Biodiesel celulósico

Décio Luiz Gazzoni

 

Resumo

 

Por diversos motivos, especialmente razões ambientais, desde o início da década passada vem ocorrendo um impulso para o aumento da participação de fontes de energias renováveis – particularmente biocombustíveis – na matriz energética. Especificamente no caso da bioenergia, questionamentos têm sido levantados quanto ao uso de matérias primas originalmente destinadas à produção de alimentos (açúcar, amido e óleo vegetal) para produção de energia. Neste particular, conforme aumentam os volumes demandados de biocombustíveis, crescem as pressões para o uso de material lignocelulósico para a produção de biocombustíveis.  

 

Para obter combustíveis leves, na faixa do etanol (com até 5 átomos de carbono na molécula, ou seja, entre C2 e C5) o desenvolvimento tecnológico está concentrado na obtenção de etanol celulósico, de segunda geração, pelo desdobramento e posterior fermentação de resíduos agrícolas, agroindustriais ou urbanos. Mais recentemente, diversos grupos de pesquisa estão investindo no aprimoramento comercial de outras tecnologias, com destaque para a obtenção de gás de síntese, seguindo-se a reação de Fischer-Tropsch (FT), o que permite obter combustíveis leves, com hidrocarbonetos de baixo peso molecular, quanto substituir o petrodiesel com hidrocarbonetos com maior número de carbonos na cadeia.

 

  Já existem diversas instalações comerciais em operação no mundo, entre empreendimentos de pequena e larga escala, embora ainda haja muito espaço de desenvolvimento tecnológico até que essa tecnologia atinja elevado grau de aprimoramento, maximizando o balanço de energia e a economicidade do processo. Assim mesmo, diversas plataformas, utilizando diferentes rotas catalíticas, já estão disponíveis. Entre elas está a tecnologia mais moderna, representada por reatores de leito empacotados em microcanais e reatores de FT microestruturados, a qual já se encontra disponível desde o início da década passada. Essa tecnologia permite melhorar o controle de temperatura, de forma que as operações isotérmicas dos reatores sejam possíveis, possibilitando reduzir a produção de produtos secundários indesejáveis, com menores taxas de desativação de catalisadores, e maior produtividade final do processo.

       

       

 

Introdução

 

A produção de biocombustíveis a partir de biomassa celulósica está recebendo muita atenção como uma alternativa para combustíveis derivados do petróleo, devido à crescente demanda mundial por combustíveis, o que aumenta o interesse na produção de combustível renovável, ambientalmente sustentável, a partir da gaseificação de biomassa que não se destina ao consumo alimentar. A biomassa celulósica é um bom material para produção de biocombustíveis, devido ao seu baixo custo e natureza renovável.  

Essa é a base do que se chama de segunda geração de biocombustíveis, ou seja, obtê-los a partir de material celulósico como resíduos de madeira, palha, sólidos urbanos, resíduos de cultivos agrícolas, ou de agroindústrias (descascadoras, fábricas de papel, usinas de cana, fábricas de suco, etc.) Esta forma de biomassa não só têm a vantagem de ser um recurso que não compete diretamente com a oferta de alimentos, como apresenta emissões de gases de efeito estufa mais baixas, comparativamente à primeira geração de biocombustíveis, derivados de dissacarídeos (cana e beterraba), amido (milho e trigo) ou óleos vegetais (canola, palma ou soja).

  Existem várias tecnologias para conversão de biomassa celulósica em biocombustíveis. A mais simples, a combustão de biomassa produzindo vapor para geração elétrica, é a opção menos preferida, por apresentar o menor retorno econômico, comparativamente a outras opções. As alternativas termoquímicas e bioquímicas, com maior potencial para produzir biocombustíveis líquidos, tais como substitutos do petrodiesel, incluem a gaseificação para produzir gás de síntese, seguido da reação de Fischer-Tropsch (FT); e a pirólise, para produzir bio-óleos, seguida por hidrólise hidrodesoxigenação e hidrólise ácida para a produção de açúcar, finalizando com fermentação para produção de etanol. Essa última rota ainda se encontra em fase de desenvolvimento, não sendo uma tecnologia madura do ponto de vista comercial.

       

       

 

Tecnologias disponíveis

 

      

As vantagens da rota utilizando gás de síntese e FT incluem o processo de gaseificação relativamente maduro (o qual foi originalmente desenvolvido para carvão), insensibilidade ao tipo de biomassa e facilidade de integração do produto final no sistema convencional de distribuição de combustíveis. Por essa razão, vamos enfocar a rota da gaseificação seguida por FT, para obtenção de diesel celulósico. Apesar de a gaseificação da biomassa ser uma tecnologia relativamente madura, ainda existem alguns desafios devido à formação de alcatrão incrustações de escória, pela presença de componentes metálicos de biomassa (como potássio e sódio). Além disso, a presença de compostos de nitrogenados e sulfurados na biomassa atuam como inibidores, diminuindo a eficiência dos catalisadores das reações de FT. Esse problema pode ser resolvido pelo condicionamento do gás de síntese antes das reações finais de produção de biocombustíveis.

  O processo de Fischer Tropsch (FT) é baseado no trabalho pioneiro de Franz Fischer e Hans Tropsch na década de 1920 e 1930, que desenvolveram um processo para converter gás de síntese em hidrocarbonetos parafínicos de cadeia longa. A rota denominada biomassa-para-líquidos (BTL) é adequada para plantas de menor escala, que tiram proveito da tecnologia FT, permitindo produzir biocombustíveis de segunda geração, valendo-se de matérias-primas lignocelulósicas. Os reatores em microcanais são compactos e de natureza modular, e permitem intensificar a geração de calor e transferência de massa, sendo considerados ideais para escalas maiores.

   

       

 

  

Vários provedores de tecnologia estão trabalhando no aprimoramento comercial da rota gaseificação-FT para fornecer reatores turn-key comerciais. Essas plataformas tecnológicas podem ser classificadas com base no projeto do reator, na seleção do catalisador e na escala de operação. De maneira genérica, três tipos de reatores são utilizados para as reações de síntese de FT, que são os reatores de leito fixo, de lama e fluidizado. Em reatores de leito fluidizado (Figura 1), um fluido (gás ou líquido) é passado através de um material sólido granulado (geralmente um catalisador, normalmente em forma de minúsculas esferas) em alta velocidade, que é suficiente para suspender o material sólido e fazer com que ele se comporte como se fosse um fluido, maximizando o contato entre os reagentes e o catalisador.   Na concepção de leito fixo (Figura 2), o catalisador é embalado em tubos pequenos (microcanais), por onde fluem os reagentes. Todos os produtos da reação (hidrocarbonetos leves, gases contendo carbono, nafta, cera, entre outros) são recolhidos através de uma saída única, sendo, então, separados por fracionamento sequencial.

     

 

       

 

O reator de leito de lama (Figura 3) é um reator trifásico. Nele a fase sólida, finamente dividida, é suspensa na fase líquida formando uma lama, donde o nome deste tipo de reator. A fase gasosa é borbulhada nesta lama. A fase sólida em geral é catalítica. Como a fase sólida está finamente dividida, um reator do tipo tanque agitado pode ser usado sem muitas preocupações com a abrasão, que fica atenuada. Outro reator que pode também ser usado no modo leito de lama é o reator do tipo coluna de borbulhamento. No leito de lama não ocorre fluidização, então não se trata de um reator de leito fluidizado trifásico, pois as partículas sólidas são suspensas pela agitação mecânica ou turbulenta.   Na reação FT são utilizados catalisadores baseados em cobalto ou ferro. Os catalisadores à base de cobalto são mais caros, comparados àqueles baseados em ferro, porém possuem atividade catalítica mais elevada e uma vida útil mais longa. Além disso, os catalisadores à base de cobalto operam a uma temperatura mais baixa que os catalisadores à base de ferro, tornando o processo mais eficiente, menos custoso e melhorando o balanço de energia.

 

 

       

Figura 1. Visão geral de um reator de leito fluidizado.

 

 

Figura 2. Visão geral de um reator de leito fixo.

 

Figura 3. Visão geral de um reator de leito de lama.

 

 

 

 

 

Um apanhado dos fornecedores de tecnologia FT está resumida na Tabela 1, junto com os principais aspectos de suas respectivas tecnologias. Os projetos de grande escala referem-se à capacidades superiores a 4,7 milhões de litros/dia; média escala abrange projetos superiores a 1,6 milhões de litros/dia, até o limite de grande escala; e os projetos distribuídos possuem capacidade de produção inferior a 1,6 milhões de litros/dia.  

Tabela 1. Fabricantes, escala, tipos de reatores e catalisadores utilizados e estágio de desenvolvimento tecnológico para a rota de produção de diesel celulósico por FT.

Fabricante

Escala

Reator

Catalisador

Estágio

Sasol

Grande

Lama

Co e Fe

Comercial

Sasol

Grande

Fluidizado

Fe

Comercial

Shell

Grande

Fixo

Co

Comercial

PetroSA

Grande e médio

Fixo

Co

Comercial

Conoco

Grande

Lama

Co

Demonstração

Exxon

Grande

Lama

Co

Demonstração

BP/Davy

Grande e médio

Lama

Fe

Demonstração

Rentech

Distribuído e médio

Lama

Co

Demonstração

Syntroleum

Médio

Lama

Co

Demonstração

Syntroleum

Médio

Fixo

Co

Planta piloto

JOGMEC

Distribuído e médio

Lama

Co

Demonstração

Eni-Axens

Distribuído e médio

Lama

Co

Demonstração

Velocys

Distribuído

Fixo

Co

Demonstração

Compact GTL

Distribuído

Fixo

Co

Piloto

 

 

       

Reatores de grande escala

 

   

A empresa de energia e produtos químicos Sasol (www.sasol.com) tem uma longa história de desenvolvimento de reatores FT, e utiliza ambos os catalisadores, de cobalto e ferro, bem como diferentes leitos reacionais. A sua tecnologia comercial de leito de lama, com alta ou baixa temperatura de operação, a tornou um dos maiores fornecedores de reatores FT em escala mundial, com plantas operando desde Secunda (África do Sul) a Oryx e Ras Laffan (Catar) e Escravos (Nigéria), esta em conjunto com a empresa petrolífera Chevron.  

A Shell é outro fornecedor de reatores FT em grande escala, com o seu processo patenteado chamado de “Shell síntese de destilados médios” (http://www.shell.com.my/home/ content/mys/products_services/solutions_for_businesses/smds/). Esta tecnologia, que usa um reator FT de leito fixo, com catalisadores de cobalto, está em operação comercial há mais de uma década em uma fábrica em Bintulu (Malásia) e, mais recentemente, em Ras Laffan (Catar).

  A PetroSA, com os seus parceiros Lurgi e Stanoil, sob a bandeira GTL.F1, desenvolveu uma tecnologia de leito de lama, com catalisador de cobalto, que está sendo usado na planta semicomercial em Mossel Bay (África do Sul). A tecnologia desenvolvida pela GTL.F1 foi recentemente agraciada com um premio tecnológico internacional (http://us-cdn.creamermedia.co.za/assets/articles/ attachments/13625_petrosa.pdf). ExxonMobil, ConocoPhillips e BP são os outros grandes players que atuam na área de reatores de FT em grande escala.

    

 

                

Produção distribuída

 

     

Semelhante ao descrito acima para grande escala, a oferta de usinas de pequena escala ou produção distribuída também é muito competitiva. Entre as empresas que ofertam a tecnologia, existem aquelas que operam efetuando o downsizing da tecnologia convencional e as que desenvolvem tecnologias de reatores inovadores, otimizados para menor escala de produção. Nos EUA, Rentech, Syntroleum e Emerging Fuels Technology estão entre as que redimensionam a tecnologia convencional para atender as necessidades das operações distribuídas.   A Rentech fornece um sistema de reator de leito de lama, com um catalisador à base de ferro, e dispõe de uma unidade de desenvolvimento tecnológico em Denver (CO, EUA). Syntroleum é uma empresa pioneira na operação de reatores FT de menor escala, mas, recentemente, assestou seu foco na tecnologia de hidrocraqueamento para converter gordura animal e óleo vegetal em combustível de aviação (bioquerosene), um mercado de enorme potencial no futuro próximo.

   

 

       

 

 A Emerging Fuel Technology, fundada por ex-funcionários da Syntroleum, também está desenvolvendo sua tecnologia FT própria e anuncia para breve a etapa de demonstração comercial. No mercado europeu, a Eni trabalha com uma planta piloto FT na sua refinaria de Sannazzaro (Vale do Pó, Itália), desde 2001. A Eni comercializa esse processo, denominado Gasel, em cooperação com a IFP-Axens e também com a UOP LLC (uma empresa do grupo Honeywell), com um processo denominado “Ecofining”, que produz “diesel verde” por hidrocraqueamento e desoxigenação de biomassa. No mercado asiático, a Japan Oil, Gas and Metals National Corporation (JOGMEC), opera uma usina piloto com a rota gás para líquidos (GTL) em Yufutsu (Japão).   Os desenvolvedores de tecnologias inovadoras para reatores FT de pequena escala incluem Velocys Inc. (EUA) e a GTL Compact (Reino Unido). Ambas as empresas visam a intensificação do processo, empregando novas abordagens no projeto do reator e uso de catalisadores altamente ativos, para aumentar a produtividade de seus reatores de leito fixo e reduzir o tamanho, peso e custo do equipamento. Por exemplo, os reatores Velocys podem alcançar produtividade de 12 barris por dia (BPD) por tonelada métrica de reator. Isso se compara favoravelmente a grandes tecnologias oferecidas pela Shell (3-5 DBP / t) e Sasol (8 DBP / t). Ambas as empresas demonstraram a sua tecnologia GTL (incluindo o componente FT), para a Petrobras, em 2011.

       

 

       

 

Reatores FT de microcanais

 

    

A reação FT envolve a conversão de gás de síntese (uma mistura de CO, H2 e inertes) a temperatura e pressão elevadas, na presença de um catalisador, para obter uma mistura de hidrocarbonetos, seguindo a distribuição Anderson-Schulz-Flory, com exceção daqueles inferiores a C4 (metano, etano, propano e butano). A reação é fortemente exotérmica (DH = -165 kJ / mol). Sendo a taxa de desativação do catalisador sensível à temperatura, o controle de temperatura do leito do catalisador é importante para obter alto rendimento na operação.

 

Os reatores de microcanais Fischer-Tropsch constituem-se de canais com dimensões críticas, muito menores do que aqueles encontrados nos reatores convencionais e, como resultado, proporcionam uma área de superfície muito elevada para transferência de calor. As altas taxas de transferência de calor, juntamente com o desenho inovador, intercalando camadas de refrigeração, possibilita o controle preciso da temperatura, permitindo que os reatores de microcanais funcionem próximo das condições isotérmicas ideais, o que resulta em maior produtividade.

  O desenvolvimento de sistemas de microcanais para a síntese FT começou no início de 2000. O desenvolvimento no Laboratório Nacional Pacific Northwest foi conduzido com a utilização de um catalisador à base de cobalto na forma de pó, aplicado na forma de revestimento lavável, sobre espuma metálica. A empresa Statoil (www.statoil.com) demonstrou que um catalisador Co-Re/Al2O3, aplicado como revestimento lavável em monólitos, confere uma desempenho melhorado, em comparação com os reatores convencionais.

     

       

 

A GTL MicroSystems, uma joint venture entre a FMC Technologies Inc. e a Accentus PLC, também desenvolveu um processo FT em conjunto com o processo de reforma a vapor do metano, como uma parte do portfolio de tecnologias de GTL. O Instituto de Microfabricação da Tech Louisiana University (Rushton, LA, EUA), também trabalhou na síntese FT utilizando um reator de silício de microcanais, usando um catalisador de Co-Fe. Com base no trabalho inicial realizado no Pacific Northwest National Laboratory, Inc., a empresa Velocys também iniciou o desenvolvimento de sua tecnologia de microcanais FT, com uma base de catalisadores de cobalto.   Vários grupos continuam a demonstrar a tecnologia do reator de microcanais FT em escala de laboratório. Um reator de circuito monolítico foi estudado na Universidade de Tecnologia de Delft, em uma configuração de fluxo descendente, com reciclagem para a fase líquida, e um único fluxo para a fase de gás. Simulações de operação desse reator indicaram uma alta produtividade, redução da pressão de trabalho, e alta seletividade para compostos acima de C5. O uso de monólitos requerem um volume menor do reator, em comparação com um reator convencional.

  

 

          

   

Um reator de membrana catalítica foi concebido e operado pela CeraMem Corporation, usando um catalisador Co-Pt. Essa configuração proporcionou rendimento mais elevado e menor proporção olefina:parafina, em comparação com um reator de leito fixo. Outros grupos de pesquisa têm adotado a configuração de catalisadores estruturados em revestimento lavável, observando que é mantida a atividade e a seletividade do catalisador original em pó, desde que a espessura do revestimento lavável seja suficientemente fina.  

Novas matrizes de nanotubos de carbono multicamadas foram usadas como suportes para reação FT, com nanotubos de carbono originados da decomposição catalítica do etileno, usando um substrato revestido de FeCrAlY / Al2O3. A condutividade térmica melhorada deste catalisador microestruturado redundou na melhora da atividade do catalisador Co-Re nas reações FT.

 

  Os efeitos da alimentação de H2 em diferentes estágios foram investigados, tanto utilizando modelagem quanto em reatores FT, usando um catalisador Co/SiO2, em um microreator estruturado. A principal descoberta foi a possiblidade de ajustar a seletividade das substâncias produzidas, por meio do ajuste do padrão de fluxo de H2. Por exemplo, a alimentação de H2 escalonada, não uniforme, ensejou melhor perfil de saída, concentradas em hidrocarbonetos acima de C5.

    

 

        

A tecnologia da Velocys

 

       

A empresa Velocys tem demonstrado agressividade na inovação de reatores, para produção de diesel celulósico. No reator Velocys microcanal FT, a síntese por meio de reações FT é realizada utilizando um catalisador altamente ativo e seletivo de cobalto, obtido através do método de combustão OCLS, devidamente patenteado Os reatores de microcanais Velocys variam de um único canal curto, canal único longo e multicanal, e apresentam diferentes magnitudes de produção de hidrocarbonetos C5, que é o objetivo comercial. O diâmetro do canal é de cerca de 1 mm.

 

O reator curto utiliza um canal com comprimento do leito do catalisador de, aproximadamente, 4 cm, enquanto o reator longo dispõe de um canal com comprimento de leito de catalisador de cerca de 60 cm. Um leito inerte de SiC, de cerca de 2 cm de comprimento, é colocado a montante do leito do catalisador. Para manter a isotermalidade, o calor gerado na reação é removido através de óleo quente (Marlotherm SH) fluindo em dois canais de refrigeração, em cada lado do canal de processo, utilizando uma bomba de Julabo.

  O reator multicanal tem 276 canais de processo, e cada canal tem um comprimento do leito de catalisador de 17 cm. O reator emprega água como um meio de arrefecimento, de modo que o calor da reação FT é utilizado para gerar vapor, a partir da água de refrigeração. Semelhante aos reatores de canal único, o processo de microcanais em camada é flanqueado, em ambos os lados, por camadas contendo microcanais de refrigeração. No entanto, os microcanais de processo e de líquido de refrigeração do reator estão orientados com os seus eixos principais em disposição ortogonal, para produzir uma arquitetura de fluxo cruzado.

 

 

      

Perspectivas

 

      

Assim como já ocorre na Europa e em outros países, é lícito supor que, no médio prazo, conforme o volume produzido de substitutos de petrodiesel atinja patamares da ordem de dezenas de bilhões de litros, ocorra um questionamento quanto ao uso de matéria prima, originalmente destinada a outros fins, como a alimentação. A tecnologia em desenvolvimento busca valer-se de biomassa lignocelulósica, especialmente os resíduos da exploração agrícola, agroindustrial (indústria de madeira, papel, cana, processadores de grãos), além de resíduos urbanos, para produzir sucedâneos do petrodiesel.  

Avanços ponderáveis estão sendo observados na tecnologia de gaseificação, para obtenção de gás de síntese (H2 e CO) e posterior reação Fischer-Tropsch para obtenção de hidrocarbonetos na faixa de C5 a C16. Uma vez obtidos os hidrocarbonetos, é relativamente simples separá-los de acordo com o tipo de combustível que se deseja substituir, como gasolina, diesel ou querosene. Os avanços futuros apontam, principalmente, para a otimização do processo e redução de custos, devendo o setor empresarial brasileiro estar atento para a nova onda tecnológica, que deve ocupar espaço importante no médio prazo.

 

 

 

O futuro de pequenos e médios produtores

Decio Luiz Gazzoni

 

Há quase 30 anos, quando conheci a realidade da agricultura japonesa, alguns pontos me chamaram a atenção, pois, à época, muito contrastavam com o Brasil: o módulo rural inferior a 5 ha; a agricultura de tempo parcial, praticada após o expediente comercial e nos finais de semana; a idade avançada dos agricultores; máquinas adaptadas a micro propriedades; e os subsídios e outros apoios do Governo.  

Nos últimos 20 anos tenho viajado pela Europa ao menos uma vez ao ano. E noto que a agricultura europeia emula as características que observei no Japão. Exceção feita aos EUA, a agricultura dos países ricos é centrada em micro propriedades; os agricultores têm idade avançada; e, na ausência de pesados subsídios governamentais, ela desaparece.

 

Mesmo nos EUA – maior produtor agrícola mundial – percebi uma reforma agrária ao inverso, ou seja, médios agricultores (na faixa de 100 ha) arrendam milhares de hectares de proprietários que não querem se desfazer da terra, mas não têm interesse em cultivá-la. Lá, também, o governo despeja pesados subsídios à agricultura. Em recente visita ao Meio Oeste americano, reparei na idade avançada dos agricultores. Quando indagava pelos filhos, a resposta era: foram buscar melhores oportunidades na cidade. Um dia, conversando com o filho de um produtor, senti que seu coração balançava entre a vocação de agricultor e as forças que o empurravam para a cidade. E arrematou a conversa com um argumento definitivo: “...nenhuma moça quer casar com jovens agricultores. A vida na fazenda é muito dura e pouco remuneradora. Elas preferem quem investe em carreiras urbanas”. Isto na maior potência agrícola do mundo!

 

       

E no Brasil?

Em 1/11/12, o telejornal de maior audiência do país apresentou reportagem sobre Frederico Westphalen (RS), uma região de agricultura familiar, com dificuldades para manter os jovens no campo. “Sem modernização, as famílias produtoras perderam mercado e já não sabem o que fazer para não perder os filhos”, comentou o repórter Rodrigo Alvarez[1]. O momento que mais me tocou foi a fala de um pequeno produtor: “-...E, no final do ano, tirava prá comprá o quê: um par de calças e um tênis e mais nada, não sobrava prá nada, né?  

Este fenômeno não é novo. Já nos anos 60 do século passado, a excessiva minifundização no Rio Grande do Sul promoveu uma diáspora, que levou hordas de gaúchos a desbravarem o Oeste do Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Maranhão, para não falar do Paraguai, Bolívia e outros países. Dotados de agudo senso empreendedor e negocial, de muita capacidade de trabalho e resistência a frustrações, os gaúchos expulsos das propriedades familiares do Sul, transmutaram-se nos exemplos decantados do sucesso do agronegócio brasileiro, donos de patrimônios que montam a milhares de hectares e milhões de reais. Via-de-regra, os atuais grandes proprietários rurais do Centro Oeste brasileiro, nada mais são do que os pequenos proprietários familiares do século passado, que venceram por seus próprios méritos!

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Desafios

Em novembro passado participei do Simpósio Gaúcho de Agroenergia, em Porto Alegre. Lá ouvi verdades sobre uma realidade que já conhecia, legitimadas ao serem proferidas por lideranças de agricultores familiares. O pequeno produtor somente tem chance de sobreviver se explorar produtos de alto valor intrínseco (suínos, aves, flores, frutas, hortaliças). A exploração de grãos é quase sinônimo de falência. É um mito afirmar que existe mão de obra disponível na propriedade familiar – ela é tão escassa e cara quanto em qualquer propriedade, e a severa legislação trabalhista elimina postos de trabalho no campo. Não há máquinas e implementos adequados para pequenas propriedades. E, mesmo que houvesse, o produtor não disporia de capital para adquiri-las.

  Ainda em novembro, participei de um evento no Instituto Biológico (SP), onde ouvi do Dr. Evaristo Miranda, pesquisador da Embrapa, uma brilhante análise do novo Código Florestal. Particularmente, chamou-me a atenção o seu enorme impacto sobre as médias propriedades rurais. Os pequenos agricultores foram preservados no Código porque, se assim não fosse, o seu desaparecimento do cenário agrícola seria antecipado. Porém, quando a propriedade ultrapassa um hectare além de quatro módulos fiscais - os médios produtores - a dureza da lei se manifesta.

 

Crescer ou desaparecer

Ao contrário do rotineiramente veiculado por desinformados, o déficit de reserva legal não está nas grandes propriedades: ele aumenta conforme diminui o tamanho da propriedade. Posto não haver uma parcela a deduzir quando muda a classe de agricultor (por exemplo, de pequeno para médio), como ocorre nas faixas de imposto de renda, o custo de adequação dos médios agricultores pode inviabilizá-los.

A Tabela 1 mostra o quanto seria necessário recuperar de reserva legal, em propriedades grupadas conforme o seu tamanho. Em geral, os médios produtores possuem entre 50 e 400 ha de terra, dependendo do estado.

 

   

Tabela 1. Porcentagem faltante para recompor os 20% de reserva legal

Estado

< 5ha

5-20

20-100

100-500

500-1000

>1000

SC

16

12

8

7

4

-0,8

PR

14

10

9

9

5

1

MG

17

13

11

8

6

3

RJ

18

15

13

12

9

5

BA

19

17

14

12

9

3

 

 

O Dr. Miranda concluiu que, após cumprir as determinações do novo Código, os médios agricultores se tornarão pequenos, pela diminuição da área útil que disporão para exploração. A afirmativa é válida para todos os estados, embora seja mais intensa em alguns. No Norte e Nordeste do Brasil, onde a agricultura é praticada na beira dos rios, o drama social será intenso, na avaliação do pesquisador, pois, sem água, os agricultores terão pouca opção além de vender a terra – que, concentrada em grandes propriedades, poderá atender as exigências legais – e migrar para a cidade.   Quanto mais reflito sobre o tema, mais me convenço que, olhando exclusivamente do ponto de vista dos pequenos agricultores, especialmente familiares, a Europa, o Japão, os EUA e outros países ricos não têm opção: precisam pagar, e pagar caro, para fixar os agricultores na terra, caso contrário dela seriam expulsos por sua inviabilidade econômica. Acontece que os países ricos dispõem de recursos para tanto. E nós, no Brasil, que solução encontraremos para os pequenos agricultores, cuja capacidade competitiva, que lhes permitiria permanecer na atividade, parece diminuir a cada ano?

[1] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/11/cidade-do-rio-grande-do-sul-perde-moradores-por-causa-da-migracao.html

 

 

 

Cana e emissões

Décio Luiz Gazzoni

 

A cana-de-açúcar vive o dilema da mulher de César: não basta ser sustentável, é necessário demonstrá-lo recorrentemente. Não basta produzir bioetanol, um biocombustível amigável ao ambiente, é necessário demonstrar sua sustentabilidade. Um dos critérios de sustentabilidade de uma cultura exige que as emissões de gases de efeito estufa (GEE) sejam baixas, comparativamente a outros cultivos ou outras fontes de emissão.   No vácuo de estudos de campo, modelos matemáticos têm sido usados para estimar as emissões de GEE da cana. Um trabalho pioneiro, liderado pela UFSCar, e que envolveu outras Universidades, a Embrapa, o IAC e o CTC, investigou a relação entre as emissões de GEE, a adubação e o acúmulo de palhada no canavial. O estudo completo pode ser acessado em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1757-1707.2012.01199.x/pdf.

 

 

 

       

A principal conclusão do estudo é que as emissões efetivas são menores que aquelas estimadas pelos modelos, como no trabalho de Paul Crutzen (Premio Nobel de Química), realizado em 2008, cujo título é muito taxativo (Liberação de óxido nitroso na produção de agrobiocombustíveis nega mitigação do aquecimento global pela substituição de combustíveis fósseis). A pesquisa liderada pela Dra. Janaína do Carmo, da UFSCar, encontrou emissões de 6,9 kg/ha/ano de CO2 e 7,5 kg/ha/ano de N20. Como o potencial de aquecimento global do NO2 é 310 vezes superior ao CO2, as emissões medidas em CO2 equivalente (o padrão universal de medida de emissões de GEE) ascendem a 2.330 kg/ha/ano.   Mas, como afirmar que o bioetanol de cana emite menos GEE que a gasolina, ou o bioetanol de milho? Os cientistas utilizam um índice, chamado fator de emissão, para poder comparar as emissões. O fator é calculado dividindo-se a emissão de óxido nitroso (N2O) pela energia produzida pela fonte de emissão, expressa em megajoules. Nas medições, realizadas em canaviais de Jaú e Piracicaba, os cientistas encontraram fatores de emissão tão baixos quanto 0,68%. Na média final do estudo, fator calculado foi inferior a 1%, contrastando fortemente com o valor de 3%, usado pelo Dr. Crutzen em seu modelo matemático.   O fator de emissão de uma fonte é fundamental para o estabelecimento de políticas públicas, como a definição de “biocombustível avançado”, que exige baixas emissões para seu enquadramento nesta categoria, o que lhe confere melhores condições de acesso ao mercado. Portanto, o estabelecimento dos valores reais de GEE nos ciclos de produção de biocombustíveis é fundamental para o planejamento energético dos países, que se desdobra na definição dos investimentos no sistema industrial e na produção da matéria prima.

 

 

 

Como as emissões de óxido nitroso estão fortemente associadas com a fertilização e com a presença de resíduos da cultura no campo, estes aspectos foram estudados pelos cientistas. Por tratar-se de um estudo experimental, os cientistas procuraram avaliar a interação entre diferentes situações, mesmo extrapolando as doses de fertilizantes. Foi, então, observado que as emissões aumentavam quando a cana foi fertilizada com vinhaça e torta de filtro (resíduos da produção de etanol, ricos em fertilizantes, especialmente em nitrogênio) e havia grande quantidade de palha de cana no solo, que também é rica em nitrogênio, e cuja decomposição libera óxido nitroso. Assim mesmo, os fatores de emissão situavam-se abaixo do calculado pelo Dr. Crutzen.   Com o aprendizado obtido neste estudo, os autores já planejam investigar o balanço das emissões e captações de gases do efeito estufa na produção de etanol, para estabelecer, em definitivo, as emissões reais durante todo o ciclo da cultura, em condições de campo.

 

 

 

Contaminantes do biodiesel

Décio Luiz Gazzoni

 

Resumo

      

Os contaminantes do biodiesel, sejam substâncias decorrentes do processo de transesterificação, umidade, contaminação externa ou microrganismos são responsáveis pela degradação da sua qualidade durante o processo de armazenamento, podendo criar problemas operacionais, como a corrosão dos sistemas de transporte, limpeza, compressão e queima do biodiesel ou da mistura diesel/biodiesel. A glicerina residual e os acilglicerídeos são dois componentes importantes entre os contaminantes, sendo essencial a sua acurada determinação, de acordo com métodos oficiais e com o uso de padrões apropriados.   Os fitoesteróis podem surgir como contaminantes, caso estejam presentes nos óleos vegetais. A sua determinação é difícil e trabalhosa, pois normalmente são encontrados em baixas concentrações. Tanto na forma simples como ligados a glicosídeos ou ainda esterificados, os esteróis não são regulados nas especificações, porém têm sido encontrados em resíduos coletados de filtros entupidos. Outros contaminantes que, eventualmente, são encontrados no biodiesel são álcool não reagido, substâncias sulfuradas e fosfáticas.

 

 

     

O nível elevado de acidez é um indicador de baixa qualidade do biodiesel. O índice de acidez é caracterizado pela presença de ácidos graxos livres, podendo causar corrosão dos metais e elastômeros com os quais o biodiesel entra em contato. Sua presença pode resultar na formação de sedimentos de envernizamento de superfícies. A presença de água no biodiesel, acima dos limites previstos na especificação, contribui para a degradação durante a estocagem, causando problemas na operação e na durabilidade dos motores. Tanto a umidade, quanto a presença de produtos de reação parcial durante a transesterificação, como os mono e di acilglicerídeos são controlados nas especificações do biodiesel, como a resolução ANP14 no Brasil, e as normas D6751 nos EUA e EN14214 na Europa.   Para garantir a credibilidade do programa de biodiesel no Brasil, que é fundamental para conseguir o apoio da sociedade à expansão do seu uso, assim como para assegurar um espaço ponderável no mercado internacional, é fundamental que o biodiesel produzido no Brasil atenda a todas as especificações, especialmente aquelas que mais podem afetar a sua qualidade, com impactos negativos na durabilidade, eficiência e funcionamento dos motores.

  

       

1.   Acilglicerídeos e glicerina residual

       

O conteúdo de glicerina (livre ou ligada a ácidos graxos) altera a qualidade do biodiesel, durante o armazenamento, podendo afetar as partes do motor que entrarem em contato com o biodiesel. Se o conteúdo de glicerina livre é muito alto, ele pode formar uma fase separada do biodiesel. Esta fase irá atrair outros contaminantes polares, como água e, possivelmente, monoacilglicerídeos. Esta mistura viscosa irá acumular-se no fundo dos tanques de armazenamento de combustível e, se for arrastado para o motor, pode provocar desde mau funcionamento até a parada total, devido ao entupimento do filtro de combustível. Altos níveis de glicerina total estão, geralmente, associados com elevada presença de mono, di ou triacilglicerídeos.   A presença de altos teores de triacilglicerídeos pode causar problemas de incrustações em razão de depósitos nos bicos injetores, pistões e válvulas. Altos teores de monoacilglicerídeos, especialmente aqueles derivados de ácidos graxos saturados, precipitam na faixa de temperaturas de funcionamento normal do motor, podendo obstruir os filtros de combustível. Para garantir que os contaminantes tais como monoacilglicerídeos, bem como os esteróis glicosilados, não causem problemas operacionais, o biodiesel produzido deve ser aprovado no ensaio de filtração a frio (ASTM D7501-09). Os níveis elevados de glicerina livre e total também podem contribuir para o biodiesel não ser bem sucedido nesse teste.

 

 

 2.  Determinações de glicerina residual e acilglicerídeos em biodiesel

 

As quantidades de glicerina livre e total (incluindo individualmente mono, di e triacilglicerídeos) no biodiesel estão limitadas a 0,02 e 0,25%, respectivamente, medida pela norma ASTM D6584, como requerido pela ASTM D6751 nos EUA. Essas especificações são semelhantes na quantidade total de glicerina e de impurezas para os diferentes países produtores (EN14105, conforme especificado na EN14214, na Europa; e na resolução ANP 14, no Brasil). No entanto, além do limite de glicerina total de 0,25%, a EN14214 especifica as quantidades máximas de acilglicerídeos, limitando os monoacilglicerídeos em 0,80%; diacilglicerídeos em 0,20%, triacilglicerídeos em 0,20%, e glicerina livre em 0,02%.

  O método ASTM D6584 utiliza cromatografia em fase gasosa (GC), e especifica os procedimentos para determinar quantitativamente os mono, di e triacilglicerídeos, além da glicerina livre, presente no biodiesel. A porção de glicerina nos acilglicerídeos é identificada como glicerina ligada e, quando somada com a glicerina livre, resulta na quantidade de glicerina total.   O método EN14105 também possui a mesma base do protocolo de análise, mas é calibrado por normas diferentes. Entretanto, o teor de glicerina total também é calculado a partir dos resultados individuais de glicerina livre e acilglicerídeos. Os limites de detecção, conforme especificado na EN14105, são 0,001% de glicerol livre e 0,1% de cada um dos mono, di e triacilglicerídeos. A metodologia é especificamente indicada para biodiesel obtido a partir dos óleos de colza, de girassol, de soja, de palma, ou de gorduras animais.

               

Assim como ocorre com a norma ASTM D6584, o procedimento baseia-se na transformação de glicerina e acilglicerídeos em derivados de sililo usando piridina e N-metil-tri-metilsilil-trifluoracetamida como solvente. Semelhante à norma ASTM D6751, a configuração do GC inclui uma pequena coluna capilar com uma película fina e um detector de ionização de chama (FID). O padrão interno é 1,2,4-butanotriol, e soluções padrão de glicerina e mono, di e trinonadecanoatos são usadas para a calibração de mono, di e triacilglicerídeos, respectivamente. Tanto a ASTM D6584 quanto a EN14105 não são aplicáveis para a determinação dos ésteres metílicos de alguns óleos vegetais, tais como óleos de coco e de caroço de palma, devido à falta de separação adequada de alguns lauratos.   O método GC-FID para determinação de acilglicerídeos em biodiesel é considerado de operação simples, sendo adequado em termos de precisão e de baixo custo, razão pela qual é o método padrão utilizado pela indústria de biodiesel e pela comunidade de pesquisa.

 

       

3.  Significado dos esteróis vegetais na qualidade do biodiesel

       

Esteróis ocorrem naturalmente em todas as plantas. Os esteróis livres atuam para estabilizar as bicamadas de fosfolipídios das membranas celulares. Existem mais de 200 tipos de esteróis de plantas já relatados, mas apenas cerca de 10 são comumente encontrados em óleos vegetais. O mais comum é b-sitosterol. Outros esteróis de plantas incluem estigmasterol, campesterol, brassicasterol e avenasterol. Os fitoesteróis também existem em quatro formas conjugadas: esteróis glicosilados (SG), em que o grupo b-OH está ligado a uma molécula de glicose; ésteres de ácidos graxos, onde o grupo b-OH é esterificado; ésteres de hidroxicinamato, em que o grupo b-OH é esterificado com o ácido hidroxicinâmico; e SGs acilados, onde o grupo b-OH é esterificado para uma glicose acilada. Os SGs acilados podem ser convertidos em SGs livres, em ambiente fortemente básico, como ocorre no processo de transesterificação para a produção de biodiesel.

  Embora os fitoesteróis possam ser encontrados na forma livre, a maioria é encontrada como ésteres, SGs e SGs acilado. Os teores destes compostos variam muito entre diferentes óleos e gorduras. b-sitosteróis são encontrados no intervalo de 2.000-3.000 ppm para o óleo de soja, podendo chegar a 8.000 ppm para o óleo de colza. Os óleos de milho e colza contêm 56-60% de fitoesteróis na forma de ésteres, enquanto os óleos de soja, girassol e palma contêm 60-75% de esteróis não esterificados.

        

    

A formação de precipitados em biodiesel à base de óleo de soja pode ser frequentemente atribuída à presença de SGs, enquanto os precipitados de biodiesel de matérias-primas mais saturadas, como os óleos de algodão e de palma, são devidos tanto à SGs quanto à presença de monoacilglicerídeos saturados. Existe uma controvérsia estabelecida quanto ao efeito do refino do óleo, pois alguns pesquisadores afirmam que o processo remove quantidades significativas de esteróis, reduzindo-os para cerca de 10 mg / kg, enquanto outros citam que a alteração dos níveis de esterol, em função de branqueamento e do refino, não é significativa. Se os produtores de biodiesel não processam os seus óleos para o padrão alimentar, quantidades significativas de esteróis podem estar presentes no biodiesel.

  Durante a transesterificação, alguns dos esteróis (ésteres de esteróis e SGs acilados) presentes nos óleos podem ser hidrolisados para esteróis livres. Os esteróis acilados têm pontos de fusão elevados, que variam de 197 a 310° C, e cristalizar quando a sua concentração é mais elevada do que a sua solubilidade no biodiesel.

           

      

A teoria mais aceita é que, como consequência não desejada da produção de biodiesel por catálise alcalina, os ácidos graxos dos SG acilados são retirados e substituídos por um átomo de hidrogênio. O processo cria uma molécula na forma de esterol-glicosídeo não acilado, que não é solúvel em biodiesel. Assim, no biodiesel armazenado durante alguns dias, especialmente em temperaturas mais baixas, verifica-se a presença de SGs dispersos como partículas finas sólidas, na massa do biodiesel. Um fator de complicação é que essas pequenas partículas podem atuar como focos de nucleação para a cristalização de outros compostos, tais como mono e di acilglicerídeos saturados, além de metil ésteres saturados. A água também pode participar na formação de complexos de partículas, tornando-as ainda maiores. Estas partículas podem causar o entupimento do filtro de combustível, como descrito anteriormente.   Atualmente, algumas usinas de biodiesel executam a filtragem a frio, em temperaturas de 3-5° C, durante 12 a 24 h, para permitir que os SGs cristalizem, e possam ser removidos do biodiesel. O combustível é então filtrado e aquecido antes do transporte. A filtragem a frio é diferente da invernalização (winterization, em inglês) um processo industrial de rotina, que objetiva extrair seletivamente lipídios saturados, com o objetivo de melhorar as propriedades do fluxo a frio do biodiesel. Este processo não é utilizado no Brasil, pois as temperaturas rotineiras de uso do biodiesel não atingem os limites inferiores que provocam a precipitação dos ésteres saturados. Portanto, a filtragem a frio destina-se a remover apenas os contaminantes, não os ésteres metílicos. De toda a maneira, trata-se de um processo muito demorado e caro e a rentabilidade da indústria se beneficiaria de uma alternativa à filtragem a frio, para remover os esteróis.

 

 

4.  Determinação de esteróis em biodiesel

  

Não existe qualquer requisito para a determinação de fitoesteróis em biodiesel nas normas brasileiras, como não há nas especificações europeias e americanas. O controle é feito de forma indireta, pelo teste de filtração a frio descrito na norma ASTM D7501. Esteróis de plantas, acilados ou SGS, podem não ser inicialmente identificados como um problema, em ambientes de temperaturas mais elevadas, por causa das suas pequenas concentrações no biodiesel. No entanto, esses compostos têm solubilidade muito baixa em biodiesel. À medida que a temperatura é reduzida, ou depois de longo prazo de armazenamento, esses compostos começam a cristalizar e precipitar, causando problemas como o entupimento do filtro. Igualmente, se o biodiesel se destina à exportação para países de temperatura mais baixa, como a América do Norte, a Europa ou Japão, este aspecto necessita ser considerado.   O método ASTM D7501 é usado para identificar a presença de substâncias que afetem o motor ou a operacionalidade do veículo (teste de filtração a frio). Este método especifica o arrefecimento do combustível a 4,5° C durante 16 horas, para permitir a formação do precipitado. O combustível é então aquecido a 25 ° C durante 2 h e aspirado por vácuo, através de um filtro de fibra de vidro de 0,7 mm. Se o tempo necessário para extrair 300 ml de combustível através do filtro excede 360 s, o combustível é reprovado no teste.

     

       

Para o controle de qualidade ou para fins de diagnóstico, a determinação de fitoesteróis em biodiesel pode vir a ser necessária. O método mais utilizado para análise de esteróis totais (incluindo livre, esterificados e glicosilados), em óleos vegetais, é uma medida indireta por GC, após hidrólise dos esteróis. As formas conjugadas (ésteres e ésteres hidroxicinâmicos) podem ser atacados por hidrólise alcalina (1-2 N KOH ou NaOH) para formar esteróis livres. As ligações dos SGs acilados requerem hidrólise ácida (4-6 N HCl) para formar SGs.   Os óleos vegetais geralmente contêm ésteres de esterol, e a hidrólise alcalina por si é suficiente para clivar todos os fitoesteróis conjugados e, após a hidrólise, os esteróis livres podem ser analisados por GC. Tem sido observado na prática que os fitoesteróis presentes no biodiesel existem principalmente como SGs, apesar de serem encontrados esteróis livres. Nesta forma, os esteróis são solúveis em biodiesel e, portanto, não contribuem significativamente para o entupimento do filtro de combustível. Já os SGs precisam ser removidos para evitar o entupimento dos filtros, donde o eventual interesse em determinar a presença de SGs. As condições para a análise de esteróis em GC incluem a utilização de coluna capilar (16-30 m de comprimento e 0,25-0,3 mm de diâmetro interior), a uma temperatura de 230-360° C, com ou sem a variação da taxa de aquecimento, um FID, hélio como gás transportador e uma razão de partição de 1:15 - 1:20. A razão ou coeficiente de partição em cromatografia gás/líquido (K) é a relação entre a quantidade de soluto por unidade de volume de fase estacionária e a quantidade de soluto por unidade de volume da fase móvel. O método GC-FID tem sido considerado simples e acessível para a análise de esteróis em biodiesel de vários óleos vegetais.

   

       

O método GC tem desvantagens, como a demora na preparação das amostras, requisitos para os padrões internos, além de outros fatores operacionais. Por este motivo, também foram exploradas as possibilidades de uso de HPLC. Um aparelho HPLC com detectores de UV de 254 ou 205 nm, detectores de espalhamento de luz evaporativos ou detectores de fluorescência são algumas das possibilidades estudadas para análise de fitoesteróis, mas a separação e a sensibilidade são geralmente consideradas inferiores ao obtido por GC. Um método combinado líquido-gás (LC-GC) é considerado eficaz na análise de esteróis livres e esterificados. Igualmente é considerado eficiente o método cromatografia em fase gasosa associada a espectrometria de massa (GC-MS) para determinação de glicosídeos pré-tratados e sililados, através do monitoramento de um único íon. Esse método também simplifica a preparação da amostra.   Outros métodos avançados também têm sido explorados para detecção eficaz de esteróis acilglicerídeos. A ressonância magnética nuclear (RMN-MS) é uma ferramenta valiosa para identificação de fitoesteróis, devido aos seus procedimentos rápidos e preparação de amostras muito simplificada. Também foi avaliada a dessorção laser / ionização de tempo em MS, para permitir a detecção direta de compostos SG. O método utiliza cromatografia de exclusão de tamanho para separar triacilglicerídeos de óleo de canola, o que permitiu a identificação e quantificação de sirosterol-glucósido e campesterol-glucósido.

       

       

5.  Significado da acidez na qualidade do biodiesel

    

A acidez do biodiesel é pacificamente aceita como um importante indicador da sua qualidade. Alta acidez em biodiesel pode criar problemas tanto no armazenamento quanto na utilização. O índice de acidez reflete a presença de ácidos graxos livres (AGL) no biodiesel, resultantes de um processo incompleto de esterificação, e, possivelmente, também ácidos inorgânicos, como o ácido sulfúrico, quando utilizado como catalisador para a produção de biodiesel.   A acidez das amostras de biodiesel pela norma brasileira é medida pelo índice de acidez, nos EUA pelo número de ácido (ASTM D664), e na Europa pelo valor de ácido (EN14104), sempre referidos em miligramas de KOH por grama de amostra. Logo ao final da reação de transesterificação, o biodiesel tem teor de acidez muito baixo, uma vez que o catalisador alcalino utilizado para a transesterificação geralmente converte os ácidos graxos livres em sabão. No entanto, muitas plantas usam lavagens com ácidos fracos para purificar seu biodiesel, a fim de eliminar o metanol residual, a glicerina livre e o sabão. O ácido pode reagir com o sabão para recriar os ácidos graxos originais. Além disso, os processos de lavagem sem água, que utilizam resinas de troca de íons para purificar o combustível, também convertem o sabão em ácidos graxos livres, que elevam a acidez do combustível. Se o nível de sabão no biodiesel bruto excede 2.500 ppm, é praticamente impossível para resinas de troca iônica produzir biodiesel que atenda à especificação de acidez.   Quando o combustível foi armazenado durante algum tempo, ele pode degradar, e o índice de acidez pode ser um indicador deste processo. Um mecanismo é a hidrólise dos ésteres metílicos pela água presente no biodiesel. Quando o combustível é exposto ao oxigênio do ar, forma hidroperóxidos, que, por sua vez, reagem com os ácidos graxos de cadeia mais curta e os aldeídos. Os ácidos contribuem para um aumento constante do índice de acidez do biodiesel que é armazenado sem uma proteção adequada contra a exposição ao ar. Enquanto os ácidos do biodiesel podem ser corrosivos para os metais e os elastômeros do motor, outros produtos de oxidação, tais como polímeros e sedimentos, podem ser ainda mais problemáticos, uma vez que pode causar entupimento do filtro de combustível e mau funcionamento ou falência de operação.

    

         

6.  Determinação do índice de acidez de biodiesel

       

No Brasil foi adotada a norma EN 14104 e, nos EUA, a ASTM D664 é o método designado pelo ASTM D6751 para a determinação do índice de acidez das amostras de biodiesel. Este método foi inicialmente estabelecido para determinar o teor de acidez em produtos petrolíferos e lubrificantes, que são solúveis ou quase solúveis em misturas de tolueno e 2-propanol (álcool iso-propanol). O método permite a determinação da acidez no intervalo 0,1-150-mg de KOH / g(método de teste A de ASTM D664). Quando usado para o biodiesel, o intervalo é normalmente muito abaixo de 150 mg KOH / g, porque a ASTM D6751 especifica o máximo de 0,5 mg KOH / g de biodiesel, o mesmo valor da norma brasileira. Portanto, método B da ASTM D664 é o método padrão para o biodiesel e misturas de biodiesel, pelo baixo teor de acidez e pela diferença de solubilidade no tolueno e 2-propanol, em relação a produtos petrolíferos e lubrificantes.   A versão atual do ASTM D664 utiliza um método de titulação e leitura de potenciômetro, e requer uma capacidade de detecção automática no ponto final. O KOH dissolvido em 2-propanol (0,01 mol / l) é utilizada como titulador. Elétrodos de vidro adequados são usados para determinar manual ou automaticamente os pontos finais. Amostras de 5 g de biodiesel são misturadas com 50 ml de 2-propanol em recipientes de 125 ml e titulado sob agitação constante, com a solução de KOH alcoólica padronizada. A precisão do método é de 0,01 mg de KOH / g, tal como especificado pelo método B da norma ASTM D664.

 

       

A ASTM D6751 indica que a ASTM D3242 (teste padrão para combustível aeronáutico) ou ASTM D974 (método padrão por titulação) podem ser utilizados na determinação da acidez das amostras de biodiesel, no entanto a ASTM D664 é o método de referência. Além disso, o índice de acidez obtido de acordo com ASTM D664 pode ou não ser numericamente o mesmo obtido pelo método ASTM D974.   Alternativas à ASTM D664 foram exploradas, e a ASTM D974 é o procedimento de teste mais estudado como alternativa para determinação do índice de acidez em biodiesel. O método ASTM D974 consta de titulação colorimétrica para determinar a acidez em soluções não aquosas, levemente coloridas. O método usa KOH/2-propanol como titulante e p-naftolbenzina como indicador. Os investigadores concluíram que a norma ASTM D974 é um método confiável, capaz de determinar o índice de acidez em misturas de biodiesel, e fornece precisão satisfatória.

 

 

7.  Significado da umidade sobre a qualidade do biodiesel

  A umidade pode ser um problema em biodiesel, devido à sua contribuição para a degradação durante a armazenagem e porque pode causar problemas de operabilidade e danos aos motores. A água pode causar reações de hidrólise com os ésteres metílicos do biodiesel e produzir ácidos graxos, o que aumenta a acidez do combustível. Se o combustível é armazenado em tanques convencionais, acima do solo, sendo ventilados, as oscilações de temperatura diurna permitem que o ar úmido entre nos tanques e que a água forme uma camada na parte inferior do tanque. Esta umidade pode combinar-se com a glicerina livre e monoacilglicerídeos que estiverem presentes no biodiesel. Suspeita-se que muitos dos problemas atribuídos aos SGs podem ser causados por estruturas agregadas de água com monoacilglicerídeos e SGs. Estas estruturas causam mais entupimentos de filtros que qualquer um dos contaminantes isolados.  

       

 

8.  Determinação da umidade em biodiesel

     

Em geral, os óleos vegetais podem manter a umidade muito baixa. A menos que o óleo inicialmente contenha água, como nos resíduos de óleo de fritura, o teor de umidade varia entre 150-350 ppm. Ao contrário dos óleos vegetais puros e do petrodiesel, o biodiesel comporta-se como uma mistura polar, em função do oxigênio terminal presente dos grupos carboxila dos ésteres alquílicos. A propriedade polar do biodiesel torna-o altamente higroscópico e sujeito à absorção e retenção de umidade elevada, em contato com a atmosfera. Estudos da absorção de água pelo biodiesel de diferentes matérias-primas revelou que este pode conter 1.000-1.700 ppm (0,10-0,17% em peso) de umidade, na faixa de temperatura de 4-35o C, depois de mais de 300 h de tempo de equilíbrio.   Por outro lado, o teor de umidade do petrodiesel pode variar entre 40-114 ppm, na mesma faixa de temperatura. A água pode ser introduzida por transformação, tais como transesterificação usando KOH como catalisador, ou por lavagem de biodiesel com água, para remover as impurezas. A maioria dos produtores, quando utiliza a lavagem com água, promove, em seguida, a secagem sob vácuo para reduzir o teor de água para 200-300 ppm.

   

        

A presença de água e de sedimentos em biodiesel estão limitados a 350mg/kg, entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2013, de acordo com a norma da ANP. Após esta data o limite será reduzido a 200mg/kg. Nos EUA o limite é de 0,05%, de acordo com a norma ASTM D2709, que é o padrão para a determinação de água e sedimentos em petróleo e produtos similares.   O petrodiesel é uma mistura apolar de produtos orgânicos. Ele é imiscível em água e o teor de umidade é muito baixo. A afinidade das moléculas de água com as moléculas de éster de alquila em biodiesel é muito mais forte do que no petrodiesel. Esta diferença parece fazer com que o método da centrifugação seja menos eficaz na medição do teor de umidade no biodiesel que no diesel de petróleo, e produziu uma necessidade de métodos alternativos que sejam mais precisos e eficazes, especialmente para uso em atividades de pesquisa. Na EN14214, o teor de água é determinado pela norma ISO 12937, o qual é baseado no método de titulação de Karl-Fischer (KF).   O método KF é um dos mais precisos, com uma longa história de determinação de baixo teor de água, em amostras de líquidos não aquosos. Hoje em dia, a titulação KF é realizada automaticamente em tituladores específicos, com kits de soluções pré-preparadas. Existem dois tipos de titulações KF – a colorimétrica e a volumétrica. Ambas usam o mesmo princípio básico, a diferença está em que a titulação colorimétrica requer uma solução ânodo separada, enquanto a titulação volumétrica utiliza a solução tituladora como ânodo.

       

       

  

Por causa da sua fiabilidade e capacidade para determinar o teor de umidade em níveis baixos, a titulação KF tem sido utilizada como padrão nas atividades de investigação, especialmente no estudo da estabilidade de oxidação de amostras de biodiesel.   Embora a amostra de biodiesel possa ser injetada diretamente para efetuar a medição, deve-se atentar para a sua miscibilidade completa com o reagente de KF, caso contrário pode conduzir a resultados inconsistentes e imprecisos. As impurezas em amostras de biodiesel podem contaminar o reagente de KF após repetidas utilizações, aumentando o custo da análise pela substituição mais frequente do reagente. Para permitir medições de baixo nível de umidade por titulação KF, foi desenvolvida uma técnica pela qual a umidade é retirada das amostras de biodiesel a uma temperatura elevada, numa câmara de pré-aquecimento, sendo transportada para a câmara de titulação por um gás inerte. O tamanho da amostra, temperatura de pré-aquecimento da câmara e velocidade de fluxo de gás de arraste foram os parâmetros que mais afetaram a precisão na titulação KF colorimétrica, na determinação de baixos teores de água em biodiesel à base de óleo de soja.

      

       

   

A medição direta do teor de umidade em biodiesel também pode ser efetuada usando espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR), que é uma técnica de análise otimizada para colher o espectro infravermelho mais rapidamente. Em vez de se coletar os dados variando-se a frequência da luz infravermelha monocromática, a luz IV (com todos os comprimentos de onda da faixa usada) é guiada através de um interferômetro. Depois de passar pela amostra o sinal medido é o interferograma. Realizando-se uma transformada de Fourier no sinal resulta um espectro idêntico ao da espectroscopia IV convencional (dispersiva).

 

  Os espectrofotômetros FTIR são mais baratos do que os convencionais porque é mais simples construir um interferômetro do que um monocromador. Em adição, a medida de um único espectro é bem mais rápida nessa técnica, porque as informações de todas as frequências são colhidas simultaneamente. Isso permite que se façam múltiplas leituras de uma mesma amostra e se tire a média delas, aumentando assim a sensibilidade e a precisão da análise. Devido às suas várias vantagens, virtualmente todos os espectrofotômetros de infravermelho modernos são de FTIR.   A FTIR é uma técnica eficaz para rápida obtenção de informações sobre o teor de umidade do biodiesel, tendo o método sido adaptado daquele desenvolvido para determinação da água em óleos comestíveis. Para quantificar as informações obtidas com confiabilidade, o FTIR requer dados experimentais adequados para sua calibração. Uma vez estabelecido, o método FTIR pode ser um meio muito rápido e prático para o controle de qualidade do biodiesel, embora o custo e a complexidade da operação do instrumental pode manter alguns usuários à distância.

 

Absorção significativa de água é verificada no comprimento de onda que varia de 3.700-3.075 cm-1e 1700-1500 cm-1. Em comparação com o método estufa de vácuo (padrão da AOCS) e com o método de destilação (padrão da International Union of Pure and Applied Chemistry), para a determinação do teor de umidade em óleos vegetais e gorduras animais, o método FTIR tem uma precisão semelhante na detecção de umidade em biodiesel. No entanto, sua aplicabilidade e confiabilidade exigem uma validação adicional antes que a espectroscopia FTIR possa ser adotada pela indústria de biodiesel.   A espectroscopia de infravermelho próximo (NIR) também tem sido aplicada para determinar a umidade em biodiesel, devido às suas características de rapidez e praticidade. Similarmente ao FTIR, o NIR requer dados experimentais adequados para calibração e validação. Verificou-se que a confiabilidade da espectroscopia NIR para determinar a umidade em biodiesel depende, em grande medida, da correta calibração. Adicionalmente, para medir a umidade em biodiesel utilizando NIR com precisão satisfatória, sofisticados programas computadorizados devem ser empregados.

 

       

9.  Considerações finais

 

Os contaminantes presentes no biodiesel diminuem a sua qualidade e comprometem a operação dos motores, diminuindo seu rendimento e a vida útil dos componentes, podendo, no limite, impedir a sua operação.

  Os contaminantes podem ser originários da matéria prima, como é o caso dos fitoesteróides, ou serem produzidos durante o processo de fabricação do biodiesel, nas reações de transesterificação.

         

       

O cuidado na seleção da matéria prima, na correta observância dos parâmetros técnicos de operação da fábrica e na armazenagem e transporte do biodiesel, são fundamentais para reduzir a valores desprezíveis os contaminantes.   Manter os contaminantes dentro de limites aceitáveis, sem prejudicar a qualidade do biodiesel, é fundamental para garantir o apoio do consumidor doméstico e para assegurar uma parcela ponderável do mercado internacional do produto.

       

 

Agroplásticos
Decio Luiz Gazzoni

De resíduos agroindustriais saem fibras que poderão dar origem a uma nova geração de superplásticos. Mais leves, resistentes e ecologicamente corretos do que os polímeros convencionais, as alternativas vêm sendo estudadas pela Unesp, em Botucatu (SP). Os plásticos são obtidos de resíduos do curauá (Ananas erectifolius) – planta amazônica da mesma família do abacaxi –, além da banana, casca de coco, sisal, abacaxi, madeira e resíduos da fabricação de celulose.   A peça feita com esse tipo de material se torna 30 vezes mais leve e entre três e quatro vezes mais resistente que os plásticos convencionais. Ao testar as suas propriedades na escala nanométrica, os pesquisadores descobriram que essas fibras renováveis apresentam resistência similar às fibras de carbono e de vidro. E, por isso, podem substituí-las, com muitas vantagens, transformando-se em matérias-primas para a fabricação de plásticos. O resultado são materiais mais fortes e duráveis e com a vantagem de, diferentemente dos plásticos convencionais originados do petróleo e de gás natural, serem totalmente renováveis. Em testes, durante os quais foi adicionado 0,2% de nanofibra ao polipropileno, o material apresentou aumento de resistência de mais de 50%.

 

Já em ensaios realizados com plástico injetável utilizado na fabricação de para-choques, painéis internos e laterais, e protetor de cárter de automóveis, em que foi adicionado entre 0,2% e 1,2% de nanofibras, as peças apresentaram maior resistência e leveza do que as encontradas no mercado atualmente. A par do aumento na segurança, os plásticos feitos de nanofibras possibilitam reduzir o peso do veículo e aumentar a economia de combustível. Também apresentam maior resistência a danos causados pelo calor e por derramamento de líquidos, como a gasolina.   Além da indústria automobilística as nanofibras podem ser aplicadas em outros setores, como o de materiais médicos e odontológicos, podendo substituir o titânio utilizado na fabricação de pinos metálicos para implantes dentários pelas nanofibras. Esta indústria emergente permitirá um novo ciclo de agregação de valor no agronegócio, utilizando resíduos outrora descartáveis, alguns que se constituíam em passivos ambientais.

 

 

Um exemplo
Décio Luiz Gazzoni

Em 1990, o Peru faliu. Sucessivas gestões públicas desastradas conduziram o país a um grau de insolvência tal que os serviços públicos eram uma ficção, o terrorismo grassava, as exportações despencaram ao rés do chão, as reservas internacionais do país eram negativas, a pobreza e a fome imperavam. O setor agrícola era um espelho do caos nacional. Foi formada uma força tarefa internacional, para reconstrução do país. Tive a honra de participar desse grupo, competindo-me reorganizar o Ministério da Agricultura, a pesquisa agrícola, extensão rural e defesa agropecuária. Foram 4 meses de trabalho intenso, sem descanso sequer nos finais de semana, para elaborar um projeto que foi financiado pelo BID e pelo BIRD.   Propus um novo sistema de pesquisa agropecuária, focado no abastecimento doméstico e na exportação, e um sistema de extensão moderno, para transferir conhecimento e tecnologias. O planejamento agropecuário respeitou as culturas e tradições milenares dos incas e quéchuas, dos povos da montanha e da floresta. Nos 1.500 km de deserto do litoral peruano foram aproveitadas as margens dos 53 rios que canalizam o degelo sazonal dos Andes para implantar uma agricultura de exportação de alta qualidade e produtividade, lastreada em frutas, hortaliças e flores, e produtos derivados, com agregação de valor. Propus programas de controle biológico e de erradicação de moscas de frutas, coordenados pelo SENASA, um ambicioso órgão de defesa sanitária, foi criado pelo projeto.   Passados 20 anos, vejo com satisfação e orgulho que contribuímos para transformar o Peru em um dos países de maior desenvolvimento nas Américas, com altos índices de crescimento, melhora do IDH, inserção social e uma agricultura pujante, baseada em propriedades familiares, que lideram exportações de hotifrutis e flores. O SENASA dispõe de enorme credibilidade internacional, sendo apontado como modelo a ser emulado. O programa de erradicação de moscas das frutas também é um modelo copiado por inúmeros países. O projeto de reconstrução do agronegócio do Peru é uma das etapas mais gratificantes da minha vida profissional, mostrando que bons projetos, bem planejados e executados, mudam o destino de um povo.

 

 

Água na agricultura
Décio Luiz Gazzoni

 

"Quem está mais próximo das fontes de água preserva mais este recurso do que quem está longe das nascentes. É por isso que o campo preserva mais do que a cidade". A afirmativa é da Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, no Fórum Exame de Sustentabilidade, que disse mais: "O Brasil é o único País com obrigação de manter áreas de preservação permanente (APP) para preservar a água". A Ministra continuou: "Os produtores estão recuperando as fontes de água, independentemente do Código Florestal". E provocou: "O próximo passo é que os agricultores brasileiros sejam reconhecidos por esse diferencial em relação a seus concorrentes internacionais. Qual é o fator de competitividade que o produtor brasileiro vai ganhar nos próximos 20 anos? A ‘adicionalidade positiva’ do produtor brasileiro precisará ser reconhecida". Finalizando, chamou a atenção para os vieses estereotipados, vigentes na percepção social "A água não vem do duto da Sabesp ou da Cedae, assim como a galinha não é um frango congelado no supermercado, o que surpreende muitas crianças hoje".

 

 

Em primeiro lugar, e acima de tudo, muito obrigado Ministra, em nome da agropecuária brasileira, tida e havida como vilã ambiental. Muitas vezes o produtor rural é pintado como um predador do ambiente, parecendo que assim age apenas movido pelo prazer sórdido de destruir o meio em que vive e do qual depende. Destarte, é reconfortante uma autoridade governamental, responsável pela área ambiental, reposicionar o tema com clareza e ponderação.   Apesar de tudo, a fala da ministra não tem o condão de obnubilar os enormes desafios referentes ao uso da água, na agricultura ou no meio urbano. Apesar de 70% da superfície do planeta constituir-se de água, apenas 0,007% do total é considerado como suprimento sustentável, disponível para uso, conforme o Conselho Mundial da Água, No médio prazo, o aumento da população e da renda significam mais consumo e, eventualmente, mais desperdício. Uma torneira pingando gasta 40 litros de água por dia. Então imagine que os pingos de apenas 10% das torneiras das residências brasileiras desperdiçam 1 bilhão de litros de água por dia, 365 bilhões ao ano! Usar com racionalidade, eis o segredo.

 

Agricultores familiares
Décio Luiz Gazzoni

À primeira vista, os agricultores familiares estão fadados a desaparecer. Apesar de algumas boas iniciativas do Governo Federal, a baixa escala de produção, a falta de mão de obra rural e de máquinas apropriadas à pequena propriedade, além das dificuldades de união, de organização, de transporte e de comercialização, aparentam indicar que o futuro da agricultura será monotonamente reservado aos médios e, principalmente, grandes produtores. Estes dispõem de escala, assistência técnica própria, informação, crédito, seguro agrícola, canais de comercialização e outras práticas e processos que, em teoria, lhes permitem obter sucesso no negócio.   Usei os termos "primeira vista" e "aparentam" posto que, com sensibilidade para o problema, criatividade nas propostas e alta prioridade para implementar soluções, é minha opinião que o exposto acima não é, necessariamente, uma inequação. É possível organizar uma cadeia produtiva baseada no velho jargão do "união faz a força", garantindo, de um lado, o sucesso dos agricultores familiares usufruindo uma vida digna no campo, estancando a hemorragia do abandono das pequenas propriedades e a fuga para a periferia das cidades. Por outro lado, os cidadãos urbanos se beneficiarão com oferta adequada de alimentos de alta qualidade, produzidos próximo à sua cidade.

 

Como corolário, a fixação dos agricultores familiares no campo evita a exacerbação dos problemas da urbe, mormente o acirramento de demandas de saneamento, transporte, novas escolas e postos de saúde, além da falta de qualificação profissional dos ex-pequenos agricultores para disputar um emprego ou uma fonte de renda que lhes permita viver com dignidade nas cidades.   A solução do problema passa por fórmulas inovadoras de apoio à produção agrícola de alta qualidade, processos modernos de agregação de valor e, muito especialmente, abertura e consolidação de canais de comercialização que garantam o sucesso da agricultura familiar.   Londrina é um exemplo da fuga de pequenos agricultores e do envelhecimento dos que ficaram no campo. Urge enfrentar este processo com criatividade, firmeza e coragem, para não transferir às gerações futuras um problema que pode ser solucionado aqui e agora.

 

Plantas ornamentais
Décio Luiz Gazzoni

Meu amigo, Engo Agro Dr. João Gaspar Farias, comentando a coluna de 24/1, pediu que eu apontasse uma proposta de apoio criativo à agricultura familiar. Caro Gaspar, obrigado pela oportunidade de focar um dos temas que mais me sensibilizam, profissional e pessoalmente: as plantas ornamentais, inclusas as flores. Em uma consultoria ao Governo da Colômbia, elaborei um projeto de um polo de floricultura, com financiamento internacional, voltado aos pequenos agricultores. Após 14 anos, vejo com satisfação que a Colômbia tornou-se grande exportadora de flores para os exigentes mercados dos EUA e da Europa.   Sem nunca esquecer o pão nosso de cada dia, especialmente para um bilhão de pessoas que tem acesso restrito a alimentos, penso no pão da alma, a beleza das flores e plantas ornamentais. Trata-se de um grande negócio, que experimenta altas taxas de crescimento no mundo, entre 5 e 10% ao ano. O setor movimenta dezenas de bilhões de dólares anuais, com expectativa de crescer cada vez mais, conforme a inclusão social se consolida e a renda per capita permite ao cidadão investir em qualidade de vida.

 

No Paraná, o DERAL verificou que, na década passada, enquanto a produção de grãos cresceu 7,8%, a floricultura galgou 324%. Mesmo com todo este crescimento, o setor representou apenas 0,18% da renda bruta arrecadada do Estado, ou seja, R$ 45,4 milhões. O faturamento anual do setor florícola brasileiro é de R$ 3 bilhões, dos quais o nosso Estado participa com R$ 60 milhões, meros 2%, sinalizando o espaço ainda por ocupar.   Na cadeia produtiva de flores no Brasil são gerados mais de 200.000 empregos. Seu maior atrativo é a rentabilidade líquida sobre o investimento de, no mínimo, 25%, podendo chegar a um retorno dez vezes superior ao obtido com cultivos tradicionais.   Londrina é uma cidade com grande consumo de ornamentais, importando a quase totalidade da demanda. Esse mercado pode ser capturado por produtores locais, gerando emprego, renda e tributos locais, revertidos em prol dos cidadãos londrinenses. Além da cadeia de ornamentais, há inúmeras outras oportunidades que precisamos capturar para os agricultores familiares, com o objetivo de uma Londrina cada vez melhor.

 

Agricultura sustentável
Décio Luiz Gazzoni

Em março realizar-se-á em Berlim, Alemanha, um evento internacional sobre agricultura sustentável, congregando cientistas, autoridades governamentais, ONGs e iniciativa privada. Fui convidado para representar o Brasil, discorrendo sobre os avanços na sustentabilidade da nossa agricultura. Além da honra de ser porta voz de um país que registra avanços consideráveis e contínuos, entusiasma-me a oportunidade de pleitear, junto a investidores internacionais, o investimento de recursos a fundo perdido em nosso município, beneficiando agricultores familiares londrinenses.

Mostraremos que, em 1992, em 35 milhões de hectares (Mha) produzimos 66 milhões de toneladas (Mt) de grãos (1,88 t/ha). Em 2013, em 51 Mha foram 185 Mt de grãos (3,62 t/ha), 92% de acréscimo na produtividade em 20 anos. Mais alimento na mesma área = dezenas de bilhões de árvores poupadas! No período, passamos de 1,3 Mha para 33 Mha com plantio direto, reduzindo em 66% o uso de diesel. Em 2012, poupou-se 1,34 bilhão de litros (GL) de diesel, 3,59 Mt a menos de CO2.

O biodiesel substituiu 7,8 GL de diesel. De 2000 até 2011 foram consumidos 170 GL de etanol, logo 235 Mt de CO2 deixaram de emporcalhar a atmosfera e de prejudicar a nossa saúde. Em 1992, 1 litro de diesel produzia 25 kg de grãos. Hoje, o mesmo litro produz entre 105 e 175 kg de grãos. Em 1992, eram 70 litros de diesel para produzir uma tonelada de soja, hoje meros 9 litros! Em 20 anos, o consumo de água para produzir 1 kg de arroz irrigado caiu de 4.000 para 1.300 litros, perto do limite teórico de 1.000 litros. Já temos até usinas de cana em que a água circula em circuito fechado – consumo zero!

Em 1992, 20 toneladas de terra fértil eram lavadas de cada hectare com plantio convencional, anualmente. Em 2012 o plantio direto reduziu a perda em 96%. No Estado de São Paulo, o setor de uso e ocupação do solo foi o único que não emitiu, mas retirou gases da atmosfera: entre 1995 e 2008, foram sequestrados 33,5 Mt de CO2.

Será um orgulho esgrimir para o mundo este currículo de sustentabilidade da nossa agricultura, em especial para convencer doadores internacionais a investirem na melhoria da qualidade de vida dos produtores familiares londrinenses.

 

 

Energia Sustentável
Décio Luiz Gazzoni

O International Council for Science, que congrega as Academias de Ciências do mundo, realiza sua reunião anual em abril, na Cidade do México. Terei a honra de presidir esta reunião, a qual tem como objetivo integrar os esforços científicos globais para o desenvolvimento tecnológico de fontes renováveis de energia. A reunião congregará cientistas de todos os continentes, especialistas em energia de biomassa (bioeletricidade e biocombustíveis), solar (aquecimento e fotovoltaica), eólica, geotérmica e de marés. Como presidente, compete-me abrir o evento, apresentando um panorama atual da energia no mundo e prospectar os seus cenários tecnológicos e de demanda, até 2050.   O evento será dividido em quatro sessões plenárias e outras quatro sessões de grupos, buscando sintetizar o estado da arte tecnológico da geração de energia, identificando os paradigmas que deverão impor-se no futuro próximo. Igualmente, o evento busca identificar as vantagens comparativas de cada continente e de seus países, para promover a cooperação e a assistência técnica internacional, para tornar mais equitativo e sustentável o desenvolvimento de regiões com maior carência de uso de energia renovável – caso do Sudeste Asiático, África e alguns países da América Latina e Caribe. No último dia do evento, presido a reunião de representantes do evento, cuja missão será elaborar um plano de trabalho que operacionalize as propostas aprovadas na plenária científica.

 

  A apresentação que farei mostrará que, há pouco mais de um século, a matriz energética era muito mais sustentável que a atual, que está lastreada em fontes fósseis (85%). Entretanto, essas fontes de energia suja, que nos trouxeram até o presente, não nos levarão a um futuro que contemple desenvolvimento sustentável e qualidade de vida. Entendo que a mudança somente ocorrerá com a confluência de um tripé com foco no desenvolvimento sustentável: consciência cívica, políticas públicas de suporte à mudança, e novas tecnologias, técnica e economicamente factíveis. Mudar radicalmente a matriz energética global, no médio prazo, é um desafio global, ao qual se associam os cientistas, razão pela qual este é o tema da nossa reunião anual em 2013.  

 

 

 

Microrganismos degradam qualidade de misturas de biodiesel.

Décio Luiz Gazzoni

 

Sabe-se que os biocombustíveis – biodiesel entre eles - são mais higroscópicos e mais facilmente biodegradados que combustíveis fósseis. Sua introdução em proporções crescentes, na matriz de energia para transportes, pode resultar em um aumento significativo da abundância e da atividade de microrganismos, os quais utilizam os biocombustíveis como meio de cultura para sua multiplicação. Esse fenômeno pode causar uma série de problemas, como incrustações resultantes da degradação do biodiesel, aumento da corrosão de aço e outros componentes metálicos, e aumento das cargas de partículas na massa do combustível. A literatura disponível sobre o tema é escassa e até contraditória em alguns aspectos.   A água é essencial para o crescimento microbiano: na sua ausência não haveria formação de colônias. Infelizmente, é muito difícil excluir toda a água durante a rotina de operações envolvendo o biodiesel, especialmente quando é adicionado ao óleo diesel. A razão principal é que o biodiesel, por natureza, é mais higroscópico do que os combustíveis fósseis, embora a capacidade de absorver e armazenar água depende dependa da temperatura ambiente. Quedas de temperatura provocam a separação de fases e o acúmulo de água, a qual se separa do biodiesel.

 

 

 

Preventivo

 

Devido à presença de água, os tanques de armazenagem têm de ser inspecionados e reparados periodicamente, para evitar vazamentos causados por vários tipos de corrosão. Tanto a corrosão química quanto a microbiológica pode ocorrer quando a água está presente no biodiesel ou suas misturas. Em particular, problemas com corrosão biológica podem ser potencializados na presença de biodiesel, devido à maior biodisponibilidade deste combustível se cotejado com combustível fóssil. Infelizmente, pouco se sabe sobre a resposta das populações microbiológicas na presença de biodiesel, e o processo de corrosão microbiológica, por conseguinte, ainda é difícil de prever e prevenir.   Uma particularidade importante é a formação de biofilmes, ou seja, uma finíssima lâmina que isola uma porção do combustível do restante da massa. Uma característica intrínseca aos biofilmes é que eles inibem a difusão de íons, nutrientes e oxigênio, e, assim, alteram as condições químicas do meio. Por exemplo, mesmo em tanques de combustível contendo oxigênio, as condições na superfície metálica, logo abaixo de um biofilme fino, podem ser anaeróbicas, permitindo o crescimento de microrganismos anaeróbicos, causadores de corrosão.

 

 

 

 

Resultados de pesquisas

 

Resultados diversificados sobre ecologia de microrganismos e o crescimento microbiano, em misturas de biodiesel, são encontrados na literatura científica atual, indicando a grande complexidade do tema, relativamente às misturas de diesel fóssil e de biodiesel. A existência de diferentes matérias-primas de biodiesel complica a matriz para a produção de biodiesel, e as propriedades dos combustíveis geram complicações adicionais.   Os estudos sobre degradação durante o armazenamento são escassos. Muitos estudos sobre o tema na realidade têm foco na degradação microbiana para fins de remediação ambiental, em que o processo de degradação é desejável. Além disso, a maior parte destes estudos é baseada em modelos de organismos cultivados em culturas puras, o que é uma simplificação grosseira de cenários reais de tanques de combustível, onde as bactérias e fungos coexistem em grandes e complexas colônias.   Um estudo de biorremediação, em que, propositalmente, foi adicionado excesso de água ao biodiesel demonstrou que os ésteres metílicos dos ácidos graxos do biodiesel são degradados mais rapidamente que a maioria dos componentes de diesel fóssil, corroborando a tese de que o biodiesel é mais facilmente biodegradável.

 

 

 

 

Alguns estudos apontam para um efeito sinérgico entre os dois combustíveis, de forma que a maior degradação do biodiesel ocorreria em misturas e não com o B100. No entanto, de forma contraditória, outros estudos sinalizam o oposto, ou seja, que a mistura de biodiesel no diesel fóssil não resulta, necessariamente, em aumento na biodegradação do biodiesel. Um estudo específico verificou que misturas até B30 provocam uma diminuição quase linear na biodegradação, de forma que, aumentando o teor de biodiesel na mistura, ocorria uma redução na biodegradação.   Recentemente, um grupo de cientistas coordenado pelo Dr. Gitte Sorensen, do Danish Tecnological Institute investigou o desenvolvimento de colônias de microrganismos em misturas de biodiesel. O estudo mostrou que uma grande variedade de microrganismos está envolvida na degradação do combustível. Foi observado que o crescimento da comunidade bacteriana mudou significativamente quando o biodiesel é misturado ao diesel. Microrganismos aeróbicos e anaeróbicos foram observados nas incubações, apesar do arejamento atingir até 85% da massa da mistura. O fato indica que são formados bolsões na massa da mistura, com condições anaeróbicas, isto é, a formação de biofilmes, como aventado anteriormente.

 

  

 

As restrições do pinhão-manso
Décio Luiz Gazzoni

       

Eu me incluo no rol dos que entendem que não podemos colocar todos os ovos na mesma cesta. No caso da cadeia de biodiesel, significa diversificar as fontes de matéria prima, quebrando o duopólio soja / sebo bovino.   Entretanto, também me incluo no rol dos que entendem que não podemos nos perder na discussão de propostas românticas, sem factibilidade, lastreadas exclusivamente no voluntarismo e no desejo pessoal, ao invés de estarem alicerçadas na realidade factual do campo. Quando falamos em algo como três bilhões de litros de biodiesel, temos que pensar grande, e de forma segura. Não podemos divagar com alternativas que envolvam riscos de oferta e prejuízos para os atores da cadeia, em especial produtores agrícolas induzidos a uma aventura que possa se configurar em “desastre anunciado”.   No bojo deste tema, proponho discutir a viabilidade de uso futuro do pinhão manso, que já teve mais adeptos entusiasmados e fomentadores de seu cultivo no passado, comparativamente aos dias atuais. Entrementes, embora em menor número e com menos entusiasmo, o pinhão-manso ainda congrega defensores de seu cultivo. Portanto, mais do quer constituir-se em verdade absoluta ou dogmática, este artigo propõe discutir se o pinhão manso pode vir a ser uma alternativa de oferta de matéria prima para a cadeia produtiva do biodiesel, desde que a discussão envolva,  exclusivamente, números e fatos comprováveis.

 

Premissas

 

  Coloco uma primeira premissa, que, obviamente, já abre a discussão, posto que pode não vir a constituir-se em uma verdade definitiva. É meu entendimento que, a partir da década de 2030, os combustíveis líquidos arrefecerão sua taxa de incremento de uso, posto que os meios de transporte utilizarão, de forma mais intensa, a eletricidade como fonte de energia. Obviamente que esta mudança se iniciará, e será mais evidente, nos veículos leves, de passeio. Entretanto, a eletricidade ingressará com muita agressividade no setor ferroviário (como já acontece na atualidade nas linhas ferroviárias da Europa, EUA, Japão, entre outros), e nos caminhões. A análise das tendências das grandes montadoras globais e dos operadores de frotas e de logística suporta este cenário. Caminhões de entregas urbanas e de regiões metropolitanas, em países desenvolvidos, já utilizam este conceito, e a adesão vem ocorrendo a altas taxas. E caminhões de alta capacidade, movidos a eletricidade, começam a se tornar realidade comercial nos países desenvolvidas. Criada a escala de produção, e cumprida a curva de aprendizagem, a capilarização para outros países será inexorável.  

       

Se a premissa for concretizada, não apenas os combustíveis líquidos fósseis serão afetados, como os biocombustíveis - de primeira, segunda e terceira geração - também o serão. Assim, qualquer tecnologia ou processo, incluindo novas matérias primas, precisam estar inseridas e consolidadas de forma competitiva no mercado, antes de 2030, ou seja, daqui a meros 27 anos, para que possam disputar em condições competitivas, um mercado com tendência ao estreitamento. O que não ingressou no mercado até 2030, não ingressará mais, a não ser que seja muito mais competitivo do que as alternativas já postas.   Em segundo lugar, e também como parte da discussão, diversas fontes de matéria prima estão sendo investigadas, no Brasil e no mundo. Destaco, em particular, as microalgas. Embora sua tecnologia de produção ainda não constitua um sistema amplamente competitivo, de uso em larga escala, os exemplos de projetos comerciais pululam em diversos países, especialmente nos desenvolvidos. Suas principais vantagens comparativas: a possiblidade de produzir dezenas de toneladas de biomassa por hectare e por ano (contra 2-3 toneladas de pinhão manso), com teor de óleo que pode ultrapassar 60% (confrontado com menos de 30% no pinhão manso), além da facilidade de colheita.   Em terceiro lugar, a sequência de gerações de biocombustíveis prevê inovações importantes nos processos produtivos, mormente a transformação de celulose e hemicelulose em biocombustíveis, incluindo o biodiesel. Lembrando que material lignocelulósico é mais fácil de produzir, além do aproveitamento de resíduos da produção agrícola e agroindustrial, ou mesmo do lixo orgânico.

 

O abecedário do pinhão manso

 

  

São raras as espécies vegetais que receberam tanto apoio e contaram com tanta boa vontade, de governos e organizações vinculadas à agricultura, como ocorreu com o pinhão manso nos últimos 20 anos, e, particularmente na primeira década deste século. A literatura é farta em elencar os incontáveis projetos, especialmente na Ásia e na África – além de alguns na América Latina e particularmente no Brasil – objetivando transformar o pinhão manso em uma fonte sustentável de matéria prima para produção de biodiesel. Até onde é de meu conhecimento, todos os projetos mencionados tiveram dois destinos: nunca saíram do papel, ou resultaram em fracasso parcial ou total, incluindo a erradicação do plantio, com grandes prejuízos financeiros.   Em consequência, não é possível encontrar registro de produção de pinhão manso em escala comercial, em bases de dados confiáveis, como as da FAO ou do USDA. Igualmente, não é possível confirmar produção em escala comercial de biodiesel de pinhão manso, em algum país do mundo. Todas as referências encontradas remetem a experimentos de pequena escala. Igualmente, é muito difícil encontrar referências com lastro científico inquestionável, oriundas de instituições de pesquisa de credibilidade, que indiquem avanços na domesticação do pinhão-manso.   São inúmeros os problemas enfrentados pelo pinhão manso para estabelecer-se como cultivo sustentável, em larga escala. Destacaria os problemas agronômicos, de colheita, de transporte, de aproveitamento integral, de toxidez e de custos. Para ilustrar a dimensão do desafio dos problemas agronômicos, vamos comparar o pinhão-manso com a soja, que já foi responsável por mais de 90% da matéria prima do biodiesel, e que hoje mantém uma parcela de mercado superior a 70%.

     

 

Essa oleaginosa é cultivada há milênios, período durante o qual foi continuamente melhorada para atender as demandas de produção comercial em larga escala. Em particular, ao longo dos últimos 100 anos, a soja foi uma das cinco culturas que mais recebeu atenção de cientistas, em todo o mundo, objetivando o aprimoramento de seu sistema de produção.   Atualmente, devem existir mais de 5.000 cientistas no mundo que se dedicam ao labor de refinar o conhecimento e melhorar, continuamente, o sistema de produção de soja, para solucionar problemas agronômicos e atender demandas da indústria e dos consumidores. Estes cientistas, distribuídos em centenas de institutos de pesquisa e universidades ao redor do mundo, executam dezenas de milhares de projetos de pesquisa, envolvendo bilhões de dólares em investimento em ciência e tecnologia aplicadas à cultura. Assim mesmo, inúmeros problemas ainda persistem e necessitam de solução, alguns dos quais somente serão resolvidos na próxima década.

 

Os cientistas que investigam a soja têm perfeita compreensão de que todo o seu esforço em parte representa o que, de forma leiga, é conceituado como “enxuga gelo”. Ou seja, embora problemas aventados no passado sejam resolvidos, novos desafios surgem a todo o instante, ampliando a agenda de pesquisa, demandando sempre mais esforços e recursos para investigação científica e desenvolvimento tecnológico, para garantir que o cultivo da soja continue sendo sustentável e competitivo, no médio e longo prazos.   Em contraponto com a soja, são muito restritos os programas com sólidos fundamentos científicos, atualmente em andamento, em todo o mundo, que objetivem resolver problemas primários do pinhão-manso, como a sua domesticação e a formulação de um sistema de produção, mesmo que embrionário, que permitisse um mínimo de segurança aos investidores, para efetuar seu cultivo. Além de poucos programas, são escassos os cientistas e restritos os recursos. Como consequência óbvia, não existe até o momento, em nenhum lugar do mundo, um sistema de produção cientificamente fundamentado, para seu cultivo, mesmo que embrionário.   Traçando um paralelo com a soja, considerando-se a diversidade e a dimensão dos desafios do pinhão manso, o esforço de pesquisa com este último vegetal deveria ser muito superior àquele que contempla a soja para que, até 2030, fosse possível dispor do pinhão-manso como uma fonte sustentável de óleo vegetal – para a indústria de biodiesel ou outros usos – e que permitisse, também, que as suas demais frações pudessem ser aproveitadas comercialmente.

 

 

A listagem a seguir expõe os principais problemas que encontrei para o pinhão manso, tanto em caráter global, quanto restrito ao Brasil, após um esforço abrangente de revisão da literatura existente sobre Jatropha curcas, embora não considere esta relação como esgotada.

 

 

a.   Falta de Zoneamento Agroclimático do pinhão-manso em diferentes países, incluindo o Brasil, embora alguns estudos de caráter acadêmico e restrito tenham sido realizados ou estejam em execução. No Brasil, o Zoneamento Agroclimático é uma política pública vinculante, e a sua ausência dificulta o financiamento do cultivo, não sendo possível a cobertura de seguro do PROAGRO Mais, destinado a produtores familiares, o qual é mais favorável e menos oneroso que o PROAGRO tradicional;

b.   Ausência de variedades registradas no Serviço Nacional de Cultivares do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Referidas variedades devem atender os critérios legais de Distinguibilidade, Homogeneidade e Estabilidade.

c.   Ausência de diversidade genética varietal, para atender um dos princípios basilares da agricultura, que é o cultivo de materiais genéticos testados e comprovados e com base genética larga, para evitar frustrações de safra coletivas, pela concentração de risco. Como não existe material genético registrado, obviamente não há diversidade;

d.   Não inserção no Sistema Brasileiro de Produção de Sementes e Mudas, o que permitiria a comercialização das mesmas com garantia de qualidade e inocuidade do material reprodutivo, assegurando ao produtor a sua viabilidade e a ausência de pragas e doenças no mesmo. No momento, o produtor interessado na cultura teria dificuldades quase insuperáveis para obter as mudas necessárias, mesmo em um esquema amador de formação das mudas a partir de grãos e não de sementes, o que provocaria enorme heterogeneidade nas lavouras;

e.   Ausência de estudos definitivos sobre a prática de tratamento de sementes, que, pelas informações disponíveis no momento, será fundamental para compor o sistema de produção de pinhão-manso, quando o mesmo for elaborado no futuro, pelas pragas e doenças que podem atacar a cultura durante a fase inicial do seu estabelecimento;

f.    Falta de informações sobre populações ótimas de plantas, em especial como distribuir o espaçamento e qual a densidade mais indicada, para equilibrar o objetivo de máxima produção econômica com a necessidade de manejo da cultura e tráfego de pessoas e máquinas. Assim como para outras práticas agrícolas, como as sanitárias, o estudo de populações ótimas deve ser realizado para uma variedade específica e, como não existem variedades, não é possível realizar os estudos, de forma definitiva;

g.   Falta de uma recomendação de adubação que preencha os requisitos de solidez técnica e de máximo retorno econômico. Estudos isolados foram realizados em diferente países e, em todos os casos, ficou evidente a alta demanda de fertilizantes pelo pinhão-manso, desconstruindo uma teoria sem base científica, propalada em artigos leigos, de que o pinhão-manso seria uma planta rústica, que atingiria alta produtividade mesmo em solos de baixíssima fertilidade, o que tem se mostrado um sofisma que não resistiu sequer aos estudos preliminares já realizados;

h.   Ausência de uma recomendação técnica para controle de plantas daninhas, e impossibilidade de uso de herbicidas modernos, que não se encontram registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para uso na cultura do pinhão-manso, como determina a legislação brasileira. O mesmo problema foi constatado em outros países.

i.     Ausência de herbicidas registrados para controle de plantas daninhas em cultivos de pinhão-manso. Tanto neste caso como para outras pragas que afetam a cultura (insetos, fungos, nematóides) não existe registro de agrotóxicos no MAPA porque a cultura não possui nenhuma importância comercial. Como, para alcançar importância comercial haveria necessidade imperiosa de uso de agrotóxicos, e estes não podem ser utilizados por não haver registro dos mesmos, cria-se um círculo vicioso muito difícil de ser rompido, como já ocorre com outros cultivos que ocupam pouca área, conhecidos como minor crops;

j.    Desconhecimento da interação da planta com o ambiente e sua resposta às condições de clima (em especial necessidade hídrica e térmica, reação à radiação e nebulosidade) e solo (condições físicas e químicas), uma vez que não existem variedades registradas, sobre as quais devem ser realizados os estudos da interação planta-ambiente;

k.   Ausência de estudos básicos de fisiologia do pinhão-manso, imprescindíveis para o desenvolvimento tecnológico de processos que compõem o sistema de produção;

l.     Desconhecimento das exigências térmicas, hídricas, de radiação e nutricionais para floração, e ausência de cultivares registradas que apresentem curto período de floração, evitando que a maturação se estenda durante um longo período de tempo;

m. Ausência de um levantamento sólido e aprofundado de pragas que afetam a cultura, inclusive porque este levantamento somente pode ser completado quando lavouras extensivas estiverem implantadas, com o uso de variedades apropriadas. Entrementes, os estudos preliminares disponíveis indicam a presença de diversas pragas importantes, limitantes para a cultura, que já são suficientes para causar danos apreciáveis, com significativos prejuízos de ordem econômica;

n.   Impossibilidade de uso de agrotóxicos modernos para controle de pragas, que não se encontram registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para a cultura do pinhão-manso, como determina a legislação brasileira;

o.   Ausência de um levantamento sólido e aprofundado de doenças que afetam a cultura, inclusive porque este somente pode ser completado quando lavouras extensivas estiverem implantadas, com o uso de variedades devidamente registradas. Apesar desse fato, os resultados preliminares disponíveis apontam o pinhão-manso como hospedeiro de uma série de patógenos que provocam doenças com forte impacto econômico e que, no limite, podem provocar a morte das plantas na lavoura;

p.   Impossibilidade de uso de agrotóxicos modernos para controle de doenças, que não se encontram registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para a cultura do pinhão manso, como determina a legislação brasileira;

q.   Ausência de recomendação do manejo da cultura, entre elas, a necessidade do uso de podas para a condução das plantas, ou de coroamento de plantas, práticas que somente são recomendadas após estudos de longo prazo, os quais devem ser conduzidos com variedades comerciais devidamente registradas;

r.    Falta de parâmetros para irrigação do pinhão-manso, apesar da observação preliminar da necessidade de suprimento adicional de água para obter alta produtividade no pinhão-manso, e ausência de estudos básicos sobre a demanda hídrica da planta Estudos aprofundados não podem ser realizados, devido à inexistência de variedades registradas, para embasá-los. Os estudos preliminares indicaram alta exigência de água pelo pinhão-manso, desmentindo o sofisma de que esta seria uma planta que poderia apresentar altas produtividades em solos de baixa fertilidade e com restrições de oferta hídrica. A eficiência de uso da água pela planta é uma característica genética, podendo ser diferente entre variedades distintas, portanto a máxima eficiência econômica do suprimento de água será variável em função de solo, clima e material genético utilizado;

s.    Dificuldade de colheita manual. Atualmente, a colheita do pinhão-manso se estende por um período de quatro a cinco meses (janeiro a maio), conforme as informações disponíveis para a região de Dourados-MS, exigindo quatro a cinco repasses, onerando sobremaneira o custo de produção. Além disso, perdas na colheita impostas pela necessidade de repasse e ocorrência de chuvas durante o período são relatadas. As chuvas provocam a queda dos grãos no solo, e a sua germinação antecipada, tanto sobre a planta quanto aqueles caídos no solo;

t.    Desuniformidade no grau de maturação dos grãos colhidos, em virtude da extensão do período de colheita e dos repasses, exigindo secagem para evitar mais perdas durante a armazenagem, inclusive com rancificação do óleo. Devido ao baixo volume colhido, seria necessário armazenar o produto até atingir um volume mínimo para transporte, impondo custos adicionais de investimento para secagem e armazenagem dos grãos. Entretanto, o aspecto mais importante é o custo da colheita, estimado pelo Dr. Jason de Oliveira Duarte, Chefe de Comunicação e Negócios da Embrapa Milho e Sorgo em, aproximadamente, R$ 3.000,00/hectare, para uma lavoura em plena produção, que, cotejado com a receita da venda da mesma produção colhida (R$1.594,00), redundaria em prejuízo de R$1.406,00, apenas na operação da colheita, conforme relatado no I Congresso Brasileiro de Pinhão Manso, realizado em Brasilia. Além do custo financeiro elevado, a desuniformidade de maturação impede o desenvolvimento de máquinas de colheita, para efetuar sua mecanização;

u.   O transporte de grãos de pinhão-manso é mais oneroso que o paradigma grãos de soja, em virtude de sua densidade mais baixa, logo o mesmo valor de frete incidiria sobre um peso menor de carga, onerando o custo unitário de cada quilograma de pinhão-manso, comparativamente à soja;

v.   Presença de substâncias tóxicas e alergogênicas na planta de pinhão-manso, em especial nos frutos e, por decorrência no óleo e na torta, as quais podem causar problemas que vão desde alergias e reações antinutricionais (que prejudicam o desenvolvimento de animais e da espécie humana), até intoxicações graves e formação de tumores cancerígenos e, no limite, podendo ocasionar o óbito. A toxidez do pinhão-manso exige extremos cuidados no seu cultivo, transporte, operações industriais e no uso posterior dos derivados;

w.  Em virtude do exposto anteriormente, o uso da torta de pinhão-manso como adubo deverá ser precedido de sérios e prolongados estudos para verificar seu impacto ambiental sobre animais domésticos e selvagens, e sobre a fauna aquática. Este alerta é importante, pois esta tem sido a recomendação quase exclusiva para uso da torta do pinhão-manso;

x.   Dificilmente a torta de pinhão-manso poderia ser utilizado como adubo agrícola, pelos impactos ambientais adversos, pelas dificuldades operacionais e pelo seu alto custo, pois, para substituir uma tonelada de adubo nitrogenado, seriam necessárias 4,3 - 17,8 ton de torta de pinhão-manso; e para substituir uma tonelada de adubo potássico, seriam necessárias entre 38 e 109 ton de torta de pinhão-manso;

y.   A possibilidade de o pólen ser transportado à distância pelo vento pode ocasionar problemas alérgicos em pessoas sensíveis às substâncias alergênicas presentes no mesmo, em especial aos portadores de rinite alérgica e urticária ou outras formas de alergias, afetando populações próximas às lavouras;

z.    Os estudos sobre custo de produção disponíveis para a região de Dourados-MS, demonstram que o cultivo de pinhão-manso é altamente antieconômico. De acordo com estudo realizado pela Embrapa, a renda familiar, que é a soma da renda líquida mais o custo de oportunidade, no primeiro ano é de R$ -5.288,11, no segundo ano R$ -3.099,72 e no terceiro ano R$ -3.398,79. Ou seja, nos três primeiros anos o agricultor teve uma renda negativa de R$11.786,61, enquanto produtores congêneres que plantam soja teriam renda positiva estimada superior a R$3.000,00, no mesmo período e mesmo local.

 

        Pelo exposto, apesar de que a revisão efetuada não foi esgotante, esperamos haver contribuído para a formulação de uma agenda de discussão sobre os desafios para um eventual uso futuro do pinhão-manso, como matéria prima para o biodiesel no Brasil.

 

Protegendo os mananciais

Décio Luiz Gazzoni

 

  Quem está mais próximo das fontes de água preserva mais este recurso do que quem está longe das nascentes. É por isso que o campo preserva mais do que a cidade”. A afirmativa é da Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, no Fórum Exame de Sustentabilidade, que disse mais: “O Brasil é o único País com obrigação de manter áreas de preservação permanente (APP) para preservar a água”. A Ministra continuou: “Os produtores estão recuperando as fontes de água, independentemente do Código Florestal”. E provocou: “O próximo passo é que os agricultores brasileiros sejam reconhecidos por esse diferencial em relação a seus concorrentes internacionais. Qual é o fator de competitividade que o produtor brasileiro vai ganhar nos próximos 20 anos? A ‘adicionalidade positiva’ do produtor brasileiro precisará ser reconhecida”. Finalizando, chamou a atenção para os vieses estereotipados, vigentes na percepção social “A água não vem do duto da Sabesp ou da Cedae, assim como a galinha não é um frango congelado no supermercado, o que surpreende muitas crianças hoje”.  

 

 

     

Em primeiro lugar, e acima de tudo, muito obrigado Ministra, em nome da agropecuária brasileira, tida e havida como vilã ambiental. Muitas vezes o produtor rural é pintado como um predador do ambiente, parecendo que assim age apenas movido pelo prazer sórdido de destruir o meio em que vive e do qual depende. Destarte, é reconfortante uma autoridade governamental, responsável pela área ambiental, reposicionar o tema com clareza e ponderação.  

Mas, a fala da ministra não tem o condão de obnubilar os enormes desafios referentes ao uso da água, na agricultura ou no meio urbano. Apesar de 70% da superfície do planeta ser constituída de água, apenas 0,007% do total é considerado como suprimento sustentável, disponível para uso, conforme o Conselho Mundial da Água, No médio prazo, o aumento da população e da renda significam mais consumo e, eventualmente, mais desperdício. Uma torneira pingando gasta 40 litros de água por dia. Então imagine que os pingos de apenas 10% das torneiras das residências brasileiras desperdiçam 1 bilhão de litros de água por dia, 365 bilhões ao ano!

  Embora a agricultura irrigada seja apenas caudatária no agronegócio brasileiro, a água é fundamental para a agricultura. Com a mudança do padrão climático, no bojo de mudanças globais, diversas regiões do Brasil têm enfrentado secas intensas e frequentes, ou fortes chuvas extemporâneas, Apenas nos últimos quatro anos, as safras de cana-de-açúcar e de grãos tiveram perdas expressivas, devido a irregularidades no fornecimento de água.

  

 

         

 

Para conviver com um novo padrão climático, tecnologias de superação do problema devem ser desenvolvidas e implantadas, visando ao melhor aproveitamento da água na agricultura, o que inclui a expansão do uso de agricultura irrigada, mas não descarta o melhor manejo do solo e da cultura e variedades tolerantes ao estresse hídrico. Essa visão de futuro mostra que, além do compromisso do agricultor em preservar a água para uso agrícola (ou mesmo urbano), impõe-se a necessidade de investimentos no desenvolvimento e adoção de inovações tecnológicas, que permitam à sociedade vencer mais este desafio.

 

       

 

 

 

Agricultura familiar

Décio Luiz Gazzoni

 

 

À primeira vista, os agricultores familiares estão fadados a desaparecer. Apesar das boas iniciativas do Governo Federal, a baixa escala de produção, a falta de mão de obra rural e de máquinas apropriadas à pequena propriedade, além das dificuldades de união, de organização, de transporte e de comercialização, aparentam indicar que o futuro da agricultura será monotonamente reservado aos médios e grandes produtores.   Usei os termos “primeira vista” e “aparentam” posto que, com sensibilidade para o problema, criatividade nas propostas e alta prioridade para implementar soluções, é minha opinião que o exposto acima não é, inexoravelmente, uma inequação. Urge enfrentar o processo com firmeza e coragem, para não transferir às gerações futuras um problema que pode ser solucionado aqui e agora.   É possível organizar uma cadeia produtiva baseada no velho jargão do “união faz a força”, garantindoo sucesso dos agricultores familiares usufruindo uma vida digna no campo, estancando a hemorragia do abandono das pequenas propriedades e a fuga para a periferia das cidades. Os cidadãos urbanos se beneficiarão com oferta adequada de alimentos de alta qualidade, produzidos próximo à sua cidade.

 

 

Como corolário, a fixação dos agricultores familiares no campo evita a exacerbação dos problemas da urbe, mormente o acirramento de demandas de saneamento, transporte, novas escolas e postos de saúde, além da falta de qualificação profissional dos ex-pequenos agricultores para disputar um emprego ou uma fonte de renda que lhes permita viver com dignidade nas cidades. A solução do problema passa por fórmulas inovadoras de apoio à produção agrícola de alta qualidade, processos modernos de agregação de valor, abertura e consolidação de canais de comercialização que garantam o sucesso da agricultura familiar.   Agricultor familiar deve fugir de commodities, vendidas sem agregação de valor. O segredo é investir em produtos de alto valor intrínseco, com possibilidades de agregação de valor e ocupação de nichos de mercado. Um nicho importante é a agricultura orgânica, com consumidores dispostos a pagar mais por um produto que atenda suas exigências específicas de inocuidade.

 

 

 

Horticultura, fruticultura, pequenos animais, cadeia de lácteos ou embutidos são exemplos clássicos de espaços da agricultura familiar. A agregação de valor é fundamental para conferir renda digna aos produtores. Produtos hortícolas podem ser classificados, certificados, semi-processados, embalados, etiquetados, com design profissional, permitindo o seu rastreamento. Também podem ser cortados ou picados, transformados em conserva. Frutas podem virar suco, geleia ou licor. Frutas de colheita trabalhosa encontram espaço em Colhe-e-Pague, no estilo Pesque-e-Pague, ambos constituindo-se em centros de lazer e polos comercialização. Aquicultura é um negócio rentável, se houver agregação de valor na cadeia.   Sem nunca esquecer o pão nosso de cada dia, especialmente para um bilhão de pessoas que tem acesso restrito a alimentos, penso no pão da alma, a beleza das flores e plantas ornamentais. Um grande negócio, com taxas de crescimento de 5 a 10% ao ano, no mundo. Globalmente, o setor movimenta dezenas de bilhões de dólares anuais (R$3 bilhões no Brasil), com expectativa de crescer cada vez mais, conforme a inclusão social se consolida e a renda per capita permite ao cidadão investir em qualidade de vida.   Finalmente, o marketing dos produtos da terra é essencial, se o galo não cacarejar, os negócios sequer roçam seu potencial. Em resumo, bons projetos, executados com profissionalismo e apoio governamental, constituem a fórmula para potencializar a agricultura familiar no Brasil.

 

 

 

 

       

 

Segurança alimentar II

Décio Luiz Gazzoni

 

Retorno à discussão do desafio de eliminar a fome no Planeta Terra, no futuro próximo, porque ainda vislumbro ceticismo e pessimismo sobre a nossa capacidade de atender à demanda por alimentos. Tenho especial predileção por usar o ano de 2050 como referência, pois, além de ser a metade do século, marca o início da década durante a qual se estima que a população mundial se estabilizará, diminuindo nas décadas seguintes. Logo, nosso maior desafio aparente será produzir alimentos para suprir a demanda até aquela data, pois, a partir dela, a demanda decresce.   Porém, não se trata, apenas, de atender ao crescimento vegetativo da população (cerca de 2,5 bilhões de novos habitantes), mas de resgatar o déficit alimentar hoje existente (1 bilhão de pessoas, de acordo com a FAO). Além disso, precisaremos atender novas demandas decorrentes das mudanças demográficas, como o envelhecimento da população, com produção de alimentos de mais alta qualidade, inócuos e com propriedades funcionais.

 

 

 

Menos perdas, mais acesso

 

Como regra geral, a fome não decorre da baixa oferta, mas de restrições de acesso da população aos alimentos. A primeira causa que nos vem à mente é a pobreza, portanto, políticas abrangentes de inserção social serão fundamentais. Porém existem outras causas, como guerras, conflitos tribais, terrorismo, comunidades isoladas, restrições estas que necessitam ser eliminadas.   Ao ataque de pragas na lavoura são atribuídas perdas que podem chegar a 20-30%. Entre a fazenda e o supermercado ocorrem perdas por pragas, deficiências de transporte, de armazenamento e de refrigeração, tempo curto de prateleira, falta de classificação, dentre outras, que atingem a um terço dos alimentos produzidos no mundo. Depois do supermercado, as perdas podem ser igualmente grandes, principalmente nos países ricos. Por exemplo, estimativas indicam que, nos Estados Unidos e na Europa, entre 30 e 40% dos alimentos acabam na lata do lixo, sem ser lixo!   Portanto, se forem eliminadas as perdas e desperdícios, se a logística e a infraestrutura forem adequadas, e se políticas de acesso à alimentação forem implementadas, seria possível alimentar a população atual do mundo, sem restrições, com pequeno acréscimo sobre as áreas produtivas atuais.

 

       

 

Tecnologia adequada

  

O déficit que, porventura, ainda viesse a existir entre a produção e a demanda, eliminadas as perdas e desperdícios, também poderia ser zerado com o uso de tecnologia adequada, que permitisse aumentar, de forma sustentável a produtividade das lavouras, além de reincorporar à agropecuária as áreas degradadas. Essa tecnologia já existe, basta examinar as bases de dados de produtividade no mundo, e verificar as discrepâncias entre os líderes de produtividade de qualquer cultivo e as médias efetivamente obtidas pelos produtores. Essa diferença nos demonstra que existe tecnologia disponível, que não está sendo usada na integralidade, o que denota deficiência na sua transferência para o sistema produtivo.   Porém, este fato não significa que as instituições de pesquisa não devam perseguir, com denodo redobrado, a busca de novas tecnologias, para assegurar a sustentabilidade dos sistemas de produção, no futuro. Pelo exposto, verifica-se a necessidade de políticas públicas que incentivem a geração e a transferência de tecnologia adequada, como forma de garantir a oferta de alimentos.

     

       

 

Fim dos subsídios

 

Países ricos são pródigos em subsidiar a ineficiência de sua agricultura, e como tal, prejudicar os produtores de países de legítima vocação agrícola. Quando países ricos subsidiam seus agricultores, diminuem o espaço de produção e comércio de outros países, que não dispõem de recursos orçamentários para agir da mesma forma. Só na Europa, até o fim da década, serão mais de 500 bilhões de euros destinados a suportar agricultores incapazes de competir com seus pares do Brasil, Argentina ou de outros países de vocação agrícola.   Em consequência, subsidiando sua produção e sua exportação, os países ricos pressionam para baixo os preços dos produtos agrícolas, diminuindo a renda dos produtores de outros países, e desincentivando novos investimentos que redundariam em aumento da produção e maior oferta de alimentos. Maior produção em países com legítima vocação agrícola também conduziria a preços mais baixos, mas sendo compensados pela captura de uma parcela maior do comércio agrícola, neutralizando o impacto desfavorável dos baixos preços, para estes países.  

Associado ao fim dos subsídios é necessário implantar o livre comércio de produtos agrícolas, mais justo para todos. A própria OCDE – clube dos países ricos - calcula que, se as nações do G20 reduzissem as barreiras comerciais em 50%, gerariam aumento no número de empregos no mundo entre 0,3% e 3,9%, enquanto os salários cresceriam entre 0,8% e 8,1%. A equação é: “- subsidios +emprego + renda + produção = - fome”. No caso dos alimentos, as barreiras tarifárias, técnicas, pseudosanitárias e de outras ordens impedem que os países possam competir de forma igualitária. A redução dessas barreiras estimularia o ganho de eficiência e a produção em países pobres, reduzindo o preço da comida em todo o mundo, porém de forma mais equitativa.

 

 

 

Cuidados com o ambiente

 

Pertenço ao grupo dos que acreditam que é perfeitamente possível praticar uma agricultura sustentável, em escala global. Não basta produzir alimentos (e outros produtos agrícolas), isto deve ser feito com sistemas de produção que permitam prolongar a atividade, nas mesmas áreas, por décadas, preservando e até melhorando as condições ambientais. O corolário da afirmativa é que devemos perseguir o aumento da produtividade sustentável da agropecuária, em detrimento da expansão de área.   A água e o solo são recursos essenciais, que serão cada vez mais escassos, e que precisam ser protegidos para que a produção agrícola possa ser sustentável. Informação, geração e transferência de tecnologias adequadas constituem o tripé para garantir a sustentabilidade da agricultura.   A agricultura é causa e também sofre as consequências das mudanças climáticas globais. Por isso, é preciso investir na pesquisa agropecuária para criar variedades de plantas e animais adaptados ao novo ambiente climático. Além do clima em si, a agricultura precisa se adaptar localmente às pragas e doenças que podem surgir em consequência das mudanças no clima. A contribuição da agricultura para mitigação das mudanças climáticas decorre de uma agricultura sustentável, lastreada em tecnologias que propiciem menor emissão de gases de efeito estufa, causa básica do aquecimento global.

       

       

 

Concluindo, basta que cada um cumpra seu papel, tanto governos quanto as cadeias produtivas, que o desafio de atender a demanda de alimentos e de outros produtos agrícolas, em 2050, será perfeitamente possível de ser superado.

 

 

 

Nanoembalagens de alimentos

Décio Luiz Gazzoni

 

  

Em artigo recente na Cultivar, abordamos a produção de bioplásticos, uma nova oportunidade para o agronegócio. Se associarmos a nanotecnologia com os bioplásticos, será possível reduzir as perdas e melhorar o controle sanitário dos alimentos.   O termo nanômetro significa a escala na faixa de 10-9 m. No último meio século, a nanotecnologia tornou-se um campo multidisciplinar da ciência aplicada e da tecnologia, que permite criar, caracterizar e utilizar materiais de estruturas, dispositivos e sistemas com novas propriedades derivadas de suas nanoestruturas. Todos os sistemas biológicos e artificiais têm o primeiro nível de organização na escala nanométrica. Ao utilizar técnicas de nanotecnologia, é possível reunir as moléculas em objetos, ou desmontar um objeto em moléculas, como a natureza já faz nos processos de degradação.   Devido ao seu tamanho, as nanopartículas têm área de superfície proporcionalmente maior e consequentemente mais átomos da superfície do que na microescala. Na faixa de nanoescala, os materiais podem apresentar diferentes propriedades eletrônicas, que por sua vez afetam suas propriedades ópticas, catalíticas e reativas.

     

 

Na atualidade, a maioria dos materiais utilizados para embalagem de alimentos não é degradável, o que representa um grave problema ambiental, de ordem global. Novos biomateriais têm sido explorados para desenvolver matérias de embalagem como filmes comestíveis e biodegradáveis, objetivando prolongar a vida útil e melhorar a qualidade dos alimentos, além de reduzir os resíduos de embalagens. No entanto, o uso de polímeros comestíveis e biodegradáveis apresenta problemas como fragilidade, ou constituem uma barreira insuficiente para penetração de gases e umidade, além da sensibilidade ao calor e alto custo.   Por exemplo, o amido tem recebido muita atenção como um polímero termoplástico biodegradável. No entanto, seu desempenho é limitado devido à sua sensibilidade à água e a elevada fragilidade, relacionada ao crescimento anárquico de cristais de amilose. A aplicação da nanotecnologia para esses polímeros pode abrir novas possibilidades para melhorar não só as propriedades, mas também a relação entre custo-preço e eficiência.

 

 

 

Compósitos poliméricos são misturas de polímeros com cargas inorgânicas ou orgânicas, e com certas geometrias (fibras, flocos, esferas, partículas). Diversos compósitos foram desenvolvidos reforçando polímeros para melhorar as suas propriedades térmicas, mecânicas e de barreira. A maioria destes materiais reforçados apresentam interações precárias na interface entre os dois componentes, pois os materiais macroscópicas de reforço geralmente contêm defeitos, que são desprezíveis quando a estrutura é menor (nanoescala).   A dispersão uniforme das nanopartículas conduz a uma grande área da matriz de enchimento interfacial, o que altera a mobilidade molecular, o comportamento de relaxamento, melhorando significativamente as propriedades térmicas e mecânicas do material. Uma redução do tamanho de partícula aumenta o número de partículas de enchimento, aproximando-os um do outro, assim, as camadas de interface de partículas adjacentes se sobrepõem, alterando as propriedades estruturais de forma significativa.   Além da ação de reforço, as nanopartículas, cuja principal função é e melhorar as propriedades mecânicas e de barreira dos materiais de embalagem, há vários tipos de nanoestruturas responsáveis por outras funções, que conferem propriedades às embalagens, como atividade antimicrobiana, imobilização de enzimas, biosensoreamento, capacidade de remoção de oxigênio, ou indicação do grau de exposição a algum fator de degradação, entre outras. Algumas nanopartículas podem ter múltiplas aplicações que, por vezes, se sobrepõem, tal como enzimas imobilizadas que podem acuar como componentes antimicrobianos, eliminadores de oxigênio ou biossensores.

 

 

 

 

 

 

Na prática, o uso de biopolímeros pela indústria alimentar enfrenta problemas de custo relativamente elevado quando comparados com polímeros sintéticos. No entanto, o esforço na busca de desenvolvimento sustentável aumenta a procura por biopolímeros, logo o aumento da escala tem diminuído o custo de produção. O surgimento de nanocompósitos promete ampliar a utilização de películas comestíveis e biodegradáveis, melhorando as suas propriedades mecânicas, térmicas e de barreira, mesmo em teores muito baixos.

 

 

 

 

 

 

Ainda persiste a necessidade de investigar a biossegurança dos nanomateriais, posto que a sua dimensão lhes permite, em tese, penetrar nas células. Apesar de que as propriedades de segurança dos materiais, na sua forma a granel, são bem conhecidas, os nanohomólogos frequentemente exibem propriedades diferentes dos encontrados na macroescala. Há poucos dados científicos sobre a migração da maior parte dos tipos de contidos em embalagens para alimentos, bem como os seus eventuais efeitos toxicológicos. É razoável supor que a migração pode ocorrer, daí a necessidade de informações precisas sobre os efeitos de nanopartículas para a saúde humana após exposição crônica.  

Os estudos de biossegurança constituem parte essencial de todo o processo de desenvolvimento de novos materiais na escala nanométrica, especialmente se destinados à embalagem de alimentos. A sua execução conjuntamente com a evolução do desenvolvimento de embalagens permitirá o uso de tecnologias inovativas, que reduzirão as perdas de alimentos, tornando-os, concomitantemente, inócuos e seguros.

 

 

 

 

 

 

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