Biocatálise na produção de biodiesel - Parte I
Décio Luiz Gazzoni

 Introdução

 

  A tecnologia de produção de biodiesel é antiga, tendo o processo de transesterificação sido patenteado por G. Chavanne, na Bélgica, em 1937, utilizando óleo de palma como fonte lipídica, de acordo com o que relata Knothe (2005). Entretanto, até a década passada o uso de biodiesel se restringia a experimentos acadêmicos ou pequenas incursões em nichos de mercado, de forma eventual e transitória. A conjunção de dois fatores – a elevação constante do preço do petróleo e a comprovação da associação entre emissões de gases de efeito estufa por combustíveis fósseis e mudanças climáticas globais – gerou uma pressão social e um interesse tanto da sociedade civil, quanto de governos e de cientistas, pela busca de tecnologias comercialmente viáveis de geração de energia renovável. No setor de transportes, o uso de etanol carburante e de biodiesel (em mistura ou em substituição à gasolina e ao diesel, respectivamente) passaram a ocupar espaços importantes no mercado.  

       

A transesterificação de triglicerídeos com um álcool, mediado por um catalisador químico ou biocatalisador, leva à formação do éster alquilado, comercialmente conhecido como biodiesel. A produção comercial de biodiesel, no Brasil e no mundo, segue uma rota dominante, em que o álcool reagente é o metanol e o catalisador utilizado normalmente é alcalino (bases ou sais de sódio ou potássio), eventualmente utilizando um catalisador ácido em situações específicas, quando existem teores mais elevados de ácidos graxos livres na matéria prima (óleos vegetais).   Os processos atuais de produção do biodiesel ainda envolvem o uso de metanol não renovável e de catalisadores químicos que, de alguma forma, obscurecem ainda que parcialmente, o seu caráter de biocombustível renovável. O uso de metanol na reação com matérias lipídicas e os catalisadores químicos poderiam ser substituídos por bioetanol e por biocatalisadores, tornando-o um biocombustível ainda mais “verde”. Esta série de dois artigos tem o objetivo de apresentar aos investidores na cadeia do biodiesel o estado da arte sobre a utilização de lipases como biocatalisadores, na produção de biodiesel e as perspectivas para incorporaçào dessa tecnologia em escala comercial.

2.         

Biocatálise

 

A transesterificação enzimática utilizando lipases possui algumas vantagens interessantes relatadas na literatura, como a separação mais fácil das fases pós reação, o custo mais baixo do tratamento de águas residuais, a maior facilidade para recuperação de glicerol e a ausência de reações paralelas indesejáveis, quando comparada com a transesterificação onde são utilizados os catalisadores químicos. Em decorrência, existe forte apelo ambiental, particularmente interessante nos processos de geração de energia renovável, em que um dos motes é justamente a redução do impacto ambiental. Estes aspectos foram muito bem discutidos no Congresso de Biotecnologia Industrial (Toronto, Canadá, 2006), pelo Dr. Pogaku Ravindra, da Universidade da Malásia (Ravindra, 2006).  

Entretanto, do ponto de vista prático, existem dificuldades técnicas quanto ao uso de lipases, tais como a contaminação do produto com atividade enzimática residual indesejáveis, e o elevado custo das enzimas comerciais, como destacou o Dr. Sulaiman Al-Zuhair, também da Universidade da Malásia (Al-Zuhair, 2007). Uma das formas de reduzir o custo é a imobilização das enzimas, permitindo a sua reutilização por vários ciclos de reações de transesterificação. A equipe do Dr. Kenthorai Jegannathan, da Universidade da Malásia, tem estudado de maneira mais aprofundada os diversos aspectos do uso da biocatálise na produção de biodiesel (Jegannathan et al., 2008), especialmente no que tange à imobilização das enzimas e os fatores que afetam a eficiência da biocatálise nas reações de transesterificação para produção de biodiesel.

 

Imobilização

  

Imobilização significa a ligação da enzima em um suporte sólido, ou em uma matriz de transporte. Em se tratando de um transportador, vários aspectos necessitam ser considerados, como acentuou o Dr. Isao Karube, da Universidade de Kyoto. O processo depende da resistência mecânica, resistência microbiana, estabilidade térmica, durabilidade química, funcionalidade química, balanço entre hidrofobia e hidrofilia, facilidade de regeneração da matriz, capacidade de carga e custos, que são aspectos cruciais em aplicações industriais (Karube et al., 1977).   A revisão da literatura recente mostra que inúmeros grupos de pesquisa, em diferentes países, estão investindo na melhoria de processos, para reduzir custos quanto ao uso de lipases, sendo a imobilização de enzimas um dos aspectos que merecem maior atenção dos cientistas. Artigos recentes mostram iniciativas inovadoras no desenho de processos robustos de imobilização enzimática, com a combinação de técnicas como a adsorção não-covalente, o aprisionamento covalente, a ligação com o substrato e o encapsulamento. O cientista chinês, radicado na Holanda, Dr. Linqiu Cao, em um artigo em que filosofa sobre o tema (Enzimas imobilizadas: ciência ou arte?) afirma que a disponibilidade de uma enzima imobilizada robusta, numa fase inicial de um processo, permite a visão antecipada desse processo em desenvolvimento, e implica em custos menores para o desenvolvimento de processos de produção (Cao et al., 2005).

        

Tendo em vista que a maioria dos artigos mais recentes sobre o uso de lipases para mediar reações de produção de biodiesel envolve o estudo de imobilização de enzimas, coerentemente vamos permear a presente análise com o aprofundamento deste tema, incluindo a discussão das diferentes técnicas de imobilização. Quando imobilizadas, as enzimas ficam fisicamente presas, embora preservando suas propriedades catalíticas. Existem duas grandes vertentes de aprisionamento: por via química ou por retenção mecânica.   Segundo Shah et al. (2004), uma enzima imobilizada deve executar duas funções essenciais. A primeira é a função catalítica, ou seja, mediar as reações de conversões dos substratos em novos produtos. A segunda, não catalítica, consiste em facilitar a separação dos produtos da reação. As principais técnicas de imobilização de lipases, empregadas na produção de biodiesel nos estudos realizados em laboratório, são de caráter de ligação química (adsorção, ligação iônica e ligação covalente) e de retenção física, que incluem o aprisionamento (entrapment) e o encapsulamento das enzimas.

         

Adsorção     

Adsorção é definida como a fixação de enzimas na superfície de partículas de um suporte inerte por meio de ligações fracas, como a força de van der Waals *. A adsorção é o procedimento mais simples de imobilização enzimática, sendo de fácil preparação e de menor custo. Este método de imobilização não envolve produtos químicos tóxicos e a enzima imobilizada não apresenta limitações de transferência interna de massa, ao contrário do cross-linking ou aprisionamento.   A literatura registra estudos com diversas partículas de suporte para a imobilização de lipases na produção de biodiesel, como toionite 200-M, celite, terra diatomácea, polipropileno, membrana têxtil, hidrotalcita, sílica gel, resina acrílica e resina aniônica. Os estudos mostram que a taxa de conversão de óleos vegetais em biodiesel, usando lipase adsorvida, varia de 76 a 100%.

* Em 1873, van der Waals elaborou uma equação relacionando a pressão e a temperatura de um gás com o seu volume. Para ele, a pressão deveria ser um pouco maior do que previam as equações até então adotadas, devido às forças de atração entre as moléculas do gás. A equação de van der Waals mostrou-se mais precisa do que as equações anteriores; por isso os cientistas aceitaram o novo modelo. As forças de van der Waals são muito fracas e atuam apenas quando as moléculas estão muito próximas umas das outras.

       

Yang et al. (2006) estudaram o efeito das propriedades polares e apolares das resinas, e concluiram que o grau de imobilização é alto, quando a lipase é adsorvida à uma resina apolar com diâmetro de poro entre 8,5-9,5 nm. Os mesmos autores relataram que o grau de imobilização aumenta com o aumento do diâmetro dos poros.   Apesar da técnica de adsorção resultar em alta atividade enzimática e o processo estar disponível no mercado, as enzimas podem ser liberadas do suporte durante a reação, pois a adsorção é baseada em forças de ligação fracas, resultando na perda da atividade enzimática devido à eventual lixiviação das enzimas (Yadav e Jadhav, 2005). Dependendo das forças de interação entre a enzima e o suporte, o processo de imobilização pode produzir mudanças de conformação na estrutura das enzimas, que são proteínas. Essas mudanças podem ser mais intensas com cargas baixas e podem até  causar a desnaturação da enzima (Bosley e Peilow, 1997). Os autores concluiram que a estabilidade da enzima imobilizada por adsorção é muito baixa, o que torna sua reutilização limitada e imprópria para aplicações industriais.

  

Cross-Linking

 

O método de cross-linking é baseado em ligações intermoleculares cruzadas entre as moléculas das enzimas, onde são utilizados reagentes bifuncionais ou multifuncionais tais como: glutaraldeído, bis-diazobenzidina, hexametileno di-isocianato, dentre outros. Os “agregados de enzimas” no sistema cross-linking formam matrizes de preparados imobilizados. Geralmente, o primeiro passo do processo de imobilização é a precipitação da enzima com acetona, para produzir os agregados físicos da enzima. Na sequência, estes agregados são reticulados com glutaraldeído, para formar uma estrutura mais robusta, conforme citado por Kumari et al. (2007).   A utilização de agregados de enzimas cross-linked mostrou uma aceleração na taxa de transesterificação, obtendo-se taxas de conversão da ordem de 92%. Entretanto, a desvantagem intrínseca para os agregados cross-linked é o seu tamanho, geralmente abaixo de 10 mm. Assim, as dificuldades surgem quando o sistema é usado em reações heterogêneas, onde o sistema particula-substrato e agregados-partícula podem estar no mesmo intervalo de tamanho, o que pode acarretar problemas quanto a separação da enzima imobilizada e o produto (biodiesel), em reatores enzimáticos de uso contínuo (Cao et al., 2003).

    

Aprisionamento   

O aprisionamento implica na ligação das enzimas à uma matriz polimérica (Xavier et al., 1990). A enzima assim imobilizada é muito mais estável do que a enzima fisicamente adsorvida. Ao contrário do método de ligação covalente, o aprisionamento utiliza um procedimento relativamente simples e a enzima imobilizada mantém sua atividade e estabilidade (Kennedy et al., 1990).   Um procedimento inovador para o aprisionamento de lipase de Pseudomonas cepacia dentro de uma matriz de sol-gel filosilicato, com tetrametil ortossilicato como precursor, foi descrito por Hsu et al. (2001). A lipase de P. cepacia foi aprisionada dentro dessa matriz polimérica sol-gel, preparada por policondensação de tetrametil ortosilicato hidrolisado e iso-butil timetoxisilano. A lipase imobilizada por essa técnica foi utilizada na transesterificação do óleo de soja, com uma taxa de conversão da ordem de 67%. Esse baixo grau de conversão, usando lipase aprisionada, pode ter sido devido à pouca difusão e à desnaturação da enzima aprisionada na superfície do suporte, durante o processo de transestrificação (Nourenddini et al., 2005).

 

Encapsulamento 

Encapsulamento é o confinamento de uma enzima dentro de uma membrana porosa formando uma bicamada. O encapsulamento evita o contato direto entre a enzima e o meio de reação e previne a lixiviação da enzima (Yadav e Jadhav, 2005). Entretanto, a produção de biodiesel utilizando lipases encapsuladas em sílica tipo aerogel, atinge uma taxa de conversão limitada, da ordem de 56%.   As enzimas encapsuladas podem ser recicladas várias vezes, sem qualquer deterioração visível pelo desgaste mecânico (Orçaire et al., 2006). Por outro lado, há grandes limitações quanto a difusão do uso de lipases encapsuladas, devido à alta concentração de enzimas, que pode obstruir os poros das matrizes. Assim, seria interessante produzir enzimas encapsuladas com tamanhos menores, para se evitar problemas de transferência de massa e, também utilizar enzimas purificadas para evitar o entupimento dos poros da membrana de confinamento (Orçaire et al., 2006).

   

Outras técnicas de imobilização enzimática    

A imobilização de enzimas, usando uma combinação de diferentes técnicas, é conhecida como imobilização híbrida, e apresenta resultados encorajadores tanto para a indústria de alimentos (Reyed, 2007), quanto para a farmacêutica (Posorske, 1984;. Bonrath et al, 2002). Esta abordagem foi recentemente explorada para transesterificação de p-clorobenzil-álcool com acetato de vinil, para produzir p-clorobenzil acetato, usando lipase adsorvida em silica mesoporosa hexagonal, seguida por encapsulamento em alginato de cálcio (Yadav e Jadhav, 2005). Esse sistema de imobilização híbrido resultou em 68% de conversão e excelente reutilização, com uma diminuição da taxa de conversão de apenas 4%, após a quarta reutilização.   O potencial desta técnica poderia ser explorado para a produção de biodiesel, obviamente melhorando a taxa de conversão. Por exemplo, ela poderia ser usada para resolver a lixiviação de enzimas imobilizadas por adsorção o que possibilitaria uma alta taxa de conversão, utilizando-se pra tal uma membrana porosa e a técnica de encapsulamento, por exemplo. Da mesma forma, microcristais revestidos de enzimas estão sendo utilizados em sistemas não aquosos, por apresentarem limitações de transferência de massa desprezíveis e atividade elevada comparativamente aos agregados (cross-linked) enzimáticos (Kumari et al., 2007). A preparação dos microcristais revestidos envolve a mistura da solução enzimática com uma solução concentrada de sal, açúcar ou de aminoácidos. À mistura aquosa é adicionado um solvente orgânico miscível em água, como acetona ou 1-propanol (Kreiner et al., 2001). A produção de biodiesel utilizando microcristais revestindos de enzimas apresentou alta conversão, entre 96 e 99% (Kumari et al., 2007).

         

 

Biocatálise na produção de biodiesel – Parte II 
Décio Luiz Gazzoni 

 

4. Fatores que afetam a produção de biodiesel usando lipase imobilizada

  Pré-tratamento de lipase imobilizada

 

A maioria das lipases está disponível comercialmente em forma de pó. Antes da imobilização é necessário dissolver a enzima em um meio de acoplamento. O meio de acoplamento utilizado pode influenciar na atividade da lipase, podendo ser aquoso ou não aquoso. A taxa mais alta de conversão foi obtida quando um meio não aquoso de acoplamento (heptano) foi usado para imobilização de Candida sp. numa resina (Yang et al., 2006).   O tratamento das lipases com solventes orgânicos polares modifica a conformação das mesmas, passando de uma forma menos hidrofóbica (o sítio ativo no interior da estrutura da enzima está encoberto) para uma forma mais hidrofóbica (sítio ativo exposto), favorecendo a ligação da lipase ao substrato hidrofóbico (Chamorro et al, 1998; Colton et al, 1995). Esta pode ser a possível razão para uma maior taxa de conversão em biodiesel, quando o heptano é utilizado como meio de acoplamento.   Por outro lado, a ativação da enzima imobilizada pode ser reforçada por meio de um pré-tratamento da lipase com oleato de metila e óleo de soja (Samukaw et al, 2000;. Dong et al, 2006). O pré-tratamento da lipase imobilizada de Candida antartica com isopropanol também mostrou maior conversão para éster metílico. Entretanto, a utlização de meios de acoplamento não aquosos aumenta o custo de produção do biodiesel.

  

Matéria-prima 

  Além dos óleos vegetais in natura, há uma grande quantidade de óleos residuais de restaurantes e gorduras de origem animal, que podem ser convertidos em biodiesel. O problema com o processamento dos óleos já utilizados (de baixo custo) e das gorduras é o elevado teor de ácidos graxos livres que eles possuem e que não podem ser convertidos em biodiesel, utilizando-se um catalisador alcalino (Canakci e Gerpen, 2001). Porém isto é possível utilizando-se lipases imobilizadas. O aproveitamento de óleos vegetais já utilizados (óleo de cozinha) para a produção de biodiesel pode reduzir o custo de produção e representar uma redução importante no impacto ambiental, quanto ao descarte desses óleos.  

         

Enzima

    

O mecanismo da lipase envolve a tríade aminoacídica catalítica (Asparagina-Histidina-Serina) agindo como um sistema de carga do tipo “relé” (Bommarius e Riebel-Bommarius 2000). A principal função das lipases (éster hidrolases triacilgliceróis EC 3.1.1.3) é catalisar a hidrólise de triacilgliceróis (TAG) de cadeia longa. Ao contrário de muitas outras enzimas, as lipases apresentam notáveis níveis de atividade e estabilidade em ambientes não aquosos, o que facilita a catálise de diversas reações não naturais, tais como a esterificação e a transesterificação.

 

A relação entre as estruturas das lipases e sua capacidade catalítica foi estudada por Cecilia et al. (2007). A estrutura geral das triacilglicerol-lipases (Figura 1) possui um resíduo de serina ativa num local da molécula chamado de cotovelo catalítico. Acima da serina uma “fenda hidrofóbica” está presente ou é formada após a ativação da enzima (Svendsen, 2000). A fenda hidrofóbica é um “bolso” alongado apropriado para o encaixe do local de ligação do substrato à enzima.

 

        

A ativação, que muitas vezes é necessária para a enzima lipase, é a abertura desse “bolso” reativo. Nas lipases derivadas de Thermomyces lanuginosus existe um sítio ativo e uma “tampa” na superfície da enzima. Em bactérias do gênero Pseudomonas e em Candida antarctica a lipase apresenta um sítio ativo e uma “tampa” em forma de funil. A lipase de Candida rugosa tem um sítio ativo no interior de um “túnel” que possui a “tampa” em sua parte externa (Pleiss et al., 1998). As peculiaridades estruturais das lipases, em função dos diferentes organismos a partir dos quais são obtidas, é uma das razões que explicam a diferença em suas atividades frente aos diferentes substratos.   Lipases imobilizadas de diversas fontes de microrganismos foram utilizados na produção de biodiesel (Tabela 1). A lipase de Candida antartica foi selecionada pela maioria dos pesquisadores, pela sua eficiência comparativa. Outras fontes de lipases utilizadas foram obtidas de Pseudomonas florescens, P. cepacia, Burkholderia cepacia, Rhizomucor miehei, Chromobacterium viscosum, Porcine pancreas e Thermomyces lanuginosus.   Turkan e Kalay (2006) estudaram o mecanismo de ação das lipases na produção de biodiesel do óleo de girassol, usando três diferentes lipases imobilizadas. Os autores concluiram que lipase de R. miehei e de T. lanuginosus catalisam mais rapidamente o primeiro passo de transesterificação (conversão de triacilglicerídeo para diacilglicerídeo). Considerando que a lipase imobilizada de C. antarctica catalisa o segundo passo (conversão de diacilglicerídeo para monoacilglicerídeo) e o terceiro passo (conversão de monoacilglicerídeo para aciléster) de forma mais rápida, esses autores sugeriram o uso de um sistema enzimático duplo para a produção de biodiesel.

   

Tabela 1. Produção de biodiesel usando lípases imobilizadas

Método de imobilização

Substrato

Fonte da Enzima

a

Matéria prima

Receptor de acil

Solvente

b

c

d

e

f

g

h

Referencias

Adsorção

Toionite- 200M

Pseudomonas fluorescens

9,4

girassol

I-propanol

 

01:03

60

20

91

0.48

Aumenta

10

Iso ei al., 2001

Adsorção

Celite

Pseudomonas cepacia

10

Jatropha

etanol

 

01:04

50

12

98

0.08

Incrcascs

4

Shah et ai., 2006.

Adsorção

Resina de troca de ânions macroporosa

Mucor miehei

20

girassol

etanol

Éter

01:11

45

5

82

1,64

Aumenta

ND

Mittlebach et al., 1990

Adsorção

ND

Candida antartica

1,6

algodão

metanol

t-Butanol

01:04

50

24

95

2.4

ND

ND

Royan et al., 2007

Adsorção

ND

Candida antartica

3

canola

metanol

t-Butanol

01:04

35

12

95

2.6

Aumenta

16

Li et aI., 2006

Adsorção

Resina acrílica macroporosa

Candida antartica

10

Jatropha

acetato de etila

 

01:11

50

12

91,3

0.76

ND

12

Mukesh et al., 2007

Adsorção

Polipropileno EP 100

Pseudomonas fluorescens

10

girassol

metanol

Hexano

01:04,5

40

48

91

0.18

ND

ND

Soumanou et aI., 2003

Adsorção

Resina acrílica

Candida antartica

4

palma

metanol

Tetrahidrofurano

01:03

40

40

97

0.6

Diminui

ND

Talukder et al., 2006

Adsorção

Silica gel

Candida antartica

5

soja desodorizado

metanol

t-Butanol

01:03,9

40

25

94

0.752

ND

ND

Wang et ai., 2006

Adsorção

Resina acrílica

Candida antartica

2

soja

metanol

Líquidos iônicos

01:04

50

12

30

3.3

ND

ND

Sung et al .• 2007

Adsorção

Celite -545

Chromobactrium viscosum

10

Jatropha

etanol

 

01:04

40

10

92

0.92

Aumenta

ND

Shah et aI., 2004

Adsorção

Resina aniônica

Porcine pancreatic

10

girassol

etanol

 

01:03

45

7

80

1.14

ND

2

Yesiloglu,2004

Adsorção

ND

Candida antartica

30

soja

Macetato de etila

 

01:12

40

14

92

0.21

ND

ND

Xu et aI., 2003

Adsorção

Resina apolar

Candida sp. 99-125

25

soja

metanol

Hexano

01:03

40

28

98,8

0.14

Aumenta

13

Yang et ai., 2006

Adsorção

Terra diatomácea

Pseudomonas cepacia

1,46

girassol

2-Butanol

 

01:03

40

6

100

I\.4

Aumenta

ND

Du et al., 2004

Adsorção

Resina acrílica

Candida antartica

30

soja

acetato de etila

 

01:12

40

14

92

0.21

ND

100

Ou et ai., 2004

Adsorção

Resina acrílica

Candida antartica

10

Jatropha bruto

metanol

2-Propanol

01:04

50

8

92,8

1.16

ND

12

Mukesh et al., 2006

Adsorção

Membrana têxtil

Candida sp, 99-125

20

Sebo

metanol

Hexano

01:03

40

30

96

0.16

Aumenta

ND

Lu et ai., 2006

Adsorção

Resina aniônica macroporosa

Candida antartica

5

Palma

etanol

CO2 supercrítico

01:10

40

4

63

3.15

ND

ND

Oliveira et al., 2001

Adsorção

Hidrotalcita

Thermomyces lanuginosus

4

Óleo usado

metanol

 

01:04

45

10

92,8

2.32

ND

4

Yagiz et al.: 2007

Cross-Iinking

Glutaraldeído

Pseudomonas cepacia

10

Madhuca

etanol

 

01:04

40

2,5

92

3.68

ND

ND

Kumari et al., 2007

Aprisionamento

Sol-gel hidrofóbico

Pseudomonas cepacia

5

Soja

metanol

 

01:07,5

35

30

56

0.37

Aumenta

4

Noureddine et 01., 2005

Aprisionamento

Sol-gel filossilicato

Pseudomonas cepacia

57,4

Sebo e graxa

etanol

 

01:04

50

20

94

0.08

ND

 

Hsu et ai., 2001

Encapsulamento

Silica aerogel

Burkholderia cepacia

2,4

girassol

acetato de etila

Isso-octano

01:03

ND

30

64

0.88

ND

ND

Orcaire et al., 2006

Fonte: Jegannathan et al., 2008.

 a: Porcentagem da enzima usada (w/w do óleo).
b: Oil: Alcohol Molar Ratio.
c: Temperatura ótima em graus centígrados
d: Tempo de reação ótimo (h).
e: Porcentagem de conversão
f: Produtividade em g de biodiesel / g enzima /h
g: Efeito da água na conversão
h: Número de reusos com atividade
>65%.

ND: Não disponível

 

Acil receptores

 

Normalmente, um álcool é utilizado como receptor acil nas reações de transesterificação dos triglicerídeos de óleos vegetais para produção de biodiesel, pela maioria dos pesquisadores (Tabela 1). Entre os álcoois, metanol e etanol são os mais utilizados. A utilização de 2-butanol (Salis et al., 2005.) e de 2-propanol (Mukesh et al., 2006) também foi relatada como sendo esses álcoois potenciais acil receptores. Além dos álcoois, o acetato de metila (Du et al., 2005) e o acetato de etila (Mukesh et al., 2007) também foram utilizados como receptores. Estes autores demonstraram que lipases imobilizadas são inativadas por álcoois lineares de cadeia curta.   O grau de inativação é inversamente proporcional ao número de átomos de carbono dos álcoois (Chen e Wu, 2003). A adição de solventes orgânicos foi proposta como uma maneira para se superar esse problema. Nelson et al. (1996) utilizaram o hexano para evitar inativação de lipases pelos álcoois (acil receptores). Outros solventes testados  incluem: éter, isooctano, 2-propanol, tetrahidrofurano e t-butanol (Orçaire et al, 2006; Mittelbach et ai, 1990; Iso et al, 2001; Talukder et al, 2006; Rayon et. al., 2007). Sung et al. (2007) estudaram o emprego de líquidos iônicos como solventes, enquanto Oliveira et al. (2001) e Vivek & Giridhar (2007) relataram o uso de CO2 supercrítico como solvente, obtendo, após a despressurização do sistema, produtos sem vestígios de solvente. Apesar desta vantagem, a utilização de solventes é contraindicada pela maioria dos autores que estudaram a sua inclusão no processo, pois requer a adição de uma unidade de recuperação de solvente e uma unidade de pressão às plantas de produção de biodiesel, o que encarece o processo de produção.

          

 

A adição gradual de álcool também foi utilizada para evitar a inativação das lipases (Shimada et al., 2002). Talukder et al. (2007) usaram uma solução salina para controlar a concentração de metanol na fase oleosa, dissolvendo o metanol em cloreto de magnésio (MgCl2) e cloreto de lítio (LiCl). O metanol foi liberado de acordo com seu coeficiente de particionamento entre as fases oleosa e aquosa da solução salina. O glicerol produzido durante o processo se dissolveu na fase salina, eliminando a deposição de glicerol sobre a lipase imobilizada. No entanto, o uso de soluções de sal pode gerar maior quantidade de águas residuais, o que aumenta os custo de produção do biodiesel, quando as soluções salinas são utilizadas no processo.

 

         

        Uma lista de estudos com a produção de biodiesel, utilizando lipases imobilizadas, pode ser observada na Tabela 2.

 

Tabela 2. Produção de biodiesel usando lipases imobilizadas com adição gradual de álcool.

Óleo

Álcool

Técnica de imobilização

a

b

c

d

e

f

g

h

Referencias

Óleo usado

Metanol

Adsorção

4

3

1/3

30

48

34 em 10h

66 em 24 h

90,4 em 48h

Watanabe et al., 2001

Soja e canola

Metanol

Adsorção

4

3

1/3

30

48

34 em 10h

66 em 24 h

95,6 em 48h

Watanabe et ai., 2001

Soja

Metanol

Adsorção

4

3

1/3

30

3.5

42,4 em 1h

69,8 em 2,5 h

98,7 em 3,5h

Samukawa et ai .. 2000

Soja e canola

Metanol

Adsorção

4

2

2/3

30

36

32 em 7h

96,5 em 36 h

 

Watanabe et ai., 2000

Soja

Metanol

ND

4

3

1/3

ND

ND

32 em 5h

75 em25 h

90 em 45 h

Du et al., 2005

Sebo

Metanol

Adsorção

20

3

1/3

40

30

28 em 3h

60 em 18h

87,4 em 30 h

Lu et ai., 2007

Fonte: Jegannathan et al., 2008. 

a: Porcentagem de lipase sobre o peso do óleo
b:
Etapas de adição do metanol
c: Equivalente molar do álcool em cada etapa
d:
Temperatura de reação oC
e: Tempo de reação (h)
f: Conversão na primeira etapa (%)
g: Conversão na segunda etapa (%)
h: Conversão na terceira etapa (%)

Conteúdo de água 

Os biocatalisadores necessitam de uma quantidade mínima de água para manter sua atividade (Bommarius e Riebel-Bommarius, 2000). As lipases possuem a característica única de atuar na interface entre uma fase aquosa e uma orgânica. A ação interfacial da lipase deve-se a atividade catalítica, que geralmente depende da agregação dos substratos. A quantidade de água disponível para formar gotículas de óleo-água aumenta a área interfacial disponível (Al-Zuhair et al., 2006). Entretanto, as lipases também catalisam reações de hidrólise, geralmente em meio aquoso, mas o excesso de água pode estimular reações concorrentes da hidrólise, perturbando o sistema e originando produtos indesejáveis. O teor de água ideal representa um equilíbrio entre a minimização da hidrólise e a maximização da reação de transesterificação (Noureddini et al., 2005).   Vários pesquisadores relataram o efeito da água na produção de biodiesel utilizando biocatálise. Com adição de maior quantidade de água houve um aumento na produção de éster. Entretanto,alguns pesquisadores relataram que com a adição de água, a produção de éster diminuiu (Shimada et al., 1999; Talukder et al., 2006). A quantidade de água que deve ser mantida na produção de biodiesel, utilizando lipases imobilizadas, depende: 1) da matéria-prima - por exemplo o teor de água utilizado quando se produz biodiesel a partir de óleo de cozinha já usado é diferente de quando se utiliza óleo vegetal refinado, 2) da fonte de lipase - algumas lipases comerciais estão disponíveis na  forma de pó, que deve ser dissolvido no meio de acoplamento, antes do processo de imobilização, 3) da técnica de imobilização - algumas técnicas de imobilização envolvem o uso de água e 4) do tipo de receptor de acila.

         

Processos      

O biodiesel pode ser obtido por meio de três processos, quais sejam: por lotes, contínuo e por batelada. Os reatores comumente usados são: tanque com agitação, reator de leito fixo, reator de leito fluidizado e reator de membrana. O tipo de reator a ser selecionado para uso de lipases imobilizadas depende da natureza da enzima. A estabilidade mecânica da enzima imobilizada deve ser considerada, quando se utiliza um reator de tanque com agitação. A queda de pressão e as limitações de difusão interpartículas devem ser consideradas, quando se utiliza um reator de leito fixo (Balcão et al., 1996). Este tipo de reator é utilizado em larga escala, devido à sua alta eficiência, baixo custo e facilidade de construção e operação (Malcata et al., 1990).   Na produção de biodiesel por lipases imobilizadas, a maioria dos pesquisadores utilizou o processo por lotes, em reator de tanque com agitação. Entretanto, Royon et al. (2007), Hsu et al. (2004) e Watanabe et al. (2000) utilizaram o processo contínuo, com reatores de leito fixo e relataram o efeito da vazão sobre a produção de biodiesel, pois o glicerol produzido, durante a reação, diminui a taxa de reação da lipase imobilizada. A taxa de conversão pode ser melhorada se o glicerol for retirado do ambiente de reação (Watanabe et al., 2000). Isso pode ser feito continuamente, utilizando-se um reator de membrana (Chen e Wu, 2003; Bélafi-Bako et al., 2006), mas uma das limitações de se utilizar o reator de membrana é o seu custo elevado, em comparação com os demais processos.

    

Cinética da produção de biodiesel utilizando enzimas imobilizadas       

É essencial compreender a cinética da reação para identificar as condições ideais para transestericação catalisada por lipases. Apenas um número limitado de estudos cinéticos são encontrados na literatura para a produção de biodiesel utilizando lipases imobilizadas. Xu et al. (2004) relataram a cinética enzimática da produção de biodiesel por interesterificação de óleo de soja com acetato de metila, catalisada por lipases, e propuseram um modelo considerando a presença de três reações consecutivas e reversíveis. As constantes de velocidade para as três reações consecutivas de triacilglicerídeo para aciléster foram calculadas e os resultados indicaram que a reação da primeira etapa (de triacilglicerídeo para diacilglicerídeo) foi a etapa limitante para a reação global. As equações propostas e as constantes de velocidade calculadas estão sumariadas na Tabela 3.   Dossat et al. (2002) propuseram um modelo baseado no paradigma “Ping-Pong Bi Bi”, com mecanismo de inibição competitiva pelo álcool, para descrever a cinética enzimática de transesterificação, enquanto Al-Zuhair (2005) propôs um modelo cinético para a produção de biodiesel por dois tipos de lipases (lipase de Rhizomucor miehei imobilizada em resinas de troca iônica e lipase de Thermomyces antarctica imobilizada em sílica-gel). Houve concordância entre os resultados experimentais da taxa inicial de reação e os valores preditos pelas equações do modelo proposto, para ambas as enzimas. A equação do modelo proposto (Tabela 3) pode ser usada para prever a taxa de metanólise de óleos vegetais em processos por lote de matéria prima, ou pelo processo contínuo.

  

Tabela 3. Modelos cinéticos propostos para biodiesel, usando lipases imobilizadas

Matéria prima

Óleo de Soja

Óleo de girassol

Óleo de girassol

Solvente

Metil acetato

Butanol

Metanol

Lipase

Candida antarctica

Rhizomucor michei

Rhizomucor michei

Equação

(a)

(b)

(c)

Vmax

1,9 Mol/min

250 mMol/min.g

0,414 min-1

Km (TG)

1 Mol/L

5,3 mM

0,16 Mol/cm3

Km (A)

16 Mol/L

55 mM

0,98 x 10-4 Mol/cm3

Ki

0,0455 Mol

13 mM

1,9Mol/ cm3

Referencia

Xu et al., 2004

Dossat et al., 2002

Al-Zuhair, 2005

Fonte: Jegannathan et al., 2008.

 TG:  Triglicerídeo
A: Álcool
Km (TG): Constante aparente Michaelis-Menten para triglicerídeos
Km (A): Constante aparente Michaelis-Menten para metal acetato ou álcool
Vmax: Máxima velocidade inicial da reação
Ki: Constante de inibição

Equações:

 

(a):                             Vmax (A) (pmix – MA(A))MTG                          
                KmTG(A)(!+((A)/Ki))+(KmA+(A))(pmix-MA(A))/MTG)

 

(b):                                     Vmax(TG)                             
                   1+KiTG(TG)+KTG(TG)(1+(A)K1A)+KA(A)

 

(c):                            Vmax(TG)                                      
                   1+KiTG(TG)+KTG(TG)(1+(A)K1A)+KA(A)

 

 Conclusões    

O biodiesel, como todo biocombustível, é uma resposta à pressão da sociedade por alternativas de energia limpa e renovável. Portanto, quanto menor o uso de energia fóssil ou de materiais não renováveis para sua obtenção, tanto melhor será a percepção social de que se trata, efetivamente, de um produto que atende ao desejo da sociedade. Este fato contribui para solidificar as políticas públicas e garantir o apoio dos cidadãos, o que também amplia o mercado voluntário de biodiesel.   A produção convencional de biodiesel por catalisadores químicos consome mais energia, resulta em produtos secundários indesejáveis, requer tratamento de águas residuais e torna difícil a recuperação do glicerol. A produção de biodiesel por meio de enzims imobilizadas supera essas dificuldades e possibilita que a operaração de produção seja realizada em condições menos agressivas ao meio ambiente. A produção de biodiesel utilizando lipases imobilizadas tem  apresentado resultados promissores em escala de bancada de laboratório, e o desenvolvimento de estudos em escala piloto é essencial para se atingir a escala comercial.   As lipases imobilizadas podem fornecer uma taxa de conversão de éster mais alta, em um período mais curto, desde que a mesma seja resistente ao álcool, e um reator de leito fixo contínuo, que apresenta alta eficiência, baixo custo e facilidade de construção, operação e manutenção pode ser usado.  A imobilização de lipases utilizando técnicas combinadas deve ser melhor explorada para substituir os catalisadores sólidos.

   

 

O uso de biocatalisadores torna-se econômicamente proibitivo, quando uma enzima é usada na forma livre, o que torna impossível a sua recuperação. A imobilização não só aumenta a estabilidade da enzima, como favorece a sua reutilização, reduzindo os custos de produção. A seleção de técnicas adequadas de imobilização é importante para garantir a eficácia do uso das enzimas, sem perdas. O desafio é, justamente, desenvolver um processo de biocatálise economicamente competitivo, de maneira a incorporar as vantagens citadas para a produção de biodiesel.   O uso de polímeros naturais como matriz para imobilização de lipases, na produção de biodiesel, ainda necessita ser aprimorado, embora tenha apresentado resultados promissores em outros campos, como na produção de alimentos e na indústria farmacêutica. O uso do etanol como receptor de acil pode tornar o biodiesel “mais verde”, mas a quantidade utilizada deve ser menor do que o limite de solubilidade na mistura, de modo que ele não esteja presente ao final do processo. Para tanto, a adição gradual de álcool pode manter a sua concentração abaixo do nível crítico.  

Finalmente, estudos devem ser incentivados para superar os problemas técnicos e operacionais identificados na utilização de lipases para reduzir seus custos, de forma a permitir sua utilização em processos industriais de larga escala.

 

 

Literatura

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A Pegadinha Hídrica

Décio Luiz Gazzoni

 

Paul Joseph Goebbels foi o ministro da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha Nazista. A sua fabulosa capacidade de organizar movimentos e de exprimir as ideias Nazistas levou-o a ser o preferido do Führer. Muitos autores consideram Goebbels o maior propagandista político que já existiu, independente das causas malignas pelas quais pugnou. Mas, o que interessa para este artigo é a frase que o consagrou: “wiederholt hundert mal eine Lüge, dann wird sie zur Wahrheit”, a qual, de acordo com o meu amigo, Engo. Agro. Arnildo Pott, significa: “repitam cem vezes uma mentira, então ela se torna verdade”. Foi com esta técnica que Goebbels convenceu o povo alemão que a sua salvação estava no Nazismo e em Hitler. Tanto repetiu o bordão que o povo acreditou. As nefastas consequências, como o Holocausto, viraram História.  

Sessenta e sete anos se passaram desde a morte de Goebbels, mas seus ensinamentos, aparentemente, continuam vivos. De repente (e não mais que de repente!) surgiram números estarrecedores de consumo de água na agricultura, alarmando a opinião pública. Seus autores denominam-na pelo pomposo nome “Pegada Hídrica”, uma derivada da “Pegada de Carbono” das emissões de gases de efeito estufa. Do alto dos meus 60 anos, que já viram muita água rolar sem ser debaixo da ponte, desconfio que se trata de uma “pegadinha hídrica”, destinada a criar uma futura barreira ambiental à exportação de produtos agrícolas de países como o Brasil. O problema é que inocentes a assumiram como verdade e dogma, repetindo-a feito mantra, sem dialeticamente questioná-la, ou ao menos, como manda qualquer manual de redação, contextualizando-a com fontes fidedignas.

                 

Café e picanha.

A primeira referência que vi sobre o tema foi num telejornal em que, durante longos e irritantes três minutos, o âncora e o repórter se transmutaram em oráculo para afirmar que a agricultura consome 92% da água doce do planeta! Para elaborar um cafezinho – aquele de 30 mililitros – 140 litros de água haveriam sido consumidos. Feito deus ex-machina, arrematou alguma coisa como: “...para produzir um quilo de queijo é preciso 5 mil litros de água; um quilo de arroz, 2,5 mil; um quilo de pão, 1,6 mil litros; um litro de leite, mil litros; um litro de cerveja, 300”. Bem, ao menos a cerveja pesa menos na consciência da gente!   Em outro telejornal, o apresentador tascou sem dó nem piedade: para produzir uma picanha, lá se foram 15.000 litros de água. Aí matou o gaúcho: se a picanha é tudo isso, que dirá do mate nosso de cada dia? Tchê, e o carrê da ovelha gasta menos? Fui seguindo a trilha dos assaques e, pasmem os senhores, quem diria? Cheguei no site da WWF. Mas ainda não era o final da história. A WWF apenas usou, no seu sermão da água, o texto bíblico reinterpretado por uma ONG absolutamente obscura. Fui ao site da Internet desta ONG e, de saída, já me solicitaram uma doação em dinheiro. Como bom carcamano, recusei. Então me ofereceram um curso internacional de pegada hídrica, coordenado pelo Diretor Científico da ONG. São dois dias de curso, pouco tempo, claro, mas a “mordida” é de € 2.500,00 (R$6.107,36, pela cotação de 1/4/12). Recentemente, passei um mês na Europa, vi o tamanho da crise e do desemprego por lá, mas não havia presenciado tanta criatividade.

 

Boi da seca

Em março passado visitei o Mato Grosso, passando uma semana enriquecedora junto a produtores rurais de Sorriso, no norte do Estado. Além de dominar um solo inóspito, tornando-o produtivo, os gaúchos que para lá migraram aprenderam a dominar o clima. Dominar no sentido de que, estão conseguindo engordar o gado durante o inverno de Mato Grosso, quando não chove de maio a setembro, e sob um sol inclemente. Não há erro, os bois continuam engordando (não apenas mantendo o peso) durante uma seca de cinco meses. Tudo graças à tecnologia da Embrapa de Integração Lavoura, Pecuária e Florestas (ILPF). Os dirigentes da tal ONG poderiam usar parte do valor de uma das taxas de inscrição do curso, e passar três dias em Sorriso ou Sinop, em pleno julho. Veriam uma pastagem de braquiária na altura do cupim do boi. Cultivada no seco, sem irrigação. E veriam a boiada engordando. Claro, boi também bebe água, para isto existe um açude represado na baixada das propriedades. Eu me ofereço como guia, para saciar a curiosidade de acompanhar o cálculo demonstrando que o boi, que é enviado ao frigorífico com 24 meses e peso de abate superior a 500 kg, consumiu 500 x 15.400 = 7.700.000 de litros de água. Lembrando que, por 10 meses, o boi se alimentou de uma pastagem sobre a qual não choveu uma gota sequer!   Mas foi água da chuva, diria ele! Não vou discutir se o boi consumiu ou não os 7,7 milhões de litros de água, se um quilo de café demanda 3 mil litros, isto não é boa Ciência. Para mim o importante é o seguinte: qual seria o uso alternativo da água da chuva? Se a raiz do cafeeiro não houvesse absorvido a água - parte sendo evaporada para cumprir o seu ciclo natural, e parte aproveitada pela planta mas, que, ao final também ingressaria no ciclo hidrológico - que uso outro uso teria esta água? Um apóstolo da tal ONG iria para o campo com uma bacia para coletá-la? Ele exorcizaria o boi: “...vade retro bos, obedire me, pare de consumir água! Mas teria que responder a pergunta do boi: - E se o pasto não usar a água para crescer e me alimentar, para que serve a chuva? E também responder a minha pergunta: qual a sua real intenção ao alardear números estratosféricos de consumo de água na agricultura?

 

Europa, um mau exemplo

Para chegar aos tais 92% de consumo de água doce pela agricultura, o sumo pontífice da pegada deve ter se valido de números obtidos na agricultura da Europa. Todos sabemos que o Velho Continente é o paradigma universal da ineficiência econômica na agricultura: retirem-se os subsídios e seus agricultores não aguentam dois anos de competição conosco. Por isto gastam muito adubo, veneno e... água! Tudo é subsidiado. Mas, mesmo lá, a maior parte da água vem da chuva e cumpre um ciclo hidrológico natural, que existe há milhões de anos. Antes dos ensinamentos de Goebbels, antes dos discípulos da ONG da pegadinha hídrica nascerem, e antes que eles encontrassem seguidores em Pindorama, os quais reverberariam suas palavras da releitura do Apocalipse, sem perceberem tratar-se de falsos profetas.   Ao visitar o site da tal ONG, eu, que sempre achei que água enferruja, descobri que consumo mais de dois milhões de litros de água por ano. Mas bah, tchê, isto é mais que a água da piscina do sítio do Tibúrcio, que mede 10m de largo, 50m de prancha e tem 4m de fundo. Como consegui tomar tudo isto em um ano? Se ainda fosse cerveja...  

Para terminar, um ensinamento que se não veio do cérebro satânico de Goebbels, bem que poderia ter vindo: é muito fácil contar mentiras dizendo apenas a verdade. Esta historieta da pegada hídrica é um exemplo didático. Em algum caso específico, pode ser que a picanha precisou de 15.000 litros de água – quase tudo de chuva - até chegar no espeto. Daí a insinuar para a opinião pública que isto foi consumo, que a água desapareceu, que a agricultura é um sumidouro de água, que concorreu com outros usos, que esgotará a água do planeta, que criancinhas morrem de sede para que bebamos o cafezinho...

 

Os ossos de Goebbels devem estar a fumegar no túmulo, pois foi superado!

 

    

O perigo amazônico

Decio Luiz Gazzoni

 

Responda bem rápido: A Amazônia é importante para absorver gás carbônico e ajudar a combater o aquecimento global? O que parecia um dogma está sendo questionado. Um estudo publicado na revista Nature de 18/1/2012 (The Amazon basin in transition) deixa sérias dúvidas se a Amazônia atua como sequestradora e fixadora de carbono. Isto porque os autores concluem que o desmatamento e o aquecimento global estão gradualmente levando a região a se tornar uma fonte emissora de gases de efeito estufa.  

Os autores fazem uma concessão, especulando que a mudança talvez seja de um sorvedouro de carbono forte para um sorvedouro fraco. As dúvidas ocorrem porque o alcance do estudo não permitiu estimar o fluxo líquido de carbono para toda a bacia Amazônica, posto que os dados foram obtidos em apenas 13 torres de estudos da atmosfera, distribuídas pela Amazônia.

 

  A publicação é uma revisão de 20 anos de pesquisas do LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia), o maior projeto de pesquisa em ecologia e geociências da região. Embora ainda restem dúvidas, é possível afirmar que, em um período de forte estresse climático (tipo as grandes secas de 2005 e 2010), a floresta se torna uma pequena fonte emissora de carbono.

 

 

Qual a importância desta discussão? A Amazônia imobilizou, na biomassa florestal, o carbono equivalente a quase dez anos da queima mundial de combustíveis fósseis, a maior fonte individual de emissão de gases. Qualquer alteração nesse regime representa, para as mudanças climáticas, o mesmo que um elefante abanando rabo e tromba em uma loja de cristais!  

Assim, apesar de a Amazônia ser robusta para suportar estresses do tipo secas, desmatamento e queimadas, entre outros, a floresta pode não suportar todos ao mesmo tempo. São estas perturbações mais recentes que provocam a insegurança nas conclusões dos cientistas. Qualquer perturbação do sistema amazônico significaria um desastre de proporções gigantescas, com reflexos sobre o clima, que afetariam não apenas o Brasil, mas o mundo. Portanto, todo o cuidado com ela será pouco, porque as consequências do descuido são muito sérias.

 

    

Ecotransporte

Décio Luiz Gazzoni

 

Curitiba firmou-se como uma referência mundial na racionalização do transporte público, sendo pioneira no uso de bicombustíveis. Os testes começaram em 1995 com o reaproveitamento do óleo de cozinha, e evoluíram para o biodiesel de soja. Depois dos testes com B5, B10 e B20, os ônibus municipais agora utilizam o B100, em que o diesel representa só 5% do combustível, e é necessário apenas para que o veículo dê a partida no frio. Até onde tenho conhecimento, Curitiba é a primeira cidade do mundo a ter veículos de transporte público com B100.   A cidade também já testa veículos híbridos no transporte coletivo. O ônibus é movido simultaneamente a eletricidade e óleo diesel. Tem capacidade para 80 passageiros, 32 deles sentados e possui piso baixo permitindo ao passageiro embarcar ao nível da calçada. A primeira fase do projeto conclui-se este mês e a próxima etapa tem como meta que 10% da frota urbana de ônibus rode com biocombustíveis.

 

 

Desde fevereiro de 2011, a Ecofrota da cidade de São Paulo já tem nas ruas quase 1.500 veículos (10% da frota) rodando com uma mistura de petrodiesel acrescido de etanol (biodiesel ou diesel de cana). As porcentagens variam entre 10% (B10) a 20% (B20) e reduzem consideravelmente a emissão de poluentes. O programa também já testa o ônibus híbrido, que usa etanol, diesel e eletricidade, como fontes de energia. Em menos de um ano, as emissões de poluentes reduziram-se em 13,9% com a Ecofrota. A legislação de São Paulo determina que, até 2018, 100% dos veículos de transporte da cidade usem fontes renováveis de energia. A eventual diferença de custo é absorvida pelos contribuintes, através dos impostos pagos à Prefeitura.

 

No Rio de Janeiro, já circulam ônibus híbridos, movidos a biodiesel, eletricidade e hidrogênio. E, já que estamos em ano eleitoral, comunico que serei muito sensível a um programa de candidato a prefeito que contemple metas ambiciosas de uso de biocombustíveis no transporte público de Londrina - e acredito que outros cidadãos de Londrina também o serão. Em tempo: a Fundação Clinton financia parte do programa de combustíveis renováveis da URBS (Curitiba), logo falta de recursos não será desculpa.

    

Plantas transgênicas

Decio Luiz Gazzoni

 

  Há apenas 10 anos, a soja transgênica era chamada de Maradona, um contraponto do craque argentino ao nosso Pelé. Proibida de ser cultivada legalmente no país pelo patrulhamento de ONGs financiadas por empresas do Primeiro Mundo, que viam (e ainda vêem, e estão certas!) no Brasil o seu grande competidor, a soja transgênica entrou pela mão de agricultores gaúchos, que foram buscá-la na Argentina. A motivação: a redução de custos do cultivo de soja transgênica na Argentina, quando comparada ao que ocorria no Brasil. Os poucos e raros compradores que pagavam (e ainda pagam) um prêmio por soja convencional não entusiasmavam os produtores, porque o premio não cobria a diferença de custos de produção.  
     
  Foi necessário ter como Ministro da Agricultura um Engenheiro Agrônomo, com a sensibilidade que só um profissional que vive o quotidiano da agricultura e do agricultor tem, para mudar a situação. Roberto Rodrigues costurou, pacientemente, a elaboração da primeira Lei de Biossegurança no Brasil, sendo execrado por ONGs e ambientalistas avulsos. A Lei 11.105/2005 não resolveu apenas o problema da agricultura, mas traçou diretrizes para temas polêmicos como clonagem, células troncos e a produção de medicamentos por microrganismos transgênicos. Lembrando sempre que as pessoas diabéticas somente conseguem levar uma vida com dignidade porque, desde a década de 1970, a insulina é produzida por bactérias transgênicas. Em tempo: nestes 40 anos nunca ouvi uma única voz se levantar contra a insulina transgênica, Graças a Deus!  
     
  Passados sete anos, o Brasil avançou muito na área. Já há três anos é o país com a segunda maior área de transgênicos do mundo, onde 15,4 milhões de agricultores usam sementes transgênicas. No Brasil, em 2012, estima-se em 21,4 milhões de hectares de soja (85%), 9,9 milhões de hectares de milho (67%) e 0,50 milhão de hectares de algodão (32%) a área de transgênicos. O presente mostrou que Pelé (as sementes produzidas no Brasil) são melhores que Maradona – como no futebol. E as sementes ´Neymar´, que logo chegarão aos agricultores – como as plantas tolerantes à seca - serão ainda melhores que Pelé! Graças a outros agrônomos, colegas de Roberto.  
     

    

Não perca nos descontos!

Décio Luiz Gazzoni

 

O agricultor fez tudo certo, seguiu as recomendações tecnológicas, o clima correu bem, a produtividade está boa. Mas, faltando apenas a colheita, este agricultor pode desperdiçar uma parcela importante do seu lucro, se não evitar as perdas na colheita.   Cambé conquistou a fama de ser o município brasileiro que registra as menores perdas na colheita de soja. Para conseguir a façanha, foi necessário um grande esforço de treinamento e assistência técnica, cujo foco é o Concurso de Perdas na Colheita de Soja, realizado há quase duas décadas por uma parceria entre a Prefeitura Municipal, a Emater Paraná, a Embrapa e outras instituições.  

Em 2011, Onivaldo Dante foi o vencedor do 18º concurso seguido por Cláudio Peruci e José Peruci. Dante venceu com perda de 1,83 kg/ha, Cláudio perdeu 2 kg/ha e José fechou com 2,17 kg/ha. Para quem não está acostumado, isto não significa muita coisa. Mas, a excelência salta à vista se confrontada com as perdas no Paraná (60 kg/ha) no Paraná e no Brasil (120 kg/ha).

 

 

 A Emater-PR realiza diversos concursos municipais e regionais. Há uma redução acentuada das perdas entre os participantes dos concursos, que obtiveram a média de 30 kg/ha de perda. Apenas 30% dos operadores participantes dos concursos registraram perdas acima do máximo definido com aceitável pela Embrapa Soja.   Calculemos as perdas na colheita de soja, no Brasil. De acordo com a Conab, a área cultivada com soja, em 2012, é de 24,6 milhões de hectares, e a produção estimada em 71,7 milhões de toneladas. Com um índice médio de perdas na colheita de 120 kg/ha, significa que o Brasil estará deixando de colher 2,96 milhões de toneladas. Com a saca cotada a R$46,00, o prejuízo será de 2,27 bilhões de reais – dois orçamentos anuais da Prefeitura de Londrina!   Olhando por outro ângulo, a Conab estima que a violenta seca que se abateu sobre grande parte da área de soja do sul do país, durante esta safra, redundará em perdas de 3,57 milhões de toneladas. Portanto, o que irá se perder na colheita representa 83% da perda pela seca. Outro cálculo possível mostra que, com o valor perdido na colheita, seria possível comprar quase 3.800 colhedoras novas, por ano. Tá bom, ou precisa mais?

    

O paraíso agronômico

Décio Luiz Gazzoni

 

Há 45 anos eu cursava Agronomia em Porto Alegre, e o paradigma era o Corn Belt dos EUA, onde se praticava a agricultura mais moderna da época, com elevados índices de eficiência e produtividade. Era um sonho juvenil conhecer a região, que visitei em 1975 e para onde retornei inúmeras vezes.

 

Há 40 anos conheci o Mato Grosso. De Cuiabá a Manaus ou a Porto Velho, eram milhares de quilômetros de mata cerrada - sequer picada havia no meio da selva. Nos últimos anos, visitei inúmeras vezes o Mato Grosso, acompanhando a evolução da sua agropecuária. No início, a pecuária extensiva, ineficiente, necessitando de 3 hectares para cada cabeça, abatidas com mais de 3 anos. Os primeiros colonos derrubavam um pedaço da floresta, plantavam arroz por poucos anos. Ao esgotar a fertilidade, derrubavam outro pedaço da floresta e o ciclo recomeçava. Esta agropecuária extrativista e itinerante gerou milhões de hectares de terras degradadas Brasil afora.

 

Mas, na década de 1970, com a minifundização do Rio Grande do Sul, milhares de gaúchos iniciaram o seu Exodus, por ser impossível sobreviver em pequenos lotes de terra nos pampas. Colonizaram o Paraná, depois Mato Grosso do Sul, chegaram ao Mato Grosso e a todo o resto do país, da América Latina e hoje já estão na África e alhures. O mote inicial era terra farta embora pobre, portanto barata. Chovia de fim de setembro a fim de abril e não caía uma gota de água de maio a setembro. Não havia estradas, escolas, hospitais, supermercados. Mas havia empreendedorismo, capacidade gerencial, visão de negócio.

 

Semana passada voltei ao Mato Grosso, onde se pratica a agropecuária mais moderna do mundo, em bases sustentáveis. Com inovações tecnológicas avançadas, hoje o agricultor colhe duas safras de grãos por ano e, depois, ainda planta capim para o gado, que continua engordando durante a seca! A produtividade de grãos, o ganho de peso e a idade de abate do gado estão entre os melhores índices do mundo. Sobrevoando o Estado, testemunha-se o xadrez da floresta nas APPs e RLs - afinal três safras na mesma área reduzem a demanda de áreas novas. Mato Grosso deixou muito para trás o Corn Belt, com sua única safra, cujos agricultores dependem dos subsídios do Governo para se manter no negócio.

    

Agradeça ao agricultor

Décio Luiz Gazzoni

 

O habitante da urbe deve muito ao agricultor, a quem, além de Deus, deve agradecer o pão nosso e os demais alimentos de cada dia. O Brasil é o melhor exemplo do que ocorre quando as políticas corretas são aplicadas. Para quem, como eu, já virou a esquina dos 60 anos, estão vivas na memória lembranças anteriores à década de 70, quando eram rotina a escassez e a importação de alimentos. Vergonha das vergonhas para um país que, já à época, era tido como celeiro do mundo, mas convivia com fome e alimentos importados.   Uma das heranças benditas do regime militar foi o conjunto de políticas de apoio ao agronegócio, para transformar o Brasil de importador em exportador de alimentos, o que incluiu a criação da Embrapa. Após 40 anos, o Brasil é o 2º exportador de alimentos do mundo, rumo à liderança. A cesta básica custa, hoje, 50% (em valores atualizados) do que valia em 1975. Como o salário mínimo dobrou seu poder aquisitivo, quem o recebe despende, hoje, 25% do que gastava há 40 anos em alimentos. Com a cesta básica valendo R$296,00, a cada mês cada família brasileiras recebe, indiretamente, uma “bolsa agricultor” de R$296,00. Para comparar, o valor médio da bolsa família, em 2011, foi de R$115,00.

      

Em 2011, o Governo previa incremento do PIB superior a 5%. Cresceu 2,7%, um quarto do verificado na China. Mas, poderia ter sido pior, se não fosse – novamente – o agricultor. A indústria cresceu apenas 1,6% e, não fora o aumento de 3,9% do PIB do agronegócio, o crescimento brasileiro teria sido ainda menor. O país chegou a ter crescimento negativo no terceiro trimestre – coincidentemente quando não há colheita importante na agropecuária.   No ano passado o Brasil produziu a maior safra de sua história, ultrapassando 162 milhões de toneladas de grãos, um crescimento de 8,6% em relação a 2009. A colheita de soja cresceu 9%, feijão 14%, arroz 18% e algodão 72%. O aumento da produção exigiu mais mão-de-obra, sementes, adubos, combustível e máquinas. Com o lucro da colheita, o agricultor trocou de carro ou de apartamento. Isto movimentou a economia do interior do Brasil, apesar do baixo crescimento do PIB. Portanto, além da bolsa e do pão nosso, agradeça ao agricultor também pelo seu emprego.

    

Código Florestal

Décio Luiz Gazzoni

 

  Em 2010 um grande banco internacional de investimentos nos convidou para apresentar, em Londres, as perspectivas do nosso agronegócio para as 2 próximas décadas, com as oportunidades do Brasil para investidores internacionais. Tudo indica que as perspectivas eram críveis e factíveis, pois recebemos convite para reapresentá-las em um Congresso nos EUA e no Mercosoja, na Argentina. Por que este comentário extemporâneo? Porque se aproxima a votação do Código Florestal na Câmara dos Deputados, depois de 3 anos de tramitação. Na sua discussão transpareceu à opinião pública que haveria uma impossibilidade física: ou a produção de alimentos cresce ou se protege o ambiente.  
     
  Sempre sustentamos que esta tese é um sofisma. É possível conciliar os dois objetivos, com tecnologia adequada, aumentando a produtividade sustentável sem o recurso a novas áreas. Vamos aos números. Embora alimentos não se restrinjam a grãos, a FAO propugna que, até 2050, será necessário aumentar em 70% a produção mundial de grãos e em 90% a de carne. Suponhamos que, neste período, o Brasil cresça o dobro, aumentando a produção em 140% (grãos) e 180% (carne), devido ao menor aporte de outros países. Nos últimos 30 anos, a produtividade de grãos no Brasil cresceu 3,2% ao ano. Para crescer 140%, a produtividade deveria incrementar-se a “apenas” 2,4% ao ano. E isto seria possível?  
     
 

A produtividade de soja no Brasil (em 2011) foi de 3.115 kg/ha. Mas o recorde brasileiro é 6.501 kg/ha e o mundial 10.380 kg/ha. Em 2011 a produtividade de milho foi de 4.156 kg/ha (o recorde brasileiro é 12.892 kg/ha e o mundial 22.920 kg/ha). O mesmo raciocínio se aplica para lotação, ganho de peso e idade de abate do gado, pois nossas médias estão distantes do limite tecnológico. Logo, dispomos de tecnologia para mais do que duplicar a produtividade, e temos 40 anos para torná-la realidade. Mesmo dispondo de 30 milhões de hectares degradados para recuperar e 90 milhões de hectares de cerrados para cultivar, não os precisaremos utilizar se usarmos a tecnologia adequada na atual área em uso. Concluindo, com tecnologia sustentável e bons profissionais para aplicá-la no campo, ao contrário de desmatamento, teríamos sobra de área no Brasil.

 

 

    

Homenagem ao Agronegócio

Decio Luiz Gazzoni

  O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) anunciou que o Brasil será a sede das celebrações globais do Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado anualmente em 5 de junho. O PNUMA ressaltou a sustentabilidade da agropecuária brasileira, e os avanços do Brasil em áreas como os biocombustíveis e a redução do desmatamento, contribuindo para a redução da emissão de gases do efeito estufa. Segundo o documento Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza (unep.org/greeneconomy), o Brasil tem tido uma posição de destaque na construção de uma economia que inclui a reciclagem, a energia renovável e a geração de empregos verdes. Além de destacar a indústria da reciclagem, o relatório também ressalta a liderança brasileira na produção sustentável de etanol como combustível de veículos. Depois de tantas críticas infundadas, é salutar que o agronegócio brasileiro receba uma homenagem da ONU.  
     
 

A expectativa do PNUMA é que esses exemplos reflitam na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável que ocorre no Rio de Janeiro três semanas após o Dia Mundial do Meio Ambiente, do qual o Brasil também foi sede em 1992, durante a Conferencia Rio-92.

 

 
     
  O PNUMA define economia verde como aquela que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz riscos ambientais e escassez ecológica. Dito de outra forma, uma economia verde pode ser considerada como tendo baixa emissão de carbono, é eficiente em seu uso de recursos e socialmente inclusiva. Em uma economia verde, o crescimento de renda e emprego deve ser impulsionado por investimentos públicos e privados que reduzam as emissões de carbono e poluição. Que aumentam a eficiência do uso da energia e de outros recursos. Que previnam perdas de biodiversidade e de serviços ecossistêmicos. Esses investimentos precisam ser gerados e apoiados por gastos públicos específicos. O caminho do desenvolvimento deve manter, aprimorar e, quando possível, reconstruir capital natural como um bem econômico crítico e como uma fonte de benefícios públicos, principalmente para a população carente cujo sustento e segurança dependem da natureza.  

    

Exportando água

Decio Luiz Gazzoni

 

  Mais de 20% da água doce usada no mundo estão embutidos em produtos agrícolas comercializados internacionalmente, concluiu um estudo holandês. Usando informações de 1996 a 2005, verificou que as nações desenvolvidas importam produtos intensivos em água, pressionando países onde a gestão da água e as políticas de conservação são muitas vezes inexistentes. Uma pessoa consome, em média, 4.000 litros de água por dia, escondida na comida. Um americano consome 8.000 litros e um chinês ou um indiano consomem 1.000 litros, que varia com a dieta. Os maiores responsáveis por este consumo indireto de água são os cereais, que representam 27% da dieta, a carne (22%) e os produtos lácteos (7%). Obviamente, trata-se do uso agrícola da água, que responde por 92% do consumo global de água doce.  
     
  Para produzir um quilo de carne demanda-se 15.400 litros de água, considerando o ciclo de vida da pastagem e do boi. Apesar disso, o líder do estudo, Dr.Arjen Hekstra, da Universidade de Twente, lembra que a água raramente é  incluída nos custos de produção. Parte do problema é que muito do uso global da água é indireto. Uma exceção é o estado de São Paulo, que cobra uma taxa para o uso agrícola da água (Lei Estadual 12.183/05).  
     
  A dificuldade para apropriar a água no custo de produção é que sua principal fonte é a chuva. A irrigação, usando águas subterrâneas, de rios ou lagos, representa a menor parcela. Assim, a precipitação pluviométrica é um recurso oculto, contido no produto agrícola de forma gratuita. Mal comparando, as jazidas de petróleo ou minérios se assemelham à chuva: existem em alguns lugares e não existem em outros. Mas, onde não existe petróleo ou minério, o importador paga um alto preço pelo produto. Este preço não está vinculado só ao custo de produção, reflete também a sua distribuição desigual no mundo. Portanto, minha proposta é que os países onde chove bem devem unir-se para cobrar dos países importadores, onde não chove bem, o valor da água exportada. Ou por que a Arábia Saudita, um deserto, cobra US$130,00 por barril de petróleo que nos vende (e que custa US$13,00 para extrair) e nós não cobramos nada pela nossa chuva tropical, que tem seu custo nas externalidades negativas?  

       

    

Carro cabra-da-peste

Décio Luiz Gazzoni

 

Há os Demóstenes e assemelhados que me fazem sentir vergonha de ser brasileiro. E há os Ximenes que me enchem de orgulho e esperança. Falo do cearense Fernando Alves Ximenes. Que fez ele para ser admirado? Partiu de um Fiat Uno original de fábrica, movido a etanol e gasolina, e o transformou em quadriflex, coisa nunca antes feita na História deste país, digo, deste planeta. O que mudou? O engenheiro retirou o alternador do carro, cuja finalidade é gerar energia elétrica, que alimenta equipamentos como o rádio, GPS, limpador de parabrisa, pisca pisca, além de recarregar a bateria. Em seu lugar colocou placas fotovoltaicas e ... cataventos. Com aquele sol abrasador do Ceará, e o ventinho da praia de Ipanema, o carro encontrou seu ambiente ideal para gerar energia dependendo menos do petróleo.   Sem a carga do alternador, o carro ganhou mais potência, saltando de 75 para 81 HP. Quem conhece o carro original e dirige o modificado, comenta que a sensação é um salto de “1.0 para 1.3”. O rendimento do combustível aumentou 40%, nada mau quando a gasolina beira os R$3,00 na nossa querida Londrina. As placas fotovoltaicas foram colocadas no teto e as turbinas eólicas embutidas no para-choque, gerando energia quando o carro ultrapassa 40km/h. Ou seja, quem o vê estacionado e não sabe das modificações, só achará estranho o teto preto brilhante do carro.

       

       

Mas, a azeitona da empada não é o ganho econômico do proprietário, e sim o ganho ambiental de todos nós. Consumir 40% menos gasolina, significa que serão lançados na atmosfera 40% menos gás carbônico, a principal ideia força do uso de energias renováveis. O automóvel foi apresentado na feira internacional de energias limpas e renováveis (EcoEnergy), chamando a atenção de visitantes e especialistas.   Para encerrar, como gato escaldado tem medo de água fria, espero que Ximenes nunca me decepcione como o fez Demóstenes. Almejo que este protótipo seja tudo o que se fala dele - e muito mais. Gostaria de ver esta tecnologia ganhando cada vez mais as ruas deste País Tropical, e que não seja somente outro sonho de verão. Os detalhes você confere em youtube.com/watch?v=TxJTbTfRz-o ou youtube.com/watch?v=xq3Bz50owPw&feature=related.

    

Plástico quase vivo

Décio Luiz Gazzoni

 

Meu avô mal conhecia plásticos, meu pai os queria, eu os exijo biodegradáveis, meus filhos os veem regeneráveis, meu neto... vivo! Imagine que você não pagou a gorjeta ao cuidador de carros e ele risca um prego no para-choque plástico do seu carro. Quando você volta, a peça preta está vermelha na região do risco, feito uma ferida no seu braço. Mágica? Arthur Clarke já dizia que qualquer tecnologia avançada se confunde com magia.  

Depois do plástico biodegradável, de cana ou milho, agora temos um plástico que cicatriza, sem deixar cicatrizes: ele se regenera. Invenção apresentada num Congresso de Química pelo Dr. Marek Urban, da Universidade do Sul do Mississippi. Quimicamente plásticos são polímeros, ou seja, uma repetição ad nauseam de uma mesma molécula básica. O plástico que se regenera é um polímero que, entre estas moléculas básicas, tem pequenas pontes moleculares. Quando o plástico é danificado – o risco do guardador de carro – as pontes se quebram, mudam sua forma e sua cor. É a tal mancha avermelhada, parecida com a marca da picada de mosquito no braço ou no rosto. Sua função primeira é o alerta: Houston, temos um problema! (Filme Apollo 13).

       

O leitor já percebeu a vantagem: o problema fica claro, evidente, disparando a sequência de ações para seu conserto. No caso do carro, ela até pode esperar uma semana. Mas, e se for na asa de um avião? Sabendo deste fato, você viajaria em um avião, olhando pela janela e vendo a mancha vermelha sobre a asa?  

Mas a segunda e maior vantagem vem agora. No local da mancha vermelha (o sangramento) aplica-se o remédio, que pode ser um facho de luz em uma determinada frequência (ultravioleta, infravermelho), raio X, a própria luz solar, uma substância com acidez na dose certa ou contendo uma determinada molécula química e SHAZAM! (epa, esta é do tempo que o plástico não existia!) num passe de mágica a estrutura polimérica do plástico é recuperada e tudo volta a ser como dantes, no quartel de Abrantes. E o plástico pode ser feito com água mais amido de milho ou bagaço de cana. Parece coisa de Mandrake, mas é obra do cientista Marek Urban. Daí ao plástico vivo que se regenera automaticamente só depende de mais incentivo à Ciência.

    

 

Sustentabilidade premiada

Décio Luiz Gazzoni

 

A Enga. Agra. Mariângela Hungria, da Embrapa Soja, recebe, este mês, o Premio Frederico Menezes Veiga, reconhecimento a uma vida dedicada ao estudo de bactérias que fixam o nitrogênio do ar em plantas como soja ou feijão. Trata-se da maior honraria concedida a um pesquisador em agropecuária. O premio está em sua 35ª. edição e cinco dos agrônomos premiados trabalham ou trabalharam na Embrapa Soja, em Londrina.  

O Engo. Agro. Willian Pereira recebeu o Prêmio Agroambiental Monsanto ao demonstrar a factibilidade de diminuir a adubação nitrogenada mineral e, assim mesmo, aumentar a produtividade de cana. William é estudante de pós graduação da UFRRJ, orientado da Dra. Verônica Reis (Embrapa Agrobiologia) e sua pesquisa busca selecionar as melhores bactérias diazotróficas para uso na cana-de-açúcar. A meta do Dr. William é reduzir em 50% a adubação nitrogenada na cana.

       

  As bactérias úteis podem ser selecionadas para as plantas de milho, trigo, soja, feijão ou amendoim. Até recentemente, as pesquisas cingiam-se a plantas com sementes, enquanto a cana se propaga por toletes. Assim, a pesquisa com cana teve que começar do zero, pois não existiam experiências anteriores. Entrementes, o tema é importante, porque o Brasil é o maior produtor mundial de cana, o uso de adubo nitrogenado é alto, o adubo é caro, gasta muita energia para seu preparo e grande parte é arrastada pela água, devido à sua alta solubilidade.  

 

 

Para a soja, a Dra. Mariângela calculou que os agricultores poupam, a cada ano, R$13 bilhões em adubo nitrogenado que não precisam utilizar, substituindo-o por um pó contendo as bactérias, que é misturado às sementes no plantio. Estas bactérias têm a singular capacidade de captar o nitrogênio do ar e transferi-lo para as plantas.  

Segundo a Dra. Verônica, já foram testadas mais de 8.000 bactérias pela Embrapa, que estão guardadas em um banco, como reserva de biodiversidade para uso agrícola. No caso do inoculante da cana, todas as cinco espécies selecionadas são brasileiras, criadas separadamente, mas depositadas juntas no solo durante o plantio. As bactérias não são modificadas geneticamente e vivem nas raízes, folhas ou colmos da própria cana.

 

    

Embrapa 39 anos

Décio Luiz Gazzoni

 

  Hoje a Embrapa comemora 39 anos. Embora seus estatutos tenham sido aprovados pelo Decreto 72.020 (28/3/73), convencionou-se ser a data da posse da primeira diretoria aquela da sua efetiva criação. A Embrapa surge no bojo de um audacioso projeto de visão de futuro para o Brasil, para transformar o país de importador em exportador de alimentos. Até meados da década de 1970 o Brasil era um grande importador agrícola, incluindo o pão (trigo) e o leite nosso de cada dia. Petróleo e trigo representavam uma sangria nas contas externas brasileiras. A leitura correta dos governantes da época foi de que, sem investimentos em ciências agrárias, o País não conseguiria reduzir o fosso crescente entre a demanda e a oferta de alimentos e fibras.  
     
  Não menos importante que o desenvolvimento de tecnologia, fazia-se mister que esta fosse intrinsecamente sustentável, revertendo os impactos ambientais negativos de uma agricultura atrasada, itinerante e pouco rentável, que era o paradigma da época. Após quase 4 décadas, da Embrapa só não se pode dizer que cumpriu sua missão, porque o desafio continuará existindo nas décadas vindouras. Porém, a meta de inverter a condição de importador de alimentos foi atingida já na década de 1990. De lá para cá, o Brasil se firma como o maior exportador líquido de produtos agrícolas do mundo pois, embora EUA e UE sejam os maiores exportadores, também são os maiores importadores. O Brasil ocupa a liderança mundial na produção de açúcar, café e suco de laranja e é o segundo maior produtor de soja, carne bovina e de frango, bioetanol e biodiesel. Com exceção do biodiesel, nosso país é o maior exportador de todos estes produtos.  
     
  O Plano Brasil 2022, conjunto de metas da Presidência da República, prevê que, em 2025, adicionalmente seremos o primeiro produtor de soja, carnes, bioetanol, biodiesel, e também o maior exportador de biodiesel, além de ocupar a segunda posição na produção e exportação de milho e de produtos florestais. O senso comum indica que nada disto teria sido ou será possível sem intenso e continuado apoio à inovação tecnológica sustentável. E você é parte desta história, pois o dinheiro dos seus impostos financia a maior parte dos investimentos da Embrapa.  

    

Resistencia à seca

Décio Luiz Gazzoni

 

 

Com a seca desta safra, o Brasil deixou de colher 11 milhões de t de soja, 4 de milho e quase 1 de feijão. No Mercosul, estima-se que a perda dos agricultores supere os R$20 bilhões. Considerando os desdobramentos na cadeia de transporte, processamento, seguros, etc. a perda total deverá ultrapassar a R$50 bilhões. Muitos empregos, renda e uns R$10 bilhões em impostos evaporaram-se na seca. Menor arrecadação de impostos significa menos investimentos em educação, saúde, segurança, habitação, para não falar em bolsa família e cesta básica.

 
     
 

Grande parte desse prejuízo econômico, social e ambiental seria evitável se as culturas perdessem menos produção com a seca. Para enfrentar a escassez de água, precisamos investir em sistemas de produção adequados, que incluem zoneamento agroecológico para diminuir o risco de semeadura em áreas com baixa oferta hídrica, manejo adequado do solo e da lavoura, e variedades ou cultivares tolerantes à seca. Para obter sementes com esta característica, duas coisas devem acontecer: primeiro, identificarmos e dispormos de genes de tolerância à seca, comprovadamente eficientes em condições de campo; segundo, investimentos altos e continuados em ciência e tecnologia para garantir que a Ciência estenda os benefícios à sociedade. Nem é tanto dinheiro assim, se comparado às cachoeiras de desvios, como o Mensalão. Claro, ainda teríamos que controlar os bate-bumbos dos que são avessos ao avanço científico, em especial quando envolve transgenia.

 

 
     
 

Neste particular, nossos cientistas abreviam o tempo geológico da Natureza e introduzem os genes que permitem tolerar longos períodos de seca na soja, no feijão, no milho e em outras plantas cultivadas, aprimorando o conjunto de técnicas para diminuir as perdas com a falta de água. Parte da solução se encontra encaminhada: aqui mesmo, em Londrina, cientistas da Embrapa Soja introduziram genes que conferes tolerância à seca na planta de soja – um deles é o gene DREB. Os estudos já estão avançados, com cultivares experimentais sendo testadas no campo. Aí está uma boa bandeira a desfraldar em nome do desenvolvimento, do emprego, do alimento barato e do combate à fome:  diminuir as perdas da produção agrícola pela seca.

 

 

    

Produtividade de milho

Décio Luiz Gazzoni

 

  Um concurso anual de produtividade é executado pela Associação Nacional dos Plantadores de Milho (NCGA) dos EUA. Em 2011, o concurso contou com 8.431 participantes distribuídos pelos EUA, que foram premiados de acordo com a tecnologia utilizada e a sua localização geográfica. No plantio sem irrigação as maiores produtividades foram de 20.280kg/ha no chamado Corn Belt, com plantio convencional, e de 18.660 kg/ha com Plantio Direto. Já no milho irrigado, plantado de forma convencional, a maior produtividade foi de 23.220 kg/ha, enquanto, com plantio direto, atingiu incríveis 27.028 kg/ha! A proeza foi conseguida por um produtor chamado David Hula, cuja propriedade fica próxima à Baía de Chesapeake, na Virgínia – aquela mesma onde ocorreu o acidente com o carro do senador Ted Kennedy, em que morreu afogada sua secretária, episódio que impediu que ele chegasse a Presidente dos EUA!

 

 
     
 

Pode-se argumentar: o tal David foi um ponto fora da curva, não quer dizer nada. Bem, miremos então a média dos 8.431 participantes do concurso, que foi de 19.680 kg/ha. Algum cético emendaria: se estes conseguiram, todos podem conseguir. Então vamos às comparações: a média de produtividade de milho nos EUA, em 2011, foi de 9.639 kg/ha. Logo, o recordista de produção obteve um ganho de 180% sobre a média nacional. Se compararmos com a média brasileira em 2012 (4.067 kg/ha), significa um ganho de 565%.

 

 
     
  Mas qual é a importância do aumento da produtividade do milho, da soja, ou de qualquer outro produto agrícola? Pela ótica do atendimento da demanda mundial, atente-se para a necessidade de aumentar em mais de 70% a produção de alimentos, até 2050. Para os EUA, produtividade é crucial porque não há mais área agrícola a expandir naquele país – todo o aumento de produção virá dos ganhos de produtividade. E, para o Brasil, que tem muita área para expandir, representa o ganho ambiental de evitar a incorporação de novas áreas ao sistema produtivo. E, para todos, significa a busca de maior rentabilidade, se os ganhos de produtividade forem efetivamente sustentáveis. Neste particular, David Hula afirmou que a rentabilidade, com sua altíssima produtividade, foi superior àquela dos anos anteriores.  

 

    

Árvores não derrubadas

Décio Luiz Gazzoni

 

O Globo Rural dos dias 20 e 27 deste mês apresentará uma retrospectiva do agronegócio brasileiro, contrastando as cenas da década de 1970 com o que ocorre nesta segunda década do século XXI. Como um dinossauro que testemunhou todo este período, prestei minha contribuição para o Globo Rural contar esta história, especialmente nas gravações efetuadas no Mato Grosso. Aquele estado foi escolhido porque, há 40 anos, era o ícone da pobreza e do atraso, por qualquer ângulo que se analisasse. Hoje, o Mato Grosso só não é um dos melhores locais do mundo para trabalhar e viver porque a infraestrutura, especialmente de transportes, fica muito a dever à capacidade empreendedora e ao potencial do estado. Houvesse uma hidrovia a la Mississipi ou Reno e o Mato Grosso seria muito mais desenvolvido do que já é.   Mas o Globo Rural vai falar de contrastes. Da agropecuária extensiva, itinerante, ineficiente, insustentável e predatória dos anos 60, nada restou. Hoje, os empresários agrícolas mais eficientes do mundo lá estão. Os gaúchos migrantes, expulsos dos pampas pela minifundização do estado, atualmente estão confinados aos conselhos de administração, substituídos na gestão pelos filhos, com sólida formação universitária, que inclui pós graduação nas melhores universidades do mundo; que passam o dia conectados no que se passa no universo dos negócios; que pensam estrategicamente; e que costumam ter planos de negócios para a década seguinte, permanentemente revisados para adaptar-se às mudanças de cenários.

 

 

O eixo central da revolução do agronegócio brasileiro foi a tecnologia, o que pode ser expresso de duas formas para ilustrar a sustentabilidade do agronegócio brasileiro. A primeira forma é a produtividade, que cresceu 266% nos últimos 50 anos, apenas nas lavouras de grãos. A segunda é o índice que eu criei para o Globo Rural: o número de árvores não derrubadas, em decorrência do avanço tecnológico. Apenas na safra de 2011, devido aos ganhos sustentáveis de produtividade, 36 bilhões de árvores foram poupadas, ou seja, deixaram de ser derrubadas para alimentar o Brasil e o mundo. Este número é um orgulho para nós, cientistas e extensionistas, para os produtores e para todos os brasileiros.

 

 

    

Biofarmácias

Décio Luiz Gazzoni

 

O Admirável Mundo Novo chegou – porém não como o anteviu Aldous Huxley. A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou uma droga produzida em uma célula vegetal geneticamente modificada. Simbolicamente, iniciou a era da biofarmácia, que vai acompanhar as próximas gerações, até que um processo ainda mais avançado a supere. A droga, chamada Elelyso (taliglucerase alfa), alivia os sintomas da doença de Gaucher, que causa problemas que vão desde infecções ósseas até anemia. Cientistas da Protalix Biotherapeutics criaram uma cenoura que produz a enzima humana que falta a estes pacientes. Os doentes tratados em ensaios clínicos com a enzima taliglucerase alfa tiveram evolução clínica igual ao tratamento padrão com Cerezyme.

 

Durante mais de uma década, os cientistas aprenderam a manipular geneticamente as plantas para produzirem enzimas humanas. Em 2006, o Departamento de Agricultura dos EUA aprovou uma vacina para frango, produzida em células vegetais. Mas os medicamentos para uso humano envolvem muito mais preocupações, razão da demora no seu desenvolvimento e aprovação. Por exemplo, estes medicamentos podem ser produzidos em células animais, porém os cientistas temem contaminações com vírus e bactérias, gerando perigos que eles não admitem.

 

 

As principais vantagens de produzir a enzima em OGMs são a) o menor custo; b) a maior pureza e qualidade; c) a substituição da petróquímica pela química verde. A estimativa do mercado é que a enzima produzida em cenoura custe, inicialmente, 25% menos que os medicamentos similares produzidos por via química. O mercado tende a crescer muito rapidamente pois, ao contrário dos alimentos provenientes de plantas transgênicas, não existe reação das ONGs aos medicamentos produzidos por esta via.   A Protalix tem planos ambiciosos de produzir outros medicamentos em plantas. Ainda este ano inicia a fase I de ensaios clínicos sobre sua proteína para o tratamento da doença de Fabry isquemia cardíaca, cerebrovascular e principalmente renal. Esta nova era também cria um novo tipo de agricultores que se juntam aos horticultores, fruticultores e similares: são os “biofarmacicultores”, que vão produzir medicamentos e qualidade de vida.

 

    

Mais biodiesel

Décio Luiz Gazzoni

 

A RIO+20 trará novidades para os agricultores e para a cadeia do biodiesel: deverá ser anunciado o novo marco regulatório do biodiesel para o Brasil. Traduzindo em miúdos, já em 2013 o Governo aumentaria a mistura de biodiesel no petrodiesel (atualmente em 5%) para 7%. E, até 2020, o percentual sobe para 10%.

 

Por que o anúncio na RIO+20? Como a Conferência terá como foco principal as Mudanças Climáticas Globais, tudo o que reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) terá repercussão positiva. Pelos nossos cálculos, este ano o Brasil consumirá 2,7 bilhões de litros (GL) de biodiesel, sendo o maior consumidor individual e o segundo maior produtor mundial, após a Alemanha, que fabrica 2,9 GL. Com o novo marco, em 2013 produziremos 4 GL, passando a 5,6 GL em 2018 e a 6,5 GL em 2020. Logo, o anúncio será: Brasil, líder mundial de produção e uso de biodiesel!

 

A boa notícia ambiental está em linha com a RIO+20: como o biodiesel emite 28% do volume de GEE gerado pelo petrodiesel, calculando os números daqui até 2020 conclui-se que seriam emitidos 150 milhões de toneladas (Mt) de GEE com o uso exclusivo de petrodiesel. Que, na prática, serão diminuídas para 42 Mt (com a adição do biodiesel). Portanto, deixaremos de emitir 108 Mt com as novas regras de mistura do biodiesel. A Natureza agradece.

 

 

Mas os benefícios não terminam aí. Todos sabemos que a cadeia do petróleo gera poucos empregos e concentra renda, enquanto a agricultura gera muitos empregos, movimenta a economia e distribui renda. Em 2012 serão necessárias 12 Mt de soja para produzir o biodiesel que consumiremos. Em 2016, serão 24 Mt, em 2018 serão 29 Mt e, no início da próxima década, 33 Mt.

 

  Entre 2012 e 2020, serão necessários 42 Mt de biodiesel e, para a sua produção, mais de 200 Mt de soja. Com o preço médio do biodiesel cotado a R$2,20/litro, daqui até 2020 o biocombustível movimentará acima de R$100 bilhões. O farelo resultante do esmagamento movimentará outros R$90 bilhões. Que serão dispersos pelo interior do Brasil na forma de emprego e renda. Cá entre nós, por motivos sociais, ambientais ou econômicos, sou cada vez mais biocombustível e cada vez menos pré-sal.

    

Máxima produtividade

Décio Luiz Gazzoni

 

Ontem, durante o Congresso Brasileiro de Soja, que ocorre esta semana em Cuiabá, foram entregues as premiações para os agricultores que obtiveram as mais altas produtividades de soja no Brasil, e para os engenheiros agrônomos que os orientam. Para começar, é importante dizer que esta última safra foi altamente prejudicada pela forte estiagem, que derrubou a produtividade de soja no Brasil em mais de 20%. Segundo a CONAB, a média brasileira de produtividade de soja deve ficar próximo a 2.665kg/ha.   Indiferente aos problemas, os agricultores que se inscreveram no Desafio de Máxima Produtividade de Soja do CESB obtiveram produtividades até 145% superiores à média brasileira. Foi o caso do produtor Demétrio Guimarães Pereira, de Correntina na Bahia, que produziu 6.532 kg/ha. Ah, sim, sem irrigação! Dos pagos gaúchos veio o vencedor na categoria soja irrigada, Tiago Rubert, que produziu 6.156 kg/ha. Aqui perto, em Arapoti, o produtor Ely de Azambuja Germano obteve 6.186 kg/ha, sendo o vencedor da região Sul do Brasil.

 

Todos os produtores que se inscreveram no Desafio de Máxima Produtividade de Soja do CESB produziram acima da média nacional. O que faz com que eles sejam diferentes? É justamente esta resposta que o CESB busca ao organizar os Desafios Anuais de Máxima Produtividade. E, o que estamos descobrindo é que não existe uma fórmula mágica, uma bala de prata, um segredo restrito a uma confraria. O “segredo” é fazer bem feito, aquilo que, de alguma maneira, já é feito na lavoura! Capricho é a chave do cofre.   Para entender melhor como isto acontece, este escriba, e outros pesquisadores da Embrapa Soja, foi conversar com o Engo. Agro. Ivo Frare, que orientou o produtor Ely Azambuja, de Arapoti. E descobrimos que ele trata o solo com enorme carinho. São anos de plantio direto na palha, que afofaram e fertilizaram o solo, que permitem reter a água da chuva e armazená-la para os dias de veranico. Solo fértil, bem manejado, bem estruturado, profundo, que recebe a cultivar correta, com a população de plantas adequada e com os cuidados fitossanitários necessários fizeram de Ivo e Ely os recordistas de produtividade de soja do Sul do Brasil.

    

Pegadinha hídrica

Décio Luiz Gazzoni

 

 

A RIO+20 tem o nobre objetivo de promover e viabilizar um modelo planetário de desenvolvimento sustentável. Lastimável que, no afã de contribuir para a discussão, alguns profissionais descumpram a norma básica do bom jornalismo, que é verificar as informações com fontes fidedignas, antes de divulga-las. Um fato recorrente, que verificamos desde abril passado, tornou a ocorrer na antevéspera da reunião, referente ao consumo de água na agricultura. No domingo, 10 de junho, uma repórter de TV brandiu um cafezinho e sentenciou: para produzi-lo, 10.000 litros de água foram consumidos!

 

 
     
  Em maio, a revista Cultivar publicou um artigo nosso intitulado A Pegadinha Hídrica. Para lê-lo na íntegra, procure no índice em http://dlgazzoni.sites.uol.com.br. Referido artigo atingiu enorme repercussão nacional, e até no exterior, porque, até aquele momento, as informações sobre consumo estratosférico de água na agricultura surfavam em águas tranquilas, sem contestação. Não é preciso ser agrônomo, basta ter bom senso para refletir e chegar à conclusão que nem o cafezinho precisa de 10.000 litros de água (anteriormente, na mesma emissora, foi referido o consumo de 140 litros), nem o quilo de carne de 15.000 litros. Pessoas mal intencionadas ou deslocadas da realidade chegaram a estes números talvez porque tenham faltado à aula sobre Ciclo Hidrológico, que eu aprendi no Curso Ginasial e aprofundei no Ciclo Médio. Trata-se de um ciclo fechado, em que a água circula na hidrosfera, entre a atmosfera, os solos, os cursos de água, as plantas, os animais, etc., mas seu volume se mantém quase constante, desde tempos imemoriais.  
     
  Se a agropecuária provocasse o desaparecimento da água, ou disputasse a água tratada com água para beber ou cozinhar, vá lá, poderíamos aceitar. Mas, culpar plantas e animais porque cumprem a determinação da Natureza, só pode ser ignorância ou má fé. Mesmo a agricultura irrigada (que é inexpressiva no Brasil), que usa água de rios, não “consome” água, pois esta evapora dos solos ou depois de usada pelas plantas, e retorna ao Ciclo Hidrológico. Por oportuno, é bom saber que a chuva anual do nosso planeta é de 110 quatrilhões de litros.  

    

Cana-de-açúcar e ambiente

Décio Luiz Gazzoni

 

Agricultura e alterações no ambiente são gêmeos siameses, desde que o Homem de Nerdental pela primeira vez plantou uma roça. A cana-de-açúcar apresenta interações positivas e negativas com o ambiente, sendo que o consumo de água, o uso de fertilizantes e a participação da cultura da cana na dinâmica dos gases de efeito estufa são os principais aspectos a serem analisados. Sem dúvida, o fato de a cana ser a matéria prima do etanol, um combustível amigável ao ambiente e que responde por mais de 50% do volume de combustível que abastece veículos de passeio no Brasil, gera a expectativa de mitigação do efeito estufa, superando os seus impactos negativos sobre o ambiente.   Com plantações concentradas em áreas com boa distribuição de chuvas, o cultivo da cana-de-açúcar na maior parte do Brasil dispensa irrigação. Embora a cultura apresente uma alta resposta à irrigação, os resultados disponíveis demonstram que a cultura utiliza menos água que outros cultivos, como soja e café, em relação ao volume de biomassa produzido por unidade de área. Mesmo nas regiões em que a irrigação é necessária, como nos Cerrados do centro do Brasil, a irrigação da cana não precisa ser intensiva para obter produtividade semelhante à principal região produtora de São Paulo. Nestes locais aplica-se a chamada irrigação de salvação, que permite a brotação e o estabelecimento da cultura, durante o período de seca, entre maio e setembro.   A alta resposta da cana à irrigação foi claramente demonstrada pelo pesquisador Marcos Landell (IAC, Ribeirão Preto), que desenvolveu uma variedade que apresentou produtividade superior a 300 t/ha, cultivada em condições ideais de suprimento de água e nutrientes. A vantagem desta alta produtividade é a possibilidade de reduzir a expansão da área plantada e do volume total de água consumido, consequentemente diminuindo os impactos ambientais.

       

       

 

Água nas usinas

Mas o consumo de água não ocorre apenas na lavoura, a demanda também acontece nas usinas. Esta preocupação tem sido uma constante, ao ponto de que o consumo industrial de água se reduziu de 5,6 m3 para 1,8 m3, nas duas últimas décadas. Além das preocupações ambientais e de custos, as políticas públicas também apontam nesta direção. Por exemplo, em São Paulo, as novas plantas industriais podem consumir, no máximo, 1 mde água por tonelada de cana processada. Uma notícia alvissareira: a indústria Dedini, maior fornecedora de usinas de cana, já dispõe de tecnologia que permite o fluxo de água em circuito fechado, reduzindo a zero a necessidade de água adicional nas usinas!   A indústria da cana-de-açúcar também se preocupa com a preservação das águas superficiais e lençóis freáticos. Subprodutos contaminantes, como a vinhaça, não podem ser jogados em rios e são reaproveitados como fertilizantes, que também são submetidos a limites de aplicação a fim de que não haja contaminação do solo por excesso de sua aplicação.

       

       

 

Fertilizantes

A cana-de-açúcar consome 13% do adubo utilizado no Brasil, e a contaminação por fósforo e nitrato dos fertilizantes também pode redundar em impacto ambiental. Os fertilizantes nitrogenados são altamente solúveis, sendo lixiviados para as camadas sub-superficiais do solo. O excesso de fósforo provoca a eutrofização, que é a proliferação de algas na água. As avaliações disponíveis indicam que estes problemas são de baixa magnitude no Brasil, comparativamente ao que ocorre nos EUA, Europa ou Japão.

  Em 2008, com produção semelhante de etanol no Brasil e nos EUA, a cana brasileira consumiu 910 mil toneladas de adubo, muito abaixo dos 2,8 milhões de toneladas empregadas na produção do milho norte-americano destinado à produção de etanol. Recentemente, a Embrapa lançou no mercado a tecnologia de bactérias simbiônticas, fixadoras de Nitrogênio, que devem diminuir em até 50% o uso de adubos nitrogenados minerais na cana.

           

 

Emissões

       

Pelo potencial de ocupação do mercado de biocombustíveis, as emissões de gases de efeito estufa do ciclo de vida do etanol atraem a atenção de cientistas, ONGs e governos. Os fertilizantes nitrogenados têm um papel importante, pois liberam óxido nitroso (N2O), que é 300 vezes mais potente que o CO2 na contribuição para o efeito estufa. Admite-se, atualmente, que 1% do fertilizante empregado possa ser liberado para a atmosfera como NOx.

   O CO2, também compõe a avaliação ambiental da cana, pois há mais carbono na camada superficial do solo do planeta do que na atmosfera. Isso faz com que qualquer atividade de manejo do solo tenha seja uma potencial liberadora de CO2. A estrutura da planta de cana é favorável nesse sentido, pois concentra a parte seca e mais rica em carbono na parte inferior e na raiz do vegetal, o que mantém o CO2 sob o solo.

       

       

 

 A colheita da cana crua, sem a queima, pode aumentar o teor de carbono na terra. Os subprodutos como a vinhaça e a torta de filtro retornam ao campo como adubos. A legislação do Estado de São Paulo – maior produtor brasileiro de cana - prevê a extinção da colheita com fogo até 2031. Além de manter a palha no campo, a cana crua não libera o CO2 por queima da palhada residual.   Além disso, os dois principais produtos da cana, como a sacarose e o etanol, contêm somente carbono, hidrogênio e oxigênio, ou seja, boa parte dos minerais contidos nos fertilizantes pode ser reciclada, permanecendo no campo, reduzindo a contaminação ambiental.

       

    

Já somos mais de sete bilhões

Decio Luiz Gazzoni

 

...e, em mais 40 anos, seremos mais de nove bilhões. As estimativas mais otimistas indicam que, a partir de meados deste século, a população da espaçonave Terra se estabilizará e, após, entrará em leve e contínuo declínio, fruto da taxa de natalidade global que convergirá para valores inferiores ao necessário para reposição da população.  

Entrementes, a população do planeta vai continuar crescendo no Sudeste Asiático, cuja locomotiva será a Índia, que deverá ser o país mais populoso do mundo na próxima década; e na África, onde ainda existem países como Malaui ou Niger, nos quais, em média, cada mulher tem seis filhos. Exceção feita à América Latina, a população mundial crescerá nos países mais pobres – ou com grande desigualdade - justamente os que enfrentam as maiores dificuldades para prover condições dignas de vida a seus cidadãos.

 

O desafio é: como conferir dignidade a uma população crescente? Como fornecer alimento, energia, saúde, educação, transporte e saneamento aos novos habitantes? Os países ricos sempre encontram fórmulas para manter o problema equacionado, mesmo que à custa de deprimir as oportunidades de outros países. Trata-se de não mais que 10% da população, porém com consumo físico quase equivalente aos demais 90%. O que remete à questão central: qual a capacidade de suporte de seres humanos do planeta Terra? E se a desigualdade for sanada com nivelamento pelo consumo dos mais ricos? A resposta é complexa, mas, de forma estereotipada, depende da pressão exercida sobre os recursos naturais. O que se desdobra em duas vertentes: a exploração destes recursos e a reciclagem de recursos finitos, não renováveis.

 

Alimentos

Algumas considerações são importantes. Até 2050 não seremos apenas mais dois bilhões de habitantes. Espero que, antes desta data, seja quitada a dívida social com cerca de um bilhão de seres humanos em estado de insegurança alimentar, que varia desde a fome quase absoluta, com extremos de morte por inanição, até desbalanços nutricionais graves. De imediato, a conta sobe para três bilhões de estômagos adicionais. Há mais: a expectativa de vida cresce continuamente, no mundo todo. Logo, mesmo que a taxa de natalidade decresça, a população como um todo continuará a se incrementar, pelos óbitos em idade mais avançada. Esta população da quarta idade terá amealhado meios financeiros para sofisticar seu consumo, em especial proteínas animais, frutas e hortaliças. Para produzir um quilograma de carne bovina, gasta-se recursos equivalentes à produção de sete quilogramas de grãos.

  Para alimentar mais três bilhões de pessoas, 43% acima da população atual, a FAO estima que será necessário expandir a produção em até 70%, em um cenário com dois reptos brutais: as áreas mais propícias à agricultura já foram ocupadas, e as Mudanças Climáticas Globais se encarregarão de encolhê-las, nos próximos anos, por alterações dos regimes pluviométrico e de temperatura. Assim, é lícito esperar que a área de produção de alimentos se expandirá não mais que 25% em relação ao atual, exigindo ganhos agregados de produtividade superiores a 40% para atender a demanda.

Outros produtos

Mas nem só de pão vive o Homem! Da agricultura do futuro espera-se, também, que produza energia, flores e plantas ornamentais, produtos florestais, essências e plantas medicinais, entre outras demandas. Logo, aquela conta do parágrafo anterior precisa ser revista. Mas, mesmo pressionando por áreas marginais, com uso de irrigação (em um contexto em que a água será ainda mais escassa que a terra!), será difícil expandir além de 30% da área atual. A demanda energética dos próximos 40 anos crescerá ainda mais que a demanda de alimentos, devendo quase dobrar o consumo atual. Ocorre que este crescimento não poderá depender das mesmas fontes fósseis, poluentes, que serviram à Humanidade no último século. A busca por Energia Renovável, sustentável, não poderá prescindir de bioeletricidade e de biocombustíveis, tornando a equação agrícola ainda mais complexa.

  Para solucionar o que, aparentemente, é uma inequação, será necessário lançar mão de dois quesitos fundamentais. O primeiro, que tarda a chegar, é o dueto reciclagem e redução do desperdício. Estima-se que quase um terço do alimento do mundo desaparece entre a lavoura e a mesa. Este desperdício precisará ser reduzido a números civilizados, e a reciclagem deverá ser um marco da cultura do futuro, o mesmo valendo para ganhos ambiciosos em termos de eficiência energética.   O segundo aspecto, que fala diretamente a nós que vivemos do agronegócio, é o incremento da produtividade agrícola e a melhoria dos índices zootécnicos, com lastro em tecnologias essencialmente sustentáveis. Não bastará, tão somente, produzir mais. Devemos fazê-lo com inovações que aliem os ganhos de produtividade com redução do uso de insumos, em especial agrotóxicos, fertilizantes e água. Devido às enormes restrições topográficas, edáficas e climáticas em outros países, o Brasil terá a enorme responsabilidade de ser um dos principais provedores de produtos da Terra. Esta é a missão que nos espera para os próximos 40 anos.

         

 

Segurança dos alimentos

Décio Luiz Gazzoni

 

As regras de comércio internacional são cada vez mais restritivas em relação à segurança dos alimentos. Considera-se um alimento seguro quando a presença de contaminantes físicos, químicos ou biológicos situa-se abaixo dos limites fixados em Lei. Um limite pode ser a ausência total, se assim determinar a legislação. O agronegócio brasileiro necessita adaptar-se com rapidez a este novo ambiente mercadológico, porque esta não é apenas uma exigência dos países importadores, ela também está presente no mercado doméstico.   Existem diversas ações destinadas a monitorar a segurança dos alimentos no Brasil. Em dezembro de 2011, a ANVISA divulgou o resultado das análises de resíduos de agrotóxicos, realizadas em 2.488 amostras de frutas e hortaliças, como parte do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). Foi verificado que 1,6% das amostras apresentavam limites de resíduos acima do permitido pelas normas brasileiras. Os resultados do PARA permitem reflexões sobre a segurança dos alimentos produzidos no Brasil.   Embora não sejam os únicos, três dos principais parâmetros da Ciência da Toxicologia envolvidos na temática de inocuidade química dos alimentos são: 1) Dose Letal 50 (DL50) – dose que mata 50% das cobaias em testes científicos; 2) Limite máximo de resíduos (LMR) - quantidade máxima de agrotóxico legalmente aceita no alimento; 3) Ingestão Diária Aceitável (IDA) – quantidade máxima do agrotóxico que, ingerida diariamente, durante toda a vida, não oferece risco à saúde, à luz dos conhecimentos científicos atuais. Portanto, uma amostra enquadra-se ou não nas disposições legais do país. Por oportuno, no caso do PARA, 1,6% das amostras ultrapassaram o LMR legalmente estabelecido no Brasil.

Parâmetros

 

 Como se estabelece a IDA? Em testes científicos, doses crescentes são administradas a cobaias. Para os cálculos de segurança, considera-se a maior dose que não causou alterações metabólicas perceptíveis, nos organismos em teste. Estabelecida esta dose, ela é dividida pelo fator 100, ou seja, a IDA representa apenas 1% da dose que não causou qualquer problema de saúde em cobaias, nos experimentos científicos. Normalmente a dose que não causou qualquer problema toxicológico equivale a 1-10% da dose que ocasionou alguma alteração. Logo, a IDA representa 0,1-0,01% da dose que poderia, eventualmente, ocasionar algum problema de ordem toxicológica. A lógica de dividir por 100 a dose que não causou qualquer problema objetiva garantir a proteção dos consumidores de alimentos de qualquer risco toxicológico.

 

Como se estabelece o LMR? É o valor máximo de resíduo de agrotóxico admitido legalmente em um alimento, considerando a aplicação adequada de uma substância química (seguindo todas as Boas Práticas Agronômicas), desde sua produção até o consumo. Levando em consideração a Ingestão Diária Aceitável (IDA), o LMR não oferece risco à saúde, à luz dos conhecimentos atuais, mesmo se esta dose for ingerida diariamente, durante toda a vida.

 

   Como exemplo ilustrativo, suponhamos um agrotóxico aplicado em maçã, que tenha uma DL50 de 500mg/kg de peso vivo (seja moderadamente tóxico, de acordo com a Portaria Nº 3 de 16/1/92 da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde), e que o limite máximo de resíduo (LMR) seja de 0,05 mg/kg de maçã. Para que houvesse 50% de probabilidade de intoxicação de uma população de peso médio de 70 kg, seria necessário ingerir 35.000 mg/pessoa (70kg x 500 mg/kg). Supondo que todas as maçãs tivessem o resíduo máximo de 0,05 mg/kg (50 ppb), cada pessoa, pesando 70kg, deverá consumir 700 toneladas de maçã (35.000 mg ÷ 0,05 mg/kg). Se esta população ingerir apenas maçãs, à razão de 2 kg/pessoa/dia, seriam necessários quase 1.000 anos para atingir a dose que, teoricamente, poderia conferir 50% de probabilidade de esta pessoa ser afetada pelo agrotóxico. Lembrando que, após poucos dias, o organismo se encarrega de eliminar a quase totalidade deste resíduo.

        

Precisão das análises

O contínuo aprimoramento dos métodos de análise, e dos equipamentos de detecção de resíduos, já permite identificar substâncias químicas na ordem de uma parte por trilhão (1 ppt). Fazendo uma analogia, 1 ppt equivaleria a identificar a presença de uma determinada substância química, em que apenas uma gota dela fosse lançada em uma piscina cheia de água, tendo esta piscina dimensões de 100 m de comprimento por 100 m de largura e profundidade de 5 metros. O resíduo na maçã, do exemplo acima, seria de 50.000 ppt, o que equivaleria a detectar uma gota de uma substância dispersa em 1.000 litros de água.   Logo, quanto mais precisos forem os métodos de análise de resíduos de substâncias químicas, maior será a probabilidade de detecção de resíduos de substâncias químicas, o que imporá exigências cada vez maiores nas cadeias de produção de alimentos, em especial em um ambiente fortemente competitivo e com constantes recaídas protecionistas, como é o mercado internacional de produtos agrícolas.

    

Desafio de produtividade de soja

Decio Luiz Gazzoni

 

Durante o III Congresso Brasileiro de Soja, realizado em Cuiabá, em junho de 2012, foram entregues os prêmios aos vencedores do Desafio de Máxima Produtividade de Soja, edição 2011/2012. Esta safra parecia ser particularmente complicada, pois a seca reduziu em 20% a produtividade de soja no Brasil. Mas, quem conduziu sua lavoura de forma correta, utilizando as tecnologias adequadas, buscando sempre o tripé da sustentabilidade, conseguiu superar até a forte seca que se abateu sobre grande parte da região produtora de soja.   Entre os vencedores, apenas um deles utilizou irrigação na lavoura, o que não impediu de termos um novo recordista de produtividade de soja no Brasil. A Tabela 1 mostra os vencedores do Desafio 2011/2012, comparados com a produtividade média do Brasil.

 

 Tabela 1. Vencedores do Desafio 2011/2012

Produtor

Região

kg/ha

% média brasileira**

Média CONAB

Brasil

2.665

-

Frederik Jacob Wolters

SE

5.033

89

Edmilson Ribeiro Santana

CO

5.397

103

Tiago Librelotto Rubert *

RS

6.156

131

Ely de Azambuja Germano

S

6.186

132

Demétrio Guimarães Pereira

N/NE

6.531

145

Média

Brasil

5.860

120

* Soja irrigada

** Porcentagem acima da média brasileira de produtividade de soja, calculada pela CONAB

 

 

Em média, os vencedores do Desafio 2011/12 produziram 120% acima da média brasileira. O vencedor – e novo recordista- Demétrio Pereira, colheu 145% acima da média nacional. Além de estabelecer um novo recorde brasileiro e de corroborar o que já havia sido observado nos anteriores, o Desafio 2011/12 mostrou que, em safras com adversidades climáticas, a diferença para a média brasileira é muito maior, como mostra a Tabela 2, comparada à Tabela 1.

 

 

 Tabela 2. Resultados dos Desafios 2009/2010 e 2010/2011

Região

Produtividade kg/ha

% media brasileira

2009/2010

2010/2011

2009/2010

2010/2011

Brasil - CONAB

2.941

3.315

-

 

N/NE

5.048

6.037

72

60

CO

5.188

5.304

76

79

SE

5.288

5.938

80

82

S

6.501

6.027

121

82

Média

5.506

5.826

87

76

 

Seguro contra anos ruins

 

Assim, em uma safra em que as condições ambientais forem próximo do ideal, como ocorreu em 2010/11, a média dos vencedores do Desafio CESB foi 76% superior à média brasileira. Em um ano médio, como na safra 2009/2010, os vencedores do Desafio produziram, em média, 87% acima da média nacional. E, em um ano ruim, como na safra 2011/12, a média dos vencedores do Desafio foi 120% superior à média nacional.

 

Este fato merece profunda reflexão, pois indica que, em condições muito adversas de clima, o uso de tecnologia apropriada, intrinsecamente sustentável, mantém a média de produtividade, como ocorreu em 2011/12 (5.860 kg/ha) comparativamente a 2010/11 (5.826 kg/ha), o que não ocorreu com a média brasileira, levantada pela CONAB, para as mesmas safras.

 

Outras reflexões tem sido possíveis nestas três edições do Desafio. Uma delas é a importância de fazer o ajuste fino das recomendações de pesquisa para a área específica do produtor, buscando a melhor combinação do sistema de produção entre as alternativas técnicas recomendadas. Igualmente importante é o agricultor usar uma pequena área para testar novas combinações técnicas, para depois usar as mais adequadas em toda a área.

          

Segredo de Polichinelo

 

Os resultados dos Desafios mostraram que não existe um segredo para altas produtividades, que esteja restrito à confraria dos vencedores. Todos eles usam tecnologias que estão disponíveis para qualquer produtor. A diferença que se observa é que os vencedores aplicam as tecnologias com cuidado e conduzem suas lavouras com muito capricho.

  Três grupos de tecnologias são alvo de maior atenção pelos vencedores: a atenção com o solo, o manejo da cultura e os cuidados fitossanitários. A minha experiência pessoal destes cinco anos de CESB é que o manejo do solo, tanto do ponto de vista físico quanto químico, a fertilidade, a descompactação, a macro e microporosidade, o plantio direto, a palha, a capacidade de retenção de água fazem toda a diferença. Construir um solo que possa otimizar as demais tecnologias é a chave do sucesso.   Dispor de um profissional de Agronomia para efetuar a Assistência Técnica é fundamental. Sem exceção, em todos os casos de destaque nas três edições do Desafio, a assistência de um Engenheiro Agrônomo foi essencial para obter alta produtividade, de forma sustentável e lucrativa.

 

 

Finalmente, e não menos importante, é que estamos finalizando os cálculos financeiros e os indicativos são bem claros: maior produtividade rima com maior lucratividade. Os vencedores do Desafio obtém margens de rentabilidade na área destinada ao Desafio CESB - onde a produtividade é maior - que são superiores ao restante da propriedade. Em conclusão, produtividade e sustentabilidade significam lucratividade e competitividade.

 

         

 

       

    

 

 

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