouro e desliga turbinas, para adequar-se à menor demanda de eletricidade. Portanto, não foi gerada eletricidade por não haver demanda, naquele momento. Entretanto, se as baterias dos carros forem usadas como depósitos temporários de energia, esta energia pode ser gerada e armazenada para uso futuro, reduzindo os custos unitários da energia para todos os consumidores.  

 

4. Discussão

 

            Obviamente, algumas destas tecnologias são concorrentes entre si – e concorrem com o atual estado da arte tecnológico. Portanto, é razoável supor que, no feroz mercado concorrencial globalizado, outros fatores que não a tecnologia em si serão determinantes para o seu ingresso em escala comercial. O mais provável é que algumas das tecnologias expostas avancem rapidamente, outras avancem com menor velocidade e, eventualmente, algumas sejam abandonadas ou restritas a nichos específicos. Alguns aspectos que auxiliam a elucidar a maior ou menor potencialidade das tecnologias são:

 
  1. O rápido ingresso da tecnologia na escala piloto e pré-comercial, associadas a mercados derivados de mandatos, com políticas públicas que favoreçam sua introdução, atuando em setores que se beneficiem de incentivos fiscais e que sejam atrativos para investimentos diretos;

  2. A disponibilidade de uma política clara para as questões-chave como a proteção da propriedade intelectual, especialmente nas áreas inovadoras, que não pertencem ao domínio científico e tecnológico tradicional;
  3. Avanços sustentáveis em biologia sintética, e sua aceitação por parte da sociedade;
  4. Avanços consideráveis em tecnologia de baterias e de utilização eficiente de água e energia na produção de biocombustíveis;

  5. Soluções implementáveis no curto prazo, como a melhoria da eficiência do motor do veículo e da utilização de resíduos como uma ponte para as inovações mais longo prazo;
  6. O rápido ingresso da tecnologia na escala piloto e pré-comercial, associadas a mercados derivados de mandatos, com políticas públicas que favoreçam sua introdução, atuando em setores que se beneficiem de incentivos fiscais e que sejam atrativos para investimentos diretos;

  7. A disponibilidade de uma política clara para as questões-chave como a proteção da propriedade intelectual, especialmente nas áreas inovadoras, que não pertencem ao domínio científico e tecnológico tradicional;
  8. Avanços sustentáveis em biologia sintética, e sua aceitação por parte da sociedade;
  9. Avanços consideráveis em tecnologia de baterias e de utilização eficiente de água e energia na produção de biocombustíveis;

  10. Soluções implementáveis no curto prazo, como a melhoria da eficiência do motor do veículo e da utilização de resíduos como uma ponte para as inovações mais longo prazo.
 

 

            Entendo que nunca antes na História da Humanidade também se exigiu tanto dos formuladores de políticas públicas e de regulação governamental. A ciência tem feito enormes progressos, mas exige a ação positiva dos governos para acelerar a viabilidade comercial das tecnologias com baixas emissões. Isso significa que os formuladores de políticas e os próprios políticos precisam entender o imperativo de aprofundar a análise das novas tecnologias, fundamental para tomadas de decisões rápidas e seguras, abordando temas polêmicos como a biotecnologia e os direitos de propriedade intelectual e patentes, assim como o apoio financeiro, os incentivos fiscais e a educação do consumidor.

 

5. Aspectos a ressaltar

 

            Resumindo o exposto acima, e considerando o médio prazo (até a metade da próxima década), os aspectos mais importantes a considerar são:

 

 
  1. É importante deslocar o foco da discussão, saindo de questões tipo "se" ou "como", para o "quando" e "que fazer". A dinâmica da Ciência impõe que tudo ocorra par i pasu com os avanços tecnológicos. A ação governamental pode inibir a inovação, se retardar as políticas públicas e as regulamentações adequadas ou, por outro lado, se o comportamento for pró-ativo, tem o potencial de acelerar o desenvolvimento sustentável dessas tecnologias;
  2. A biotecnologia será o grande vetor da otimização da produção de biocombustíveis, seja pelo ganho financeiro, pelo balanço de energia mais elevado ou pela redução das emissões de GEE. A engenharia genética será importante tanto na produção de biomassa, quanto na hidrólise de moléculas complexas e na transformação das moléculas degradadas em biocombustíveis altamente eficientes;
  3. As algas representam a grande esperança da Humanidade de aumentar, exponencialmente, a oferta de matéria-prima, tanto no médio quanto no longo prazos.
  4. Haverá uma coevolução entre tecnologias e recursos naturais. Há uma crescente aplicação criativa de várias tecnologias para o processo de utilização da biomassa para produzir diferentes produtos, com redução de custos, ganho energético e melhoria ambiental;
  5. As baterias representam o único limitante do potencial de expansão dos veículos elétricos ou híbridos. Grande parte do esforço científico nesta área aponta para a busca de baterias de alta densidade energética, que possam acumular grandes quantidades de energia, com baixo peso e baixo custo, ampliando a autonomia dos veículos acima dos 600km, sem recarga;
  6. Nos próximos anos, especialmente em função dos acordos a serem firmados em Copenhagen, haverá um aumento nas exigências para reduzir as emissões de GEE por parte das companhias aéreas e marítimas. Este aspecto, conjugado com o aumento da demanda de eletricidade, implica em maior pressão para produção de biomassa ou utilização de resíduos e dejetos para produzir biocombustíveis;
  7. O mercado vai otimizar, em torno de sua própria agenda doméstica, os recursos locais e oportunidades de desenvolvimento econômico local, embora condicionados a uma agenda global. Neste particular, a criação de um mercado global de energia renovável vai representar uma guerra comercial entre países com renda per cápita diferenciada, em que os detentores de maior renda poderão açambarcar maiores quantidades de energia renovável, pela maior capacidade de pagamento;

 

 

 

A agricultura brasileira do século XXI

Décio Luiz Gazzoni

 

A agricultura brasileira necessita de nova agenda de desenvolvimento, capaz de tornar o país o principal produtor e exportador mundial de produtos agrícolas de qualidade, produzidos em condições sociais e ambientalmente corretas. A Agenda da Agricultura do Século XXI contempla uma série de propostas, objetivando capturar as oportunidades deste futuro que já começou. Discorremos sobre algumas delas a seguir. Tornar o Brasil o protagonista do agronegócio mundial implica aumentar, em algumas vezes a nossa produção. Só que isto não pode ocorrer pela simples incorporação de novas áreas: esta deve ser a última opção. Primeiro precisamos extrair o máximo de produção sustentável, das áreas atuais. Depois, pensar em reincorporar as áreas de pastagens degradadas, atualmente à margem da produção.   Neste contexto, propõe-se políticas públicas de estímulo ao incremento sustentável da produtividade, com aumento da rentabilidade para o agricultor. Neste quesito, busca-se uma certificação de adesão voluntária, que destacaria os produtores que incrementassem, continuamente, sua produtividade, permitindo maior acesso ao crédito agrícola oficial e maior subvenção governamental nos programas de seguro agrícola e seguro renda. Como tal, espera-se incrementar a produtividade da agricultura brasileira entre 1,5 e 2% ao ano, em média, nos próximos 20 anos.

 

 

 

A reincorporação de áreas degradadas sempre esbarra pelo em seu custo, superior à incorporação de novas áreas. Paralelamente, as áreas degradadas encontram-se longe dos centros consumidores, agravando o problema de custo, pelo frete mais elevado, tanto para transportar insumos agrícolas quanto para deslocar a própria produção obtida. A recuperação de áreas degradadas exige, portanto, investimento elevado, e sua implementação esbarra na escassez crônica de financiamento. Dessa forma, pretende-se criar ou modificar os instrumentos financeiros existentes, de acordo com o tipo de produto e modelo de negócio, para estimular a produção agrícola. O eixo central da proposta passa pela integração lavoura, pecuária e florestas plantadas e envolve diversos instrumentos de incentivo, como crédito, subvenção e assistência técnica.

 

 

 

A temática de assistência técnica perpassa diversos programas da agenda estratégica do futuro. Como forma de aprofundar a integração entre a Universidade, os Institutos de Pesquisa e os agricultores, propõe-se criar a “Bolsa Extensionista”, um programa de especialização de profissionais de Ciências Agrárias recém egressos da Universidade, que seriam alocados junto a organizações de assistência técnica, vinculados a programas prioritários de apoio ao agronegócio.

  No tocante à agroenergia, vislumbra-se oportunidades tanto na produção de biocombustíveis quanto de bioeletricidade. Há excelentes perspectivas de substituir quase integralmente a gasolina, no mercado brasileiro, até a próxima década. No mesmo período, é possível substituir mais de 50% do óleo diesel consumido no país. Na década de 20, mais de metade do acréscimo da demanda de energia elétrica pode ser obtido através de termoelétricas à biomassa, por cogeração em usinas de cana ou utilizando florestas plantadas e demais resíduos do agronegócio, em total superior a 400 TWh/ano.   Além de energia, das florestas plantadas obtém-se carvão vegetal, celulose para a indústria de papel e madeira para construção civil e mobiliário. O Brasil deverá dispor de um sólido programa de incentivo à expansão de florestas plantadas, objetivando aumentar o market share atual (3,2%) do mercado internacional, superando os 4%, de um mercado que deverá crescer, em valores reais, acima de 100% ao longo da próxima década. Instrumentos financeiros de incentivo, apoio à Pesquisa e Desenvolvimento, antecipação de renda e organização do mercado compõem a proposta em elaboração

           

Não há como concretizar o ambicionado posto de líder do mercado internacional do agronegócio, sem uma grande exposição aos riscos de mercado. Para contornar este perigo, está sendo analisado um programa de seguro renda, que objetiva utilizar os mecanismos de mercado para equalizar a renda do agricultor, evitando expor a grande massa de agricultores aos choques de altas e baixas de cotações agrícolas.   É gritante o descasamento entre o patamar atual da produção agrícola e a infra-estrutura disponível para o deslocamento de insumos e produtos, bem como para sua estocagem. Desta forma, propõe-se atuar em dois patamares. O primeiro deles consiste na criação do Plano Logístico de Safra, de maneira que, com um ano de antecedência, são estabelecidas as prioridades de manutenção e recuperação do sistema de logística. O segundo patamar implica na ampliação e modernização da logística, investindo em modais ferroviárias e aquaviárias e na expansão e melhoria dos portos, para dar fluidez à comercialização do agronegócio.

 

Era previsível...

Décio Luiz Gazzoni

Transcrevo um despacho de uma agência de notícias internacional, a respeito da reunião da COP 15 (Convenção do Clima) que se realiza em Copenhagen:

Copenhagen- O principal negociador da União Européia (UE) para o clima, Artur Runge-Metzger, cobrou ontem do Brasil uma posição sobre o uso do petróleo do pré-sal. Apesar de satisfeito pela "mesa não estar mais vazia" de propostas dos países em desenvolvimento, ele diz que ainda há muitas questões em aberto para saber se as metas anunciadas até agora são suficientes ou não. "O Brasil falou em reduzir o desmatamento e colocou números porcentuais, a China disse que vai diminuir a intensidade de carbono e a Índia também. Mas há questões pendentes. No Brasil, o que vocês estão fazendo no setor industrial? Sabemos que muito petróleo foi encontrado em frente à costa brasileira. Ele será usado em grande escala?", indagou. Runge-Metzger ressaltou que até hoje "a matriz energética é limpa, majoritariamente de hidrelétricas" e que o País tem a vantagem de usar muito biocombustível. "Mas isso pode mudar radicalmente se essa grande quantidade de petróleo for utilizada."

 

Bom currículo

O Brasil tem um histórico de "bom comportamento" ambiental, na área de energia. Somos admirados no mundo inteiro por gerar 75% da eletricidade por hidroelétricas e pelo maior programa global de substituição de combustíveis de petróleo (programas de etanol e biodiesel). Apesar de, recentemente, o Brasil haver ampliado a geração de eletricidade com termoelétricas "sujas" (carvão e gás), o consumo de etanol deu um salto espetacular de 20% em 2009, enquanto a gasolina estacionou no mesmo volume do ano passado. Fiz todo este intróito para relembrar que, em 5 de novembro passado, neste mesmo espaço, chamei a atenção para o dilema Petróleo ou energia limpa? Para mim era mais do que óbvio que as lideranças de outros países elogiariam a proposta brasileira para Copenhagen, de reduzir quase 40% das emissões de gases de efeito estufa em 2020, comparado com a tendência natural se nada fosse feito. Como era perfeitamente natural que nos perguntariam: "Sim, ótima esta redução. Porém, e as 43 bilhões de toneladas de gás carbônico que serão emitidas com a queima do pré-sal, onde entram nesta conta?" Foi a pergunta que Mr. Metzger fez, verbalizando a curiosidade geral. No mundo ideal, pós Copenhagen, o espaço para produzir energia suja será cada vez mais restrito. Estrategicamente, devemos conferir atenção às nossas múltiplas alternativas renováveis.

 

Reflexão de Natal

Décio Luiz Gazzoni

 

Já que estou muito velho para pedir qualquer coisa ao Papai Noel – até porque descobri que ele não entrega mesmo! – prefiro agradecer ao bom Deus o que nos proveu no último ano. Aliás, gostaria de transmitir a sensação de que além de Deus ser brasileiro, parece que resolveu se aposentar e transferir toda a poupança para o seu país natal (sem trocadilho!). Enquanto 95% dos países do mundo se debatem com dois grandes dilemas – como garantir energia e alimentos para seus povos – o Brasil desfila galhardamente, podendo escolher de um cardápio de opções. Aqui pode-se produzir alimentos, energia, frutas, flores, florestas, insumos para a indústria química, plantas medicinais, fibras e tudo o mais que pode brotar da terra.

 

 

Alimentos

Os agricultores do Brasil não apenas alimentam os brasileiros, como exportam valor equivalente para alimentar outros povos. Nos próximos 20 anos, o mundo precisa aumentar em 40% a oferta de produtos agrícolas como alimentos e fibras e adivinhe só na porta de quem o mundo vai bater? Terra, água, clima, bons agricultores e tecnologia adequada fazem o nosso diferencial.

 

Energia

Parte da poupança que Deus trouxe para cá está no pré-sal. Mas nem é a maior parte, nem a mais nobre. Aqui na superfície o Brasil pode se dar ao luxo de gerar energia diretamente do sol, dos ventos, das marés, das ondas, da cana, do eucalipto, da bosta de galinha ou de porco, da casca de arroz, etc. Uma vez mais nosso potencial permite prover nossas necessidades e exportar para os menos favorecidos pelo rateio divino.

 

Não faltou nada?

Da parte de Deus, acho que está bom. Agora, da nossa parte, ainda falta muito. Falta melhorar o transporte, acertar o câmbio, baixar os impostos, resolver os problemas de crédito e seguro. E falta reduzir a roubalheira do dinheiro público, para sobrar mais dinheiro para o agricultor plantar e para o povo comer. Nesta seara Deus não precisa se meter, porque está ao nosso alcance resolver. Como? 2010 é ano de eleições. Ao mesmo tempo em que acende uma vela a Deus para agradecer o que nos proporcionou, não esqueça de cumprir a sua obrigação de eleitor, deixando longe do Governo quem não merece estar lá. É o que peço a Deus neste Natal: que nos ilumine a todos para que possamos auxiliá-lo a tornar o Brasil sempre melhor.

 

Biocombustíveis e o uso da água

Décio Luiz Gazzoni

I. Introdução

Não arriscaria afirmar que, em futuro próximo, a água valerá tanto quanto ouro, petróleo ou qualquer das commodities referenciais que tem alto valor, no momento. Mas, seguramente, valerá muito, por ser cada vez mais demandada e cada vez menos disponível. Portanto, interessa sobremaneira ao nosso negócio de biocombustíveis visualizar a água enquanto componente estratégico e como nos situamos neste contexto.

 

Assim como ocorre com outros temas da agenda ambiental na agricultura, os impactos da produção de biocombustíveis em relação ao estoque e fluxo da água na natureza, em tudo emulam a agricultura dedicada à produção de alimentos. O primeiro aspecto que chama a atenção é que existe uma associação íntima entre água e energia na agricultura, por vezes sinérgica e, em outras situações, conflitante.

  Por exemplo, grande quantidade de energia é consumida para bombear água subterrânea – ou mesmo de cursos superficiais - para irrigar culturas agrícolas (demanda associada). Por outro lado, barragens multiusos, que combinam geração de energia e irrigação, por vezes justificam investimentos que não seriam economicamente viáveis para uma finalidade só (efeito sinérgico). Em contraposição, podem surgir conflitos sobre distribuição de água entre hidrelétricas e irrigação, em uma mesma barragem.

 

 

Maior demanda por energia de biomassa pode aumentar a demanda de água e exige administração adequada da alocação de recursos hídricos. Este aspecto pode derivar de três fatos principais:

Se forem incorporadas à agricultura de energia terras marginais, com baixa precipitação pluviométrica que, sem o uso de irrigação, não seriam cultiváveis.

Se houver recurso à irrigação em regiões de precipitação adequada, porém que, com o recurso da irrigação, pode haver incremento ponderável na produtividade.

Se a tecnologia industrial não for otimizada para uso da água e se não devolver ao ambiente a água utilizada com parâmetros de qualidades superiores aos da captação.

 

 

Em qualquer situação, é importante considerar que o cultivo de plantas para alimentos, fibras ou energia requer grandes quantidades de água, da ordem de milhares de litros por hectare. Embora a importância da agricultura de energia seja marginal no presente momento, é necessário projetar o futuro, pois a demanda de água pode aumentar à medida que os preços crescentes da energia, os conflitos geopolíticos e as preocupações com os impactos das emissões de gases com efeito estufa, aumentarem a demanda de biocombustíveis. Ao menos em teoria, este fenômeno leva à intensificação da concorrência entre alimentos e biocombustíveis por terras e recursos hídricos, particularmente em áreas de água já escassa.   Como já discutimos em artigo anterior (Biocombustíveis e biodiversidade), se considerarmos os avanços da tecnologia agronômica que estarão disponíveis para os produtores, nos próximos 50 anos, haverá terra suficiente para produzir alimentos para o mundo, e ainda produzir parcela ponderável de biocombustíveis líquidos. Entretanto, paira grande incerteza sobre a oferta de água para a agricultura, após a metade do século, considerando o pano de fundo das mudanças climáticas globais.

 

Os motivos desta incerteza são de três ordens:

A água doce do mundo é muito concentrada (o Brasil detém 20% da água doce), e não necessariamente se encontra onde existe oferta de terra agrícola.

As melhores áreas, férteis e com oferta adequada de água, já foram incorporadas à agricultura.

As mudanças climáticas globais, com redução da precipitação pluviométrica em áreas férteis, aumento da freqüência de secas prolongadas e generalizadas, além de inundações também generalizadas.

  Assim, são previstas crises de abastecimento de água, em várias partes do mundo, não apenas para a agricultura, porém para o setor industrial e inclusive doméstico. Diversos estudos de cenários apontam para esta possibilidade, indicando políticas públicas para mitigar o problema. Entretanto, nenhum dos estudos considerou a expansão acentuada de culturas energéticas, que representará uma nova fonte de demanda de água. Assim, com o avanço da agricultura de energia, espera-se que novos estudos, mais aprimorados, levem em consideração a produção de biomassa para fins energéticos. A seguir, comentamos os principais estudos que revisamos, projetando a demanda de água para produção de alimentos e de energia no presente e as projeções futuras, bem como os impactos ambientais do uso da água na agricultura de energia.

 

II. Água para alimentos hoje

Três estudos independentes apontam que, para atender as demandas da agricultura deste início de século, são necessários entre 6.800 km3 e 7.130 km3 de água por ano. Este consumo é equivalente a mais de 3.000 litros por pessoa por dia, uma ordem de magnitude muito maior do que a estimativa conjunta de necessidade de água potável (2-5 litros) e para uso doméstico (20-300 litros). Cerca de 80% da oferta de água, em escala mundial, são preenchidas diretamente pela precipitação pluviométrica. Os 20% restantes são retirados dos rios e lagos, respondendo por 70% da água captada para fins humanos.   Algumas regiões dependem fortemente de irrigação (por exemplo, Norte de África, Sul da Ásia e Norte da China), enquanto em outras regiões a agricultura ocorre principalmente em condições de sequeiro (por exemplo, a América Latina, Europa). Com a urbanização crescente, as necessidades de água para uso doméstico e industrial deverão aumentar mais rapidamente do que a demanda de água na agricultura; mas, segundo a maioria das projeções, a agricultura continuará a ser o maior demandador de água, nos próximos anos.   Com o aumento da renda, mudam os hábitos alimentares em favor de dietas mais nutritivas e mais diversificadas. Isso leva a uma mudança no padrão de consumo, diminuindo a ingestão de cereais e aumentando a de produtos animais, de frutas, hortaliças, óleos comestíveis e açúcar. As projeções de demanda de cereais variam de 2.800 a 3.200 milhões de toneladas (Mt) até 2050, um aumento de 55% a 80% sobre os níveis atuais. Este incremento pode parecer paradoxal, entretanto, em grande parte os cereais serão destinados à alimentação dos animais (frangos, suínos e, inclusive, bovinos confinados). As projeções de demanda de carne variam entre 375 e 570 milhões de toneladas em 2050, um aumento de 70-155% dos níveis atuais. Também são projetados aumentos substanciais na produção de açúcar, óleo, hortaliças e frutas.

As mudanças em dieta têm implicações importantes para uso da água na agricultura. Produtos animais e a produção de açúcar e óleo normalmente exigem mais água por unidade produzida que grãos (cereais). Sem melhorias na produtividade, a exigência de água das culturas poderia aumentar entre 70 a 110% em 2050, dado o estado da arte tecnológico atual.   Alguns sinais preocupantes já são percebidos pelos cientistas, relativamente à crescente escassez de água, em algumas importantes áreas agrícolas do mundo. Por exemplo, lençóis freáticos em declínio são evidentes nos EUA, no norte da Índia, Paquistão, China, México e da região do Mediterrâneo. Numerosos rios ao redor do mundo (por exemplo, Rio Amarelo, na China; rio Krishna, na Índia; Rio Syr Darya, na Ásia Central, Rio Colorado nos EUA; e Rio Murray-Darling na Austrália) apresentam grande flutuação de volume de água ao longo do ano, por vezes chegando a fios de água em sua foz.

 

 

III. Biocombustíveis e água

 

As necessidades de água para obtenção de energia de biomassa são cerca de 70 a 400 vezes mais do que para obter energia equivalente de combustíveis fósseis, da energia eólica ou solar. A média de necessidades de água para a energia fóssil é de1 m3/GJ-1, em comparação com 46-500 m3/GJ-1 para biocombustíveis. Mais de 90% da água necessária é utilizada na produção de matéria-prima e apenas uma quantidade relativamente pequena é usada no processamento de biomassa.

 

 

Na Tabela 1 são apresentadas as taxas médias de evapotranspiração para diferentes tipos de biomassa, por unidade de energia produzida, obtidas em dois diferentes estudos.

Tabela 1. Evapotranspiração observada em cultivos energéticos.

Evapotranspiração em m3/GJ-1

Berndes, 2002 (1)

WWF, 2006 (2)

Mínimo

Máximo

Mínimo

Máximo

Canola

Biodiesel

100

175

   

Dendê

Biodiesel

   

46

250

Soja

Biodiesel

   

143

500

Cana-de-açúcar

Etanol

37

155

18

35

Beterraba

Etanol

71

188

48

76

Milho

Etanol

73

346

100

323

Trigo

Etanol

40

351

143

500

Sorgo sacarino

Etanol

   

56

233

Material celulósico

Etanol

11

171

   

Material celulósico

Metanol

10

137

   

Material celulósico

Hidrogênio

10

124

   

Material celulósico

Eletricidade

13

195

   

Berndes, G. 2002. Bioenergy and water – The implications of large-scale bioenergy production for water use and supply. Global Environmental Change 12: 253–271.

WWF (World Wildlife Fund). 2006. A first estimate of the global supply potential for bio-energy. A briefing study commissioned by WWF, July 2006

 

O biodiesel e etanol derivado de culturas convencionais geralmente exigem mais água do que biocombustíveis baseados em culturas lignocelulósicos, mas há uma grande variação em função dos locais de cultivo, como se observa na Tabela 2.

Tabela 2. Evaportranspiração (ET) e demanda potencial de irrigação para alguns cultivos e países selecionados.

País

Cultivo

ET m3/GJ-1 (1)

ET m3/GJ-1 (2)

Irrigação m3/GJ-1

Brasil

Cana-de-açúcar

152

25

4

EUA

Milho

87

18

21

Canadá

Trigo

232

 

17

Alemanha

Trigo

67

   

França

Beterraba

54

   

Espanha

Trigo

220

   

UK

Beterraba

54

   

Holanda

Canola

 

67

 

China

Milho

197

 

129

Índia

Cana-de-açúcar

229

 

278

Zimbabúe

Cana-de-açúcar

 

31

 

Média Global

 

194

41

De Fraiture, C., M. Giordano, Y. Liao. 2008. Biofules and implications for agricultural water uses: blue impacts of green energy. Water Policy 10(S1), 67–81

Gerbens-Leenes, P.W., A. Hoekstra, Th. van der Meer. 2008. Water footprint of bio-energy and other primary energy carriers. Value of Water Research Report Series No. 29. UNESCO-IHE, Delft, the Netherlands.

 

Em algumas áreas, as culturas energéticas são totalmente de sequeiro e, em outros, a maioria das necessidades de água são preenchidas através de irrigação. A beterraba sacarina é encontrada na zona temperada do Hemisfério Norte, e é cultivada em condições de sequeiro ou irrigação complementar (EUA). No Brasil - o maior produtor de cana de açúcar – a maior parte do cultivo é de sequeiro, com irrigação suplementar nos períodos mais críticos no Centro-Oeste e um pouco mais freqüentemente na região Nordeste. Na Índia - o segundo maior produtor mundial de cana – quase toda a área necessita de irrigação. O milho é irrigado em quase toda a área na China, mas apenas parcialmente nos EUA.  

Tanto o dendê, cultivado nas zonas tropicais, como a canola, cultivada nas regiões temperadas, são normalmente produzidas em condições de sequeiro. O entanto, a variação entre cultivos e locais pode ser muito grande, de maneira que um litro de etanol produzido, com base em cana irrigada no Brasil, exige 3.500 litros de água para irrigação, enquanto o mesmo litro produzido a partir do milho irrigado na China necessita 2.400 litros de água de irrigação. Isto se deve a três fatos:

A cana demanda mais água que o milho;

A temperatura média na área de produção de cana no Brasil é superior à temperatura média na área de produção de milho na China;

O ciclo vegetativo da cana (=demanda de água) ocupa os 12 meses do ano, enquanto o ciclo do milho varia entre 100 e 150 dias.

Apesar do processamento de matérias-primas requerer muito menos água do que o cultivo da matéria prima, essa água é extraída, principalmente, de lagos e rios. Dependendo do biocombustível e do processo, a demanda é de dois a dez litros de água por litro de biocombustível. O maior impacto potencial da transformação de biomassa em biocombustíveis ocorre por conta da poluição química e/ou térmica dos efluentes da refinaria e do destino de resíduos ou co-produtos. As regulamentações governamentais para a devolução de águas usadas é cada vez mais restritiva, reduzindo o seu potencial de impacto, porém implica altos custos industriais. A iniciativa privada está atenta a este aspecto e já existe uma empresa industrial brasileira que entrega usinas de cana com circuito fechado de água, ou seja, a água industrial é proveniente da própria água que vem do campo junto com a cana.   Atualmente, em termos globais, a exigência total de água para produção e transporte de biodiesel e bioetanol, (produzidos a partir de cana-de-açúcar, milho, dendê, soja e canola), é modesto, se comparada com a demanda de água para produção de alimentos. Estima-se que as culturas de biocombustíveis representam uma demanda de 100 km3 de água por ano (ou seja, cerca de 1,4% da demanda de água para produção de alimentos). O cálculo para água de irrigação indica que 1,7% do total de água de irrigação da agricultura mundial seja destinado a culturas energéticas.

 

IV. Necessidades de água para os biocombustíveis no futuro

 

Com a demanda crescente de alimentos, pode-se antecipar restrições de água e terra para a produção de biocombustíveis, dependendo das políticas públicas e da demanda voluntária de mercado por energia renovável.

Encontrei na literatura cálculos ilustrativos da utilização futura da água para produção de biocombustíveis (ou, mais amplamente, de bioenergia), mostrando que a demanda de água para a bioenergia pode tornar-se grande se a biomassa tornar-se uma das principais fontes de energia primária (Tabela 3).

 

 

Tabela 3. Projeção de uso de água (de chuva ou irrigação) para produção agrícola.

Evapotranspiração km3

Irrigação km3

Mínima

Máxima

Mínima

Máxima

Produção de alimentos (2000)

Fraiture et al, 2007

6.800

7.100

2.630

2.850

Produção de alimentos (2050)

Fraiture et al. 2007

8.200

11.300

2.975

4.125

Bioenergia (30% da demanda global 2050)

Lunqvist et al. 2007

3.917

11.751

1.175

3.525

Bioenergia (50% da demanda de transporte 2050)

Pearce Aldhous, 2007

4.000

12.000

   

Cenários múltiplos (2050)

Berndes et al. 2002

1.000

3.000

   

Biocombustíveis (20% demanda de transporte 2030)

Fraiture et al. 2008

270

 

130

 

De Fraiture, C., D. Wichelns, J. Rockström, E. Kemp; Benedict. 2007. Looking ahead to 2050: scenarios of alternative nvestment approaches. In: Molden, D. (Ed.), Water for Food, Water for Life: A Comprehensive Assessment of Water management in Agriculture. Earthscan, London; International Water Management Institute, Colombo.

Berndes, G. 2002. Bioenergy and water – The implications of large-scale bioenergy production for water use and supply. Global Environmental Change 12: 253–271.

O maior potencial para aumento da utilização de água para a agricultura pode ser encontrado na América Latina e na África Subsaariana. Em ambas as áreas, menos de 5% do total disponível de recursos hídricos renováveis estão sendo utilizados, comparativamente com mais de 50% da água disponível sendo usada no Oriente Próximo e Sul da Ásia. De acordo com a FAO, o potencial para expansão da irrigação no Sul da Ásia, Oriente Médio e Norte da África está atingindo seus limites.   Os problemas mais sérios estão na Índia e China onde vive 35% da população mundial e onde se projeta que 30-40% das necessidades globais de energia, em 2030, estarão alocadas. Ambos os países estão no limite do uso dos recursos naturais disponíveis, incluindo a água para a agricultura.   Naturalmente, a demanda de água está diretamente relacionada ao consumo de biocombustíveis que, por sua vez, depende das políticas públicas de fomento e da pressão social por uso de energia renovável. Portanto, qualquer análise que for feita sempre esbarrará nesta incerteza.

 

 

V. Impactos ambientais

Em princípio, os impactos ambientais da produção de biomassa para biocombustíveis não são diferentes daquelas de outras culturas agrícolas – por vezes as mesmas. O primeiro impacto será na concorrência com outros usos da água, como abastecimento doméstico, uso industrial ou energético. Além deste aspecto, outros podem ser considerados, como:

Efeitos sobre os ecossistemas aquáticos por redução da vazão.

Podemos grupar estes efeitos em três aspectos principais:

1.1 Água retiradas de rios, lagos e águas subterrâneas para a irrigação podem conduzir à redução de vazão e, em casos extremos, rios secos, pelo menos por períodos prolongados durante a época de seca, afetando a flora e fauna do rio. O Rio Amarelo (China) é o exemplo mais didático. Alguns lagos (o Mar de Aral e Lago Chade são os exemplos mais gritantes) estão diminuindo de tamanho, por conta da elevada pressão de uso da água. Alterações na hidrologia afetam a sedimentação e padrões de inundações, pesca e biodiversidade;  

1.2 Degradação de pântanos e similares. As terras baixas prestam serviços essenciais para o ecossistema, em especial em relação aos recursos hídricos (como a retenção de inundação e recarga de sedimentos, recalque de águas subterrâneas, filtro natural, habitat de biodiversidade). No Sudeste da Ásia, pântanos tropicais têm sido degradados por plantações de dendê, como é o caso das plantações extensivas da Malásia e da Indonésia;

  1.3 Qualidade da água. Impactos diretos decorrentes da poluição por escoamento em grande escala de fertilizantes e agrotóxicos representam o maior potencial de agressão ambiental. Outra fonte pode ser os efluentes industriais na produção de biocombustíveis. Por exemplo, para cada litro de etanol produzido no Brasil, cerca de 10-13 litros de vinhaça também são produzidos. Este efluente contém potássio e fósforo e pode ser reciclado, produzindo biogás e adubo orgânico, substituindo fertilizantes comerciais, mas o seu manejo inadequado em épocas passadas (e que ainda persiste em alguns países) causou muitos problemas de poluição de água e do solo, antes do final do século passado.

 

2. Efeitos sobre os ecossistemas terrestres.

O efeito da conversão de florestas em áreas de lavoura depende da cobertura original, do declive, do tipo de solo, da intensidade das chuvas, entre outros. Embora se conheça relativamente bem o impacto das conversões em regiões frias ou temperadas, é pouco conhecido o impacto hidrológico potencial da conversão, em larga escala, de áreas na região tropical do planeta, o que exige estudos urgentes para evitar impactos ambientais de proporção.   Em ambos os casos, urge a realização de estudos científicos profundos, de longo prazo, que lastreiem políticas públicas que apresentem vias possíveis para reduzir os efeitos ambientais. A priori, deve-se destacar a utilização menos intensiva de água, levando a uma maior produtividade de água e melhor gestão dos recursos hídricos. Uma das possibilidades tecnológicas é a introdução de culturas menos exigentes em recursos hídricos (como parece ser o caso de Jatropha curcas). Outra (mais provável no curto prazo) é adaptar as culturas energéticas atualmente cultivadas para otimização do uso da água.

 

Tome-se o exemplo da cana e milho, que são culturas altamente intensivas em água. Nas principais áreas de cana do Brasil, onde a precipitação é abundante, o suprimento de água não é um problema, na maioria dos anos. Mas, em áreas com precipitação insuficiente ou irregular, há necessidade de uso de água de irrigação. Já existe um grande número de projetos de pesquisa em execução, procurando introduzir genes que tornem as plantas tolerantes ao estresse hídrico e/ou com melhor capacidade de uso de água. No Brasil, os estudos mais avançados são conduzidos pela Embrapa, com a cultura da soja, com perspectivas de introdução da característica em outras plantas cultivadas.   Outro aspecto importante é aumentar a produtividade da água. Existe margem considerável para a melhoria da produtividade da água, reduzindo a quantidade de água necessária para a produção vegetal, e deixando mais água para outros usos. Estudos recentes demonstraram que mais de 50% da demanda futura de água para agricultura poderia ser compensada por tecnologias que desembocassem em maior produtividade da água, que, além da gestão da água, incluem a sua coleta nas áreas de produção, a sua conservação in situ (através de práticas de conservação de solo e água) e utilizar irrigação de precisão. Adicionalmente, é importante que o sistema de produção seja otimizado para outros fatores, como fertilidade do solo e controle de pragas para evitar desbalanços que diminuam a produtividade da água.

 

 

VI. Conclusão:

  Água será um fator extremamente limitante, em um futuro não muito distante. O recado que eu deixaria para os meus colegas da área de Ciência e Tecnologia é de que todo e qualquer desenvolvimento tecnológico precisa levar em consideração a otimização do uso da água. E para os empresários, da área de produção de biomassa ou da área industrial, lembro que este fator limitante pode representar um grande risco para o seu negócio, se não for adequadamente abordado.  

 

REDD

Décio Luiz Gazzoni

REDD é a sigla inglesa para Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação. Na prática significa o seguinte: se alguém pagar, as florestas remanescentes não serão desmatadas. O tema é palpitante, faz muito sentido para uns e desperta críticas acirradas em outros. Trata-se de um tema fundamental para o futuro da Amazônia, sua discussão tem provocando muita confusão, em especial porque a Conferencia de Copenhagen pretende estabelecer a agenda ambiental do planeta para os próximos anos. A última grande adesão ao tema ocorreu no Fórum dos Governadores da Amazônia, que enxergam no mecanismo a salvação da floresta, ao tempo em que garante desenvolvimento sustentável para a região. Estima-se que, implantado o mecanismo, apenas dos EUA viria um fluxo de US$ 10-20 bilhões/ano, para preservar as florestas remanescentes no mundo. Na verdade, o Redd ainda não existe, o conceito é discutido no circuito da negociação internacional por um acordo climático. OS desdobramentos da Conferencia de Copenhagen podem trazê-lo para a realidade.  

As possibilidades

O Brasil apóia este mecanismo de incentivo para as florestas, esta é a posição da Secretaria de Assuntos Estratégicos, do Ministério do Meio Ambiente, dos Governadores da Amazônia, entre outros. Já existem algumas fórmulas inovadoras de preservação das florestas, que emulam o conceito de REDD. O Banco Mundial estuda implantar projetos pilotos em alguns países, para sustar o ritmo de desmatamento. Hóspedes da rede Marriott da reserva do Juma, no estado do Amazonas neutralizam emissões doando uma quantia que ajuda a preservar a mata nativa do projeto. O Fundo Amazônia, que receberá US$ 1 bilhão da Noruega em sete anos, como doação para projetos que preservem a Amazônia, é o maior fundo florestal do mundo e foi constituído por uma espécie de REDD voluntário. A Índia quer REDD para as florestas que não desmatou, a China quer REDD para áreas que está reflorestando, o Brasil quer REDD para diminuir o desmatamento. O grupo de 35 países que ainda têm grandes extensões de florestas é o maior interessado no tema. Entretanto, deve-se levar em consideração que não se salvará o clima do planeta só com florestas. No extremo, significa que países industrializados, que não conseguem cortar suas emissões em casa, vão compensar seu mau comportamento, ajudando a preservar a Amazônia. Sem dúvida o tema é importante, merece ser considerado, porém não pode transformar-se no único - ou mesmo principal - instrumento de combate às Mudanças Climáticas.

 

Novo alimento funcional

Décio Luiz Gazzoni 

Do hibisco comestível (Hibiscus sabdariffa) aproveitam-se as folhas, caules, raízes, frutos, sementes e os cálices. As folhas são ricas em vitaminas A e B1, sais minerais e aminoácidos, podendo ser consumidas cruas em saladas ou se tornar, assim como o caule, um ingrediente para o preparo de cozidos, sopas, feijão e arroz. No Maranhão, as folhas do hibisco (vinagreira ou azedinha) são usadas em diversos pratos típicos, como o cuxá. O hibisco possui ação emoliente, diurética e sedativa. As sementes, ricas em proteínas, têm servido para alimentação humana na África, através do esmagamento e destilação para uso em sopas, misturadas com farinha de feijão, ou torradas como um substituto para o café. Na Birmânia, as sementes são utilizadas para combater a debilidade e em Taiwan são usadas como diurético e laxante. As flores possuem antocianinas e apresentam efeito diurético e diminuem a viscosidade do sangue, reduzindo a pressão arterial. Os frutos são comestíveis e podem ser utilizados como antiescorbútico. As raízes são utilizadas para o preparo de tônicos e aperitivos nas Filipinas. Quer mais?  

Alimentação e saúde

Então vamos lá! Foram encontrados potentes antioxidantes no cálice de hibisco, como as antocianinas delfinidina 3-xilosilglucosídio, cianidina 3-xilosilglucosídio, cianidina 3-glicosídeo e a delfinidina 3-glicosídeo. As substâncias hibiscetina, sabdaretina, gossipetina, quercetina, ácido ascórbico, ácido protocateico e taninos, com atividades benéficas à saúde, também foram identificados no hibisco. O chá do cálice da flor contém polissacarídeos, açúcares redutores, como a glicose e a frutose, é rico em cálcio, magnésio, niacina, riboflavina, ferro e vitaminas A e C, ácidos como o tartárico, succínico, málico, oxálico, cítrico e hibíscico, além de fibras. O cálice do hibisco apresenta alto teor de pectinas, fazendo com que a geléia tenha uma consistência firme, antevendo usos na indústria nutricional. O chá do cálice do hibisco contém altos níveis de flavonóides (antioxidantes), como as antocianinas, responsáveis pela coloração do vinho, da melancia e da pitanga. Os antioxidantes neutralizam os radicais livres, que causam danos às células de nosso corpo, levando a doenças crônicas, como as cardiovasculares e o câncer. E vale lembrar que o chá de hibisco é livre de cafeína. Pelo exposto, o hibisco seguramente vai se constituir em um excelente nicho de oportunidades para o produtor rural, com grandes possibilidades de agregação de valor.

 

Energia de bosta

Décio Luiz Gazzoni

 

O século XXI será marcado por uma transformação radical na matriz energética mundial. A sociedade global viu alvorecer o século XXI iluminado por mais de 80% de energia de fontes fósseis e, antes do último por de sol do século, usaremos 100% de fontes renováveis de energia. Na minha visão de futuro, lá em 2099, estaremos usando mais de 80% de energia captada diretamente do sol (fotovoltaica e térmica). Porém, ao olhar para 2050, vislumbro o pico de uso de energia da agricultura. O biodiesel, o etanol e a lenha para fogões de cozinha já terão desaparecido. Em seu lugar virão diesel e gasolina vegetal e bioeletricidade de biomassa - inclusive de bosta animal. Temos potencial para produzir mais de 12 TWh anuais. Isto é muito parecido com a expectativa de produção da futura hidroelétrica de Jirau e representa 13% do recorde de produção de Itaipu. Esta energia poderia atender mais de 45% da demanda de eletricidade residencial do Paraná. Para realizar este potencial, o investimento estimado é de R$1,5 bilhão, para uma receita anual de R$3 bilhões. A redução de emissões poderia garantir aos agricultores um faturamento anual de R$1,764 milhões em créditos de carbono E a economia com a aquisição de energia nas propriedades rurais chegaria a R$ 3 bilhões. Um baita negócio!  

Resíduos

Há também um excepcional bosta-bônus, que é o biofertilizante, rico em matéria orgânica e em diversos macro e micronutrientes. Extrapolando a concentração média de nutrientes em biofertilizantes, obtidos de estrume, vinhaça, cascas e palhas, cama de aves e outros, é possível produzir 85% do nitrogênio, 43% do potássio e 15% do fósforo aplicado na safra de grãos passada. Para viabilizar o potencial, é necessário implementar uma política pública para remunerar os serviços ambientais prestados por agricultores, como evitar que o estrume contamine lençóis freáticos, se acumule em baixadas alagadiças, e libere altos teores de metano. Transformando o esterco animal em energia e biofertilizante, evitaríamos emissões de mais de 71 t de CO2. No Paraná, a Copel já adquire a energia produzida pelo tratamento dos efluentes, por biodigestão da matéria orgânica, através de 4 contratos em vigor, totalizando 524 KW. A política pública que propomos deve gravar o uso de energia fóssil e, com os recursos arrecadados, estimular a pesquisa, a assistência técnica, o financiamento para a geração de energia e biofertilizante (pagamento de serviços ambientais) e o asseguramento do mercado para venda da energia produzida.

 

 

Guerra da comunicação

Décio Luiz Gazzoni

 

Nos últimos 40 anos o agronegócio brasileiro tornou-se um dos mais pujantes e talvez o mais competitivo do mundo. Entretanto, está perdendo a guerra da comunicação. Um exemplo didático está no decreto que cria o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, e que inverte os termos da equação do direito universal e dos direitos humanos, criminalizando agricultores e favorecendo invasores de terras, a ponto de cercear a aplicação da justiça, como a emissão de liminares de reintegração de posse. Em seu lugar, propõe audiências públicas, com a participação dos invasores e de outros “movimentos sociais”, cerceando a aplicação dos preceitos constitucionais que garantem o direito à propriedade. Ironia das ironias, também invalida o art. XVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade)!  

Derrotas

A primeira batalha perdida é o sofisma que se enraíza na sociedade, dividindo a produção primária entre agronegócio e agricultura familiar. Uma falácia. Se alguma divisão existisse, deveria colocar de um lado os produtores que tiram o sustento da terra com o suor do seu rosto, incluindo os pequenos agricultores como avicultores, suinocultores, floricultores, fruticultores, horticultores, produtores de leite e outros com áreas de 5 ou 10 ha. Do outro lado estariam os que, além de receberem ou invadirem terras, necessitam de cesta básica e bolsa família, sendo incapazes de extrair o sustento de sua família com o seu trabalho. Outra derrota refere-se a quem efetivamente garante o acesso à alimentação de qualidade e de baixo custo. Nos últimos 40 anos, o preço da cesta básica, em valor real, reduziu-se em 75%, auxiliando a cumprir o art. XXV da Declaração de Direitos Humanos – o direito à alimentação. Outros se apropriam deste feito, que se deve aos avanços tecnológicos, implementados pelos agricultores. Perdida a guerra da comunicação, ao invés de os agricultores que beneficiaram a sociedade serem reconhecidos, são criminalizados. Este é o preço que os agricultores estão pagando pelo sucesso silencioso de seu trabalho. Conversando com lideranças dos produtores, ouço que os agricultores precisam trabalhar 7 dias por semana, e não dispõem de tempo para discutir com ONGs e similares, sobre quem efetivamente trabalha em benefício da sociedade. Assim, parece que precisaremos produzir um pouco menos, para sobrar tempo para cacarejar o que fazemos, sob pena de o sucesso do agricultor brasileiro ser usado contra ele mesmo.

 

A quarta geração de biocombustíveis

Décio Luiz Gazzoni

A estonteante dinâmica da Ciência e da Tecnologia no século XXI exige que estejamos todos antenados para as tendências de futuro. Esta afirmativa é particularmente válida para empresários interessados no setor de biocombustíveis, pelas rápidas transformações que este setor vai experimentar nas próximas décadas.  

A confluência de a) desenvolvimentos em biologia vegetal tradicional, b) novas ferramentas de biotecnologia, c) métodos inovadores de bioconversão e d) técnicas para captura e armazenamento de carbono, torna possível imaginar uma "quarta geração" de biocombustíveis e de sistemas de bioenergia. Os primeiros passos para tais combustíveis se encontram no pipeline de alguns laboratórios que se dedicam a perscrutar o futuro e preparar a sua chegada.

 

A ideia subjacente é o vasto potencial para produção sustentável de energia renovável. Por exemplo, os cientistas que compõem o grupo Task 40, da Agencia Internacional de Energia, estimam o potencial técnica e economicamente factível em cerca de 1.300Ej (exajoules) em 2050, considerando o atual estado da arte tecnológico. Para efeito de comparação, o uso de combustível fóssil global atual é de cerca de 380Ej por ano. Como veremos posteriormente neste artigo, este potencial pode ser estendido por conta de avanços tecnológicos que começam a surgir.

É importante ressaltar que este potencial de energia de biomassa é explicitamente baseado em um cenário "sem desmatamento" e no fato de que todas as necessidades de alimentos, fibras das populações humanas e as necessidades de forragem para animais devem ser atendidas primeiro. Considerando estes requisitos, os cientistas da Task 40 revelaram o grande potencial da África (320Ej) e da América Latina (220Ej). O potencial da América Latina é realizável no prazo mais curto e o da África em prazo mais longo, devido às condições pré-existentes (infra-estrutura, tecnologia, institucionalidade, etc) para a implementação de empreendimentos comerciais de larga escala. Porém, o fato principal é que não haverá escassez do principal recurso natural - biomassa - necessário para fazer a transição para uma era pós-petróleo, em uma economia de baixo carbono.   Estes cenários otimistas não levam em conta possíveis avanços em biotecnologia, como o design de culturas energéticas de alto rendimento, vez que, embora o fato em si seja incontestável, a mensuração dos ganhos por esta via tecnológica ainda é imponderável. A evolução nesta área está avançando rapidamente, o que inclui árvores com maior capacidade de armazenamento de carbono, culturas energéticas tolerantes à seca, espécies de gramíneas tolerantes a solos ácidos e novas plantas com propriedades mais adequadas para processos específicos de bioconversão. Neste último caso, um exemplo são as plantas com baixo teor de lignina e teor de celulose mais alto; outro exemplo é o milho com enzimas embutidas para rápida conversão para biocombustíveis.

 

A combinação de tais culturas (que já são chamadas de designed ou costum-made plants) com técnicas avançadas de bioconversão - que permitem a captura e armazenagem de dióxido de carbono - tornam possível a produção de uma "quarta geração" de biocombustíveis denominada de "biocombustíveis ultra-limpos e carbono-negativos", no jargão científico que começa a circular no setor.

Overlapping de gerações

Vamos dar uma olhada em como as diferentes gerações de biocombustíveis se sucedem. Biocombustíveis de primeira geração são conhecidos por seus múltiplos problemas, especialmente quando produzidos a partir de grãos como o milho (EUA) ou canola (UE). Críticas recorrentes ocorrem por seus impactos negativos sobre os preços dos alimentos (o que não é o caso da cana), ou na ameaça à biodiversidade, como no caso do dendê do sudeste asiático. Seus balanços de carbono são ruins na medida em que não reduzem muito a emissão de gases de efeito estufa, ou porque as técnicas de cultivo convencional (por exemplo, liberando óxido nitroso) anulam a redução das emissões (este, mais uma vez não é o caso do etanol de cana). O balanço de energia ainda é muito precário, variando de 1,5:1 (etanol de milho) a 3,5:1 (biodiesel de dendê), apesar da relação 10:1 do etanol de cana. Finalmente, estes biocombustíveis de primeira geração dependem de tecnologias de conversão relativamente ineficientes (como a fermentação por leveduras convencionais ou pela transesterificação com catalisadores alcalinos), se comparados com os novos processos em desenvolvimento.   A produção de biocombustíveis de segunda geração envolve uma mudança na etapa de bioconversão que, em teoria, permite resolver o aparente dilema entre produzir alimentos ou energia. Em vez de apenas usar açúcares, amidos e óleos facilmente extraíveis, como na geração anterior, estas técnicas permitem a utilização de todas as formas de biomassa de lignocelulose. Espécies de gramíneas, árvores, resíduos agrícolas e industriais podem ser convertidos através de duas vias principais: uma rota bioquímica e outra termoquímica. A primeira depende de enzimas específicas e/ou microorganismos que podem quebrar a celulose e a hemicelulose, para liberar os açúcares contidos na biomassa. Por esta tecnologia é possível produzir etanol celulósico. Por tecnologia similar, alguns microorganismos transgênicos também podem transformar a biomassa em combustíveis gasosos, como o biogás e biohidrogênio, através de digestão anaeróbica. Avanços na biologia sintética pode conduzir a microrganismos transgênicos, que realizam essas tarefas de maneira altamente eficiente.

 

A rota termoquímica converte biomassa através de processos como gaseificação e pirólise rápida. A gaseificação permite a obtenção de biocombustíveis sintéticos muito limpos, inicialmente pela produção de gás de síntese (Fischer-Tropsch), e posteriormente pela síntese de biocombustíveis líquidos, rota esta conhecida como "biomass-to-liquids" (BTL). O processo atual já possui eficiência energética aceitável, mas a integração de processos promete eficiência ainda maior.   Na pirólise rápida de biomassa esta é rapidamente aquecida (450-600° C) na ausência de ar, para produzir um biocombustível líquido, pesado, denominado bio-óleo ou óleo de pirólise. Diversos laboratórios estão aprimorando a tecnologia, objetivando obter um produto com melhores características, especialmente com elevada eficiência energética. Adicionalmente, o bio-óleo e seus resíduos (char) podem ser tratados como uma matéria-prima para produção de combustíveis BTL.

 

Vantagens

Os biocombustíveis sintéticos e o etanol de celulose apresentam melhor balanço de carbono e podem reduzir as emissões de dióxido de carbono em até 90%, em relação aos combustíveis derivados de petróleo. Além disso, eles são ultra-limpos e reduzem as emissões de outros poluentes importantes (NOx, SOx).   Quando combinadas, as potencialidades dos biocombustíveis originados da bioquímica e da conversão termoquímica da biomassa, são enormes. O Conselho Mundial de Energia (www.worldenergy.org) estimou, recentemente, que apenas estes combustíveis poderiam substituir cerca de 40 por cento de todos os combustíveis derivados de petróleo de transportes, em 2050. Esta estimativa descortina excelentes oportunidades comerciais, não apenas para o mercado doméstico brasileiro porém, especialmente, no mercado internacional

 

A terceira geração

A segunda geração de biocombustíveis se caracteriza por mudanças na etapa de bioconversão, usando matérias primas já existentes. Já a terceira geração de biocombustíveis é baseada em avanços feitos na fonte - a produção de biomassa. Esta geração se beneficia de novas culturas energéticas, especialmente concebidas para este fim. Há um progresso significativo para ser feito a esse respeito. Os recentes avanços em biologia vegetal, o surgimento de técnicas de reprodução extremamente eficientes e rápidas (melhoramento molecular), os avanços rápidos no campo da genômica e design de plantas transgênicas promete plantas com propriedades mais adequadas para a conversão em bioprodutos, em especial biocombustíveis. Instituições científicas líderes, como o U.S. Dept. of Energy Joint Genome Institute (JGI), estão investindo convictamente nesta linha de pesquisa.   Exemplos recentes oferecem um vislumbre do que podemos esperar no futuro próximo. Recentemente, cientistas desenvolveram variedades de eucalipto com baixo teor de lignina, o que permite melhor taxa de conversão em etanol celulósico. Do mesmo modo, foram criados choupos (poplars, uma árvore do Hemisfério Norte, de nome científico Populus alba ou P. nigra) com menor conteúdo de lignina. Os cientistas do Agricultural Research Service (ARS/USDA, órgão do Governo Norteamericano similar à Embrapa), produziram novos cultivares de sorgo, com baixo teor de lignina, tornando a cultura ideal como matéria prima para os biocombustíveis celulósicos e para co-produção de alimentos.   Os cientistas da área de agronomia também estão conseguindo aumentar a produção de biomassa de culturas energéticas, por unidade de área. Culturas com maior teor de açúcar (sorgo doce), com alta produtividade em condições mais secas, foram desenvolvidas e estão sendo cultivadas para produção de etanol, com muitas vantagens sobre o milho. Por exemplo, os cientistas da Universidade Texas A & M desenvolveram um sorgo tolerante à seca, que pode produzir entre 37 e 50 toneladas de biomassa seca por hectare, o que significa uma verdadeira revolução na produção de biomassa de alta energia, a custo mais baixo.

 

De particular significado é a criação de uma variedade de milho que já contém as enzimas necessárias para converter a biomassa em biocombustíveis. Os cientistas utilizaram ferramentas de biologia sintética para descobrir os princípios necessários que permitiram a concepção da nova variedade. Este é um exemplo radical de culturas da "terceira geração" de biocombustíveis.

Por sua parte, o cientista mais conhecido no campo da biologia sintética e genômica, o Dr. Craig Venter (respeitado cientista, fundador da Celera Genomics, ver www.jcvi.org), em parceria com o Center for Genome Technology asiático, está sequenciando o genoma do dendê, o que permitirá desenvolver variedades mais adequadas para a indústria de biocombustíveis. Igualmente, um grupo de cientistas, anteriormente liderado pelo Dr. Norman Borlaug (Premio Nobel da Paz, falecido em 2009), está sequenciando a planta de mandioca, já utilizada para produzir biocombustíveis de primeira geração, mas que pode ser melhorada significativamente, aumentando o conteúdo de amido. Este avanço será particularmente útil para os países africanos e para a Índia, onde a mandioca é largamente cultivada.     Finalmente, no que deve ser visto como um avanço da maior importância, os cientistas conseguiram superar o problema dos solos ácidos através do desenvolvimento de uma cultivar de sorgo, que pode crescer adequadamente em tal ambiente. Metade dos solos do mundo são ácidos, a maioria deles nos trópicos e sub-trópicos, justamente na área de expansão da produção agrícola nos próximos anos, especialmente da agricultura de energia. Esta quebra paradigmática de tecnologia possui o condão de disponibilizar uma grande parte da terra do mundo anteriormente considerada problemática para a agricultura, devido aos altos custos de correção do solo.

 

Esta é apenas uma breve visão geral do potencial de criação de novas técnicas de seqüenciamento genético, e que estão sendo cada vez mais utilizado. O aspecto mais importante a considerar é que nem todos os avanços recentes provêm de técnicas de melhoramento molecular, que tornam mais fácil gerar e selecionar as culturas permitindo a sua liberação comercial em questão de meses, em vez de anos. Logo, é fácil prever a velocidade da mudança quando técnicas avançadas forem de uso generalizado, o que permitirá saltos tecnológicos enormes, em curto espaço de tempo.  

Outro aspecto muito importante é que os avanços na agricultura de energia são meros desdobramentos de sucessos similares, obtidos para melhorar culturas alimentícias. Logo, se ambos os setores (alimentos e culturas energéticas), continuarem rompendo barreiras, a necessidade de novas áreas será cada vez menor, para atender as demandas de alimentos e de energia. Em decorrência, pode aumentar ainda mais as estimativas iniciais do potencial de produção de biocombustíveis, no longo prazo, porque as projeções atuais (Task 40 e Conselho Mundial de Energia) não consideraram os avanços em biologia vegetal e biotecnologia.

 

O uso de tais culturas energéticas gera um impacto positivo tanto no balanço de carbono quanto de energia. Com rendimentos mais elevados e bioconversão mais eficiente, menos energia é necessária para cultivar, colher e transformar uma determinada quantidade de biomassa em biocombustíveis. Esta é a grande característica da terceira geração de biocombustíveis.

 

A quarta geração

Um desenvolvimento particular na biologia de plantae deve ser mencionado, porque ele nos leva direto para a "quarta geração" de biocombustíveis. Duas equipes de cientistas anunciaram, recentemente, que conseguiram projetar árvores que armazenam quantidades de dióxido de carbono significativamente maiores do que seus equivalentes normais. A façanha foi conseguida para plantas de eucalipto - uma fonte de biomassa adequada para o cultivo nos trópicos - e para Dahurian Larch, uma planta comum na Sibéria e nordeste da Ásia, de nome científico Larix gmelinii.  

Em sistemas de obtenção de energia de quarta geração, a produção de biomassa persegue o conceito de captura de carbono, transformando as plantas em máquinas que tiram o CO2 da atmosfera para armazená-lo em seus galhos, raízes, troncos e folhas. O carbono da biomassa é então convertido em combustível e gases por meio de técnicas de segunda geração. Então vem a diferença, pois, antes, durante ou após o processo de bioconversão, o dióxido de carbono é capturado, utilizando um processo de pré-combustão chamado de oxicorte, ou então por processos de pós-combustão. O CO2 sequestrado pode ser armazenado em campos de petróleo e gás esgotados, em minas de carvão após a fase de mineração ou em aqüíferos salinos, onde permanece preso por centenas, talvez milhares de anos.

  Esta sequencia permite melhorar consideravelmente o balanço de carbono da produção de biocombustíveis. Deste modo, os combustíveis e gases resultantes não só são renováveis, como também são, efetivamente, carbono-negativos. Apenas a utilização da biomassa permite a concepção de carbono-negativo. As demais formas de energias renováveis (eólica, solar, etc) são, na melhor das hipóteses, carbono-neutro, ou carbono-positivo na prática. A quarta geração de biocombustíveis terá a pretensão de retirar CO2 da atmosfera, que tenha sido emitido muito antes que os biocombustíveis fossem produzidos, tornando-se ferramentas para limpar o nosso passado sujo.

 

Segundo os cientistas que defendem o conceito de "bio-energia com o armazenamento de carbono (BECS)", que é o fulcro da quarta geração, se considerados no contexto de uma estratégia para combater as 'mudanças climáticas bruscas, estes sistemas aplicados em escala global, pode nos levar de volta à concentração de CO2 atmosférico préindustrial. O conceito seria mais eficiente do que as técnicas que estão limitados à depuração de CO2 da atmosfera, sem abordar a origem do problema, que é a queima de combustíveis fósseis.   O conceito BECS somente se torna viável, na prática, inicialmente pelo desenvolvimento de vegetais com crescimento rápido e alto rendimento, que capturam mais dióxido de carbono. Como estocar este carbono por longos períodos de tempo é a segunda inovação, que permite que o conceito se materialize. Tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) estão sendo desenvolvidas para aplicação na indústria de carvão mineral. O aproveitamento destas inovações na produção de biocombustíveis descortina uma nova dimensão. No caso do carvão, a aplicação da CCS está ligada à localização das minas e fábricas de carvão, consequentemente dos locais de sepultamento de CO2.   Entre outras restrições, isto significa que o seqüestro e o armazenamento ocorrerá relativamente perto de locais habitados, como cidades. Ao contrário, a biomassa pode ser cultivada em praticamente qualquer lugar. O CCS aplicado à biomassa permite um cenário ideal, ou seja, a produção de biomassa e o seu seqüestro ocorrendo longe de regiões habitadas. Tanto o biocombustível quanto outras formas de energia densificada (pellets, bio-óleo) seriam produzidos localmente e, em seguida, enviados para os usuários finais, já retirada a parcela de carbono que seria sequestrada.

 

O que descrevi até agora pode parecer ficção científica. Porém, os primeiro passos já estão ocorrendo na prática. O Departamento Nacional de Energia dos EUA, através do Energy Technology Laboratory (DOE / NETL) e a Força Aérea Americana (USAF) divulgaram um relatório sobre a produção de combustíveis a partir da liquefação conjunta de carvão e biomassa, acoplando a tecnologia de seqüestro de carbono na fase de produção industrial do combustível. Ainda se trata de um embrião pré-industrial, mas o importante é a demonstração do conceito, ou seja, tecnologia para tanto já existe. Ela necessita ser aprimorada e escalada, para aproveitamento comercial, em larga escala.   Em conclusão, as tecnologias de biocombustíveis estão evoluindo com muita rapidez, e paradigmas dominantes serão rapidamente superados. A primeira geração recebe muitas críticas, porque a produção atual é dominada por técnicas ineficientes, que permitem vislumbrar pressões sobre os mercados de alimentos e que apresentam problemas ambientais. Mas uma combinação de biologia vegetal, técnicas de captura de carbono e os processos de bioconversão inovadores permitem antever uma nova era de biocombustíveis que não só será abundante, altamente eficiente e limpa, mas que será o melhor instrumento na luta contra a mudança climática.

A dinâmica dos combustíveis

Décio Luiz Gazzoni

 

Um estudo de 2009 identificou 12 tecnologias com alto potencial de tirar da zona de conforto a visão presente dos combustíveis para transportes, já nesta década. O estudo associa a dinâmica da Ciência, o aumento da demanda de energia e a elevação de seu custo, e a pressão social em torno das mudanças climáticas globais. O principal driver dos avanços se encontra nos marcos regulatórios e demais políticas públicas governamentais, em especial dos países ricos. Uma estratégia bem sucedida em um país desenvolvido sempre desperta o interesse para emulação em outros países. Para tanto, foram consideradas tecnologias disruptivas aquelas que: a) Reduzam a demanda de combustíveis fósseis em mais de 20%, entre 2010-2030; b) Reduzam as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em mais de 30%, em relação aos combustíveis fósseis diretamente substituídos; c) Entrarão em escala comercial até 2014; d) Sejam competitivas com a cotação internacional do petróleo entre US$45 e US$ 90, dependendo da data de ingresso no circuito comercial.

 

 

Inovação

As novas tecnologias foram grupadas da seguinte forma:

Evolutivas. Tecnologias os atuais, melhoradas, as quais ganham uma sobrevida com avanços pontuais, que representem um impacto significativo na redução das emissões, na segurança energética e na otimização do uso das fontes de energia atualmente em uso;

Revolucionárias. São tecnologias inovadoras que, porém, mimicam os combustíveis atuais, permitindo o uso da infra-estrutura de distribuição existente. Desta forma, eliminam-se as restrições de infra-estrutura diferenciada de distribuição, o que confere um potencial de alta velocidade e escala de penetração dos novos biocombustíveis;

Quebras de paradigma. Significa sair dos combustíveis líquidos (e seus atuais motores) para movimentar veículos. A eletricidade é a grande mudança esperada para os próximos anos. São diversas etapas a cumprir. Por um lado, espera-se um acentuado aumento do transporte público de passageiros e do transporte de carga movidos a eletricidade. Por outro, inicia-se um período de comercialização de veículos de passeio movidos a eletricidade, cuja maturação plena deverá ocorrer após a década de 30. Se o leitor se interessar por detalhes, o texto completo se encontra no site http://dlgazzoni.sites.uol.com.br/pagina34.htm#med.

 

A conta que não fecha

Décio Luiz Gazzoni

O planeta precisa de 17 meses para gerar os recursos que a humanidade consome em um ano, segundo um estudo considerando 100 países, realizado pela Global Footprint Network (GFN, www.footprintnetwork.org, com sede em Oakland, CA). A humanidade consome recursos e produz CO2 a um ritmo 44% maior do que a natureza pode absorver. Eis porque cresce a sua concentração na atmosfera, provocando as mudanças climáticas que estamos vivenciando. O estudo revela também uma crescente disparidade entre os países, com relação ao impacto ecológico por habitante. Se todos os habitantes da Terra vivessem como um americano médio, seria necessário o equivalente a cinco planetas para produzir os recursos alimentícios e energéticos consumidos e absorver as emissões. Se o consumo fosse o de um europeu médio, seriam necessários dois planetas e meio. As ameaças que estamos enfrentando, como as mudanças climáticas, o desmatamento, a diminuição da pesca, a super-utilização da água doce, são sintomas de uma tendência alarmante.  

Conferência do clima

A GFN calcula o potencial de produção de recursos da natureza, como são utilizados e por quem. Ela gera um indicador que calcula a superfície de terra e de água necessárias para produzir recursos que uma determinada população consome e para absorver os dejetos produzidos. Os dados primários, derivados de inúmeras fontes, como a ONU e as estatísticas dos governos, mostram que, entre 2005 e 2006, o impacto ecológico da humanidade aumentou quase 2%, devido a um crescimento da população e do consumo de recursos por pessoa. Nos últimos 10 anos estudados, o impacto do homem sobre a natureza aumentou 22%, enquanto a biocapacidade – conceito que mede a quantidade de recursos que a natureza pode produzir - se manteve constante ou pode ter diminuído.

  Em 1961, todo o planeta usava pouco mais da metade da biocapacidade da Terra. Agora, 80% dos países usam mais biocapacidade do que dispõem dentro de suas fronteiras – e passam a usar a dos outros! Importam recursos, esvaziam seus próprios estoques e enchem a atmosfera e os oceanos de CO2. Apesar destes dados preocupantes, existem meios para corrigir esta trajetória. Esta seria a missão da Conferencia das Partes (COP 15), que iniciou-se em Copenhagen. Para tanto, bastaria que todos os líderes mundiais entendessem que, se continuarmos na trajetória dos últimos 40 anos, o barco (leia-se, Planeta Terra) vai afundar e morreremos todos. Melhor entregar os anéis para não perder os dedos.

 

Dá o que pensar!

Décio Luiz Gazzoni

Capítulo 1: O Dr. Walter Barroso, competente dentista da nossa Londrina, me conta que precisava de um empregado que o auxiliasse no sitio. Lhe foi indicado um rapaz que reside em um assentamento em Teodoro Sampaio (SP). Lá foi o Dr. Walter à cata do rapaz e descobriu que, além dos quase 40 ha de terra recebidos da reforma agrária (onde tinha 40 vacas de leite), também havia montado uma oficina no assentamento. Com duas fontes de renda, por que você quereria trabalhar comigo? perguntou-lhe o Walter. Porque, apesar de a família e eu darmos duro de sol a sol, não conseguimos tirar nosso sustento da terra e da oficina, foi a resposta. E o caso dele não é único, a falta de renda adequada é a principal razão do fracasso dos assentamentos de reforma agrária.   Capitulo 2: O cidadão, com esposa e 4 filhos, recebe salário mínimo. Com renda per capita inferior a R$140,00, recebe mais R$90,00 da Bolsa Família. Aí fica desempregado, depois de 6 meses acaba o seguro desemprego e sobram-lhe a Bolsa e os bicos incertos. E se, num ato de desespero, cansado de ver a família passar fome, sem dinheiro para os remédios, virando lixo para catar roupa, resolvesse assaltar alguém? Fica com o patrimônio alheio e se entrega para a Justiça O que ocorreria?

Seus problemas acabaram!

Pasmem os senhores! De acordo com a Portaria nº 350, de 30/12/2009, o ex-empregado que recebia R$600,00 de salário mínimo e Bolsa Família passa a receber R$ 798,30 mensais, de auxilio reclusão pago à sua família. Ou seja, afrontou a Lei e a renda subiu! Nada contra evitar que os filhos de criminosos sigam o caminho do pai, por falta de alternativas de renda. Mas a situação fica desequilibrada. De repente, alguém entende que ganhar (ou invadir) terra é fácil, mas tirar o sustento dela é extremamente difícil e passa a agir de forma a ser enquadrado na Lei (talvez implorando seja atendido!) e passa a receber um valor superior ao que obteria suando na roça 7 dias por semana, 12 meses por ano.   É a questão do custo de oportunidade, percebido intuitivamente. Até porque, o exercício de atividade remunerada do segurado recluso em cumprimento de pena, em regime fechado ou semi-aberto, que contribuir na condição de contribuinte individual ou facultativo, não acarreta a perda do direito ao recebimento do auxílio-reclusão para seus dependentes. A meu ver, a coisa está desequilibrada, pois não pode o cidadão ordeiro, cumpridor das leis, ser penalizado quando comparado com o transgressor da Lei.

 

Mudando o rumo

Décio Luiz Gazzoni

De acordo com os estudos da Empresa de Pesquisa Energética do Ministério das Minas e Energia, nos próximos 20 anos o Brasil precisará crescer, anualmente, cerca de 4% sua capacidade instalada de geração de energia elétrica. Assim, para os próximos anos, precisamos aumentar em 4.000 MW anuais a capacidade de geração de energia elétrica, para evitar riscos de novos apagões, por descasamento entre oferta e demanda. Para conferir uma magnitude aos números significa que, a cada 3 anos, seria necessário construir mais uma usina de Itaipu!   Nos últimos 5 anos, este crescimento ocorreu com a instalação de termoelétricas movidas a energia fóssil (carvão, gás ou petróleo), considerada uma energia suja. Os estudos disponíveis mostram que o potencial brasileiro de geração de energia eólica (gerada pelo vento) pode chegar a 145 mil MW, cerca de 35% a mais que toda a potencia de geração elétrica instalada, atualmente, no país. Entretanto, as usinas eólicas em funcionamento representam apenas 602 MW, ou 0,4% do potencial do Brasil.

 

Energia eólica

Em dezembro de 2009 foram contratados, por leilão, 753 lotes de 71 empreendimentos geradores de energia eólica, através da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A compra significa um acréscimo de 1.806 MW de potência ao Sistema Integrado Nacional (SIN). O resultado do leilão vai aumentar a participação na matriz elétrica brasileira de uma nova fonte de energia renovável, que não emite CO2 e é abundante no país, um incentivo ao uso de fontes renováveis de energia. Pelos valores do leilão serão efetuados investimentos de R$ 9,4 bilhões, com recursos privados. O potencial de geração foi limitado pela demanda solicitada no leilão, pois 339 empreendimentos entraram na disputa. Os contratos negociados somarão R$ 19,6 bilhões ao longo de 20 anos, ao preço médio de venda de R$ 148,39/MWh, que corresponde a uma redução de 22% em relação ao preço inicial de R$ 189,00/MWh.   O rumo está certo, o Brasil precisa manter seu currículo de bom comportamento ambiental na área energética. Precisamos lembrar que, além de energia eólica, podemos produzir muita energia elétrica de biomassa, como bagaço de cana, florestas plantadas, resíduos da agropecuária e do agronegócio e de lixo urbano. Empresários do setor afirmam que, com a tecnologia atual, é possível gerar energia elétrica em termoelétricas a biomassa, por menos de R$120,00 por MWh. Em tempos de compromisso para evitar o aquecimento global, o Brasil não pode desprezar esta riqueza.

 

A multifuncionalidade da soja

Décio Luiz Gazzoni

  Uma das poucas vantagens de ser idoso é ter histórias para contar. Há 25 anos, no exercício do cargo de Chefe da Embrapa Soja, propus à Direção da Embrapa a criação de um programa de pesquisa sobre soja na alimentação humana. Minha visão de futuro dizia que a sociedade poderia extrair muito mais benefícios da soja que simplesmente exportá-la ou produzir óleo e farelo. O então presidente da Embrapa proibiu a criação do programa. Como minha convicção dizia que eu estava certo e o presidente errado, ousei desafiá-lo e criei o programa. Como não podia dispor de recursos públicos para conduzi-lo, fui buscá-los na iniciativa privada. O programa cresceu, floresceu, rendeu ótimos frutos e espalhou-se por outras entidades de pesquisa. Mais que isso, outros programas de pesquisa foram criados, buscando usos não alimentares para a soja. Recém estamos no alvorecer deste processo, que ainda tem um longo caminho a trilhar, até esgotar a potencialidade da soja como insumo da indústria química. Mas já há muita coisa a comemorar.  

 

Onde tem soja?

Cientista tem a mania de inventar – e você é o beneficiário. Raro o dia em que um cidadão brasileiro deixa de ingerir algum alimento contendo soja ou usa algum produto dela derivado. Hoje a soja está presente em inúmeros alimentos, como pães, bolachas e biscoitos, bolos, embutidos, sopas, chocolates, leite condensado, doces de soja, sorvetes, sucos ou iogurtes. Mas as surpresas maiores estão em outros setores. A soja está na farmácia, como a isoflavona, usada para controle dos sintomas da menopausa. Meu amigo Elibio Rech, da Embrapa, que criou uma soja transgênica recém lançada, ambiciona produzir outros medicamentos da soja, como coagulantes, hormônios de crescimento e até uma substância que previne o contágio pela AIDS. Da borra do óleo de soja se produz um poliol, base para a fabricação de espumas, plásticos ou revestimentos.   Você pode ter dormido em um colchão ou descansado a cabeça em um travesseiro fabricado com soja. Ou aberto a geladeira e visto soja, não nos alimentos, mas na espuma do isolamento térmico do refrigerador. Ou assistido à TV sentado em um estofado com espuma e revestimento de soja. Ao dirigir seu carro, lembre-se que os parachoques, volante e outras partes plásticas podem ter sido fabricadas com soja. O caminhão ou ônibus que passa ao seu lado é movido com 5% de biodiesel de soja. Finalmente, não se espante se a tinta que a gráfica usou para imprimir o Jornal de Londrina foi fabricada com soja.

 

A próxima geração do biodiesel

Décio Luiz Gazzoni

Introdução

 

Para situar o texto que segue, uso como premissa que os próximos anos serão marcados por duas lógicas: a sustentabilidade das cadeias produtivas e uma estonteante dinâmica tecnológica. É sobre estes dois pilares que construo o ensaio a seguir, pois a sequência de gerações de biocombustíveis é a consequência prática desta lógica. Para tornar o texto mais didático, discorro, inicialmente sobre a sustentabilidade e a quebra de paradigmas tecnológicos, para concluir com o que imagino que será a próxima geração do biodiesel.

Muito se fala em gerações de biocombustíveis. Como o conceito é abstrato, o que significa, exatamente, cada geração, depende de como cada autor aborda o tema. Particularmente, considero muito lógica a seguinte classificação:

 

 

1ª. Geração: É a geração atual, composta, principalmente pelo etanol, biodiesel e biogás (proveniente de biodigestores);

2ª. Geração: São biocombustíveis obtidos por novas técnicas de processamento, a partir de matéria prima já existente. O exemplo mais conhecido é o etanol celulósico;

3ª. Geração: Serão obtidos biocombustíveis através de novas técnicas de processamento, resultantes de aprimoramentos da 2ª. geração, porém sua grande marca será a utilização de matérias primas específicas. Um bom exemplo são os biocombustíveis a serem obtidos de microalgas melhoradas para obtenção de energia;

4ª. Geração: Plasma os dois conceitos anteriores (métodos revolucionários e matérias primas mais eficientes) com otimização do balanço energético, integração de processos, conjugados com captura e estocagem do gás carbônico resultante do processo de obtenção de biocombustíveis.

 

Clarificada a questão conceitual, vou explicitar minha visão de como deverá evoluir o mercado de combustíveis líquidos para serviços pesados, hoje dominado, globalmente, em 95% pelo petrodiesel. Há décadas os cientistas buscam substitutos para o petrodiesel, que atendam aos critérios básicos de equivalência econômica e factibilidade técnica (usar os mesmos motores, sem grandes alterações) e que, suplementarmente, sejam renováveis e reduzam significativamente a emissão de gases de efeito estufa. E - extremamente importante - o combustível substituto deve ser obtido de matéria prima abundante e de oferta estável, para garantir o abastecimento do mercado.

O primeiro sucedâneo a ingressar no circuito comercial foi o biodiesel, alvancado por políticas públicas, em especial a mistura compulsória e os benefícios fiscais. Estas políticas são imprescindíveis por três motivos principais:

 

1. Criar um mercado administrado e garantido pelo Governo, que alavanque investimentos privados;

2. Diminuir a resistência do consumidor e o custo de sua aceitação;

3. Equalizar o preço do biodiesel com o do petrodiesel, em virtude do menor custo deste último.

O mundo deve produzir, em 2010, cerca de 13 bilhões de litros de biodiesel. Raciocinando pelo absurdo, se toda a produção fosse obtida a partir de óleo de soja, seriam necessários 26 milhões de hectares da cultura, o que representa 20% mais do que toda a área de soja do Brasil.  

O maior consumidor individual de biodiesel é a União Européia, seguida pelo Brasil. Nos Estados Unidos existem dificuldades ponderáveis para consolidar o biodiesel em sua matriz de combustíveis líquidos. Os produtores dos EUA enfrentam, no momento, o dilema de garantir a sustentabilidade desta indústria após o fim do subsídio do Governo americano, que atingia até US1,00 por galão de B100. Nos países da Europa, conforme as subvenções governamentais vão se reduzindo, o mercado tende a estreitar-se, comprometendo as metas impostas pelas diretivas da União Européia. O Brasil é o país de maior estabilidade, em especial pelo pragmatismo do Governo, que antecipou em três anos as metas estabelecidas em Lei, em função da capacidade da indústria de biodiesel de atender o mercado.

 

  Outras possibilidades têm sido tentadas, como o uso de óleo vegetal sem conversão para biodiesel, o etanol hidratado (em linhas duplas de alimentação ou por aditivação), e as misturas de diferentes proporções de biodiesel, etanol, óleo vegetal e petrodiesel. Entretanto, trata-se de tentativas ainda restritas a experimentos de validação, frotas cativas ou a locais onde o custo do óleo vegetal é significativamente inferior ao custo do petrodiesel.

Entraves

Os principais entraves ao desenvolvimento continuado e sustentável da indústria de biodiesel estão relacionados à matéria prima, de onde é extraído o óleo vegetal, posteriormente transesterificado com alcoóis primários para obter o biodiesel. Acessoriamente, a glicerina produzida pela transesterificação pode inundar o mercado, se usos inovativos não forem implementados rapidamente, evitando a criação de ônus industriais e passivos ambientais.  

As três matérias primas mais importantes, responsáveis por mais de 98% do biodiesel produzido no mundo, são soja, canola e dendê. Das três, o dendê, em teoria, disporia de vantagem comparativa sobre as outras duas, pela maior densidade energética e menor custo. Entretanto, sua produção no Sudeste Asiático, em especial na Malásia, tem sido fortemente contestada, pelos danos ambientais ocasionados a áreas de manguezais, obnubilando as demais vantagens. A canola está próxima de completar um ciclo na União Européia, cujo ápice ocorreu em 2006. O conflito com a produção de alimentos, o alto custo, o baixo ganho ambiental, e o descompasso entre a capacidade de oferta de óleo vis a vis a elevada demanda da UE, estão colocando em risco o seu futuro como cultura energética.

 

Mesmo a soja, que tem conseguido abastecer com sucesso mais de 90% do restante da demanda mundial enfrentará muitos percalços no médio prazo. É fácil entender a razão: enquanto a demanda se mantiver abaixo dos 5 bilhões de litros de óleo de soja (obtidos em 10 milhões de hectares), será possível administrar eventuais conflitos com a produção de alimentos e com a expansão de área. Entretanto, se mais países resolverem implantar mandatos compulsórios e/ou se os países com atuais mandatos expandirem os percentuais de mistura, sobrevirão problemas para abastecer o mercado. Até porque, na margem do raciocínio, para cada quilo de óleo produzido são obtidos 4 quilos de farelo, com usos nutricionais. Como os dois mercados são interdependentes, existe um limite para a expansão da oferta de óleo para fins combustíveis sem reduzir, por um lado, a oferta de óleo comestível e, por outro, sem aumentar a oferta de proteína de soja acima da capacidade de absorção do mercado.

 

 

O futuro

Do meu ponto de observação, entendo como inexorável a progressiva inserção de energia renovável na matriz energética global, entendendo que, antes do final do presente século, as fontes fósseis de energia haverão sido completamente banidas. Portanto, fixo como premissa que haverá uma progressiva redução do uso de petrodiesel, em parte substituído por sucedâneos líquidos e, em parte, por eletrificação de linhas ferroviárias e do transporte público urbano.   O caminho entre o presente e o futuro almejado não é linear, ao contrário, a taxa de adoção de energia renovável será baixa no início do processo (atualmente) e muito alta daqui a 20-30 anos. Existem diversas razões para que o processo siga esta tendência, que vão desde a baixa eficiência e o alto custo dos biocombustíveis atuais (exceção feita ao etanol de cana), ao conjunto de interesses dos atuais produtores de petróleo, carvão e gás, passando pela dificuldade de produzir biocombustíveis em altos volumes, comparativamente à maturidade da indústria de petróleo.   A segunda geração de biocombustíveis busca transformar os entraves atuais em oportunidades de negócios, que permitam ocupar, progressivamente, parcela do mercado de combustíveis fósseis. No caso do petrodiesel, a análise do que está no pipeline dos cientistas mostra que a biologia sintética será a grande responsável pela transição para a segunda geração de sucedâneos. Ela permitirá significativa melhora nos processos de conversão, bem como a utilização de matéria prima diversificada, barata e abundante. É onde ganha espaço de crescimento a biologia sintética.

 

Biologia sintética

A primeira referencia que encontrei na literatura sobre biologia sintética remonta a um livro dos idos de 1974. Talvez a melhor definição para este ramo da Ciência seja a construção de novos arranjos e sistemas biológicos, que não são encontrados na Natureza, embora utilizando os elementos básicos encontrados em diferentes seres vivos. Os novos sistemas são desenhados a partir da demanda específica para desempenhar determinada função ou produzir uma determinada substância. Levando o conceito ao limite, a biologia sintética aproxima-se da criação da vida artificial. As principais abordagens em curso no campo da biologia sintética têm como objetivos:

Engenharia de novos sistemas – Busca sintetizar novos componentes biológicos que podem ser juntados para criar circuitos biológicos que se comportam de uma maneira previsível;

Redesenhando a vida – Trata da construção de sistemas biológicos, que preencham falhas de conhecimento na atual, que permite contrastar diferenças de comportamento entre organismos existentes e construções similares, que alteram partes do sistema biológico;

Criação de vida alternativa – É o mais espetacular e desafiador dos objetivos, buscando introduzir outras moléculas em sistemas vivos, diferentes de DNA, RNA ou proteínas.

A diferença fundamental entre os novos sistemas e aqueles encontrados na Natureza, que desempenham funções similares, se encontra no foco, na especialização e na elevada eficiência. Assim, um microrganismo que recebe um conjunto de grupamentos genômicos alienígenas, é instruído a dirigir todas as suas energias para uma determinada função, por exemplo, produzir, em grande quantidade, uma proteína específica. Paralelamente, os biologistas buscam reduzir o custo fisiológico (energético) das rotas bioquímicas, melhorando o balanço energético e a produtividade, medida em termos da quantidade produzida de determinada substância, em uma unidade de tempo fixa, com menor demanda de matéria prima de sistemas naturais similares.  

Já a diferença entre a biologia sintética e a biologia molecular tradicional é muito sutil. Basicamente, a biologia molecular introduz genes de interesse, extraídos de determinado organismo, por uma metodologia que ainda se baseia largamente em tentativa e erro. Na biologia sintética, parte-se de um projeto de sistemas biológicos, modelando um circuito genético, que envolve a transferência de porções de genoma de diferentes espécies, para uma espécie receptora.

 

  Os sistemas biológicos constituem-se em circuitos independentes, que atuam nos organismos vivos. Aproveitando-se desta característica de independência, os biologistas montam os novos sistemas de acordo com um projeto pré definido. Podemos comparar estes sistemas com placas de computador, em que uma controla o circuito de vídeo, outra o circuito de áudio, outra ainda a comunicação por rede. Assim, é possível transportar placas de diferentes computadores para uma nova máquina, alterando os componentes internos das placas para que executem determinada tarefa, que poderia ser a tarefa anterior otimizada, ou ainda uma tarefa diferenciada.

 

 

Aplicações da biologia sintética

Com o uso de ferramentas de biologia sintética, é possível encaminhar soluções para desafios científicos e tecnológicos tidos como insolúveis ou de solução muito difícil, ou ainda solucionáveis com custos incompatíveis. Algumas das aplicações da biologia sintética são:

 

Produção de biomedicamentos, de uma forma ambientalmente segura e a menor custo. Já existe um exemplo comercial nesta área, envolvendo a síntese de um microrganismo que produz o precursor anti-malária chamado artemisina. A droga era obtida de uma planta que ocorre no Sudeste Asiático, porém seu custo é muito alto para os países em desenvolvimento (onde a malária é epidêmica), além do fato de que a bactéria da malária está se tornando resistente aos outros medicamentos. Os biologistas inseriram porções do genoma da planta que sintetiza a artemisina em Escherichia coli, o que permite produzi-la pela metade do custo.

Detecção e tratamento de doenças de alto risco de morte. Cientistas trabalham para sintetizar células que possam "navegar" pelo sangue, identificando tumores e destruindo-os.

Produção de energia. Já existem diversos exemplos de síntese, usando microrganismos como E. coli, Sacharomyces cerevisae e Bacillus subtilis, usando diversas abordagens, tanto para aumentar a densidade energética, quanto para decompor produtos como a celulose em biocombustíveis, podendo chegar até o hidrogênio molecular. Aqui se insere a obtenção de sucedâneo do petrodiesel, que será abordada posteriormente.

Bioremediação. Grupos de pesquisa estão investindo em microrganismos sintetizados para remediar problemas com poluentes ambientais, em especial metais pesados, porém incluindo outros produtos como agrotóxicos ou gases perigosos, chegando até à descontaminação radioativa.

Células programadas para processar informação, comunicação e regulação de genes. A idéia básica é programar células da mesma forma que computadores são programados. Estudos avançados apontam para a possibilidade de dispor de novas formas lógicas de controle celular, com aplicações em genômica funcional, nanotecnologia e terapia celular, passando pela fabricação de biomateriais e nanoestruturas.

Quebras de paradigma

Duas notícias recentes servem como marco de uma nova era tecnológica, que poderá consolidar-se como dominante, nos próximos anos. Em 3 de fevereiro de 2010 a LS9, uma empresa de base biotecnológica, com sede na Califórnia, anunciou a compra de uma indústria instalada em Okeechobee, na Flórida. A intenção da LS9 é reformar as instalações para acomodar sua unidade piloto pré-industrial de produção de um sucedâneo do petrodiesel, cuja marca comercial será Ultra Clean Diesel. A tecnologia permite transformar biomassa em biocombustíveis líquidos, através de uma única etapa de fermentação. A capacidade de produção da planta é estimada em até 400.000 L/ano.

 

Em artigo publicado em 28/1/2010, na revista Nature, é apresentada a tecnologia que permite obter biodiesel a partir de material celulósico. Os principais autores do artigo são Eric Stein, pesquisador do JBEI/USDOE, Jay Kiesling, um dos fundadores da LS9, atualmente na Universidade da Califórnia (Berkeley), e Stephen del Cardayre, cientista chefe da LS9 (veja mais informações sobre a empresa em www.ls9.com). Neste artigo, são descritos dois processos seqüenciais.

 

O primeiro deles permite produzir ésteres de ácidos graxos (biodiesel!), alcoóis graxos e ceras, a partir de açúcares simples, usando E. coli transformada com ferramentas de biologia sintética. O segundo processo aborda um legítimo breakthrough tecnológico, pois avançando mais na transformação de E. coli, os cientistas conseguiram expressar hemicelulases, em quantidade suficiente para quebrar a hemicelulose em seus açúcares originais (pentoses, como a xilose ou arabinose), mantendo a rota original de produzir biocombustíveis líquidos, a partir destes açúcares.   Entendo este último processo como uma quebra paradigmática de elevado significado, porque a marca da segunda geração de biocombustíveis tem sido a tentativa de obtenção de etanol celulósico, demandando investimentos de diversos bilhões de dólares por múltiplos grupos de pesquisa, sendo o desdobramento da hemicelulose o maior dos desafios que estes grupos enfrentam. A equipe do Dr. Steen mostra uma rota viável, com o bônus adicional de obter ésteres de ácidos graxos, em um processo único, o que é muito mais complexo que a obtenção de alcoóis de baixo peso molecular. A importância do processo consolidado é a eliminação de uma etapa adicional de pré-tratamento da biomassa (para facilitar a ação das enzimas degradadoras de material celulósico), seja ela química ou enzimática, portanto reduzindo os custos energéticos e financeiros, e evitando a formação de substâncias indesejáveis.

Produzindo biodiesel

A bactéria E. coli já havia sido engenheirada anteriormente para produzir biodiesel, catalisando o processo de transesterificação, usando como insumos ácidos graxos e alcoóis produzidos externamente. A inovação descrita pelos autores é um exemplo didático da biologia sintética. A bactéria E. coli possui, na sua constituição, 10% de ácidos graxos, podendo produzi-los a uma taxa de 200mg.l-1h-1g-1 de células de E. coli. Os cientistas partiram desta habilidade natural da bactéria para desenhar sistemas biológicos que conduzissem à produção de biocombustíveis ou outras substâncias químicas de interesse, em grande quantidade, e a custos altamente competitivos.

  Os cientistas descobriram que na rota original de produção de ácidos graxos de E. coli, o produto obtido para estocagem é uma proteína carregadora de radicais acil, no caso a acil-ACP graxa. Como normalmente ocorre na Natureza, o acúmulo desta substância nos orgânulos de estocagem da bactéria provoca uma inibição progressiva de sua síntese.

Entretanto, o objetivo é maximizar a capacidade de produção dos ácidos graxos, portanto os cientistas projetaram uma rota para evitar a inibição de sua síntese. Assim, foi ativada a super-produção e secreção dos ácidos graxos, baseada em uma enzima chamada tioesterase (tesA), que permite obter 320mg.l-1h-1g-1 de células de E. coli, 60% acima do valor normal, atuando em conjunto com a super-expressão de outra enzima, a CoA ligase (ACL).

 

Entretanto, a história não se encerra nesta etapa. Para melhorar a produção de ácidos graxos, os cientistas alteraram os genes que codificam para as enzimas associadas com a β-oxidação, super-expressando a fadD (que atua na primeira etapa de degradação dos ácidos graxos) e silenciando a fadE, que atua na segunda etapa da degradação dos ácidos graxos. Nesta configuração, a produção de ácidos graxos atingiu o elevado valor de 1200mg.l-1h-1g-1 de células.  

Uma vez produzidos os ácidos graxos, é necessário obter os alcoóis para proceder a sua esterificação. O álcool é co-produzido por uma rota específica, a partir da substância acil-CoA graxa (acr1), pela ação da enzima acil-CoA redutase (FAR). O gene que codifica para esta enzima foi transferido de Acinetobacter calcoaceticus, substituindo a enzima atfA, normalmente presente no sistema. Esta substituição permitiu obter alcoóis graxos na taxa de 60mgL-1. Adicionalmente, os cientistas introduziram os genes pdc e adhB, presentes em Zymomonas mobilis, que codificam para as enzimas piruvato descarboxilase e álcool desidrogenase, respectivamente.

  Finalmente, atua a enzima aciltransferase (AT), que produz os ésteres graxos (biodiesel), usando os alcoóis e os ácidos graxos produzidos anteriormente. O processo é altamente eficiente pois, como as bactérias secretam o biodiesel para o meio de cultura, não há necessidade de sacrificar as células para a sua obtenção, permitindo um processo contínuo. E como o meio é aquoso, há formação de uma fase sobrenadante do biodiesel, o que permite a sua separação com facilidade.

 

 

A enzima tioesterase tem marcada preferência por sintetizar ácidos graxos C14, embora tenha sido observado um espectro de C8 a C18. O comprimento da cadeia e a saturação dos ácidos graxos, diretamente afeta as propriedades químicas dos biocombustíveis, como o número de cetano e o ponto de fusão. Neste caso, os cientistas podem dirigir a síntese para determinados ácidos graxos, usando tioesterases alternativas, presentes em outros organismos, o que está dentro da lógica da biologia sintética. Outros autores, usando biotecnologia clássica, já haviam conseguido produzir ácidos graxos C8:0 e C10:0 em canola, com super-expressão de tioesterases codificadas por genes presentes em Cuphea hoockeriana.

 

 

 

Biodiesel celulósico

Deixei para o final o que considero o componente mais excitante da inovação, que trata da degradação do material celulósico para açúcares básicos, o que permite produzir biodiesel a partir de celulose ou hemicelulose. Foram introduzidos no sistema montado em E. coli, descrito acima, os genes que codificam para um domínio catalítico de endoxilanase (Xyn10B), presente na bactéria Clostridium stercorarium e um gene codificando para uma xilanase (Xsa), encontrado em Bacteroides ovatus. Para hidrolisar a hemicelulose contida no meio de cultura para xilose (um açúcar de 5 átomos de carbono, ou seja, uma pentose), as hemicelulases foram fundidas na porção amina da proteína OsmY, encontrada naturalmente em E. coli.   Como o leitor já percebeu, ainda resta a degradação da celulose até glicose, para otimizar o sistema biológico. Isto já faz parte do desenho dos biologistas sintéticos, apenas não foi publicado porque não atingiu o estágio de resultados repetíveis e comprováveis, que já foi alcançado com a degradação da hemicelulose. Ou seja, é apenas uma questão de tempo, e este tempo deve ser ainda em 2010, pela velocidade elevada com que as metas são atingidas com as ferramentas de biologia sintética.  

Em termos práticos, isto significa que poderá ser produzido biodiesel, em escala comercial, dentro de pouco tempo, utilizando a E. coli como mediadora entre a biomassa e o biocombustível. Obviamente, será necessário um período de aprendizagem e ganho de escala, além do tempo necessário para os investimentos no incremento da capacidade de produção de matéria prima e de das plantas de conversão industrial.

 

Na prática, o modelo de sucesso das usinas de produção de etanol de cana-de-açúcar será emulado, com alterações nas etapas de fermentação e de separação e purificação do biodiesel. Imaginando o processo integral, com conversão da sacarose, celulose e hemicelulose de cana-de-açúcar em biodiesel, pode-se estimar uma produção de biodiesel superior a 5.000 kg/ha, o que equivale à fonte mais competitiva de produção de biodiesel, disponível atualmente, que é o dendê.

 

Por esta razão, entendo que os dois fatos que aconteceram em janeiro passado, ligados à empresa LS9 – o anúncio do processo de engenheiramento da E. coli para produzir biodiesel a partir de sacarose ou hemicelulose e a aquisição da planta industrial para testar o processo já na fase pré industrial - permitem antever qual será a tecnologia dominante na produção de biodiesel na década de 20. No início, mais do que um concorrente para o biodiesel tradicional, será o grande trunfo de que disporá a sociedade para aumentar cada vez mais a participação do biodiesel na matriz energética mundial.

 

Recorde de produtividade

Décio Luiz Gazzoni

Produtividade agrícola tem que estar sempre acompanhada de sustentabilidade. Isto significa que o produtor produz o máximo possível, respeitando o ambiente, a condição social de seus colaboradores e obtém o máximo de rentabilidade financeira. Produtividade agrícola que não esteja associada com sustentabilidade vale apenas para pequenos testes, nunca para produção extensiva.

Produtividade sempre foi uma palavra chave na agropecuária. No entanto, a partir de agora, a exigência de produtividade será cada vez maior, pelas seguintes razões:

O mercado internacional será fortemente comprador, nos próximos anos. Ou aumentamos a produtividade ou derrubamos as floresta;

As margens dos mercados agrícolas tenderão a ser cada vez menores, resultado de uma concorrência encarniçada no mercado globalizado, onde cada elo da cadeia produtiva tenta se apropriar da maior fatia das margens;

O resultado final da rodada de negociações sobre o clima, iniciada em Copenhagen, vai exigir que todas as cadeias produtivas diminuam suas emissões de carbono – a agropecuária entre elas. Uma das maneiras de reduzir as emissões, aumentando a rentabilidade, é justamente produzir mais produto agrícola, por unidade de área e por unidade de insumo utilizado. Ganha o clima e ganha o produtor.

Kip Cullers

O amigo leitor acha possível produzir 5.000kg/ha de soja? Melhor achar, porque já temos diversos agricultores no Brasil que atingiram esta produtividade. E que tal 7.868kg/ha? Ou 9.348kg/ha? Ou ainda 10.356kg/ha? Seria possível? Se o leitor ficar incrédulo, eu entendo, afinal foi a minha primeira reação ao deparar-me com estes números. Precisei pesquisar muito, conversar com muitas pessoas, visitar a American Soybean Association nos EUA, para me convencer que eles eram verdadeiros. O que significam estes números? Representam a produtividade de soja do agricultor Kip Cullers (Purdy, Missouri), vencedor dos concursos de produtividade de soja nos EUA, em 2006, 2007 e 2008 (ainda não foi divulgada a produtividade do concurso desta safra).   Essas produtividades foram obtidas em pequenas parcelas, onde, pelas regras do concurso, o agricultor pode "montar" o seu sistema de produção. O que der certo, ou seja, o que aumentar a produtividade com alto grau de sustentabilidade, é testado em escala maior. E assim, sucessivamente, até abarcar toda a lavoura. Se o leitor coçou a cabeça e disse: "Eu quero ver esta produtividade em 100, 200 ha!" ele tem razão. O máximo de produtividade pode não significar, necessariamente, o máximo de rentabilidade. Kip Cullers é inteligente – como a maioria dos agricultores – e avança conforme verifica que o aumento de produtividade significa maior lucratividade e menor impacto ambiental. Assim, no total da sua lavoura, ele obteve, em média, 7.128kg/ha em 2008 – nas pequenas parcelas produziu 7.868kg/ha. Segundo ele, o clima correu mal – muito frio e muita umidade - e reduziu a produtividade da soja!

 

Produção x custo

É um erro assumir, como premissa, que todo o aumento de produtividade implica, necessariamente, aumento de custo. Por vezes, é possível aumentar a produtividade simplesmente fazendo bem feito, com capricho, o que já vem sendo feito, e com custos muito baixos. Por exemplo, efetuar a análise de solo com amostragem adequada da área, antes de decidir pela aplicação de fertilizante; comprar semente fiscalizada de qualidade, da cultivar que melhor se adapta à sua lavoura; escolher a melhor época de plantio; regular adequadamente a semeadeira, verificar o número de sementes e a profundidade de semeadura; usar espaçamento e densidade adequados; inocular as sementes, controlar corretamente as plantas daninhas; controlar pragas no momento certo e apenas quando necessário; regular a colhedora, evitando perdas na colheita.   Porém, há um momento em que será necessário investir, melhorar a condição física do solo, saltar de patamar no uso de fertilizantes, adequar o parque de máquinas, prover irrigação, etc. Neste caso, a regra de ouro será sempre a mesma: feitas as projeções, o aumento do custo por safra, computando-se o custo variável e as amortizações, sempre deve ser inferior à projeção do aumento da produção. Ou, dito de outra forma, o custo de produção de cada quilo de soja, na produtividade mais alta, tem que ser inferior ao custo do mesmo quilo, na produtividade anterior.  

O leitor deve estar curioso em saber exatamente qual é o "pulo do gato" de Kip Cullers. Em suas entrevistas ele sempre chama a atenção que não existe pulo do gato. Pode ser que o salto de produtividade se deva ao uso de esterco (de galinha ou peru) ou ao controle da oferta de água para a soja. Mas ele ressalta que o importante é o olho do dono. Ou seja, muito capricho, aplicar o sistema de produção mais adequado observando cada pormenor, acompanhar a lavoura quotidiniamente e fazer as contas bem feitas. E que o desafio de participar do concurso de produtividade tem feito com que a sua lavoura melhore ano após ano. Ele tem demonstrado que aumentar a produtividade significa colocar mais dinheiro no bolso, pois os seus recordes de produtividade têm sido acompanhados de receitas também crescentes.

 

 

Finalmente, Kip Cullers não é apenas um recordista de produtividade de soja. Ele também produziu 23.268kg/ha de milho no ano passado. Tá bom ou quer mais?

 

As pilastras do agronegócio do século XXI

Décio Luiz Gazzoni

A sociedade contemporânea espera do agronegócio alimentos, plantas ornamentais e flores, madeira, princípios medicinais, matéria prima para a indústria química, entre outros. Também espera que ela ofereça serviços ambientais, como seqüestro de carbono, preservação da biodiversidade, garantia de água limpa e pura, para mencionar os mais importantes. Tudo com oferta abundante, respeito ao ambiente e preços acessíveis. Como atender conciliar tudo isso?  

A sustentabilidade e a constante inovação tecnológica, com grande interdependência entre elas, serão os grandes diferenciais do agronegócio do séc. XXI. A sustentabilidade pressupõe que o agricultor obtem rentabilidade da exploração agrícola, ao tempo em que minimiza os impactos ambientais e cumpre sua função social. Já as inovações tecnológicas desmentirão definitivamente Malthus, permitindo que a produção agrícola cresça a taxas superiores ao incremento populacional. Estou convicto que a principal característica da tecnologia do século XXI será a sua estonteante dinâmica, pois paradigmas dominantes serão superados e ultrapassados por inovações mais eficientes e mais adequadas, dentro de uma mesma década.

 

Demanda multifacetada

O crescimento da população mundial, que aumentará mais de 3 bilhões de pessoas, nos próximos 40 anos – além da inclusão social de quase 1 bilhão de famintos - exige uma ampliação dramática da produção de alimentos e de energia limpa. A pressão pela proteção ambiental, associada aos efeitos negativos das Mudanças Climáticas Globais, impõem um aumento acelerado da produtividade, em contraposição à expansão de área. O esgotamento das fontes de energia fóssil e o impacto ambiental negativo por elas causado, exige uma mudança drástica da matriz energética mundial, onde a energia da biomassa será protagonista. O aumento de renda e de estilo de vida impulsionará a demanda de outros produtos da agropecuária.

  De acordo com a FAO a agropecuária mundial ocupa 1,5 bilhão de hectares, 70% dos quais devotados à pecuária. Embora os estudos da FAO indiquem haver disponibilidade de área de terra arável para expansão equivalente à que está sendo cultivada, diversas restrições devem ser colocadas, como: a) as terras mais férteis, de topografia mais adequada e mais bem localizadas, já foram ocupadas; b) porção considerável da área de expansão é considerada arável apenas mediante irrigação; c) grande parte da área de expansão encontra-se na África, com severas restrições para sua incorporação ao sistema produtivo, em larga escala, nos próximos 30 anos; d) a sociedade mundial pressiona por políticas ambientais cada vez mais rígidas, o que deve se intensificar em função dos impactos das Mudanças Climáticas Globais.

 

O diferencial tecnológico

Neste contexto, impõem-se ganhos crescentes de produtividade. Atualmente, são necessários 0,22 ha para alimentar cada uma das 6,7 bilhões de pessoas e, nas áreas de mais alta tecnologia, é possível alimentar uma pessoa com apenas 0,1 ha. No entanto, na sociedade primitiva, extrativista, baseada na caça e coleta, eram necessários 20-100 ha para alimentar uma pessoa, enquanto nos primórdios da agricultura (corte e queima) esta demanda foi reduzida em 90%. Os primeiros agricultores que utilizaram várzeas necessitavam entre 0,5 e 1,5 ha para alimentar um indivíduo. O desafio deste século é romper ainda mais esta barreira, destarte próxima do seu limite físico.  

Até 2050 haverá necessidade de expandir a produção agrícola mundial em mais de 60%. Porém, dificilmente, será possível incorporar, especificamente para produção de alimentos, mais de 20% da área atual (cerca de 300 milhões de hectares), considerando que, paralelamente, também haverá pressão para aumento da área para outros produtos agrícolas. Logo, impõe-se ganhos de produtividade superiores a 33%, o que exige ações imediatas para evitar as conseqüências alternativas, que seriam a oferta de alimentos inferior à demanda ou os impactos ambientais indesejáveis do avanço acelerado da fronteira agrícola. O Brasil, pelas suas vantagens comparativas e pela expectativa de que venha a ser o grande provedor de alimentos do mundo, deverá elevar sua produtividade muito acima da estimativa de 33%, para compensar ganhos menores em áreas onde a produtividade já é muito alta ou onde a produtividade permanecerá baixa.

 

A celeridade e a intensidade exigidas do processo não permitem uma atitude de laissez faire, deixando ao sabor das pressões de mercado as mudanças necessárias, tornando-se imperioso a proatividade de políticas públicas que impulsionem o agronegócio no rumo correto. No nosso caso, é de transcendental importância conferir prioridade ao desenvolvimento de inovações que expandam a produtividade dos cultivos, com sustentabilidade.   Para tanto, há necessidade de inovações que permitam maior capacidade de extração e melhor aproveitamento dos nutrientes; otimização da transformação da radiação solar em fotossintatos; tolerância ou resistência a estresses bióticos (pragas) ou abióticos (excesso ou falta de chuva, temperaturas muito altas ou muito baixas, solos ácidos, alcalinos ou salinos). Também exige investimentos em processamento de produtos agrícolas e melhoria de processos de transformação de biomassa em alimentos ou energia, com alta eficiência energética e alta qualidade. Para tanto, será imprescindível o uso de ferramentas da fronteira da Ciência, como biologia sintética, nanotecnologia ou tecnologia da informação, para garantir que as inovações cheguem ao sistema produtivo a tempo e a hora.

 

Reconhecendo o mérito

Décio Luiz Gazzoni 

Eu pouco acredito em destino ou acaso – sou da geração forjada ao som de “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Desde priscas eras entendo que o diferencial competitivo do agronegócio depende, em grande parte, do seu agregado tecnológico. Este agregado significa tecnologia adequada, que impulsiona a produtividade, a rentabilidade, a qualidade e a sustentabilidade. Mais recentemente, vislumbrei que este século será marcado por um dinamismo tecnológico sem precedentes. Tecnologias hoje dominantes serão peças de museu em pouco tempo, superadas por outras mais competitivas. Logo, é fundamental dispor de visão estratégica, antecipar o futuro das grandes linhas de investigação, mapear as oportunidades dos clientes e as ameaças dos concorrentes. Nada disso é possível sem um agressivo e continuado investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação.  

Um baita ministro

Em abril próximo o Ministro Reinhold Stephanes deixa o MAPA para retomar a sua carreira legislativa. Encerra um período de invulgar virtuosismo na gestão das políticas públicas para o agronegócio nacional. Stephanes é daqueles ministros que vão deixar saudades e boas lembranças em todos os agentes das diferentes cadeias da agropecuária nacional. Enfrentou com rara habilidade e energia os grandes problemas e as ameaças ao nosso agronegócio. O que não solucionou durante seu mandato, deixou convenientemente encaminhado, como pude acompanhar pessoalmente – em especial no apoio irrestrito à elaboração da agenda estratégica da agricultura. Amanhã, no IAPAR, o Ministro Stephanes recebe o reconhecimento do CONSEPA – organização que congrega as instituições estaduais de pesquisa agropecuária do Brasil - pelo decidido apoio a elas conferido. Stephanes tratou com carinho não apenas a Embrapa – sua obrigação natural por ser vinculada ao MAPA – mas todas as demais instituições estaduais. A Embrapa, particularmente, passa por um momento singular de crescimento e ajustamento aos novos tempos, galgando degraus de forma acelerada, para enfrentar, adequadamente, os desafios do futuro. As empresas estaduais de P&D, que amargavam penúria acentuada nos últimos tempos, também foram alavancadas pela visão estratégica do Ministro Stephanes: são 17 empresas estaduais de pesquisa que receberão 300 milhões de reais em três anos. Justa homenagem lhe será conferida amanhã. Parabéns Ministro, boa sorte em seus próximos desafios e a certeza de nossa gratidão. Londrina se orgulha de um Ministro que fez a hora, não esperou acontecer!

 

 

Agroex

Décio Luiz Gazzoni

 

No dia 5 de março, na Rural, ocorreu o Seminário do Agronegócio para a Exportação, uma promoção do MAPA. A abertura foi uma verdadeira aula magna, proferida pelo Ministro Reinhold Stephanes, que, de forma simples e didática, analisou o agronegócio nacional e as oportunidades do nosso produtor no mercado internacional. Destacou que a FAO corroborou o que já sabíamos: o Brasil é o país com maior potencial de crescimento do agronegócio nas próximas décadas. O Ministro fez questão de relembrar as duas principais prioridades da sua gestão: pesquisa e defesa agropecuária. Sem elas, jamais abriríamos os mercados exportadores e arriscaríamos até perder o mercado interno. Um cálculo simples mostra que o futuro de nosso agronegócio está no mercado externo: a FAO estima que, um povo bem alimentado, necessita de 600kg de grãos por habitante. Logo, para alimentar 190 milhões de brasileiros precisamos de apenas 114 milhões de ton de grãos. As 30 milhões de ton que produziremos a mais, este ano, serão exportadas. Portanto, se algum brasileiro passar fome, a culpa não é da baixa oferta de alimentos, mas de falta de renda para adquiri-los. Saciada a necessidade de alimentos dos cidadãos brasileiros, nossa responsabilidade passa a ser 1 bilhão de cidadãos do mundo, que ainda tem restrições alimentares, e que, paulatinamente ingressarão no mercado. E os 3 milhões de novos convidados para o banquete, que nascerão até 2050.

 

Exemplos

Durante o evento, surgiram diversos depoimentos interessantes. Ana Mozuski, presidente Associação dos Produtores de Mel de Ortigueira, aposta no mel orgânico e no trabalho da Associação para organizar os apicultores para exportação. Em Porto Amazonas, a fruta da vez é o caqui. No mercado há 12 anos, uma empresa da cidade embarca, atualmente, 300 toneladas anuais para compradores europeus. O engenheiro agrônomo responsável pela produção, diz que a certificação internacional fez diferença não só na colocação da fruta nos mercados europeu e indiano, como na qualidade do processo produtivo. Descobriu também que vender diretamente para o comprador no exterior aumenta a rentabilidade. O empresário Nilson Jandre, com 40 anos de experiência no cultivo de café e eucalipto, soube transformar em dinheiro não apenas o que vem da terra, mas conceitos que podem vir agregados a determinados produtos agrícolas, como a certificação Halal - atestado de abate segundo os preceitos islâmicos – conquistando um importante mercado. Estão aí alguns bons exemplos a serem emulados.

 

 

Bioenergia em pauta

Décio Luiz Gazzoni

Na última sexta feira, tive o privilégio de proferir a aula inaugural do curso de mestrado em bioenergia, coordenado pela UEL, e que inova ao organizar uma rede de instituições de ensino e pesquisa do Paraná, que juntam esforços para transferir seus conhecimentos a uma nova geração de profissionais. Meritória a iniciativa, decisiva a atuação da professora Carmen Guedes (UEL), que coordena o curso, no plano estadual. Durante a aula inaugural, procurei transmitir aos estudantes que iniciam o mestrado o papel fundamental que a nova geração terá, em um quadro de intensa dinâmica tecnológica e busca contínua pela sustentabilidade no modus vivendi da sociedade. Ressaltando a importância que a energia renovável terá, ao longo do presente século, salientei a responsabilidade da geração que emerge em consertar os erros da minha geração, que, literalmente, emporcalhou a atmosfera, para não falar da água e dos solos. O uso quase exclusivo de energia fóssil está acirrando o efeito estufa, levando a mudanças climáticas intensas, que repaginarão as atividades humanas dependentes do clima, como o agronegócio. Daqui para frente não bastará solucionar o problema da oferta energia, a solução terá que ser sustentável, e passa por novos avanços tecnológicos e profissionais altamente qualificados.  

Brasil-Japão

Da UEL segui para o Rio de Janeiro, onde participei do Workshop Brasil-Japão, uma etapa na busca de uma colaboração científica e tecnológica na área de geração de energia de biomassa, em especial com o apoio da biotecnologia. O Japão depende da importação de petróleo e gás, para suprir suas necessidades de energia e busca alternativas para fugir desta arapuca. No lado positivo do currículo, o Japão ostenta 67% de seu território coberto por florestas. O foco é buscar alternativas tecnológicas sustentáveis e rentáveis para geração de energia a partir de biomassa, onde o Brasil ponteia no mundo, tanto pela sua invulgar capacidade de produzir biomassa, quanto por deter tecnologia na fronteira da ciência para produzir etanol e biodiesel. Mais que isso, diversos grupos científicos espalhados pelo país pesquisam as próximas gerações de biocombustíveis, que deverão suceder os atualmente disponíveis. Ao final do encontro, o CNPq e o seu equivalente japonês, JST, acordaram estreitar os laços de cooperação científica, aproximando os cientistas de ambos os países, intercambiando estudantes e mantendo programas conjuntos de pesquisa em bioenergia, co-financiados pelos governos do Brasil e do Japão.

 

 

E a vaca esquenta...

Décio Luiz Gazzoni

 

Cada país do mundo apresentou, em 2009, seu inventário de emissões de gases de efeito estufa, como um dos compromissos da fracassada Conferencia do Clima, de Copenhagen. E aí descobrimos que, quase 50% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa é causada pela pecuária bovina. Como? Pela flatulência decorrente da digestão dos bovinos. Dia virá em que, além do preço, o rótulo da picanha estampará quantos flátulos e arrotos foram necessários para produzi-la! Um estudo coordenado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais), mostrou que parcela ponderável das emissões brasileiras se deve ao desmatamento para abrir pastagens na Amazônia e no Cerrado, mas a fermentação entérica (metano exalado pelos bois) e as queimadas nas áreas de pastagem dão uma dimensão maior ao problema. Segundo o trabalho, a pecuária é responsável em média por 75% do desmate na Amazônia e 56% no Cerrado. A estimativa se refere ao período de 2003 a 2008. A revelação do peso da pecuária nas emissões brasileiras é uma má notícia do ponto de vista comercial, uma vez que o gado brasileiro já enfrenta restrições não tarifárias para entrar em mercados externos. Países europeus que assumirão meta de corte de emissões podem querem taxar a entrada de carne brasileira, já que vão arcar com o ônus da mitigação.  

Os números

Em 2008, a emissão total de gases-estufa pela pecuária nacional foi equivalente a 813 milhões de toneladas de CO2. Em 2003, com desmatamento maior, era de 1,1 bilhão. Pior: segundo um dos autores do estudo, Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, os valores podem parecer altos, mas são conservadores, pois a emissão de gases-estufa do solo por conta de degradação de pastagens, de transporte do gado e do uso de energia pelos frigoríficos não entraram nesta conta. Mas nem tudo está perdido, pois, com tecnologia adequada é possível reduzir dramaticamente estes valores. Melhorando os aspectos nutricionais do gado (menos flátulos e arrotos), aumentando a lotação (menor necessidade de desmatamento), aumentando a taxa de desfrute e diminuindo a idade de abate (menos cabeças e menos tempo de vida para emissão) poderemos resolver rapidamente o problema. A melhor notícia é que todas estas tecnologias estão disponíveis, já são usadas pelos melhores pecuaristas, que além de obter altos índices zootécnicos, também são recordistas de rentabilidade. Portanto, aumentar a taxa de adoção de tecnologias e constantemente aprimorá-las é o caminho para que a vaca pare de esquentar!

 

 

Agricultura 2050

Décio Luiz Gazzoni

Tecnologia é o fulcro da preocupação dos especialistas da FAO, que estudam o desafio da produção de alimentos em 2050. Aprofundo as inquietudes destes especialistas: a) Dispomos, hoje, de tecnologia para aumentar a produção agrícola de forma sustentável e equitativa? Por que muitas tecnologias já existentes não são utilizadas pelos produtores? Acho que a tecnologia hoje disponível nos garantiria pelos próximos 15 anos. Quanto à baixa adoção, começo a acreditar que o tema é insolúvel. Difícil entender porque o produtor deixa de adotar uma tecnologia que o beneficia. Algo como porque um fumante que sabe que o cigarro vai matá-lo, com muito sofrimento, continua fumando... b) Quais são as estruturas e o incentivo necessários para melhorar a adoção de tecnologias, incluindo os agricultores com poucos recursos? Não há segredo: assistência técnica universal, permeabilizada, e políticas públicas de incentivo ao aumento sustentável da produtividade. c) Como financiar a pesquisa agrícola a fim de assegurar que as tecnologias estarão disponíveis a tempo, em particular para mitigar os impactos das mudanças climáticas? A resposta é vontade política, conferindo prioridade nos orçamentos para o investimento em pesquisa agrícola, com o suporte de toda a sociedade. d) Como a pesquisa em avanços genéticos pode ser estimulada? Que tipo de sistemas de regulamentação e aprovação são necessários para garantir a plena utilização destas tecnologias? Qual o papel das parcerias público-privadas? Precisamos superar as restrições sem fundamento científico em relação às ferramentas avançadas, como a biotecnologia, sem dispensar o controle governamental sobre os produtos biotecnológicos. E, finalmente, não vejo como avançar tecnologicamente, com equidade de oportunidades de adoção, sem parcerias público privadas, que busquem a equanimidade de acesso à tecnologia.

 

Revolução verde

Finalmente, a pergunta central: e) É possível uma segunda Revolução Verde? Quais devem ser as suas características para assegurar o aumento da produção de alimentos até 2050? Não apenas vejo como possível, porém como indispensável um novo salto na produção agrícola mundial. Ao contrário da Revolução Verde, que objetivava resolver o problema da fome produzindo alimentos com fartura e baixo custo, devemos atentar para a nova exigência da produção agrícola: produtividade com sustentabilidade.

 

 

Próximas gerações de biocombustíveis: ficção científica?

Décio Luiz Gazzoni

Alguns assinantes do Biodieselbr ligaram, outros escreveram emails. Em comum, uma dúvida com fundo de ceticismo: muito bonito o que você escreveu sobre as próximas gerações de biocombustíveis, mas o que existe, efetivamente, de prático, que nos dê segurança que este rumo poderá ser trilhado? Que avanços palpáveis podem ser mostrados, que indiquem que uma segunda ou terceira geração de biocombustíveis, nos moldes referidos, possa se consolidar de forma competitiva, nos próximos anos?  

Dois dos interlocutores chamaram a atenção para o etanol celulósico. Um deles referiu que a Dedini iniciou estudos, no Brasil, para produção de etanol celulósico (de bagaço de cana), pela via da hidrólise ácida, ainda nos anos 80. Uma planta piloto pré-industrial foi construída, entretanto a tecnologia nunca atingiu maturidade comercial.

 

 

Outro assinante lembrou os bilhões de dólares que os EUA colocaram em projetos de pesquisa sobre hidrólise enzimática para produção de etanol celulósico, pelos Departamentos de Agricultura e de Energia americanos, além dos recursos privados, que geraram centenas de papers, mas etanol no mercado, por enquanto, é um sonho. Há três anos, o então presidente Bush criou, de uma só tacada, 5 centros de pesquisa dedicados exclusivamente ao desenvolvimento da tecnologia de desdobramento de celulose e hemicelulose, para produção de etanol, com recursos iniciais de US$150 milhões.

 

Mesmo assim, a tecnologia patina, pelo alto custo e extrema especificidade das enzimas em relação à matéria prima, pela dificuldade de desenvolver tecnologias single step (da celulose ao etanol em etapa única), pelas barreiras de desdobramento e fermentação da hemicelulose (composta de pentoses), entre outras dificuldades.   Ótimos questionamentos, são ponderações pertinentes que me inspiraram a escrever este texto. Aceito a primeira ponderação, sobre hidrólise ácida, como (quase) definitiva e as demais como indicações das dificuldades encontradas até o momento, porém perfeitamente superáveis. Discorro, a seguir, sobre a tecnologia da Dedini e, posteriormente, sobre outras rotas tecnológicas das futuras gerações de biocombustíveis.

Hidrólise ácida

Tudo começou com um pequeno protótipo instalado no Centro de Tecnologia da Copersucar, atualmente Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), sediado em Piracicaba. Demonstrada a viabilidade tecnológica em bancada, a tecnologia foi patenteada em 1996, tendo sido projetada uma planta piloto, instalada pela Dedini Indústrias de Base na usina São Luiz, em Pirassununga.   Visitei a planta no início de 2007 e lá permaneci um dia conversando com os engenheiros responsáveis. A tecnologia proprietária é denominada DHR — Dedini Hidrólise Rápida. O propósito é a hidrólise ácida do bagaço de cana, obtendo monossacarídeos, que seriam fermentados para obtenção de etanol. A motivação central da empresa era o potencial de aumento da produção de etanol, sem expansão da área plantada de cana-de-açúcar.   A hidrólise ácida é uma das rotas possíveis para a obtenção de etanol a partir da celulose, abundante nos resíduos da cultura da cana-de-açúcar ou do milho, hoje as duas principais fontes do produto. Na tecnologia patenteada pela empresa — maior fornecedora de bens de capital para o setor sucroalcooleiro —, um solvente dilui a lignina, estrutura da fibra do bagaço de cana que protege a celulose, para permitir a quebra das cadeias de carbono que a formam e a conseqüente geração de hexoses — açúcares formados por cadeias de seis carbonos, que serão finalmente utilizados para produção de álcool. O resíduo é formado pela hemicelulose e pela lignina, presentes em alto teor no bagaço de cana.

 

 

Na usina piloto, o bagaço é transportado para o alto da planta em uma esteira, chegando à boca do reator, instalado em uma torre da planta experimental. Ao lado do reator, no fundo da torre, está instalado um sistema que prepara e dilui o ácido, que fica circulando dentro do equipamento. O líquido passa por um tanque onde é resfriado por redução brusca de pressão, processo necessário para interromper a reação química do ácido.   Depois de passar por esse tanque, o líquido vai para a coluna de destilação. Nela é recuperado o solvente, que sai pela parte de cima da coluna e volta para o reator. Já a água, os açúcares e os produtos pesados saem pelo fundo. Ao final do processo de hidrólise resulta açúcar e água, que são levados para o processo normal de fermentação e destilação, ou seja, passam a ser integrados ao sistema convencional da usina. Esta etapa dura cerca de uma hora.   A planta piloto da DHR pode produzir, teoricamente, até cinco mil litros de álcool por dia, a partir do processamento de duas toneladas de bagaço por hora. Não obtive os números sobre a eficiência técnica e econômica da operação naquele estágio da produção (compreensível, por tratar-se de segredo industrial). Entretanto, como exemplo do potencial da tecnologia, me foi explicado que, em um hectare de cana, são colhidas 80 toneladas de cana limpa, sem palha. Essas 80 toneladas produzem, pelo processo convencional, 6.400 litros de etanol hidratado.

 

Colhendo a cana integral, que inclui a palha hoje deixada no campo, a produção por hectare passa a ser de 96 toneladas. Além dos 6.400 litros de bioetanol hidratado produzido a partir do caldo resultante do processo convencional, seria possível produzir mais 5.650 litros de bioetanol com o uso da tecnologia DHR para extração de mais açúcar do bagaço, e com a queima da palha para gerar energia que antes era produzida a partir do bagaço. Ao final, são produzidos 12.050 litros de etanol por hectare, ou seja, dobra-se a produção se a tecnologia DHR for empregada e se a palha for usada para geração de energia para a usina.

 

Durante a visita in situ à planta piloto, pude constatar que, após algum tempo de operação, a lignina formava um depósito com consistência sólida e firme (lembrando pedras de carvão mineral), que obstruíam as saídas do reator, exigindo manutenção freqüente. Este fato, aliado à dificuldade de fermentação de pentoses, de forma integrada com o processo rotineiro da usina, se constituíam em obstáculos técnicos ponderáveis, com óbvio reflexo na viabilidade econômica do processo.

 

Logo após à minha visita, a Dedini Agro, proprietária da Usina São Luiz, foi vendida para a Abengoa Energia, de capital espanhol. Posteriormente à venda, não tive mais noticias da continuidade do projeto DHR, apesar de que a planta piloto não foi incluída na venda à Abengoa. Portanto, devo reconhecer que, especificamente no tocante à hidrólise ácida de material lignocelulósico, estamos estacionados no acostamento.

Os avanços concretos

Porém, uma leitura atenta dos artigos que tenho escrito, mostrará que meu otimismo nas gerações futuras de biocombustíveis sempre repousa nas inovações provenientes da microbiologia, mais especificamente da biotecnologia e da biologia sintética. Para introduzir esta parte do artigo, vou recuperar os conceitos de gerações de biocombustíveis.

1ª. Geração: É a geração atual, composta, principalmente pelo etanol, biodiesel e biogás (proveniente de biodigestores);

2ª. Geração: São biocombustíveis obtidos por novas técnicas de processamento, a partir de matéria prima já existente. O exemplo mais conhecido é o etanol celulósico;

3ª. Geração: Serão obtidos biocombustíveis através de novas técnicas de processamento, resultantes de aprimoramentos da 2ª. geração, porém sua grande marca será a utilização de matérias primas específicas. Um bom exemplo são os biocombustíveis a serem obtidos de microalgas melhoradas para obtenção de energia;

4ª. Geração: Plasma os dois conceitos anteriores (métodos revolucionários e matérias primas mais eficientes) com otimização do balanço energético, integração de processos, conjugados com captura e estocagem do gás carbônico resultante do processo de obtenção de

Avanços da 2ª. geração

O etanol de primeira geração pode ser obtido pela conversão de materiais renováveis, através de processo fermentativo, usando cepas melhoradas por processos clássicos, derivadas de microrganismos encontrados na natureza.

Ocorre que, exceção feita à cana de açúcar, restrições são apostas ao etanol obtido de outras matérias primas (produto caro, compete com produção de alimentos, baixa eficiência energética, alto fluxo de carbono, etc.). Os resíduos agrícolas, entretanto, poderiam solucionar todos estes problemas. Estes materiais são em grande parte compostos de celulose, o principal componente da parede celular vegetal.

 

Entretanto, a celulose é muito mais difícil de degradar a açúcares simples do que o amido. Uma complicação adicional é que, enquanto a reação de fermentação que decompõe o amido de milho só precisa de uma enzima, a degradação da celulose requer todo um conjunto de enzimas, trabalhando em conjunto. Adicionalmente, para cada matéria prima, com arranjo celulósico diferente, são necessárias enzimas diferentes e condições de reação específicas.

As enzimas degradadoras de celulose são as celulases. As enzimas atualmente utilizados na indústria - isoladas de várias espécies de fungos filamentosos encontrados em vegetais em decomposição - são lentas e instáveis, e, como resultado, o processo é proibitivamente caro.

Poderia citar diversos exemplos de avanços concretos e inovadores no aproveitamento de material lignocelulósico para produção de etanol. Porém, por objetividade, vou me fixar em um artigo publicado na edição de 20/3/2009 da PNAS online (revista da Academia Nacional das Ciências dos EUA). No artigo, professores da prestigiosa Caltech (Califórnia Institute of Technology), relatam a construção de 15 catalisadores enzimáticos, altamente termoestáveis, que quebraram eficientemente a celulose em açúcares, em ambiente de altas temperaturas. O material genético foi sintetizado in vitro e introduzido em Saccharomyces cerevisae, a partir de genes obtidos dos fungos Humicola insolens, H. jecorina e Chaetomium thermophilum.

 

Previamente a este estudo, menos de 10 enzimas fúngicas celobiohidrolase II eram conhecidas. Porém a inovação está no fato de que as enzimas construídas possuem uma notável estabilidade térmica, e demonstraram a capacidade de degradar celulose atuando em um variado leque de condições, tanto de ambiente quanto de matéria prima.

As 15 novas enzimas foram criadas usando um processo chamado de recombinação de estrutura guiada (structure-guided recombination). Com o auxílio de um programa de computador para design genético, é possível determinar exatamente onde os genes devem recombinar, para obter a maior chance de sucesso. No caso, os pesquisadores buscavam enzimas que pudessem atuar a temperaturas muito superiores à temperatura máxima suportada pelas atuais celulases industriais.

 

Os cientistas do Caltech recombinaram as seqüências de três celulases fúngicas já conhecidas e eficientes, obtendo mais de 6.000 grupos de progênies, que eram diferentes de qualquer um dos parentais, embora as proteínas codificadas na enzima possuam a mesma estrutura, e mantenham a capacidade de degradação de celulose.

Nesta etapa, os pesquisadores da Caltech buscaram a parceria de cientistas da DNA2.0 (https://www.dna20.com), que é uma empresa privada de base biotecnológica fundada em 2003, atuando na área de genômica sintética, com sede em Menlo Park (Califórnia). Pesquisas da DNA2.0 identificaram os princípios de design genético pelo qual os códons são usados para maximizar a expressão de proteínas. Fruto desta pesquisa, foi possível produzir uma série de algoritmos que maximizam, de forma altamente confiável, a expressão de genes heterólogos.

 

Ao analisar, com o apoio de um software específico, as enzimas codificadas por um pequeno subconjunto destas seqüências, os cientistas do Caltech e da DNA2.0 foram capazes de prever quais das mais de 6.000 novas enzimas seria a mais estável, especialmente sob temperaturas mais elevadas. A termoestabilidade é uma exigência de celulases eficientes, pois em temperaturas mais altas - digamos, 70 ou 80 graus Celsius - as reações químicas são mais rápidas. Além disso, a celulose "incha" em altas temperaturas, o que torna mais fácil de quebrar a sua cadeia, por ataque enzimático. Infelizmente, as celulases encontradas na natureza são inativadas a temperaturas superiores a 50 graus Celsius.

Há mais vantagens na inovação. As enzimas que são altamente termoestáveis também tendem a durar por um longo tempo, mesmo em temperaturas mais baixas. Enzimas mais duradouras quebram mais celulose, reduzindo a necessidade de reposição, logo seus custos são mais baixos.

As seqüências desenhadas pelo computador foram sintetizadas quimicamente em moléculas reais de DNA, as quais foram transferidas para a levedura Saccharomyces cerevisae, responsável pela transformação de açúcares em etanol. A levedura transgênica produziu as enzimas, que foram então testadas para avaliar a sua capacidade e eficiência para degradar celulose. Todas as 15 novas celulases obtidas por biologia sintética foram mais estáveis, operaram em temperaturas significativamente mais elevadas (70 a 75 graus Celsius), e degradaram mais celulose por unidade de tempo e de enzima, do que as enzimas parentais.   Este trabalho demonstrou o que é possível fazer através da biologia sintética. Sem necessitar recorrer a qualquer organismo vivo – sequer os fungos que doaram as sequências genéticas – foi possível resolver uma série de problemas que vinham se constituindo em barreiras ao avanço dos processos de obtenção do etanol celulósico, de forma competitiva.   Assim, em laboratório e em pequena escala foi possível quebrar uma série de paradigmas que entravavam o ingresso da segunda geração de biocombustíveis na fase industrial. A próxima etapa agora é o chamado Vale da Morte – a planta piloto que deve demonstrar o potencial industrial da tecnologia. Continuo considerando o meu cronograma mental como válido, ou seja, até 2020 tecnologias de transformação de material celulósico em biocombustíveis, pela rota enzimática, serão competitivas em larga escala.

 

Avanços da 3ª. geração

Uma nova variedade de milho (Spartan Corn), desenvolvida e patenteada por cientistas do Michigan State University, pode transformar as folhas e caules de milho em produtos tão valiosos como os grãos. A variedade se encontra na etapa de produção de sementes, e a inovação está no seu genoma, que incorporou enzimas celulases na planta de milho. Esta variedade é o exemplo concreto do que denomino de 3ª. geração de biocombustíveis, ou seja, matéria prima inovadora, que soluciona problemas tecnológicos industriais, questões ambientais e econômicas.

O milho transgênico desenvolvido por cientistas de MSU é diferente do milho comum, a partir do qual a maior parte do etanol americano é produzido atualmente. A primeira geração de etanol é derivada do amido contido nos grãos de milho, degradado a açúcares por amilases. A nova variedade já contém as enzimas necessárias para degradação da celulose. Uma vez colhida a biomassa (ou seja, a planta inteira), as celulases são induzidas a degradar o material celulósico a monossacarídeos, que são fermentados a etanol ou outro biocombustível mais avançado. Antes que algum colega agrônomo me critique, reconheço que estudos serão necessários para definir quanta biomassa será possível exportar e quanta deverá permanecer no campo, para reciclagem de nutrientes e para manutenção do teor de matéria orgânica do solo.

 

Desta forma, os biocombustíveis de 3ª. geração continuarão sendo obtidos de biomassa. A diferença é que as culturas que fornecem a matéria prima serão concebidas de forma a que a sua própria estrutura esteja em conformidade com os requisitos de um processo industrial de bioconversão para biocombustíveis.

Outros exemplos da terceira geração de biocombustíveis são árvores comuns na Europa, cujo teor e estrutura de lignina (porção rígida ou "esqueleto" da parede celular) foi artificialmente enfraquecida e reduzida, e se desintegra facilmente através de técnicas já dominadas industrialmente. Plantas com baixo teor de lignina estão sendo desenvolvidas por vários institutos de pesquisa, entre eles o laboratório do pai da engenharia genética de plantas, Marc van Montagu, da Universidade de Ghent, na Bélgica, que trabalha com choupos nativos (poplar, árvores do gênero Populus).

 

O mesmo tema vem sendo abordado no Brasil, com estudos da International Paper, Aracruz, Suzano Celulose entre outras. Logo, teremos um eucalipto brasileiro, com baixo teor de lignina, pois o que interessa para a indústria de papel. é o teor de celulose. Mas, a indústria de biocombustíveis pode se aproveitar da inovação, pois a ela também interessa diminuir a lignina e aumentar o material celulósico.   Em conclusão, entendo que ainda existem alguns problemas tecnológicos a serem superados. Porém, as inovações que brotam a todo o instante dos laboratórios de pesquisa e, principalmente, os avanços alentadores que se observam na fase pré-industrial, ou no lançamento de novas variedades, reforçam minha tese de que, até o final desta década, assistiremos a uma verdadeira revolução na indústria de biocombustíveis, com um forte impacto mercadológico e na sociedade em geral.

 

Conferencia de Biodiesel

Décio Luiz Gazzoni

Em fevereiro passado, foi realizada a edição 2010 da National Biodiesel Conference, em Grapevine (Texas). O evento é realizado, anualmente, pelo National Biodiesel Board (NBB), a associação de biodiesel dos EUA. O clima não poderia ser pior entre os empresários presentes, após um ano de recessão nos EUA e com o fim do crédito tributário para o biodiesel norteamericano, lançado em 2006 para alavancar os negócios da área. Outro tema recorrente na Conferencia foi o atraso da entrada em vigor da nova legislação de Biocombustíveis (Renewable Fuels Standard – RFS2). Na abertura da Conferencia, o CEO da NBB, Joe Jobe resumiu o pessimismo geral, ao referir o mercado doméstico em queda, o mercado externo fechado, o atraso na implantação da nova legislação e o fim do crédito tributário. Em conseqüência, a maioria das empresas produtoras suspendeu as atividades e houve demissões em algumas delas.

  A preocupação dos congressistas com a renovação do crédito tributário para o biodiesel (US$0,01 por ponto percentual de biodiesel, por galão) era enorme. Em um país tido e havido como a pátria do capitalismo e do livre mercado, pode parecer intrigante a dependência umbilical de um setor industrial para com o Governo. Ocorre que, se no Brasil a defasagem de preços entre biodiesel e petrodiesel já é preocupante (apesar dos elevados impostos aplicados no petrodiesel tupiniquim), imagine nos EUA, onde o preço médio do petrodiesel, para o consumidor, é de R$1,30 ao litro (preço médio nacional em fevereiro de 2010 - http://tonto.eia.doe.gov/energyexplained/index.cfm?page=diesel_prices). Este preço é possível porque o total de impostos aplicados no diesel americano (federal, estadual e municipal) é limitado a 17%.

 

O biodiesel norte-americano (B100) chega a custar R$0,63 mais que o litro de petrodiesel, ou seja, cerca de 13% mais caro. Com o crédito tributário, um distribuidor que vender, por hipótese B99, o fará a 73% do preço do petrodiesel. O break even teórico estaria entre B30 e B35, quando seria indiferente para o consumidor adquirir petrodiesel ou biodiesel.  

A razão desta dependência forte do produtor americano em relação ao crédito tributário é o alto custo de produção do biodiesel. Lembremo-nos que, nos EUA, existe um piso de preços da soja em grão, de maneira que, quando o preço de mercado cai abaixo deste patamar, o Governo arca com a diferença, através dos subsídios agrícolas. Portanto, o produtor agrícola está protegido de queda de preços. Na sequência da cadeia produtiva, além do custo da matéria prima, incidem os demais custos industriais e de transporte, que tornam o biodiesel consistentemente mais caro que o petrodiesel. O produtor americano de biodiesel não vislumbra competitividade em um mercado livre e aberto, razão pela qual a manutenção do crédito tributário é vital para esta indústria.

 

A volta do subsídio

Passado a Conferencia, em 10 de março, o Senado norteamericano aprovou um projeto de incentivo à criação de novos postos de trabalho, ainda no bojo da mitigação da crise econômica. Neste projeto foi incluída a reposição do crédito para misturas de biodiesel, que havia expirado no final de 2009.   Entretanto o alívio é anestésico: sua validade é de apenas um ano, embora seja retroativa ao início de 2010. A NBB exerceu forte pressão para que o período coberto fosse de 5 anos. Na abertura da Conferencia, Joe Jobe havia apelado para que todos os congressistas presentes ao evento aplicassem o máximo de seus esforços e emprestassem o seu prestígio, para amparar o lobby que lutava por um período mais largo de isenção.   O prazo curto reflete as disputas para sua inclusão na lei do incentivo ao emprego, que gerou muita discussão no Congresso. O líder da maioria democrata no Senado (Sen. Harry Reid, de Nevada) era contrário à sua inclusão e apenas cedeu condicionado a negociações mais amplas e limitado à validade de um ano. A alegação dos senadores favoráveis à isenção se prendia aos 23.000 postos de trabalho que, supostamente, são contabilizados na cadeia produtiva do biodiesel, nos EUA.

 

Previsões otimistas

Um dos palestrantes do evento foi o reputado economista Don Reynolds que, apesar dos percalços do presente, vê luz no fim do túnel para a indústria americana de biodiesel, prevendo que 2010 será um ano de recuperação e renovado impulso para a indústria de biodiesel. "A indústria do biodiesel foi vendida aos americanos na premissa de que é bom para uma economia verde", disse Reynolds. "Mas é realmente muito mais do que isso. Sou otimista sobre o biodiesel, porque isso é importante para a nossa segurança nacional. Biodiesel é fundamental para equilibrar a nossa balança comercial, reduzindo a nossa dependência do petróleo estrangeiro."

 

Reynolds acredita que, em geral, a economia está melhorando e vai continuar a melhorar. Mas, ele adverte que, por vários motivos, levará muito tempo para que os EUA retomem as taxas de crescimento econômico do período 2004-2006. Apesar da recuperação, Reynolds antevê a próxima década, produzindo menos do que o crescimento médio do período anterior, devido a problemas estruturais e às más escolhas que o Governo Bush adotou em relação à pessoal e dívida pública. Ele acredita que 2010 será caracterizado pela elevação das taxas de juro de longo prazo, em virtude da pressão inflacionária. De outra parte, devido à recuperação econômica global e ao dólar fraco, os preços das commodities cotados em dólares tenderão a ser mais elevados.

Renewable Fuel Standard

A grande esperança dos produtores americanos de biocombustíveis é a nova legislação de combustíveis renováveis, e o tamanho do mercado compulsório que será criado, quando de sua entrada em vigor . Este assunto também nos interessa, porque os EUA, pelo tamanho de seu mercado doméstico, podem vir a ser um grande importador de etanol e biodiesel, e o Brasil poderá ser o seu grande fornecedor. Por esta razão vamos aprofundar a análise da RFS.  

A Agência de Proteção Ambiental (EPA) está finalizando as revisões do programa, conhecido como o programa RFS, para adequá-lo à Lei de Independência e de Segurança Energética, aprovada em 2007 (EISA). Este novo requisito legal estabelece o volume anual de biocombustíveis derivados de celulose, diesel de biomassa (em especial o biodiesel), os biocombustíveis avançados, e o combustível renovável total que deve ser usado no setor de transporte, no território americano.

 

 

O novo diploma legal também introduz novas definições e os critérios para enquadramento tanto dos combustíveis renováveis quanto das matérias-primas utilizadas na sua produção, incluindo os novos limites de emissões de gases de efeito estufa (GEE), determinados pela análise do seu ciclo de vida. Os requisitos regulamentares da RFS2 se aplicarão aos produtores nacionais e estrangeiros e aos importadores de combustíveis renováveis a serem produzidos e/ou comercializados nos EUA.

Ações-chave

Esta revisão final, apesar de estar retardando a implementação do programa, necessita ser acurada, pois estabelece as bases para alcançar reduções significativas de emissões de gases de efeito de estufa provenientes da utilização de combustíveis renováveis, auxilia na redução da importação de petróleo e no desenvolvimento e expansão do uso de combustíveis renováveis. Na prática ela fixa critérios de enquadramento e define o tamanho do mercado administrado, reservado aos biocombustíveis.

 

De acordo com a última versão do programa, ficaria definido o volume de 12,95 bilhões de galões (BG) de biocombustíveis, para 2010. Além disso, pela primeira vez, a EPA está definindo volumes para categorias específicas de combustíveis renováveis, incluindo os derivados de celulose, os sucedâneos de diesel derivados de biomassa e os combustíveis renováveis avançados. Para 2010, o volume de biocombustíveis derivados de celulose está sendo definido em 6,5 milhões de galões e o diesel de biomassa em 1,15 bilhões de galões (v. tabela 1).

Para se qualificar-se para ocupar o mercado criado pela RFS, os biocombustíveis devem demonstrar que cumprem determinadas normas mínimas de redução de gases de efeito de estufa, com base em uma avaliação do ciclo de vida, em comparação com os combustíveis de petróleo que pretendem deslocar.

De acordo com a EPA, cumprem ou excedem as normas mínimas obrigatórias de redução das emissões de GEE os seguintes biocombustíveis:

Etanol de milho com indústrias utilizando novas tecnologias

Biodiesel à base de soja

Biodiesel fabricado a partir de resíduos de graxa, óleos e gorduras

Etanol à base de cana

Biocombustíveis derivados de materiais celulósicos.

Tabela 1. Volume de biocombustíveis previsto anualmente para atender o programa RFS2, em bilhões de galões.

Ano Biocombustíveis derivados de celulose Diesel derivado de biomassa Biocombustíveis avançados Total
2008

-

-

-

9,0

2009

-

0,5

0,6

11,1

2010

0,1

0,65

0,95

12,95

2011

0,25

0,80

1,35

13,95

2012

0,5

1,0

2,0

15,2

2013

1,0

a

2,75

16,55

2014

1,75

a

3,75

18,15

2015

3,0

a

5,5

20,5

2016

4,25

a

7,25

22,25

2017

5,5

a

9,0

24,0

2018

7,0

a

11,0

26,0

2019

8,5

a

13,0

28,0

2020

10,5

a

15,0

30,0

2021

13,5

a

18,0

33,0

2022

16,0

a

21,0

36,0

a) A ser determinado pelo EPA, porém não inferior a 1 bilhão de galões

 

Tabela 2. Parâmetros EISA/RFS para 2010.

Tipo de biocombustível Porcentagem do mercado a ser atendido Volume demandado em bilhões de galões
Cellulosic biofuel

0,004%

0,0065

Biomass-based diesel

1,10%

1,15

Total Advanced biofuel

0,61%

0,95

Renewable fuel

8,25%

12,95

 

Biocombustível celulósico

A EISA exige que a EPA avalie e faça uma análise de mercado adequada para definir o volume de biocombustível derivado de celulose, a cada ano. Com base em uma análise atualizada de mercado, considerando-se informações detalhadas de plantas-piloto e de demonstração, de conformidade com uma análise da Energy Information Administration, e outras informações disponíveis sobre o mercado, a EPA definiu, para 2010, o volume de biocombustível celulósico em 6,5 milhões de galões de etanol equivalente. Embora esse volume seja significativamente inferior ao estabelecido no EISA para 2010, uma série de empresas e projetos parecem estar preparadas para expandir a produção apenas ao longo dos próximos anos, tornando inviável, na prática, a ocupação de mercado conforme previra a lei.

O volume não utilizado de biocombustível celulósico, fixado na lei será ocupado por outros biocombustíveis. No entanto, posto que o volume é inferior ao nível exigido pela EISA, restará um crédito à disposição dos produtores, a um preço fixo de 1,56 dólares por galão.

Redução de gases de efeito estufa

A EISA estabeleceu novas categorias de combustíveis renováveis e os requisitos de elegibilidade, incluindo a definição dos limites obrigatórios iniciais de redução de GEE para as diferentes categorias. Um aspecto importante do programa RFS2 é a exigência de que o ciclo de vida das emissões de GEE de um combustível renovável deva ser menor que o ciclo de vida das emissões de GEE da linha de base média, em 2005, da gasolina ou do diesel que ele substitui. Os limiares de redução fixados para 2010 são:

Biocombustíveis cujas plantas estavam funcionando até 19/12/2007 – 20%;

Biocombustíveis avançados – 50%;

Diesel derivado de biomassa – 50%;

Biocombustível celulósico – 60%.

O cumprimento de cada limite requer uma avaliação global dos combustíveis renováveis, bem como para a gasolina e para o diesel, com base nas suas emissões ao longo do ciclo de vida. Conforme estipulado pela EISA, deve-se avaliar a quantidade total de emissões de gases com efeito de estufa (incluindo as emissões diretas e emissões indiretas significativas, como as emissões de mudanças no uso da terra) relacionados com o ciclo de vida completo, incluindo todas as fases da produção de combustíveis e matérias-primas , distribuição e uso pelo consumidor final.

Com base no modelo atual de análise do ciclo de vida, a EPA determinou que:

O etanol produzido a partir de amido de milho, usando novas tecnologias industriais, pode atender o limite de 20% de redução de emissões de GEE;

O biobutanol de amido de milho está em conformidade com o limite de emissões de 20% de redução de GEE;

O etanol produzido da cana de açúcar está em conformidade com o limite de 50%, aplicável a redução de GEE para a categoria de combustível avançado;

O biodiesel de óleo de soja ou de algas e o diesel renovável de óleos, gorduras e graxas atende o limite de 50% de redução de GEE estabelecido para a categoria;

O etanol celulósico e o diesel de celulose cumprem o limite de 60% de redução de GEE aplicável aos biocombustíveis celulósicos.

A EISA mudou a definição de combustíveis renováveis, para exigir que sejam produzidos a partir de matérias-primas que se qualificam como "biomassa renovável." A definição da EISA limita os tipos de biomassa bem como as áreas onde a biomassa pode cultivada ou colhida. A definição aplica restrições a dois setores de produção de matérias-primas: o setor agrícola (culturas plantadas e resíduos da colheita) e do setor não-agrícola (árvores plantadas e resíduos de árvores, corte e pré-desbastes comerciais, resíduos e subprodutos animais). Estas definições afetam a utilização de algumas matérias-primas para a produção de combustíveis renováveis, objetivando reduzir impactos ambientais. No limite, a EPA irá monitorar o uso do solo nos EUA, para produção de matérias primas destinadas à produção de biocombustíveis, para evitar que sejam extrapolados os limites legais.

 

 

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