Subsídio à soja americana - dois cenários.

Décio Luiz Gazzoni

Na coluna semanal que assino em um jornal, escrevi em 15/10/99: "Em abril passado, tive uma longa conversa com o Ministro Turra, mostrando que só havia duas soluções para melhorar o preço da nossa próxima safra de soja: ou desastre climático nos EUA, ou uma agressiva negociação política, em que os US$3 bilhões que o USDA dispunha para bancar o preço mínimo da soja americana seriam convertidos em ajuda humanitária, comprando soja no mercado e doando a países paupérrimos da Ásia e África, que jamais comprariam esta soja. Os EUA passariam por grandes filantropos, e o estoque seria tão reduzido que o preço subiria para todos. O Ministro comprou a idéia entusiasmado, a qual morreu na bur(r)ocracia governamental". O ex-Ministro Turra é um homem inteligente e de visão, farejou uma boa oportunidade para os agronegócios brasileiros e tentou concretizá-la.

A proposta
Propus que o Brasil negociasse com os EUA a incorporação ao seu programa de ajuda humanitária do subsídio ao preço mínimo da soja americana (US$5.25/bu). Ganhariam os EUA (mais filantropia, menos subsídios), os países pobres (mais saúde), o mercado (esses países nunca comprariam essa soja), o Brasil (mais renda agrícola, mais negócios na cadeia produtiva, mais progresso, mais empregos), etc. Com US$3 bilhões – que poderiam chegar a US$5 bi - seria possível adquirir 70–100% do estoque de passagem, permitindo calibrar os preços em US$6-6,50/bu (US$14/saca ou US$237/ton), comprando e ameaçando intervir no mercado. Afinal as cotações flutuam tanto ao sabor de fatos, quanto dos boatos. Seria um sonho tropical, de noite de verão? Ainda hoje acho que era uma excelente proposta, existia viabilidade política de sucesso, pela profusão de temas que estavam na mesa de negociação entre Brasília e Washington. Porque a recorrência ao tema?
  A proposta da ASA e da NOPA
Em 26/9/2000, a American Soybean Association (ASA) e a National Oilseeds Processors Association (NOPA) encaminharam carta ao Secretário da Agricultura dos EUA, Dan Glickman, propondo exatamente o que eu havia sugerido ao Ministro Turra: aumentar a ajuda humanitária a países pobres, em forma de soja e seus derivados. Essas medidas podem ser enquadradas em programas governamentais já existentes, sem necessitar fundos adicionais ou autorização do Congresso. A proposta baseou-se em modelos de elasticidade preço/demanda do Food and Agricultural Research Institute, das Universidades de Iowa e Missouri e do USDA. 

Os números
As entidades afirmam ser possível elevar imediatamente o preço da soja em US$0.47/bu, (mais de R$2,00/saca), poupando ao Tesouro US$427 milhões em subsídios, adquirindo apenas 3,1 milhões de toneladas de soja e derivados, ao custo de US$873 milhões. Agregando-se o custo do processamento e do frete, o agricultor receberia no mínimo o preço de garantia do USDA, e ainda sobraria ao governo americano US$427 milhões. E todo o mundo sairia contente: o produtor e o governo americanos, os famélicos da Ásia e da África, los hermanos argentinos, os produtores brasileiros, vendedores de máquinas, insumos e sementes, a Receita Federal, a Estadual, os camioneiros, a agência lotérica, o botequim, o Banco do Brasil, etc., porque a renda obtida com a soja é a matriz do progresso do interior do Brasil e a alavanca dos agronegócios.
  Torcida pró e contra
Já que não agimos pró-ativamente quando o cavalo passou encilhado, cabe ao Governo e às entidades do setor acompanharem com lupa o desenrolar dessa negociação, com esperteza de raposa para não atrapalhá-la, auxiliando se for possível, torcendo para que se concretize. Até porque um sujeito chamado David Kruse apareceu com uma palhaçada chamada "Plant Beans" que usa o mesmo recurso do subsídio para forrar a guaiaca dos americanos e gravar a lápide dos demais países produtores. A proposta ASA/NOPA, a meu juízo, é um enfoque inteligente, em que se aumenta a demanda para regular preços, tornando o mercado mais rentável e mais estável. Do ponto de vista estritamente econômico, regular o volume de soja destinado à ajuda humanitária é uma "linha auxiliar" do estoque regulador. Ao tempo em que aplaudo a proposta da ASA e da NOPA, pelo duplo efeito filantrópico e busca de preços remuneradores, peço a Deus que nos livre da concebida pelo dublê de agricultor e conselheiro de mercado David Kruse, contra a qual devemos não apenas torcer, mas agir.

Plant Beans
A mim a proposta cheira a retrocesso e desespero, e denota a arrogância de quem impõe ao mundo o que lhe é mais conveniente, abuso de poder econômico e medo do livre mercado. Em especial se analisada sob o enfoque da liberalização do comércio internacional, tão ardorosamente defendida pelos EUA e, paradoxalmente, tão pouco respeitada por eles. Essa proposta só pode ser concebida por quem está viciado em subsídios, que garantem a renda de agricultor sem competitividade, com riscos cobertos por programas governamentais, tornando o processo agrícola artificial do ponto de vista mercadológico, condenando países de vocação agrícola à pobreza. O que o Sr. Kruse propõe é que todo o produtor de outra cultura de verão, em especial trigo e milho, passaria a destinar 25% dessa área para soja, com o objetivo de derrubar seu preço. O que ele está fazendo é um esforço enorme para aglutinar produtores americanos em torno da proposta, para operacionalizá-la.
  As conseqüências
A área de soja americana passaria de 33 para 45 milhões de hectares, e a produção de 72 para 100 milhões de toneladas. Brasil, Argentina e outros países produtores não teriam como efetuar um ajuste drástico no curto prazo, o que redundaria na explosão da oferta mundial, hoje em torno de 155 milhões de toneladas, elevando o estoque de passagem de 21 para quase 50 milhões de toneladas. Assim, o preço seria derrubado para U$2,50-3/bu (R$12,00/saca), o menor da série histórica, de acordo com os cálculos do Doane’s Agricultural Report (9/8/2000). O objetivo final seria mantê-lo nesse patamar até derrubar as posições dos concorrentes (brasileiros entre eles), que não conseguiriam suportar duas ou três safras com preços muito inferiores ao custo de produção. Depois, a produção voltaria paulatinamente ao "normal", com altos preços, mas o "share" de mercado americano seria quase monopolista.

A lógica
O sojicultor americano nada sofreria, por receber subsídios garantindo o preço mínimo, tanto do CRC (Crop Revenue Coverage), quanto do LPD (Loan Deficiency Payments), que passariam de US$3 para US$10 bilhões anuais. Não haveria custo adicional ao seu Tesouro, pois os recursos extras (US$ 7 bilhões) sairiam dos programas de suporte de trigo e milho que, em função da redução da produção, teriam preços mais elevados e dispensariam subsídio. O objetivo é eliminar a concorrência na soja, onde as vantagens comparativas de países como o Brasil. Aqui, a ocupação do Centro-Oeste, a redução dos custos de transporte, e os imensuráveis avanços tecnológicos propiciados pela Embrapa, têm levado o Mato Grosso a sucessivos recordes de produtividade, no plano mundial.
  Dumping
O abuso do poder econômico, para eliminar concorrentes, chama-se dumping, e é punido com rigor em qualquer país do mundo. Qualquer? Não acredito que a proposta do Sr. Kruse emplaque, mas também não acredito que ele, ou seus seguidores, seriam punidos, porque subsidiar produtores sem competitividade, para que permaneçam artificialmente no mercado, não deixa de ser uma forma de dumping, só que oficial. Embora não acredite, acho que o Governo brasileiro, e as entidades privadas do setor também devem acompanhar par i pasu a evolução dessa proposta, pois não seria a primeira loucura que emplaca. E, se emplacar, Deus nos salve e guarde, porque poderá provocar uma quebradeira na cadeia dos agronegócios que levaria o Brasil a uma profunda recessão econômica. Aos leitores um Feliz Natal e que o próximo presidente americano opte pela proposta da ASA/NOPA, o que significaria um próspero Ano Novo.

Da fazenda para a farmácia

Décio Luiz Gazzoni

Nos encontramos em pleno olho do furacão da discussão sobre o custo/benefício da Engenharia Genética. Aumento de produtividade, qualidade, novos usos compensam os riscos à saúde ou ao meio ambiente? A discussão sobre o uso de OGMs tem seu fulcro nas variedades transgênicas, ou seja, cultivos tradicionais com incorporação de caracteres desejáveis, porém, em última análise, o mesmo produto. Enquanto isso, nos laboratórios de biotecnologia do mundo inteiro, pesquisa-se freneticamente o uso de plantas como usinas produtoras de medicamentos. Aqui no Brasil, a Embrapa investe na introdução de genes que codificam para hormônios de crescimento humano, insulina e outras substâncias farmacológicas em soja e outras culturas. No exterior, os novos avanços são divulgados diariamente.   Resposta imunológica
O sistema imunológico dos animais superiores, inclusive do Homem, respondem a uma substância exótica por duas vias: ou através da produção de anticorpos (defesa humoral), ou pela via celular, em que as células "T" são usadas como um verdadeira exército, que destrói as células invadidas por vírus ou por bactérias patogênicas. Já existem diversas vacinas do tipo humoral, em especial contra microorganismos que afetam o intestino, caso típico das bactérias Escherichia coli e Vibrio cholerae. Assim como esses, diversas outras vacinas estão em fase de estudos.

Vacina contra a malária
Quem já viveu no Norte e Centro Oeste do Brasil conhece bem a praga da malária, doença comum nas áreas tropicais, recorrente, que arrasa a qualidade de vida, debilita o paciente e pode conduzir a óbito. Cientistas americanos anunciaram na semana passada haver identificado e isolado o gene que codifica para uma proteína presente no protozoário Plasmodium falciparum. Esse gene foi introduzido no código genético de embriões de ratos, inseridos em mães de aluguel, gerando ratos transgênicos. As fêmeas transgênicas adultas produzem leite contendo a proteína codificada pelo gene exótico, que é isolada, introduzida em macacos, que geram os anticorpos – a vacina contra a malária. O próximo passo é usar a mesma técnica para introduzir o gene em animais com maior capacidade de produção de leite, como cabras e, futuramente, vacas.
  Vacina contra a hepatite B
A hepatite B é a forma mais virulenta da doença que ataca o fígado, e tem sido um tormento para médicos e pacientes. Cientistas americanos seguiram o mesmo caminho acima, porém com um passo intermediário. Uma proteína do vírus da hepatite B foi introduzido em um cromossomo da batata, que passou a produzir essa proteína. Ratos de laboratório foram alimentados com a batata, e geraram anticorpos para combater a proteína intrusa. Os anticorpos tornam os animais resistentes a uma inoculação do vírus da hepatite B. O mesmo grupo havia conseguido resposta imune produzindo a proteína em tabaco, e injetando-a na circulação sanguínea de ratos.

Fazendas comuns?
Então o agricultor vai produzir plantas que vão diretamente para a quitanda, o supermercado ou à feira? Não será exatamente assim. As plantas serão transformadas em indústrias de medicamentos, e como tal dependerão de dose, de freqüência de consumo, ou seja, de recomendação médica e nutricional. Os cuidados para a produção também serão maiores, as exigências tecnológicas específicas. Mas, sem dúvida, esse será um grande agronegócio no futuro, e mais um dos grandes benefícios que a Humanidade receberá do setor agropecuário. Pelo alto valor agregado desses produtos, pequenas propriedades serão viabilizadas. Entretanto, a associação com empresas geradoras de alta tecnologia e assistência técnica será imprescindível, pelos requisitos de exigência para cultivo. Essa é mais uma razão para as lideranças do agronegócio batalharem para que o Brasil disponha de institutos de pesquisa dispondo de recursos suficientes para cumprir sua missão de trabalhar em benefício da sociedade.

Palavras de ordem: Competitividade e Sustentabilidade

Décio Luiz Gazzoni

Havia um tempo em que produzir era o que importava - o governo garantia a compra e o preço mínimo compensador.
Havia um tempo em que o custo não importava - o crédito era farto e os juros baixos.
Havia um tempo com restrições de importação de produtos agrícolas -. Proibia-se por decreto, tempo do protecionismo.
Havia um tempo em que a terra era fértil e farta - esgotado o solo, migrava-se para outra região.
Havia um tempo em que água era abundante - podia ser consumida e poluída, Deus provia.
Havia um tempo em que qualquer tecnologia era boa - o consumidor aceitava o que encontrava na prateleira.
Havia um tempo em que o Governo deveria prover a pesquisa, a assistência técnica, a sanidade agropecuária - o contribuinte pagava tudo.

Novos tempos
O mundo mudou e o Brasil mudou. As mudanças foram brutais, quase uma revolução. Os produtores rurais incapazes de compreender as mudanças, ou adaptar-se a elas, ficaram pelo caminho. A fronteira abriu, o crédito sumiu, o juro subiu. Protecionismo agora só em países ricos do Hemisfério Norte, incapazes de enfrentar de peito aberto sua falta de competitividade, subsidiando agricultores ineficientes com o dinheiro da sociedade. Em Pindorama, agricultor sem competitividade é ex-agricultor, também o é quem produz sem sustentabilidade. O consumidor torna-se progressivamente mais exigente, impondo padrões rígidos de qualidade, ratificados por organismos científicos internacionais. Na busca da competitividade, o Governo é apenas um dos aliados, os objetivos tem que ser comuns entre os parceiros públicos e privados. A Nação purgando décadas de desgoverno, descontrole, corrupção e outros males, não consegue dar vazão às demandas básicas da sociedade - vide o gasto de fosfato e energia para fixar-se o salário mínimo em US$ 85,00.
  Parcerias
Esse esforço conjunto para atingir o objetivo comum de uma agropecuária competitiva e sustentável chama-se parceria. A Embrapa vem exercitando esse modelo há exatos 15 anos, inicialmente por opção programática, atualmente por razões estratégicas. Associando-se ao longo do tempo com os participantes da cadeia produtiva da soja, a Embrapa Soja desenvolveu ações que permitiram o crescimento sustentado da oleaginosa, em bases fortemente competitivas, tornando-a um lastro da agropecuária tupiniquim. Destaque merece ser dado à geração e desenvolvimento de cultivares de soja, onde a empresa estatal, detentora da propriedade do material genético, está associada a oito Fundações, que reproduzem as sementes das cultivares obtidas. O objetivo é a busca contínua do material genético mais adequado, ao tempo em que auxilia a introjetar no ambiente produtivo um conjunto de tecnologias que promovam sua competitividade e sustentabilidade.

  Fundação Meridional
O Ministro Pratini de Morais participa hoje, em Londrina, da assinatura do convênio entre a Embrapa e a Fundação Meridional. Recém criada, a Fundação já nasce grande, ao congregar 90% dos produtores de sementes de SC, PR e SP, responsáveis por quase 40% da semente de soja brasileira. A união dessas instituições é um formidável avanço na capacidade de geração e desenvolvimento de cultivares de soja, capilarizando o teste das novas variedades, cujo número de locais de experimentação será duplicado. Os produtores terão melhores oportunidades de precisar as características das novas variedades, e a expansão do programa de melhoramento aumentará a taxa de sucesso na obtenção de novas cultivares, tornando-as disponíveis mais rapidamente. Importante ressaltar que a atuação conjunta abrangerá ações de transferência de tecnologia, para melhorar continuamente o sistema de produção. Parcerias verdadeiras, em que um dos parceiros não tenta exaurir o outro, são como árvores sadias: dão bons frutos. É com essa certeza que Londrina serve de palco para a consolidação do novo paradigma da agropecuária: a parceria entre os interessados na competitividade e sustentabilidade da agropecuária brasileira.
 

 

Brazilian green beef

Décio Luiz Gazzoni

Como deve ser difícil viver em países onde as inovações tecnológicas chegam com atraso. Veja a eleição americana, recheada de voltas e reviravoltas, denúncias de todo o tipo, e a descoberta de um anacronismo que inclui desde o famigerado colégio eleitoral, até tecnologia da pré-história computacional. Ganhe Bush ou Gore, a contestação da legitimidade do mandato será perpétua. Atravesse o Atlântico, e observe a desconfiança do europeu em relação aos órgãos de vigilância sanitária. Também, depois de sangue com HIV, coca cola com fungicida, rações com dioxina, há o episódio da vaca louca entranhada no continente, condenando indelevelmente os órgãos responsáveis, já que apenas recentemente soubemos que 200.000 casos haviam sido registrados na Inglaterra, desde 1987. A pá de cal vem da Bélgica, Holanda e Espanha ao boicotar a carne de porco inglesa pela descoberta de três casos da febre do porco no país. A febre do porco, causada por um vírus, é altamente contagiosa, e causa perda de peso e febre, podendo levar à morte dos porcos. Mais de 6 mil porcos já foram mortos, e outros 10 mil estão na fila para morrer na tentativa de conter a doença.   BSE
Ou síndrome da vaca louca, ou Encefalopatia Espongiforme Bovina provoca alterações de comportamento, transtorno visual, instabilidade locomotora, demência, paralisia e morte de bovinos, atacando também ovinos, doninhas e furões, além do Homem. Segundo a Agência Reuters, a Inglaterra investiga uma série de mortes de pessoas com os sintomas da 'doença da vaca louca', em Leicestershire. Há suspeitas de que quatro pessoas tenham morrido com uma variação da Creutzfeldt-Jakob Disease, nome oficial da doença. Supõe-se que a BSE seja causada por um vírus do Grupo II, provavelmente um viróide ou virino. Entretanto, alguns cientistas aceitam que a síndrome seja provocada por uma proteína isolada. O agente causal suporta até 100oC por 2 horas, portanto cozimento não resolve o problema de transmissão.

Restrições
Um pecuarista tentando vender um boi contaminado deflagrou a histeria, derrubando em 30% a demanda de carne européia. Tentando quebrar o ciclo de contaminação, foi proibido o uso de farinha de carne animal como fonte proteica em rações. Governos de países não atingidos fecharam suas fronteiras a outros membros da UE, como foi o caso da Itália em relação à França. Pratos chiques e famosos, como o filé mignon com tutano de boi, o T-bone steak ou o cote de boeuf à bordelaise estão temporariamente fora dos cardápios. A população busca refúgio em outras fontes proteicas, não sujeitas à BSE. O Ministério da Agricultura brasileiro comunicou à Secretaria de Comércio Exterior a proibição de importação de animais vivos, carnes bovina e ovina, tripas e material de reprodução da França, Alemanha, Espanha e Portugal, países onde vêm ocorrendo casos da doença. As importações da Inglaterra, onde a síndrome teve início, estão proibidas pelo Brasil desde 25 de maio de 1996. O governo brasileiro proibiu também, desde 1996, a fabricação de farinha de osso e de carne usadas como ração animal.
  A oportunidade
Consumo de carne made in Europe em queda, boa notícia para o Brasil. As oportunidades são de três ordens: aumento imediato da exportação de carne brasileira, criada a pasto – green brazilian beef, afinal a Europa não é o fulcro do alimento politicamente correto? A doença não foi detectada em terras tupiniquins, nem usamos farinha de carne para rações; a segunda oportunidade é o incremento da exportação de outras carnes, mormente frango e até o apreciado suíno, enquanto o porco deles está febril; finalmente, ampliação da exportação de soja (não-transgênica), para uso direto como fonte protéica em alimentação humana, ou para substituir a farinha de carne. Em qualquer situação, uma oportunidade única de negócios, que pode não se repetir tão cedo, porque o elevado status sanitário e tecnológico do Brasil pode chegar à Europa, e eliminar a nossa vantagem competitiva!

A década (meio) perdida

Décio Luiz Gazzoni

Para quem almeja ser líder mundial dos agronegócios, a década de 90 teve um resultado pífio. Como esse espaço é limitado, vou me ater à soja, o mais expressivo dos agronegócios nacionais. A produção mundial cresceu mais de 50 milhões de toneladas nos anos 90, lastreada no aumento da demanda, com ênfase no sudeste asiático. O Brasil era o país que dispunha de vantagens comparativas para apropriar-se da maior parcela desse mercado adicional, o que não se concretizou. Os EUA incorporaram mais de 7 milhões de hectares à área de soja (30%), e a produtividade cresceu de 2.300 para 2.450 kg/ha (6,5%). A Argentina saltou de 4,2 para 9,3 milhões de ha (120%), com produtividade estabilizada em 2.500 kg/ha. Já o Brasil incorporou apenas 1 milhão de ha em 10 anos – média geométrica de 1,7% a. a. nos últimos 15 anos. Já a produtividade cresceu 28,8% nessa década, passando de 1.970 para 2.560 kg/ha, com picos localizados de 4.000 kg/ha.   Análise
Na década, a produção dos EUA cresceu 32 milhões de toneladas (quase um Brasil), da Argentina 11,5 milhões, e do Brasil 10 milhões. Como foi possível, se as vantagens comparativas estavam do nosso lado – área a expandir a baixo custo, capacidade empresarial e de processamento já disponível, insumos sem restrição de oferta, clima e base tecnológica adequados? A análise dos aspectos macro-econômicos e estruturais aponta as razões. Os EUA alavancaram sua produção via subsídios à produção e comercialização, garantindo a rentabilidade do agricultor quando as cotações internacionais foram deprimidas. A margem dos agricultores americanos deriva de subsídios e não do lucro operacional. Bem posicionados no mercado mundial de trigo e milho, os EUA modificaram sua Lei Agrícola, permitindo maior subsídio à cultura de soja, para manter sua posição no mercado. A Argentina expandiu sua produção à custa de reduções na área de sorgo, girassol e milho. Comparativamente ao Brasil, a Argentina tem solos mais férteis e planos, melhor estrutura de escoamento e tributação mais vantajosa. Quando a defasagem cambial pesou negativamente, a redução de custos, adveniente do uso de soja transgênica, permitiu uma sobrevida à sua produção.

Brasil
As vantagens comparativas em relação à área disponível e à base industrial foram anuladas pelo custo Brasil: problemas de política macro-econômica, inflação, crédito escasso e caro, forte defasagem cambial, distorções tributárias (realinhadas pela Lei Kandir) e deficiências na infra-estrutura de armazenagem, transporte e embarque nos portos, inviabilizaram maior participação no mercado. O que permitiu ao Brasil manter sua posição relativa foi a maior produtividade, alicerçada no avanço tecnológico, gerando o diferencial de competitividade. A vantagem do ganho de produtividade sobre a expansão de área é que aquele vem acompanhado de menor custo por unidade produzida, viabilizando financeiramente o agricultor, conferindo sustentabilidade ao negócio.
  Diferencial tecnológico
Após uma década, o Brasil produz 10 milhões de toneladas de soja (quase 17 milhões de sacas) a mais, em uma área equivalente. Logo, apenas dentro da porteira, o PIB agrícola foi incrementado em 3,5 bilhões de reais, não contados a agregação de valor e a demanda agregada de insumos e outros produtos ao longo da cadeia. O setor colheu os frutos do investimento em ciência e tecnologia de anos anteriores, o que lhe conferiu competitividade quando os demais fatores foram adversos. Compare o ganho de 3,5 bilhões de reais com os R$600 milhões do orçamento da Embrapa de 2000. A Embrapa trabalha com dezenas de cadeias agroprodutivas, através de milhares de projetos de pesquisa, gerando benefícios não apenas econômicos, mas de cunho social e ambiental. Por esse cotejo, o leitor terá a dimensão de como o investimento em ciência e tecnologia é uma das melhores aplicações dos recursos da sociedade. Não fosse o avanço tecnológico propiciado pela pesquisa agropecuária e a década poderia ter sido inteiramente perdida para os agronegócios.

Feliz Natá

Décio Luiz Gazzoni

São 6,30h da manhã, sol raiando, a cabeça cheia de coisas por fazer, tomo o caminho da Embrapa, dividindo os pensamentos entre soja, milho e café, pragas e clima. O fim do ano se aproximando, conta de chegar: será que cabe tudo o que tem por fazer dentro dos dias que ainda temos em 2000? No som do carro, Tonico e Tinoco vão desfiando seus lamentos. O pensamento voa, e não deixa de martelar na idéia de que vida sem stress é vida na roça. De repente me descubro cantarolando junto com eles – sem a mesma afinação, claro! E aí me veio a idéia brilhante de poupar os leitores de tantos problemas, críticas, reclamações e indicativos que essa coluna exibiu ao longo do ano. Você já deve ter ouvido muitas vezes, mas dessa vez reflita sobre o poema em forma de Toada em Sol maior de Athos Campos e Serrinha, que sintetiza o que perdemos ao migrar do campo para a cidade:

Eu não troco meu ranchinho
Marradinho de cipó
Pruma casa na cidade
Nem que seja bangaló
Eu moro lá no deserto
Sem vizinho eu vivo só
Só me alegra quando pia
Lá praqueles cafundó
É o inhambu-chitã e o xororó
É o inhambu chitã e o xororó!
Quando rompe a madrugada
Canta o galo carijó
Pia triste a coruja
Na cumiera do paió
Quando chega o entardecê
Pia triste o Jaó
Só me alegra quando pia
Lá praqueles cafundó
É o inhambu-chitã e o xororó
É o inhambu chitã e o xororó!
Não me dô côa terra roxa
Com a seca larga pó
Na baixada do areião
Eu sinto um prazer maió
Ver a rolinha rodá
No areião faz caracó
Só me alegra quando pia
Lá praqueles cafundó
É o inhambu-chitã e o xororó
É o inhambu chitã e o xororó!
Quando sei que uma notícia
Que um outro canta mió
Meu coração dá um balanço
Fica meio banzaró
Suspiro sai do meu peito
Que nem bala GVO
Só me alegra quando pia
Lá praqueles cafundó
É o inhambu-chitã e o xororó
É o inhambu chitã e o xororó!
Eu faço minha caçada
Bem antes de saí o só
Espingarda de cartucho
Patrona de tiracó
Tenho buzina e cachorro
Pra fazê forrobodó
Só me alegra quando pia
Lá praqueles cafundó
É o inhambu-chitã e o xororó
É o inhambu chitã e o xororó!
 
Feliz Natal a todos.


2051, uma odisséia na lavoura

Décio Luiz Gazzoni

João Pimenta das Neves acordou cedo, como todo o ciber-agricultor. No teto, o relógio a laser marcava 35,6781 horas (a reforma horária de 2020 dividiu o dia em 100 horas, de 100 minutos e 100 segundos cada). Levantou-se e o tapete conduziu-o ao compartimento de banho com gel de cactus, de propriedades rejuvenescedoras e estimulantes. Deitado na banheira, iniciou o diálogo com a TV de realidade virtual, tendo ao seu lado as imagens de Fátima Boa Nardes e Will Bobo relatando os fatos mais recentes e respondendo às suas dúvidas. O banho terminou mas os apresentadores seguiram até a sala de desejejum e para prosseguir o noticiário. A mesa era um painel interativo com uma seqüência de menus, onde João ordenou um chá de cladostridium (planta desenvolvida a partir de uma bactéria descoberta na ex-Amazônia), acompanhada de torradas enriquecidas com selênio, boro, armênio e capricórnio (os dois últimos elementos, de propriedades neuro-relaxantes, haviam sido recém descobertos), e fatias de maussego (planta criada com genes de maçã, uva e pêssego).

João desligou os apresentadores, acionou o piso rolante para dirigir-se à sala de teletransporte. Selecionou a fazenda Transponder e apertou o Send (o inglês era a língua única na Terra, todas os demais idiomas foram banidos na convenção de 2045 da OMC, realizada em Melakeshe). Reapareceu na sala de controle da fazenda, que se assemelhava às equivalentes das extintas usinas nucleares (94% da energia mundial está sendo provida por painéis de células fotossintéticas, derivadas de clorofila C4). Verificou a vedação da cúpula que cobria sua fazenda, para separá-la do sol tórrido. João lembrou da última chuva ácida que assistira, há 28 anos, quando o aquecimento global atingiu seu clímax, depois que os EUA boicotam o acordo de Kyoto.

Pelo canal de cotações fez seu leilão virtual no mercado globalizado. No momento, havia grande procura pelo hormônio alk-a-seltzer e por viagrin juvenil extra-forte, cotado a US$123/g. João fechou 13 contratos para entrega em 32 dias, o computador acusou o recebimento dos valores de venda na conta do cyber banco, e tratou de implantar a lavoura de imediato. A cadeira girou automaticamente e estacionou em frente a um painel onde se lia PLANT ASSEMBLER. O software interativo permite que o agricultor desenhe a planta que deseja cultivar a partir de um banco de genes disponibilizado pela Monopol Inc. João selecionou um conjunto de 12 alelos que codificam para viagrin, escolheu ciclo de 30 dias, altura de 24cm, legumes de 7 grãos, pressão de raízes de 7 bar, taxa de acúmulo de fotossintatos de 3g/min. Escolheu o substrato Bush-51 para encapsular o código genético e determinou a fabricação das sementes.

Definiu os 24 compartimentos que seriam utilizados para plantio, cada qual composto de uma área de 2 acres, regulou a temperatura para 74o. F, a umidade para 56%. Estabeleceu a curva de luminosidade para o gradiente de 250- 540 º K, e a mistura de gases para o padrão nutricional 23. No piso dos compartimentos mandou fluir a camada de gel nutritivo, reciclado a partir da cultura anterior. Programou a máquina da colheita dos grãos, selecionou as correias transportadoras, e determinou a seqüência de extração dos componentes na planta industrial anexa à lavoura. Verificou o checklist dos procedimentos de embalagem e teletransporte via Agronet para o supermercado virtual à conta dos compradores do lote. O computador redundante auditou os procedimentos e liberou o plantio.

João encerrou o trabalho, afinal já eram 37,3456 horas, e o expediente de trabalho estava limitado a 5 horas mensais desde a convenção da OIT assinada em Salvador, durante o Carnaval de 2024. Estava na hora de pensar na seqüência de suas férias, para descansar da dura faina da roça.

Aos agricultores de 2001, e aos demais leitores, essa coluna augura que a agricultura do futuro seja a concretização das suas expectativas.

 

Um cenário para 2001 (I)

Décio Luiz Gazzoni

A política econômica permanecerá focada na estabilidade da moeda, os efeitos do ajuste cambial de 1999 já foram absorvidos, e a maioria dos indicadores da conjuntura econômica interna é positiva – crescimento econômico, redução do desemprego, aumento da renda per cápita, estabilização da taxa de juros. O equilíbrio da balança comercial pode se transformar em superávit, superadas as pressões de importações localizadas, e as baixas cotações das commodities. Medidas estruturais são exigidas, como ajustes nas legislações trabalhista e tributária e na política de financiamento, além de ampliação da infra-estrutura, para transformar nossas vantagens comparativas em competitividade. As novas medidas de combate à sonegação aumentarão a arrecadação tributária, pelo maior risco da sonegação, e pela identificação de sonegadores no cruzamento da CPMF com tributos declaratórios, o que, conjuminado com a Lei de Responsabilidade Fiscal, deverá solver o desequilíbrio fiscal do Governo. A melhoria da renda nas classes C, D e E, e das contas governamentais, terá reflexo imediato no mercado de alimentos, pressionando o complexo agro-industrial com maior demanda interna.   A agropecuária
A safra 1999/2000 ultrapassará 85 milhões de toneladas, com 93 projetados para 2000/2001. Nos anos 90 a produtividade agrícola cresceu 57%, (1,53 para 2,41 ton/ha), lastreada em melhor tecnologia. Assim, apenas dentro da porteira, os agricultores apropriaram-se de renda adicional superior a US$5 bilhões/ano, 15 vezes o orçamento da Embrapa para 2001. Espera-se uma leve recuperação de preços das principais commodities, aliviando o sufoco da rentabilidade. Problemas sanitários enfrentados pelos países europeus sinalizam para oportunidades de colocação de produtos cárneos e proteínas vegetais na UE, abrindo um mercado extremamente protegido, que também é nosso competidor em terceiros países. Maior produção de aves e suínos para exportação implica em demanda adicional de milho e soja, pressionando as cotações. O alto preço do petróleo, e a redução dos estoques de álcool devem conferir novo impulso à cana de açúcar, enquanto o desejo expresso do Ministro da Agricultura de reduzir as importações de trigo pressupõe medidas de apoio à sua produção em regiões não tradicionais, menos suscetíveis às restrições que têm entravado a auto-suficiência.

O Mercosul
Fortes turbulências são esperadas para o próximo ano. Enquanto bloco, o Mercosul estacionou, decorrência das crises brasileira e argentina. O Brasil ergueu-se puxando os próprios cabelos, enquanto o país vizinho afunda em uma crise estrutural sem precedentes, preso na arapuca cambial, busca empréstimo de US$40 bilhões para postergar uma crise que só tem três saídas:
a – livre flutuação cambial, com pesados ônus políticos e econômicos, forte recessão e desemprego, e as decorrentes crises sociais, restringindo o mercado para importações e contaminando os vizinhos;
b – dolarização definitiva da economia, perdendo a soberania de definir a política macro-econômica e de outros setores, seguindo a reboque de decisões tomadas alhures;
  c – compensação da amarra cambial com modernização tecnológica e capacitação para obter ganhos de produtividade que compensem o gargalo cambial.
As duas primeiras alternativas podem materializar-se em 2001, a terceira é um processo de médio prazo. Em qualquer das situações, o Brasil sofrerá conseqüências pelas ligações comerciais com o vizinho, e pela retração do mercado internacional que não distingue entre países do Terceiro Mundo. O Chile cansou de esperar a decolagem do Mercosul, e iniciou conversações bilaterais para ingresso no NAFTA, bulindo perigosamente no cronograma da ALCA. Se o seu exemplo for seguido por outros países latino-americanos, o Brasil ficará isolado em sua posição de negociar a longo prazo a segunda onda da abertura da economia, exigindo o fim do entulho protecionista americano e perseguindo equalização competitiva com o irmão do Norte. Ao longo de 2001 essa questão será clareada.

Um cenário para 2001 (II)

Décio Luiz Gazzoni

Com um PIB de US$8,5 trilhões, os EUA são o motor e o leme da economia mundial. Fechamos 2000 discutindo o hard ou soft landing de sua economia ou o viés de baixa na taxa de juros do FED. Depois de dobrar a renda per cápita na última década, o BC americano entendeu haver um risco de erupção inflacionária embutido no crescimento do país, freando-o à custa de juros mais altos. Os indicadores americanos apontam para o final de um ciclo de crescimento, significando mercado mais contraído para importação, e drenagem da poupança mundial para suas fronteiras. Menor atividade na economia americana sinaliza para redução global do crescimento, pegando outras economias no contrapé – como a brasileira. Já a redução da taxa de juros do FED implica em menor custo da dívida externa brasileira, e maior margem de manobra fiscal do Governo.   Europa e Japão
A UE atravessa uma crise estrutural, pela resistência de países importantes, como Dinamarca e Reino Unido, em aderir à moeda única (fraco em relação ao dólar) e harmonizar macro políticas sociais e econômicas. Países ex-comunistas tem como meta de curto prazo aderir à UE, pela falta de eficiência produtiva nos agronegócios, herança do falido sistema que aboliu a propriedade privada, vendo no subsídio à agricultura uma sobrevida e uma fonte adicional de recursos. Obviamente esse cenário não nos interessa, pois reforçaria a posição de países já pertencentes à UE em prol do subsídio agrícola, pressionados ferozmente por seus agricultores. Por outro lado, a falta de escala, os problemas climáticos, e os contratempos sanitários devem frear a produção agropecuária na Europa, aliviando a pressão protecionista no curto prazo, e abrindo importantes espaços comerciais para países como o Brasil. Do ponto de vista econômico, o Japão patina há uma década, sem sinais de recuperação, o que permite antecipar que seu mercado continuará do mesmo tamanho.

O Mundo
Depois do Sudeste Asiático, Rússia e Brasil, o ataque especulativo chegou na Turquia e aliado à crise argentina, significará menor aporte de recursos de investimento ou financiamento de déficit em conta corrente no Brasil, reduzindo o investimento em atividades produtivas. A demanda por alimentos tem crescido sustentadamente em diversos países, em especial na Ásia, que têm restrições ao aumento da área plantada. A China é o país onde o Governo aprovou o maior número de variedades transgênicas (mais de 100), na busca de maior produtividade e estabilidade na produção de alimentos. A China é a 7a. economia mundial (PIB de US$ 1 trilhão), com renda per cápita de US$ 800, seu crescimento econômico deve manter-se, pressionando por ampliação da importação de alimentos. Programas de ajuda humanitária têm estado a reboque de grandes comoções, logo de previsibilidade imponderável quanto a seu impacto na demanda. A proposta da ASA ao USDA, de utilizar os recursos do subsídio ao preço mínimo da soja para ampliar as doações de soja e seus produtos a países miseráveis, pode reduzir estoques, aumentar as cotações e incentivar o plantio da safra seguinte.
  OMC
Mike Moore, Diretor Geral da OMC, ameaçou ir para a rua protestar contra as barreiras dos países ricos, que sufocam as economias lastreadas na agricultura. O futuro mostrará se a sua declaração esconde alguma sinalização séria, pois Mr. Moore é apenas o gerente da política da OMC, claramente delineada pelos países ricos. Os mesmos que doam em subsídios a seus agricultores mais do que o PIB de toda a África. O engate para valer da Rodada do Milênio ficou para 2001, com a agenda emperrada porque a UE não aceita colocar na mesa a discussão dos subsídios agrícolas, enquanto a maioria dos países não aceita encetar negociações desconectadas do subsídio. O cenário mais provável será de imutabilidade no curto prazo, com posições inegociáveis de ambas as partes. Em conclusão, a combinação dos diferentes fatores acima é que determinará o rumo que tomarão os agronegócios brasileiros em 2001.

Alimento é saúde

Décio Luiz Gazzoni

A geração dos anos 90 passará para a História como geração saúde, por apresentar hábitos mais saudáveis que as anteriores, em especial no tocante à prática de esportes. Os alimentos, base de uma vida saudável, passam a ser entendidos sob outros ângulos, e não somente fonte de energia e "material de construção" para o organismo. Substâncias presentes nos alimentos, em especial vitaminas e minerais tem ação direta sobre algumas funções do cérebro.

Anti depressivo
Alimentos ricos em ácido fólico previnem distúrbios mentais, da depressão à demência. É o que pode ser inferido de estudo da Universidade de Montreal, que descreveu a síndrome da deficiência do ácido fólico, que inclui sintomas como fadiga e distúrbios gastro-intestinais. Nesse estudo, pessoas com problemas psiquiátricos apresentaram teores baixos de ácido fólico. À medida em que o organismo envelhece, a necessidade de ácido fólico aumenta, e a suplementação da substância melhorou a memória de pessoas mais velhas. Nessa faixa de idade, foi verificado que o Mal de Alzheimer causa danos mais intensos na presença de baixos teores de ácido fólico, conforme estudo da Universidade de Kentucky. A tiamina (uma vitamina do complexo B) é essencial para a utilização da glicose pelo cérebro, que gera a energia disponível para as atividades mentais. Baixos níveis de tiamina podem causar perda de memória, apatia e demência. Pesquisas americanas indicam que 40% dos idosos que procuram hospitais americanos possuem deficiência dessa vitamina.
  Anti estresse
Mal da sociedade competitiva moderna, o estresse também pode ser decorrência do abuso de exercícios físicos. O estresse ainda é pouco compreendido pela ciência, e envolve teorias diversificadas, por vezes conflitantes. Um estudo do USDA demonstrou que jovens que receberam uma dieta rica em selênio apresentaram comportamentos mais animados, confiantes e enérgicos. Também foi demonstrado que o selênio tem um forte impacto sobre o cérebro. Baixos teores do mineral afetam o humor, estando associados com distúrbios causados na ação dos neurotransmissores, como serotonina, dopamina e acetilcolina, que fazem a ligação química dos impulsos elétricos entre os neurônios. A dose diária recomendada de selênio é de 70 microgramas, o que pode ser obtido com carnes (peixe, frango, boi), germe ou farelo de cereais ou levedura de cerveja.

Anti-oxidantes
A vitamina E foi considerada a antecessora do Viagra, por sua associação com vitalidade e energia. Ela neutraliza os radicais livres que afetam a membrana externa dos neurônios, e as membranas danificadas perdem sua funcionalidade, prejudicando as funções cognitivas do cérebro. Essa vitamina também se mostrou eficaz no combate ao Mal de Alzheimer, equivalendo seu tratamento aos resultados obtidos com o uso de medicamentos de ação comprovada sobre a doença. Presente em doses adequadas no organismo, a vitamina E adia os sintomas, ou evita em definitivo, o quadro de demência em pacientes submetidos a um estudo. A vitamina C também possui efeito anti-oxidante, e ação ativadora das funções cerebrais. Seu consumo regular afeta o desempenho em testes de inteligência, em função do estímulo. Frutas e verduras em geral, em especial com coloração verde escuro, são fontes de vitamina E, enquanto a vitamina C concentra em frutos ácidos, cítricos e na acerola.
  Equilíbrio
O princípio basilar da alquimia rezava que uma substância é veneno ou remédio, em função de sua dose, e continua sendo uma verdade científica. Existe uma amplitude desejável para os teores de vitaminas e sais minerais no organismo, e normalmente a melhor fonte são os alimentos, utilizando-se a suplementação apenas em casos especiais. A alimentação equilibrada e balanceada deve levar em conta não apenas os macro-elementos, como carboidratos, lipídios, protídios e fibras, como aqueles usados em baixas doses pelo organismo – vitaminas e minerais. Nesse caso, altas doses podem conduzir à toxidez, com efeitos deletérios sobre as funções orgânicas.

 

 

Vai uma galinha caipira, sô?

Décio Luiz Gazzoni

Lembra quando galinha andava solta, ciscando à cata de minhocas ou larvas de insetos? Beliscando restos de comida jogados no pátio? Por vezes um milho ou quirera, ao ritmo do pavloviano piu-piu-piu da dona da casa, pois horta e pequenos animais é com as mulheres da casa. Não existia galinha poedeira ou de corte, qualquer galináceo era pau para toda a obra. Pois é, sumiram né? Agora restaram apenas os mega-aviários, milhares de frangos confinados em um espaço em que é impossível ao animal coçar o rabo com o bico, temperatura e iluminação controladas, alimentação e medicamentos também, tempo de engorda marcadinho no calendário para maximizar o lucro na comercialização. Que por sinal é desse tamanhinho, só tem margem quem tem escala e uma administração primorosa. Será mesmo?   A Embrapa revisitando as raízes
A Embrapa não é apenas tecnologia de ponta, na fronteira da ciência, também se dedica a revisitar tecnologias "crioulas", nativas, naturais ou adaptadas à condição social ou étnica das comunidades. Por exemplo, a Embrapa está trabalhando junto às aldeias dos índios Krahô, de Tocantins, recuperando seus materiais genéticos e sistemas de cultivo, perdidos com o contato com os brancos. Graças ao banco de germoplasma do Cenargen, foi possível recuperar variedades de milho dos grupamentos indígenas, coletadas há tempos pelos pesquisadores. Esse e outros projetos de pesquisa objetivam a preservação da cultura original de determinadas comunidades, aprimorando sua tecnologia sem perder o foco original, que possa desvirtuá-la.
  E a galinha?
Pois é, aí entra a galinha caipira, a Embrapa 041, que tanto põe ovos quanto vira galinha ao molho pardo em dia de primeira comunhão. Feita sob medida para viver solta, com liberdade, a procissão de pintinhos piando ao redor da choca, que cisca o chão ensinando aos pintos como pescar, digo, como encontrar as minhocas. Mais que nostalgia, o novo produto é extremamente pragmático, ao conciliar a demanda dos consumidores, cada vez mais obcecados e seduzidos por alimentos naturais, livres do uso exclusivo de rações, antibióticos e similares, com a necessidade de pequenos produtores de agricultura familiar, sem capacidade de investimento e sem escala para ingressar na avicultura comercial especializada. Dessa forma, agricultores expulsos da avicultura comercial, reencontram o nicho onde podem operar de acordo com suas condições.

 

Lembra quando galinha andava solta, ciscando à cata de minhocas ou larvas de insetos? Beliscando restos de comida jogados no pátio? Por vezes um milho ou quirera, ao ritmo do pavloviano piu-piu-piu da dona da casa, pois horta e pequenos animais é com as mulheres da casa. Não existia galinha poedeira ou de corte, qualquer galináceo era pau para toda a obra. Pois é, sumiram né? Agora restaram apenas os mega-aviários, milhares de frangos confinados em um espaço em que é impossível ao animal coçar o rabo com o bico, temperatura e iluminação controladas, alimentação e medicamentos também, tempo de engorda marcadinho no calendário para maximizar o lucro na comercialização. Que por sinal é desse tamanhinho, só tem margem quem tem escala e uma administração primorosa. Será mesmo?   A Embrapa revisitando as raízes
A Embrapa não é apenas tecnologia de ponta, na fronteira da ciência, também se dedica a revisitar tecnologias "crioulas", nativas, naturais ou adaptadas à condição social ou étnica das comunidades. Por exemplo, a Embrapa está trabalhando junto às aldeias dos índios Krahô, de Tocantins, recuperando seus materiais genéticos e sistemas de cultivo, perdidos com o contato com os brancos. Graças ao banco de germoplasma do Cenargen, foi possível recuperar variedades de milho dos grupamentos indígenas, coletadas há tempos pelos pesquisadores. Esse e outros projetos de pesquisa objetivam a preservação da cultura original de determinadas comunidades, aprimorando sua tecnologia sem perder o foco original, que possa desvirtuá-la.

As características

Derivada das velhas conhecidas dos sitiantes, a Plymouth Rock White (branca) e a Rhode Island Red (vermelha), a galinha caipira tecnológica apresenta plumagem vermelha, sendo as fêmeas mais claras que os galos. O seu crescimento é lento, como convém a uma boa galinha caipira – aquela do "brodo" – podendo demorar até 3 meses para atingir 2,5 kg, o peso considerado ideal para o abate. Já um frango produzido em avicultura comercial raramente necessita de um mês e meio para atingir o peso de abate. Mas, até a rusticidade tem limites, e os pesquisadores da Embrapa descobriram que a vida da galinha pode ser dividida em três períodos de cerca de um mês.   Os melhores resultados são obtidos quando os pintos com até 4 semanas de idade são arraçoadas em separado, mantendo-se um controle da temperatura ambiente e do estado sanitário. A segunda fase vai até os dois meses de idade, e é chamada de fase de crescimento. O último mês já é o da liberdade, ao menos durante o dia, recolhendo-se ao galpão durante a noite. A comida já pode ser bem diversificada, desde o que a ave catar em suas andanças, até grãos, hortaliças, pasto picado, confrei ou rami, suplementada com ração. A carga genética, e o sistema de manejo deixam a pele da galinha com aquela cor amarelada de frango do sítio, a carne tem menor teor de gordura, e a musculatura é mais consistente. Uma dica para quem quiser provar a galinha caipira da Embrapa: a Comaves, empresa de Londrina, possui uma linha comercial baseada na Embrapa 041. Experimente e mate a saudade da galinha da vovó.

O agronegócio no contexto do PIB brasileiro

Décio Luiz Gazzoni

A ABAG (Associação Brasileira de Agribusiness) encomendou um estudo de Nunes & Contini, para obter informações atualizadas sobre o tema. Os autores assumiram o conceito da Universidade de Harvard sobre o agronegócio, que é a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas; as operações de produção nas unidades agrícolas; e o armazenamento , processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos por eles. Para obter os valores monetários referidos no conceito, os autores utilizaram as contas nacionais, que é um conjunto de contas, balanços e quadros sintéticos, além da Matriz de Insumo-Produto relativa ao ano de 1996, que é a última disponibilizada pelo IBGE. O trabalho completo se encontra em www.abag.com.br.   Desdobramentos
Os agronegócio desdobram-se em I) antes da porteira, que compreende os insumos para a produção; II) dentro da porteira - a produção agropecuária; III) Pós porteira, que trata da agroindústria e serviços. Nesse caso, é importante separar as atividades que tratam apenas de produtos agropecuárias (frigoríficos, usina de açúcar, fábrica de rações, indústria de óleos, etc), daquelas em que produtos agropecuários constituem parte dos insumos (setor têxtil, mobiliário, indústria calçadeira, etc.). Nesse último caso, foi considerado para avaliar a sua participação no agronegócio o mesmo percentual de produtos agropecuários usados como insumo para obter o valor final da produção. Cada componente desse desdobramento é sub-dividido em valor final, consumo intermediário e valor agregado.
  Antes da porteira
O valor global da produção antes da porteira atingiu R$15 bilhões, sendo a maior contribuição proveniente de adubos e agrotóxicos (56%) e combustíveis e lubrificantes (17%). O valor do consumo intermediário desse componente, que inclui matéria prima para fertilizantes e agrotóxicos e para o refino do petróleo, ultrapassou a R$9 bilhões, o que significa 61% do valor final do componente. Já o valor agregado do componente foi estimado em R$6.2 bilhões para a área de insumos e de máquinas, implementos e equipamentos. Importante salientar que esse segmento possui baixa demanda de mão de obra, pela escala, alta produtividade do trabalho e pelo índice de automatização, empregando 242 mil pessoas, cerca de 1% do conjunto dos agronegócios. Em seu conjunto, esse setor produz R$62 mil por empregado.

 

Dentro da porteira
O Valor da Produção da Atividade Agropecuária atingiu R$96 bilhões. Os produtos com maior valor foram bovinos e suínos (R$10,3 bi), leite (6 bi), cana de açúcar (5,4 bi), soja (5 bi), milho (4,7 bi), aves (4,2 bi) e café em coco (4 bi). O restante (46 bi) é proveniente de trigo, feijão, sorgo, outros grãos, hortaliças e frutas. O Consumo Intermediário da Agropecuária equivale a 40% do Valor da Produção. Determinados produtos agropecuários também são insumos dentro da porteira (milho ou soja para rações, processamento de leite e café na fazenda, etc.). O Valor Adicionado equivaleu a 60% do Valor da Produção. O pessoal ocupado na fazenda era de 14 milhões de pessoas, ou 61% da mão de obra do agronegócio, o que significa dizer que cada pessoa produz o equivalente a R$9 mil/ano.
  Depois da porteira
As atividades exclusivas do agronegócio (papel, café, beneficiamento de vegetais e animais, etc.) renderam 95 bi, o valor adicionado foi de 31 bi, empregando 1,9 milhões de pessoas (produção de R$65 mil per cápita/ano). Já as atividades produtivas contempladas parcialmente no agronegócio renderam R$49 bi, com 16,6 bi de valor adicionado, empregando 3 milhões de pessoas. A área de serviços que interfaceia com o agronegócio (comércio, transporte, serviços públicos, etc.) gerou uma produção de 41 bi, com valor adicionado de 23 bi e gerando 3,7 milhões de empregos. Os autores concluem que o PIB do agronegócio equivaleu, em 1996, a 20,6% do PIB nacional.

Porto Alegre, Davos ou nenhum?

Décio Luiz Gazzoni

Não por ser gaúcho, mas estou com uma pequena queda por Porto Alegre. Agora, lá no recôndito da alma, acho que ainda estamos longe de uma proposta consolidada que solva todas as angústias que afetam a sociedade mundial. Davos já é um palco histórico de discussão das teorias e tendências econômicas mundiais. Nada decide, mas muito influencia. O encontro só mereceu a atenção da mídia e dos leigos do mundo inteiro, quando as ONGs resolveram rotular Davos como o Lúcifer que havia parido a globalização, por sua vez matriz de todos os males que afligem a Humanidade. Com algum esforço pode-se efetuar ilações remotas dessa ordem, eis que Davos está mais para Academia do que para determinador de rumos globais. A contestação a Davos cristalizou-se no Fórum Social de Porto Alegre, contraponto ao Fórum Econômico (selvagem?) de Davos.   Davos
Trata-se de um encontro de cientistas políticos, economistas, formuladores de políticas públicas para discutir conjunturas, analisar o passado, aventar cenários e tendências. Seu principal desdobramento tem sido influenciar lideranças públicas e privadas em direção a determinados rumos de consenso, ou apresentados com muita convicção no foro. A globalização não é filhote de Davos, mas foi lá discutida muitas vezes, e muitos dos rumos e desdobramentos que assumiu foram gestados a partir de suas discussões ou por participantes do evento. Tem a velha piada de que o olho de vidro do banqueiro é aquele que chora, e o estereótipo de que todo o economista é um insensível social. Em decorrência, não seriam esperadas propostas socialmente justas em Davos. O que não está muito longe da verdade, porém não é a verdade completa.

Porto Alegre
O contraponto seria a discussão e a proposição de políticas globais mais justas, equânimes, com oportunidades iguais, sem o domínio do poderoso sobre o apoderado. Sem dúvida, transbordam motivos para questionamentos e proposituras que, se não obnubilem, ao menos corrijam rumos e atentem para as implicações sociais de qualquer política econômica. Esse mérito ninguém pode tirar dos organizadores do Fórum Social Mundial, porém a impressão que o mesmo me deixou foi de um grande convescote, com odor démodé saudosista dos anos 60, composto de tantas idéias, facções ou propostas quantos eram seus participantes, uma anarquia que impediu consolidar um documento síntese do evento. Tive a pachorra de assistir integralmente ao tele-debate (mal traduzido) entre membros dos dois fóruns, com resultado frustrante, pelas acusações co-laterais, e pelo vácuo de propostas e intenções claras de reordenamento mundial. O ponto mais baixo do Fórum Social, sem dúvida, foi elevar à condição de herói Monsieur José Bové, lídimo representante do establishment agrícola mais retrógrado da Europa, ferrenho defensor dos privilégios dos agricultores franceses, subsidiados ao extremo, única forma possível de manter agricultores ineficientes no mercado competitivo, o que tem condenado à eterna pobreza países agrícolas como o nosso.
  Nenhum?
Livre-me Deus da pretensão de ser oráculo de Delfos, mas nem Davos nem P. Alegre contribuiu para um mundo melhor. Propostas claras, exeqüíveis, consensuadas de tornar o mundo mais justo, sem qualquer retrocesso, sequer roçaram ambos os eventos: se eram justas eram inexeqüíveis e vice-versa. Minha visão, de espírito aberto e distante da emoção da capital gaúcha e da frieza acadêmica de Davos é a seguinte: é importante um regulamento internacional de proteção de patentes, da propriedade intelectual, da segurança do capital, da tecnologia, do patrimônio? Sim, é. É importante a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Sim é. Pois bem, apliquemos todas, porém com a clareza de que qualquer direito não pode se sobrepor ao direito à alimentação, à moradia, à saúde, a uma vida digna. Como conciliar os antípodas é o desafio da nossa geração. E não será arrancando pés de soja de experimentos científicos que vamos atingir esse objetivo.

 

 

 

 

Louca é a vaca?

Décio Luiz Gazzoni

O Canadá justifica sua atitude de proibir o consumo de carne brasileira para proteger a sua população da BSE (Encefalopatia Espongiforme Bovina), de conformidade com as normas da OMC. A convenção de Marrakesh, que criou a OMC, é lastreada em 14 acordos setoriais, sete deles afetos à agricultura, in casu o mais importante sendo o SPS (Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias). Transcrevo ipsis litteris virgulisque excertos do SPS em espanhol (http://www.digesa.sld.pe/comexter/normafit.html):

Acuerdo sobre la aplicación de medidas sanitarias y fitosanitarias

(Introducción) - Los Miembros, reafirmando que no debe impedirse a ningún Miembro adoptar ni aplicar las medidas necesarias para proteger la vida y la salud de las personas y los animales o para preservar los vegetales, a condición de que esas medidas no se apliquen de manera que constituya un medio de discriminación arbitrario o injustificable entre los Miembros en que prevalezcan las mismas condiciones, o una restricción encubierta del comercio internacional;

(Art 2.) Los Miembros se asegurarán de que cualquier medida sanitaria o fitosanitaria sólo se aplique en cuanto sea necesaria para proteger la salud y la vida de las personas y de los animales o para preservar los vegetales, de que esté basada en principios científicos y de que no se mantenga sin testimonios científicos suficientes.

O acordo que assinamos por adesão, uma forma educada de dizer que os países ricos no-lo impuseram, determina que medidas sanitárias não devem ser adotadas de forma a discriminar arbitrária ou injustificadamente outros países membros, que causem restrições disfarçadas ao comércio internacional, ou exarar medidas sem fundamentação científica. Será?

 

  Dono da bola
No meu tempo de piá pobre, a pelada era na rua, e a bola pertencia ao guri "rico", via de regra um perna-de-pau. Na dúvida se foi falta, impedimento ou gol, o dono metia a bola embaixo do braço e anunciava a sua decisão. Os demais a acatavam sem restrições, ou a pelada acabava. Não interessa o risco de BSE no Brasil (aliás, considerado pela OIE de menor risco que o Canadá), porque essa questão é adjetiva. Não importa se o Brasil subsidia via Proex a Embraer ou não – até porque imagino que os recursos anuais para equalização de juros internacionais do Proex, para todos os produtos exportáveis, não passa de US$2 bilhões. Contraste com os subsídios à agricultura dos países ricos (US$400 bilhões) e dúvidas não restam sobre a marginalidade da questão. Ou seja, as regras impostas pelos países ricos devem ser obrigatoriamente cumpridas pelos pobres, porem não necessariamente por quem as impôs. Se as regras prejudicam países ricos, então elas deixam de ser aplicáveis (aos ricos, claro!), ou devem ser mudadas. Exemplo didático são os subsídios acima, pois o Acordo de Agricultura determinou sua redução gradual até 2002. Entre os países pobres quase não havia subsídio, e o que havia foi eliminado, ao contrário dos países ricos que aumentaram seu protecionismo.
  A questão substantiva
O cerne da discussão é que um país fora do clube dos ricos levou bola preta. No caso o Brasil, porque ousou desenvolver tecnologia aeronáutica própria, altamente competitiva, a ponto de tornar-se um risco para o monopólio do comércio de aeronaves, dominado por três ou quatro indústrias de países ricos. Esse é o ponto, e final. A Embraer não é competitiva pelos subsídios – retire-se os subsídios de ambas as partes, e o custo/benefício dos produtos Embraer continuará superior, e vencerá a maioria das concorrências transparentes, porque é de melhor qualidade e melhor atende os anseios dos clientes. Só que isso não estava previsto no acordo da OMC, portanto o Brasil – e qualquer outro país emergente que se meter a besta – deve ser punido até recolher-se à sua insignificância, pois a OMC é uma organização para manter o status quo e aprofundar a injusta distribuição da riqueza mundial. Só na parábola bíblica Davi vence Golias, na prática "dos cobardes brasileros asesinaron 33 valientes uruguayos en la guerra". Depois dizem que louca é a vaca!

Conto do vigário

Décio Luiz Gazzoni

O GATT (1947) tinha o objetivo de organizar o comércio internacional. Os principais temas foram tratados em rodadas, e a última delas, a Rodada Uruguai, (1986/93), criou a Organização Mundial de Comércio (OMC), para liberalizar o comércio internacional, livre de dumpings, barreiras técnicas, preferências, altas taxas de importação, subsídios, e outros artificialismos. Os países ricos impuseram à força os leoninos acordos da OMC, no caso de produtos industrializados, de alto valor agregado, com tecnologia de ponta. O tema mais polêmico foi o protecionismo agrícola e seus impactos negativos sobre o comércio. Em abril de 1994, 123 paises assinaram em Marrakech, o acordo sobre agricultura com vigência de 9 anos, fixando regras de conduta, disciplinas e procedimentos para solucionar disputas comerciais. Foram fixados um teto para os subsídios agrícolas, e níveis mínimos de acesso aos mercados dos paises ricos.   A teoria
Pelo acordo, todos os países se obrigavam a competir lealmente, e os subsídios dos países ricos à agricultura deveriam diminuir 36% (mínimo de 15% por produto) até 2003. A ajuda interna deveria cair 20%, o valor das subvenções 36% e o volume subsidiado 21%. O Brasil, e os demais países pobres, cumpriram o acordo à risca, de forma mais realista que o rei. Ainda está na nossa memória a desgravação das importações em geral, e dos produtos agrícolas em especial, que quase acabou com a nossa agropecuária. O crônico déficit de recursos oficiais no Brasil já havia eliminado subsídios agrícolas há décadas. O acordo agrícola foi cumprido?

A prática
Apenas os países pobres, que via de regra tem suas exportações lastreadas na agricultura cumpriram-no. Os países ricos, pasmem os senhores, aumentaram o volume de subsídios, desdenhando da boa fé dos demais, demonstrando toda a sua arrogância em usar dois pesos e duas medidas, desrespeitando as normas que impuseram ao mundo. O relatório de 1999 da OCDE (clube dos países ricos) demonstra que Japão, Noruega, Suíça e Coréia do Sul aumentaram os subsídios agrícolas para 65% do valor da produção agrícola, a União Européia para 50% e os EUA para 24%. Tudo isso sobre uma base vergonhosa de subsídios equivalentes a US$1 bilhão/dia, à época da assinatura do acordo. Mais que o PIB da África pobre. E recusam-se terminantemente a discutir o assunto, a ponto de melar a Rodada do Milênio da OMC iniciada em Seattle, não aceitando a proposta de uma agenda prévia, embora o acordo agrícola firmado obrigasse a rediscussão do assunto antes dos 9 anos de sua vigência.
  O que nos restou
A empulhação da vaca louca resume tudo – inventa-se uma história sem fundamento, prejudica-se um país, e tudo fica por isso mesmo. Restou-nos a raiva e a frustração do logro, apanhados no mais legítimo conto do vigário, ou do bilhete premiado. Em sua passagem por Londrina, em dezembro passado, o Ministro Pratini de Morais, entre roxo de raiva e vermelho de frustração propugnou que a Rodada do Milênio seja mantida em banho-maria, até os países ricos admitirem discutir os subsídios agrícolas. Não resta muito a fazer além do jus sperniandi, em estreita articulação e sintonia fina com outros países prejudicados. Os países ricos subsidiam porque tem muito dinheiro para faze-lo, a agricultura é uma fração do seu PIB, o lobby (dos ociosos) agrícola é organizado e poderoso, o desemprego urbano é alto, é mais barato prover infraestrutura no campo, seus agricultores são viciados em subsídios e incapazes de competir em um livre mercado, de onde seriam alijados rapidamente. Altos estoques derrubaram o preço dos produtos agrícolas, obrigando os governos desses países a injetar mais subsídios, travestidos com um discurso de fundo ecológico, qualidade de vida, segurança alimentar e multifuncionalidade da agricultura. Uma vaca de país rico "ganha" mais de US$2.000/ano, acima da renda média da população mundial. Para nós, sorry periferia, sobrou pagar o salário da vaca rica e o mico do conto do vigário.

Renegociando o Acordo Agrícola

Décio Luiz Gazzoni

Deveria haver uma placa da porta da OMC, com a mesma inscrição da porta do Inferno (Livro 3 da Divina Comédia de Dante Alighieri) "Lasciate ogni speranza voi ch’entrate" (vós que entrais deixai toda a esperança). Após 6 anos de vigência da OMC e de seus Acordos, o comércio internacional tornou-se mais injusto, aprofundou-se o fosso entre ricos e pobres, os espaços comerciais de quem não detém capital e tecnologia são cada vez mais exíguos. Abundam exemplos de dois pesos e duas medidas utilizado pelos países ricos, porém fixemo-nos no debate do mês: multinacionais de fármacos exigem a aplicação integral das convenções de patentes, redundando em preços absurdos e abusivos por remédios, enquanto populações são dizimadas por epidemias que vão da malária à AIDS. Na África do Sul o embate indústria e governo chegou às barras dos tribunais. O Brasil está sendo interpelado na OMC por ameaçar quebrar a proteção de patentes de medicamentos anti-AIDS, caso os detentores insistam em valer-se do monopólio para imporem preços absurdos, inviabilizando o programa brasileiro de combate a AIDS. Esse programa é considerado um exemplo de sucesso no Mundo, e a OMS tem recomendado sua emulação por outros países.   O outro lado
Não ouse insinuar discussão de direitos adquiridos de países ricos! Também não ouse exigir deles o cumprimento das cláusulas por eles impostas, que tornariam o comércio internacional leal, por conseqüência a vida no Planeta mais justa – caso típico dos subsídios agrícolas. Ainda está viva na memória a meleca em que foi transformada a reunião de instalação da Rodada do Milênio, vez que os países ricos não admitiram negociar os subsídios agrícolas. Relembrando, são os mesmos países que impuseram a redução dos subsídios em 36% na primeira etapa (2003), repactuando nova redução antes dessa data. Não cumpriram o que impuseram e, ao contrário, verifica-se um aumento no protecionismo desses países entre 1994 e 1999.

As posições
A OMC não é uma, existem correntes. A que tem imposto sua posição é composta de 22 países ferrenhamente protecionistas, liderados pela União Européia, Japão e Coréia. Os países de tendência protecionista (10 países ex-comunistas) e os 85 países mais pobres do mundo aliam-se estrategicamente para barrar qualquer mudança. Os protecionistas porque são incapazes de sobreviver num ambiente de comércio livre, razão pela qual injetam quase US$400 bilhões/ano na sua agropecuária sem competitividade. Os ex-comunistas, ansiosos por ingressar na União Européia, não vêem saída para a sua raquítica agricultura à margem dos subsídios europeus. Os países muito pobres porque vivem das migalhas e esmolas dos protecionistas, cooptados por conta de sua miséria e fome. Os EUA dizem ter tendência liberal, exigindo que os demais países eliminem seus subsídios primeiro. Restaram 15 países liberais (África do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Fidji, Filipinas, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paraguai, Tailândia e Uruguai), o grupo de Cairns, que entendem não haver solução possível para um mundo justo na ausência de um comércio sem subsídios, quotas, sobretaxas ou barreiras.

 

  Renegociação
Meu amigo Adauto Rodrigues, Chefe da Divisão de Assuntos Sanitários da OMC no MA recorda haver ouvido do negociador canadense Randy Benoit "...la raison du plus fort est toujours la meilleure!" (o argumento do mais forte é sempre o melhor). Essa ótica determinou o fracasso da reunião de Seattle. Agora, no comitê agrícola da OMC, o grupo de Cairns tenta reavivar o espírito do livre mercado, centrando nas seguintes propostas: eliminação dos atuais subsídios (mínimo de 50% já no primeiro ano) à exportação e proibição de novas formas; fórmulas rígidas para evitar interpretações que possam burlar a proibição; eliminação de subsídios em ações acessórias de burla do livre mercado, como créditos de exportação, garantias, seguros, etc. Se for bem sucedido, pode-se esquecer momentaneamente a inscrição na porta.

Resistência de pragas a agrotóxicos

Décio Luiz Gazzoni

Em 1991, em visita a países da Europa, fiquei surpreendido com a constatação de que parcela ponderável da área destinada a plantio de cereais notadamente na Inglaterra e na França, estava condenada ao pousio ou plantio de essências florestais, devido à resistência de pragas a agrotóxicos. Esse problema foi gerado pelo uso intensivo e inadequado de produtos químicos, calcado em duas vertentes: por um lado a falta de consciência ecológica e o desconhecimento dos efeitos colaterais dos agrotóxicos; de outro o famigerado subsídio agrícola (novamente ele!), que artificializa preços e custos e move o ponto de máxima eficiência técnica para a proximidade da máxima eficiência econômica, de maneira que sempre compensa aplicar mais insumos (custeados pelo governo), mesmo com retorno pífio em produção ou qualidade.   A vingança da Natureza
A toda a ação corresponde uma reação, de mesma intensidade e de sentido contrário, postula a terceira Lei de Newton. A lei da Física aplica-se à Biologia, e os fungos e plantas daninhas que os agricultores tentaram varrer do mapa europeu buscaram lá no recôndito do seu código genético a arma que precisavam para sobreviver: um mecanismo de adaptação ao veneno, em que enzimas se encarregam de transforma-lo em produtos inócuos. Dessa forma, essas pragas mais parecem um caminhão sem freios, em uma descida forte, aumentando sua população exponencialmente. Incapazes de controlar alguns fungos ou ervas daninhas, os agricultores ficaram impedidos de cultivar cereais. Mas a espada não se abateu apenas sobre europeus, pois os cotonicultores chinês travam a mesma batalha para produzir algodão, após haverem aplicado agrotóxicos em demasia para o controle de Heliothis. Agora não há inseticida que controle o inseto, ameaçando a continuidade da cultura no país. Os americanos, símbolo da eficiência, enfrentam dezenas de casos de resistência a agrotóxicos. Em um deles, na região de Long Island, apenas o custo de controle de um besouro que ataca a batata – e que adquiriu resistência a piretróides, chegou a quase R$ 2 mil por hectare, sem evitar perdas de 50%.

 

Os fatos
Até recentemente, quando uma praga desenvolvesse resistência a uma classe de inseticidas, já havia uma nova classe sendo desenvolvida, e o problema era resolvido momentaneamente. Hoje em dia essa solução não é mais possível, por diversos motivos como: investimento elevado para o desenvolvimento de novas moléculas, alto custo dos agrotóxicos de última geração, resistência cruzada, que significa que a resistência desenvolvida para um agrupamento de agrotóxicos é manifestada na presença de outro agrupamento, de modo de ação assemelhado, etc. Mesmo para os agrotóxicos de última geração, já existem populações de pragas resistentes. Inclusive no campo da engenharia genética o fenômeno pode ser observado, constituindo-se em um dos entraves para o estudo de cultivares resistentes a insetos, pois o desenvolvimento de resistência à substância química presente na planta, que efetua o controle do inseto, inviabiliza o uso daquela variedade para o fim proposto.
  Desenvolvimento da resistência
A resistência segue a mesma lógica da criação de novas variedades de plantas, ou seja, segue um processo de seleção. Quando existe um uso excessivo de agrotóxicos, aplicados em altas doses, com freqüência superior à necessidade, em momentos inadequados, deflagra-se um processo de seleção, em que os indivíduos da praga menos aptos a sobreviver naquele ambiente efetivamente morrem. Entretanto, os espécimes sobreviventes estão adaptados a essa condição adversa, e quanto maior for a pressão de seleção, maior será o número de indivíduos que sobreviverá, gerando uma população da praga que convive sem problemas com a presença do agrotóxico, sem que esse manifeste sua ação de controle. Uma vez desnvolvida a resistência, o caminho de retorno é caro e penoso, razão pela qual o agricultor deve sempre prevenir o seu surgimento.

Louca seria a vaca?

Décio Luiz Gazzoni

Deu na Agência Estado do dia 2 de março de 2001:
Bush promete "linha dura" no comércio agrícola

São Paulo - O presidente dos EUA, George Bush, afirmou que adotará uma política de "linha dura" no comércio de produtos agrícolas. Durante a cerimônia de posse da secretária da Agricultura, Ann Veneman, em Washington, Bush declarou: "Eu vou levar esta mensagem ao mundo: os mercados têm de ser abertos. Os EUA não vão tolerar favoritismo e subsídios injustos". Bush disse que os EUA querem "competir num terreno neutro". "A agricultura não mais será ignorada ou menosprezada quando nos sentarmos às mesas de negociação internacionais. Esta será uma prioridade máxima para nós", afirmou. De acordo com o presidente, a agricultura representa 13% da economia norte-americana. Bush também prometeu agir rapidamente quando os agricultores dos EUA precisarem de ajuda financeira do governo. "Em tempos de emergência, eles conseguirão a assistência de que precisarem, quando precisarem", acrescentou.

Urge alertar o presidente Bush que os EUA subsidiam injustamente sua agricultura, impõem cotas, sobretaxas, barreiras diversas, incluindo sanitárias, sem o devido fundamento. Caso o presidente Bush aplicasse a prescrição em seu país, contribuiria para um mundo melhor. Além de ser contraditório pregar mercado aberto, demonstrar intolerância com subsídios injustos enquanto promete manter os subsídios americanos a produtos agrícolas, travestidos de assistência a qualquer preço.

No Reino Unido
Ao invés de mea culpa, os fleumáticos britânicos pretendiam proibir as importações de carne brasileira, sob o pretexto de que os focos de febre aftosa em seus rebanhos teriam sido ocasionados por carne importada do Brasil. Os fatos não interessam, os países ricos impingem sua visão unilateral, valendo a versão que lhes for conveniente no momento, renegando-a no instante seguinte para prosseguir auferindo benefícios. Demonstrada sua incompetência científica, técnica, regulatória e operacional, não seria mais conveniente aos súditos de Sua Majestade solicitarem auxílio ao Brasil, onde os focos de febre aftosa comprovadamente escasseiam ano após ano? Onde nunca houve risco de vaca louca nos rebanhos e, seguramente, nunca haverá um caso?
  Teoria
A Organização Mundial de Comércio foi criada com o fito de liberalizar o comércio internacional, caracterizado pela ausência de dumpings, barreiras técnicas, preferências, altas taxas de importação, subsídios e outros artificialismos. Os países ricos impuseram os leoninos acordos da OMC, para produtos industrializados, de alto valor agregado, com tecnologia de ponta por eles dominada. O tema mais polêmico foi o protecionismo agrícola e seus impactos negativos sobre o comércio. O acordo sobre agricultura fixou regras de conduta e procedimentos para solucionar disputas comerciais, teto para os subsídios agrícolas, e níveis mínimos de acesso aos mercados dos paises ricos. Os signatários se obrigavam a competir lealmente, e os subsídios dos países ricos à agricultura deveriam diminuir 36% (mínimo de 15% por produto), até 2003. A ajuda interna deveria cair 20%, o valor das subvenções 36% e o volume subsidiado 21%.
  Prática
Apenas os países pobres, com exportações lastreadas na agricultura, cumpriram o Acordo. Os países ricos, pasmem os senhores!, aumentaram o volume de subsídios, desdenhando da boa fé dos demais, demonstrando sua arrogância ao valer-se de dois pesos e duas medidas, desrespeitando as normas que impuseram ao mundo. O relatório de 1999 da OCDE demonstra que Japão, Noruega, Suíça e Coréia do Sul aumentaram os subsídios agrícolas para 65% do valor da produção agrícola, a União Européia para 50% e os EUA para 24%. Sobre uma base vergonhosa de subsídios de US$1 bilhão/dia, em 1994. Mais que o PIB da África pobre. E recusam-se terminantemente a discutir o assunto, a ponto de inviabilizar a Rodada do Milênio iniciada em Seattle, não aceitando uma agenda prévia, embora o Acordo Agrícola obrigasse a rediscussão do assunto antes de 9 anos de sua vigência.

  A vaca louca
Ridícula e estapafúrdia foi a justificativa canadense para a proibição de comercialização e consumo de carne brasileira, supostamente para proteger a sua população da BSE (Encefalopatia Espongiforme Bovina). A bíblia das questões sanitárias da OMC é o SPS (Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias). Transcrevo ipsis litteris excertos do SPS (http://www.digesa.sld.pe/comexter/normafit.html):
 

Acuerdo sobre la aplicación de medidas sanitarias y fitosanitarias

(Introducción) - Los Miembros, reafirmando que no debe impedirse a ningún Miembro adoptar ni aplicar las medidas necesarias para proteger la vida y la salud de las personas y los animales o para preservar los vegetales, a condición de que esas medidas no se apliquen de manera que constituya un medio de discriminación arbitrario o injustificable entre los Miembros en que prevalezcan las mismas condiciones, o una restricción encubierta del comercio internacional;  

(Art 2.) Los Miembros se asegurarán de que cualquier medida sanitaria o fitosanitaria sólo se aplique en cuanto sea necesaria para proteger la salud y la vida de las personas y de los animales o para preservar los vegetales, de que esté basada en principios científicos y de que no se mantenga sin testimonios científicos suficientes.

O SPS determina que medidas sanitárias não devem ser adotadas para discriminar arbitrária ou injustificadamente outros países membros, que causem restrições disfarçadas ao comércio internacional, ou exaradas sem fundamentação científica.

Dono da bola
No meu tempo de piá, a bola da pelada pertencia ao "guri rico", via de regra um perna-de-pau. Na dúvida se foi falta, impedimento ou gol, o dono metia a bola embaixo do braço e anunciava sua decisão. Os demais acatavam-na sem restrições, ou a pelada acabava. No mundo adulto, não interessa o risco de BSE no Brasil (considerado pela OIE de menor risco que o Canadá), por ser questão adjetiva. Não importa se o Brasil subsidia via Proex a Embraer ou não – os parcos recursos anuais para equalização de juros do Proex alcançam US$2 bilhões. Contraste com os subsídios à agricultura dos países ricos (US$400 bilhões) e dúvidas não restam sobre sua marginalidade. Importa que as regras impostas pelos países ricos devem ser obrigatoriamente cumpridas pelos pobres, porém não por quem as impôs. Se as regras prejudicam países ricos, então elas não são aplicáveis (aos ricos, claro!), ou devem ser mudadas. O Acordo de Agricultura determinou a redução gradual dos subsídios até 2002. Entre os países pobres quase não havia subsídio, e o que havia foi eliminado, ao contrário dos países ricos que aumentaram seu protecionismo.
  A questão substantiva
O cerne da discussão é que um país fora do clube dos ricos levou bola preta, porque ousou desenvolver tecnologia aeronáutica altamente competitiva, a ponto de tornar-se um risco para o monopólio do comércio de aeronaves, dominado por indústrias de países ricos. Esse é o ponto, e final. A Embraer não é competitiva pelos subsídios – retire-se os subsídios de ambas as partes, e a Embraer vencerá a maioria das concorrências transparentes, porque seu produto é de qualidade superior e melhor atende os anseios dos clientes. Como o script da OMC não prevê essa inversão de valores, qualquer país emergente que se meter a besta deve ser punido até recolher-se à sua insignificância. As regras atuais visam manter o status quo e aprofundar a injusta distribuição da riqueza mundial, não permitindo "alpinismo" comercial. Meu amigo Adauto Rodrigues, Chefe da Divisão de Assuntos Sanitários da OMC no MA, recorda haver ouvido do negociador canadense Randy Benoit "...la raison du plus fort est toujours la meilleure!" (o argumento do mais forte é sempre o melhor). O diplomata soía citar a inscrição da porta do Inferno (Livro 3 da Divina Comédia de Dante Alighieri) "Lasciate ogni speranza voi ch’entrate" (vós que entrais deixai toda a esperança). Alguma semelhança com o affair vaca louca?

O que nos restou

A  empulhação da vaca louca resume tudo – inventa-se uma história sem fundamento, prejudica-se um país, e tudo fica por isso mesmo. Restou a raiva e a frustração do logro, apanhados no mais legítimo conto do vigário, ou do falso bilhete premiado. Passando por Londrina (PR), em dezembro passado, o Ministro Pratini de Morais, entre roxo de raiva e vermelho de frustração propugnou que a Rodada do Milênio seja mantida em banho-maria, até que os países ricos admitam discutir os subsídios agrícolas. Pouco resta além do jus sperniandi, em estreita articulação e sintonia fina com outros países prejudicados.   Os países ricos subsidiam sua agricultura porque têm muito dinheiro para faze-lo, a agricultura é uma fração do seu PIB, o lobby (dos ociosos) agrícola é organizado e poderoso, o desemprego urbano é alto, é mais barato prover infraestrutura no campo, seus agricultores são viciados em subsídios e incapazes de competir em um livre mercado, de onde seriam alijados rapidamente. Altos estoques derrubaram o preço dos produtos agrícolas, obrigando os governos desses países a injetar mais subsídios, travestidos com um discurso que envolve questões ecológicas, qualidade de vida, segurança alimentar e multifuncionalidade da agricultura. Uma vaca de país rico "ganha" em subsídios mais de US$2.000/ano, acima da renda média da população humana mundial. Para nós sobrou pagar o salário da vaca rica e o mico do conto do vigário.

Aftosa, doença de país pobre?

Décio Luiz Gazzoni

A aftosa é uma doença que denuncia o descaso governamental e o relaxamento dos produtores, pois é de fácil controle. Quando persiste no ambiente deve se constituir em vergonha e alerta que as coisas não vão bem. Em 11 dias, 176 focos foram registrados na Inglaterra, aproximadamente o número anual de focos no Paraná, antes que o Governo e a iniciativa privada resolvessem erradicar de vez a doença do Estado. Da Inglaterra a doença avançou para a Escócia, Irlanda, País de Gales, Finlândia e França. Um após outro vão pipocando focos por toda a Europa, e apenas na Inglaterra já são mais de 250.   Doença de terceiro mundo?
Há tempos comento que o europeu não acredita nos órgãos governamentais de proteção à saúde. Os fiascos dos órgãos sanitários se sucedem (dioxina na ração, fungicida na coca-cola, HIV no banco de sangue, vaca louca, aftosa). Essa é uma das principais razões da reação conservadora do consumidor europeu, quando se trata de alimentos provenientes de organismos transgênicos. Essa falha nos serviços de defesa agropecuária pode revelar-se fatal para a União Européia, nem tanto por conta do baque direto na produção agropecuária, um componente menor do seu PIB, mas pelo impacto em outros setores. O volume de subsídios aumentará, para compensar a perda de renda, crescerá o desemprego pela redução das atividades nas cadeias agroprodutivas e incrementará a demanda por infra-estrutura na periferia das cidades, em decorrência das correntes migratórias.

Impactos econômicos
A UE proibiu a importação de carne da Inglaterra, medida sem efeito prático, pois outros países já estão contaminados. Os EUA proibiram a importação de carne da UE, que por sua vez havia proibido a importação da Argentina, que demorou uma eternidade para reconhecer que havia aftosa no seu rebanho. OS EUA, Canadá, Chile e Brasil também proibiram importações da Argentina. Essa seqüência de fatos significa uma intrincada movimentação no tabuleiro comercial. Apesar de ser uma oportunidade ímpar para o Brasil, não acredito em expansão das vendas brasileiras de carne bovina para a Europa no curto prazo. O consumidor europeu se retrairá e limitar o mercado de carne vermelha, até que outros países fornecedores conquistem sua confiança, demonstrando que seu produto é inócuo, e proveniente de um ambiente sadio. No médio prazo, haverá espaço para ampliação das vendas brasileiras. Enquanto isso, outras fontes proteicas vão ocupar o espaço aberto pela retração dos fornecedores tradicionais. O beneficiário maior será o setor avícola, e que deverá ampliar ainda mais suas vendas, pela credibilidade que dispõe junto aos consumidores. Com menor produção de carne na Europa, diminui a demanda por soja, e conseqüentemente deve haver depressão de preços internacionais, até que o mercado encontre seu novo ponto de equilíbrio.
  A lição
Para os europeus uma parada dura, mostrando que o desmonte das fronteiras para fins sanitários retirou de suas mãos uma ferramenta importantíssima. O golpe institucional é forte e não será fácil remontar os órgãos responsáveis pela sanidade no continente. Para nós é de transcendental importância aprender com a desgraça alheia: não há mercado sem competitividade, não há competitividade sem tecnologia de ponta e elevado ambiente sanitário. Ou o Governo e a iniciativa privada se unem para garantir as duas bases da competitividade, ou as oportunidades de desenvolvimento e de progresso do país escorrerão entre nossas mãos. Com investimento em tecnologia e sanidade, o Brasil poderá tornar-se o principal exportador de proteína animal do mundo. Pois hoje é o segundo maior exportador de carne de frango e o terceiro de carne bovina Enquanto isso, renovo a oferta aos países europeus: se precisarem de técnicos competentes para elaborar um projeto e operacionalizar a erradicação da febre aftosa na Europa, aqui no Brasil os temos aos punhados, tanto no MA quanto nas Secretarias de Agricultura.

Del dicho al hecho hay siempre un gran trecho

Décio Luiz Gazzoni

Na minha opinião e a crer na frase acima, de Carlos Menen também, a Argentina não sai dessa a Cavallo. O super-ministro argentino lembra Maluf que, responsabilizado pela caótica situação da alcaldia paulistana cunhou a frase "Se eu sujei, deixe-me limpar!". O eleitor preferiu Marta Suplicy, temeroso de que, ao invés de limpeza, pudesse sobrevir mais lama. Em 1990 o fulcro da problemática argentina estava na hiperinflação galopante e indomável, doença recorrente das economias latino-americanas nos anos 70 e 80. A hiperinflação sucumbiu ante o atrelamento do peso ao dólar, pela Lei de Conversibilidade proposta por Cavallo, taxa de câmbio fixada ad aeternum em 1:1. Como em qualquer enfermidade, a dor e outros sintomas clínicos foram eclipsados pelo que considero mera anestesia (engessamento da taxa de câmbio), mas o vírus continuou a agir nos subterrâneos da economia, e agora reaparece a doença com outra sintomatologia que pode, paradoxalmente, voltar a causar inflação, por conta do remédio a ser aplicado para contornar os efeitos colaterais da medicação anti-inflacionária!   Dolarização
O Brasil quase entrou nessa. Supervalorizamos o Real e o Banco Central foi além ao interferir no mercado fazendo a cotação inicial de 1:1 evoluir até 0,82:1, uma apreciação que, se não nos custou o olho da cara, teve um custo econômico e social que fez explodir a divida pública interna e externa, consumiu o dinheiro das privatizações, e pulverizou nossa capacidade competitiva. É importante revisitar a lição brasileira, porque nós somos objeto de amor e ódio argentino: amor quando o real estava apreciado e mantivemos a economia argentina artificialmente viva, postergando a hora da verdade. Ódio porque quando não deu mais para segurar e deixamos o real flutuar, a competitividade do vizinho se esboroou. Como a Argentina dependia em larga margem das exportações para o Brasil, em especial de produtos agropecuários, não houve como esconder o problema e o país entrou em recessão profunda, da qual não consegue mais sair sem alterar a paridade cambial, que é a medida óbvia ululante reclamada por 20 entre 10 economistas de qualquer orientação.

Cavallo 2

Sob as paradoxais bênçãos de Mestre Delfim Netto, que tão brilhantemente lancetou a ferida do finado artificialismo cambial brasileiro, Cavallo lança um conjunto de medidas para mexer no câmbio real sem mexer na paridade, tentando ganhar competitividade. Entre elas elevou o imposto de importação para bens de consumo, ao tempo em que zera o imposto para bens de capital, arrasando a precária base instalada no país. Cria uma CPMF, um imposto perverso por taxar igualmente os desiguais, um baque na competitividade argentina. Os trabalhadores também pagarão a conta, junto com os cidadãos que dependem de serviços públicos, pelos profundos cortes no orçamento fiscal. Cá entre nós entendo que a Lei de Conversibilidade nunca deveria ter existido na forma como está, e quando surgiram os primeiros sintomas de fadiga do material deveria ter sido extinta.   A Argentina jamais sairá do precipício puxando-se pelos próprios cabelos, a atual paridade cambial é uma bigorna que a arrastará cada vez mais para o fundo, aguçando a recessão, e as medidas propostas podem gerar inflação e mais desemprego. Além de prejudicar o Brasil ao alterar desfavoravelmente a TEC, gerando supostas retaliações, como a restrição de ingresso de produtos vegetais por conta da epidemia de aftosa, colocando o Mercosul na berlinda. Incapaz de recuperar-se, contaminará o Brasil, seja através da febre aftosa que não consegue debelar em seu território, ou na percepção que os mercados têm da economia sul americana. Portanto, vamos torcer para que a Argentina recupere a saúde econômica, pois o restante do mundo não diferencia os dois países, e no momento em que surgem diversas oportunidades comerciais para os agronegócios brasileiros, poderemos morrer na praia pela confusão que o mercado possa fazer com a situação argentina. Mais que torcer, é hora de rezar para que a economia Argentina saia do coma e volte a refulgir.

Santa vaca louca!

Décio Luiz Gazzoni

E se não for heresia religiosa ou veterinária, santa aftosa também! Sabe aqueles males que vem para bem? Nesse momento vivemos duas dessas situações. A primeira já é favas contadas. Lembra do fiasco canadense por conta da doença da vaca louca? Mesmo quando eles tinham a doença do veado (de quatro pernas) louco grassando no Canadá? Pois bem, encontro o Dr. Luiz Carlos de Oliveira, secretário da SDA transbordando de felicidade, ar de missão cumprida. O Brasil ficou em primeiríssimo lugar no rating da OIE, risco quase nulo de BSE, sem restrições para colocar nossa carne no mercado internacional, galardão reservado a poucos países do mundo. Estaríamos por acaso acompanhados de nossos detratores, Canadá e EUA? Glória das glorias eles estão em pior condição que nós, ficaram no nível dois, que impõe diversas exigências para comercialização da carne. O país do futebol, que virou país da F1, do vôlei, do tênis, pode virar o país da sanidade agropecuária! Em sua vibração Luiz Carlos salienta o esforço do MA, das Secretarias de Agricultura, da iniciativa privada e a importância de contar com a Embrapa para o suporte científico e tecnológico do sistema.  

E a aftosa
Tá bom, a vaca é santa, mas e a aftosa? Veja a incapacidade européia de debelar a atual epidemia de febre aftosa em seus rebanhos. Mal comparando, a pasmaceira européia parece a nossa, ao ver a imbatível seleção canarinho ultrajada por Equador, Paraguai, Chile, nossos (ex) velhos fregueses. Tétrico recorde, a Inglaterra ultrapassa mil focos de aftosa em dois meses, coisa de quarto mundo, e exporta a enfermidade para o resto da Europa. Centenas de milhares de cabeças são abatidas, os governos se debatem entre vacinar e não vacinar, a impotência demonstra a falta de preparo e de planos de emergência quarentenária. A Europa despeja, anualmente, bilhões de verdinhas para subsidiar sua agricultura, mas foi incapaz de investir na consolidação de um sistema sanitário continental para proteger a saúde do homem, dos animais, dos vegetais e preservar o meio ambiente. Ainda não deu para entender porque o pedestal santificado para a aftosa?

 

 

Grita social
Porque o cidadão europeu, contribuinte de impostos, põe a mão na cintura e reclama estar pagando mais de US$100 bilhões anuais, US$1.000 per cápita, US$2.000 por cabeça de gado, para ficar com a lâmina da insegurança alimentar sobre a cabeça. Paga o preço da mercadoria, o subsídio à produção e à exportação, a sobretaxa da importação de produtos agrícolas, para ter um produto suspeito. Esse cidadão está começando a entender ser mais pragmático, justo, correto, leal, barato e seguro acabar com os subsídios agrícolas, impor regras rígidas de conformidade para garantir um produto inócuo na sua mesa, não importa a proveniência. O que soa como a nona sinfonia de Beethoven para os ouvidos brasileiros e de outros países agrícolas.
  Os sinais e a oportunidade
Não é coisa para amanhã, pois a luta contra os subsídios já passa de meio século, e a Europa nunca aceitou discutir sua retirada. Mas a Ministra da Agricultura alemã (Renate Künast, do PV) já sinaliza que prefere qualidade à quantidade. The Independent, o sisudo diário britânico também investiu contra o anacronismo dos subsídios. E assim as reações se alastram pelo Continente, e não seria mais surpresa a UE aceitar discutir os subsídios na Rodada do Milênio. No entanto, precisamos ter a inteligência e o vislumbre de entender que os subsídios podem cair na UE exclusivamente porque a população exige qualidade. Se o Brasil não investir com agressividade na permanente elevação do status sanitário do seu ambiente produtivo, tudo vai continuar como dantes na terra de Abrantes, e outros países com visão de futuro mais aguçada captarão a oportunidade. Desleixo com a sanidade agropecuário pode ser fatal: Tony Blair acusou o golpe, e adiou as eleições parlamentares, para não correr o risco de perder o cargo. Ou seja, não investir em sanidade faz perder eleição, senhores líderes políticos!

Agro-farmácias, oportunidades e ameaças

Décio Luiz Gazzoni

Fazendácias, farmazendas, biofarmácias, não interessa a denominação, é a oportunidade de agronegócios que surge ao deslocar-se a síntese de proteínas de importância farmacêutica para os campos e estábulos, oferecidos à população na forma de alimento, ou acoplados a uma instalação industrial que extrairá, purificará e formulará o remédio. A ameaça é não se esgotar o potencial da tecnologia, como ocorreu com os alimentos transgênicos, olvidando-se aspectos fundamentais, que represaram sua aceitação. Com medicamentos a percepção social do custo/benefício pode seguir outro fluxo (a insulina recombinante não tem gerado os protestos da soja RR), porém é interessante refletir sobre as lições do passado recente.   O primeiro aspecto é conscientizar-se que a relação produtor-consumidor deixou de ser autoritária e de via única, ou seja, o produtor produz, o consumidor consome ad aeternum. O consumidor passou a exigir qualidade e a impor seus desejos, e a relação inverteu-se da desova da oferta para o atendimento da demanda. A opinião pública tem aceitado melhor remédios para a malária (menos dor, sofrimento ou morte, mais saúde e qualidade de vida) que plantas transgênicas que não a beneficiem diretamente. Por essa lógica, soja com Viagra não sofreria a rejeição da resistente a herbicidas.

O segundo é pensar globalmente: o mercado não é restrito a 600 milhões de pessoas em países ricos, mas compõe-se de 6 bilhões de pessoas. A desigualdade de renda e de acesso à vida digna interferem na inserção empresarial no mercado. Ao invés de aplicar a Lei de Patentes ou de Propriedade Intelectual a ferro e fogo, foco exclusivo no lucro imediato, há que pensar nas centenas de pessoas a morrer de fome ou doenças. Falo do compromisso social do capital, e empresas que vincularem sua marca a programas de assistência social usando seus produtos, serão recompensadas pela sociedade com melhor aceitação dos mesmos. Percepções dessa ordem tomam conta dos Conselhos de Administração, e uma das maiores indústrias químicas do mundo enveredou por essa senda ao doar parcela de seu produto para tratar da cegueira do rio. O Brasil está sendo chamado à barra dos tribunais, porque nossa legislação prevê que medicamentos importados a custo proibitivo, caso sejam de uso contínuo e essenciais para determinados pacientes, podem ser produzidos sem a observância de alguns aspectos da Lei de Patentes. Entendo que primeiro devemos salvar as vítimas da AIDS, que não podem esperar, e depois discutir os royalties, que podem esperar.  

Terceiro, não subestimar a percepção de incerteza, risco e perigo por parte da sociedade laica. Todas as possibilidades de risco humano ou ambiental, por fantasiosas que pareçam, devem ser investigadas, esclarecidas, até assegurar-se da ausência de efeitos colaterais indesejáveis, e transparentemente divulgadas. Quanto mais não seja, é o tributo a pagar pela ausência desse procedimento no caso dos alimentos. Há que ser pró-ativo, e incluir todas as mídias e oportunidades de discussão, em especial as interativas. Subestimar a sociedade significará perder clientes e sofrer boicotes.

A quarta estaca repousa em um estamento legal que reflita os anseios e as angústias da sociedade, harmonizado globalmente, implementado de ordem a não se constituir em cartório ou "mata-burros" por uma parte, nem por xenofobia absoluta por outra. A lógica que deve imperar é a de avançar, sim, sempre, porém com segurança, observância dos ditames da sociedade, respeito à saúde pública e ao meio ambiente, ao contexto social onde a tecnologia se insere e à importância do avanço tecnológico para diminuir a injustiça social no mundo. Alguém ainda discute o gene "terminator"? A reação global deu-lhe o único destino possível: o lixo.

Da fazenda para a farmácia

Décio Luiz Gazzoni

Quem não gostaria de arrecadar US$30 milhões por ano, com a ordenha de um único cabrito? Uma reportagem de Justin Gillis, no New York Times de 17 de janeiro passado acena com a possibilidade, se o cabrito for transgênico e seu leite contiver proteínas de interesse farmacêutico.

Diversas universidades e companhias particulares estão introduzindo genes que codificam para proteínas que nada mais são que hormônios, anti-corpos, vacinas, enzimas, antibióticos, etc., de importância farmacológica. Algumas já estão em fase adiantada de testes, tendo obtido licença para uso experimental em seres humanos. A lógica é que um ser vivo é uma fábrica de proteínas, e caso ele não produza uma proteína específica, a introdução do gene responsável pela sua produção no código genético nada mais alterará no organismo que a síntese da proteína desejada. Depois existem dois caminhos: ou comercializa-se o produto animal ou vegetal obtido, através dos canais normais, ou acopla-se uma planta industrial que extrai, purifica e formula o remédio baseado na proteína.   Esse cultivo, ou essa criação, caso as oportunidades se tornem reais e factíveis exigirão do empreendedor rural muita técnica, conhecimento, formação, pessoal habilitado e capacitado, e recursos de investimento muito superiores a qualquer exploração agrícola atual. Profissionais habilitados deverão prestar assistência técnica e responsabilizar-se não apenas pela produtividade e pela qualidade, como pela ausência de riscos ao ambiente e de contaminação que possa vir a afetar o uso proposto da droga a ser produzida.

Essa análise é importante, porque, ao menos em teoria, existe a possibilidade de contaminação do ambiente, e a transmissão de vírus ou a presença de impurezas orgânicas associadas ao ingrediente ativo. Entretanto, o sentimento generalizado é de que as vantagens superarão em larga margem as desvantagens, e o agricultor ou criador terá a opção de produzir alimentos, remédios ou ambos. A Embrapa vem estudando diversas possibilidades de produção de medicamentos na fazenda, entre elas a insulina e o hormônio de crescimento. A literatura refere estudos avançados com anti-coagulantes, remédios para malária, vacina contra hepatite B e bactérias que causam cárie.   Entre outros, os genes que codificam para as seguintes drogas foram introduzidos em plantas ou animais, para avaliar a possibilidade de sua produção em larga escala: imunoglobulina, promotor de metalotionina, cistina, fator de crescimento I (semelhante à insulina), beta-lactoglobina, alfa S1 caseína, beta caseína, promotor de prolactina, promotor de fosfenol piruvato carboxilase, promotor de actina (receptro de estrógeno humano)

Vaca, ela seria a louca?

Décio Luiz Gazzoni

Deu na Agência Estado do dia 2 de março de 2001:

Bush promete "linha dura" no comércio agrícola

São Paulo - O presidente dos EUA, George Bush, afirmou que adotará uma política de "linha dura" no comércio de produtos agrícolas. Durante a cerimônia de posse da secretária da Agricultura, Ann Veneman, em Washington, Bush declarou: "Eu vou levar esta mensagem ao mundo: os mercados têm de ser abertos. Os EUA não vão tolerar favoritismo e subsídios injustos". Bush disse que os EUA querem "competir num terreno neutro". "A agricultura não mais será ignorada ou menosprezada quando nos sentarmos às mesas de negociação internacionais. Esta será uma prioridade máxima para nós", afirmou. De acordo com o presidente, a agricultura representa 13% da economia norte-americana. Bush também prometeu agir rapidamente quando os agricultores dos EUA precisarem de ajuda financeira do governo. "Em tempos de emergência, eles conseguirão a assistência de que precisarem, quando precisarem", acrescentou.

 

Urge alertar o presidente Bush que os EUA subsidiam injustamente sua agricultura, impõem cotas, sobretaxas, barreiras diversas, incluindo sanitárias, sem o devido fundamento. Caso o presidente Bush aplicasse a prescrição em seu país, contribuiria para um mundo melhor. Além de ser contraditório pregar mercado aberto, demonstrar intolerância com subsídios injustos enquanto promete manter os subsídios americanos a produtos agrícolas, travestidos de assistência a qualquer preço.

No Reino Unido
Ao invés de mea culpa, os fleumáticos britânicos pretendiam proibir as importações de carne brasileira, sob o pretexto de que os focos de febre aftosa em seus rebanhos teriam sido ocasionados por carne importada do Brasil. Os fatos não interessam, os países ricos impingem sua visão unilateral, valendo a versão que lhes for conveniente no momento, renegando-a no instante seguinte para prosseguir auferindo benefícios. Demonstrada sua incompetência científica, técnica, regulatória e operacional, não seria mais conveniente aos súditos de Sua Majestade solicitarem auxílio ao Brasil, onde os focos de febre aftosa comprovadamente escasseiam ano após ano? Onde nunca houve risco de vaca louca nos rebanhos e, seguramente, nunca haverá um caso?
  Teoria
A Organização Mundial de Comércio foi criada com o fito de liberalizar o comércio internacional, caracterizado pela ausência de dumpings, barreiras técnicas, preferências, altas taxas de importação, subsídios e outros artificialismos. Os países ricos impuseram os leoninos acordos da OMC, para produtos industrializados, de alto valor agregado, com tecnologia de ponta por eles dominada. O tema mais polêmico foi o protecionismo agrícola e seus impactos negativos sobre o comércio. O acordo sobre agricultura fixou regras de conduta e procedimentos para solucionar disputas comerciais, teto para os subsídios agrícolas, e níveis mínimos de acesso aos mercados dos paises ricos. Os signatários se obrigavam a competir lealmente, e os subsídios dos países ricos à agricultura deveriam diminuir 36% (mínimo de 15% por produto), até 2003. A ajuda interna deveria cair 20%, o valor das subvenções 36% e o volume subsidiado 21%.

Prática
Apenas os países pobres, com exportações lastreadas na agricultura, cumpriram o Acordo. Os países ricos, pasmem os senhores!, aumentaram o volume de subsídios, desdenhando da boa fé dos demais, demonstrando sua arrogância ao valer-se de dois pesos e duas medidas, desrespeitando as normas que impuseram ao mundo. O relatório de 1999 da OCDE demonstra que Japão, Noruega, Suíça e Coréia do Sul aumentaram os subsídios agrícolas para 65% do valor da produção agrícola, a União Européia para 50% e os EUA para 24%. Sobre uma base vergonhosa de subsídios de US$1 bilhão/dia, em 1994. Mais que o PIB da África pobre. E recusam-se terminantemente a discutir o assunto, a ponto de inviabilizar a Rodada do Milênio iniciada em Seattle, não aceitando uma agenda prévia, embora o Acordo Agrícola obrigasse a rediscussão do assunto antes de 9 anos de sua vigência.
   

 

 

 

A vaca louca
Ridícula e estapafúrdia foi a justificativa canadense para a proibição de comercialização e consumo de carne brasileira, supostamente para proteger a sua população da BSE (Encefalopatia Espongiforme Bovina). A bíblia das questões sanitárias da OMC é o SPS (Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias). Transcrevo ipsis litteris excertos do SPS (http://www.digesa.sld.pe/comexter/normafit.html):

Acuerdo sobre la aplicación de medidas sanitarias y fitosanitarias

(Introducción) - Los Miembros, reafirmando que no debe impedirse a ningún Miembro adoptar ni aplicar las medidas necesarias para proteger la vida y la salud de las personas y los animales o para preservar los vegetales, a condición de que esas medidas no se apliquen de manera que constituya un medio de discriminación arbitrario o injustificable entre los Miembros en que prevalezcan las mismas condiciones, o una restricción encubierta del comercio internacional;

(Art 2.) Los Miembros se asegurarán de que cualquier medida sanitaria o fitosanitaria sólo se aplique en cuanto sea necesaria para proteger la salud y la vida de las personas y de los animales o para preservar los vegetales, de que esté basada en principios científicos y de que no se mantenga sin testimonios científicos suficientes.

O SPS determina que medidas sanitárias não devem ser adotadas para discriminar arbitrária ou injustificadamente outros países membros, que causem restrições disfarçadas ao comércio internacional, ou exaradas sem fundamentação científica.

Dono da bola
No meu tempo de piá, a bola da pelada pertencia ao "guri rico", via de regra um perna-de-pau. Na dúvida se foi falta, impedimento ou gol, o dono metia a bola embaixo do braço e anunciava sua decisão. Os demais acatavam-na sem restrições, ou a pelada acabava. No mundo adulto, não interessa o risco de BSE no Brasil (considerado pela OIE de menor risco que o Canadá), por ser questão adjetiva. Não importa se o Brasil subsidia via Proex a Embraer ou não – os parcos recursos anuais para equalização de juros do Proex alcançam US$2 bilhões. Contraste com os subsídios à agricultura dos países ricos (US$400 bilhões) e dúvidas não restam sobre sua marginalidade. Importa que as regras impostas pelos países ricos devem ser obrigatoriamente cumpridas pelos pobres, porém não por quem as impôs. Se as regras prejudicam países ricos, então elas não são aplicáveis (aos ricos, claro!), ou devem ser mudadas. O Acordo de Agricultura determinou a redução gradual dos subsídios até 2002. Entre os países pobres quase não havia subsídio, e o que havia foi eliminado, ao contrário dos países ricos que aumentaram seu protecionismo.
  A questão substantiva
O cerne da discussão é que um país fora do clube dos ricos levou bola preta, porque ousou desenvolver tecnologia aeronáutica altamente competitiva, a ponto de tornar-se um risco para o monopólio do comércio de aeronaves, dominado por indústrias de países ricos. Esse é o ponto, e final. A Embraer não é competitiva pelos subsídios – retire-se os subsídios de ambas as partes, e a Embraer vencerá a maioria das concorrências transparentes, porque seu produto é de qualidade superior e melhor atende os anseios dos clientes. Como o script da OMC não prevê essa inversão de valores, qualquer país emergente que se meter a besta deve ser punido até recolher-se à sua insignificância. As regras atuais visam manter o status quo e aprofundar a injusta distribuição da riqueza mundial, não permitindo "alpinismo" comercial. Meu amigo Adauto Rodrigues, Chefe da Divisão de Assuntos Sanitários da OMC no MA, recorda haver ouvido do negociador canadense Randy Benoit "...la raison du plus fort est toujours la meilleure!" (o argumento do mais forte é sempre o melhor). O diplomata soía citar a inscrição da porta do Inferno (Livro 3 da Divina Comédia de Dante Alighieri) "Lasciate ogni speranza voi ch’entrate" (vós que entrais deixai toda a esperança). Alguma semelhança com o affair vaca louca?

O que nos restou

A empulhação da vaca louca resume tudo – inventa-se uma história sem fundamento, prejudica-se um país, e tudo fica por isso mesmo. Restou a raiva e a frustração do logro, apanhados no mais legítimo conto do vigário, ou do falso bilhete premiado. Passando por Londrina (PR), em dezembro passado, o Ministro Pratini de Morais, entre roxo de raiva e vermelho de frustração propugnou que a Rodada do Milênio seja mantida em banho-maria, até que os países ricos admitam discutir os subsídios agrícolas. Pouco resta além do jus sperniandi, em estreita articulação e sintonia fina com outros países prejudicados.   Os países ricos subsidiam sua agricultura porque têm muito dinheiro para faze-lo, a agricultura é uma fração do seu PIB, o lobby (dos ociosos) agrícola é organizado e poderoso, o desemprego urbano é alto, é mais barato prover infraestrutura no campo, seus agricultores são viciados em subsídios e incapazes de competir em um livre mercado, de onde seriam alijados rapidamente. Altos estoques derrubaram o preço dos produtos agrícolas, obrigando os governos desses países a injetar mais subsídios, travestidos com um discurso que envolve questões ecológicas, qualidade de vida, segurança alimentar e multifuncionalidade da agricultura. Uma vaca de país rico "ganha" em subsídios mais de US$2.000/ano, acima da renda média da população humana mundial. Para nós sobrou pagar o salário da vaca rica e o mico do conto do vigário.

A Multifuncionalidade da Agricultura

Décio Luiz Gazzoni

O meio urbano percebe a agricultura limitada a prover alimentos e fibras. Esse conceito, válido até meados do século passado, ganhou nova dimensão, conforme as relações sociais e econômicas foram se sofisticando. O entendimento moderno reflete a multifuncionalidade da agricultura, um intrincado sistema de inter-relações entre o meio urbano e o rural. O agricultor deixou de ser mero produtor de alimentos, para ser um guardião da Natureza. Como regra geral, enquanto a atividade produtiva na cidade consome energia e libera gás carbônico, a agricultura gera energia e purifica o ar. Compete-lhe produzir preservando o meio ambiente, a paisagem campestre, a biodiversidade nativa ou exótica, e manter o equilíbrio dentro do ecossistema em que vive. É da responsabilidade do agricultor usufruir do trinômio terra, ar e água, além da flora e fauna que o circunda, utilizando-a em proveito próprio, de sua família ou da sociedade, entregando às gerações que o sucederem um ambiente igual ou melhorado, em relação ao que recebeu.

A consciência social da preservação do capital natural não permite espaço para a agricultura predatória, que exaure a área explorada, expandindo a fronteira agrícola pela falta de consciência ambiental. A ocupação organizada e sustentável do território é parte da missão moderna da agricultura, que deve auxiliar na integração geográfica da Nação. Integração ordenada, com a consolidação das áreas já ocupadas antes de enveredar-se por novas fronteiras agrícolas.

A agricultura tem rápida maturação de investimentos, permitindo retornos em prazos curtos. Em geral, os negócios agrícolas necessitam de menor imobilização de capital, em relação aos equivalentes industriais. Para produzir, o agricultor movimenta os setores a montante na cadeia produtiva, como as áreas de insumo ou maquinário. A jusante, é a matéria prima agrícola que movimenta a indústria de processamento, o transporte, a armazenagem, e outros setores que formam o agronegócio. Do volume de renda gerado no agronegócio, a atividade agrícola intra-porteira é a ponta do iceberg que representa 10% do total, o restante é apropriado por setores urbanos que interfaceiam economicamente com a agricultura.  

O produto agrícola foi a âncora verde do real, e é uma das marcas brasileiras: alimentação de qualidade a baixo custo. Represada por fatores exógenos, a agricultura não comparece com maior intensidade no cenário econômico e social pela ignominiosa máxima "fome (ou frio) não é mercado". Mais justa fôra a distribuição de renda, e maior seria a contribuição social da agricultura.

O agricultor é responsável pela preservação da cultura camponesa e do seu folclore, da perenização das tradições, das crenças, dos valores, das lendas, da sabedoria, das letras e das músicas, do jeito de ser do interior. Novos negócios são forjados sobre a base cultural, a paisagem preservada, o modus vivendi e os costumes típicos dos agricultores, como o artesanato, o turismo rural ou a produção de alimentos caseiros.

  O agricultor que se mantém no campo, está indo muito além da produção de alimentos ou de fibras. Está evitando o inchamento das periferias das cidades médias ou das megalópolis, preservando a qualidade de vida do habitante do meio urbano. O agricultor que migra do campo para a cidade gera uma multiplicidade de demandas, acirrando as necessidades de saúde, segurança, educação, emprego e habitação. A agricultura gera empregos a custos inferiores aos urbanos. Ao permanecer no campo, o agricultor não disputa o emprego com o habitante urbano, não avilta o mercado ou a remuneração do trabalho. Facilita a ação governamental, pois no campo é um gerador de renda tributável, enquanto, ao migrar para a cidade, passa a exercer pressão nos orçamentos públicos. Por isso a multifuncionalidade da agricultura é a benção de Ceres sobre os habitantes da urbe.

Alimento é saúde

Décio Luiz Gazzoni

A juventude dos anos 90 passará para a História como geração saúde, por apresentar hábitos mais saudáveis que as anteriores, em especial pela prática de esportes. Os alimentos, base de uma vida saudável, passam a ser entendidos sob outros ângulos, e não somente fonte de energia e "material de construção" para o organismo. Substâncias presentes nos alimentos, em especial vitaminas e minerais tem ação direta sobre algumas funções do cérebro.   Por exemplo, alimentos ricos em ácido fólico previnem distúrbios mentais, da depressão à demência. Estudo da Universidade de Montreal verificou que pessoas com problemas psiquiátricos apresentaram teores baixos de ácido fólico, - a síndrome da deficiência do ácido fólico - com sintomas como fadiga e distúrbios gastro-intestinais. Com a idade, a necessidade de ácido fólico aumenta, e a suplementação da substância melhorou a memória de pessoas mais velhas. Nessa faixa de idade, foi verificado que o Mal de Alzheimer causa danos mais intensos na presença de baixos teores de ácido fólico, conforme estudo da Universidade de Kentucky. A tiamina (complexo B) é essencial para a utilização da glicose pelo cérebro, que gera a energia disponível para as atividades mentais. Baixos níveis de tiamina podem causar perda de memória, apatia e demência. Pesquisas americanas indicam que 40% dos idosos que procuram hospitais americanos possuem deficiência dessa vitamina.   Mal da sociedade competitiva moderna, o estresse também pode ser decorrência do abuso de exercícios físicos, ainda é pouco compreendido pela ciência, e envolve teorias até conflitantes. Um estudo do USDA demonstrou que jovens que receberam uma dieta rica em selênio apresentaram comportamentos mais animados, confiantes e enérgicos. Baixos teores de selênio afetam o humor, estando associados com distúrbios causados na ação dos neurotransmissores, como serotonina, dopamina e acetilcolina. A dose diária recomendada de selênio é de 70 microgramas, presente em carnes, germe ou farelo de cereais e levedura de cerveja.

 

A vitamina E, considerada a antecessora do Viagra, por sua associação com vitalidade e energia, neutraliza os radicais livres que afetam a membrana externa dos neurônios, que perdem sua funcionalidade, prejudicando as funções cognitivas do cérebro. Essa vitamina também se mostrou eficaz no combate ao Mal de Alzheimer, equivalendo seu tratamento aos resultados obtidos com o uso de medicamentos de ação comprovada sobre a doença. A vitamina E adia os sintomas, ou evita em definitivo, o quadro de demência em pacientes submetidos a um estudo. A vitamina C também possui efeito anti-oxidante, e ação ativadora das funções cerebrais. Seu consumo regular melhora o desempenho em testes de inteligência. Frutas e verduras em geral, em especial com coloração verde escuro, são fontes de vitamina E, enquanto a vitamina C concentra em frutos ácidos, cítricos e na acerola.

O princípio basilar da alquimia rezava que uma substância é veneno ou remédio, em função de sua dose, e ainda é um dogma científico.

   Existe uma amplitude desejável para os teores de vitaminas e sais minerais no organismo, sendo sua fonte os alimentos, e utilizando-se a suplementação em casos especiais. A alimentação equilibrada e balanceada deve levar em conta não apenas os macro-elementos, como carboidratos, lipídios, protídios e fibras, como aqueles usados em baixas doses pelo organismo – vitaminas e minerais. Nesse caso, altas doses podem conduzir à toxidez, com efeitos deletérios sobre as funções orgânicas.

O diferencial tecnológico

Décio Luiz Gazzoni

Para quem almeja ser líder mundial dos agronegócios, a década de 90 teve um resultado pífio. Usando a soja como exemplo, sua produção mundial cresceu 53 milhões de ton nos anos 90, e o Brasil dispunha de vantagens comparativas para apropriar-se da maior parcela desse mercado adicional. Os EUA incorporaram mais de 7 milhões de ha à área de soja (+30%) e a produtividade cresceu de 2.300 para 2.450 kg/ha (6,5%). A Argentina saltou de 4,2 para 9,3 milhões de ha (120%), com produtividade estabilizada em 2.500 kg/ha. O Brasil incorporou 3,6 milhões de ha em 10 anos – média geométrica de 1,7% a. a. em 15 anos, porém a produtividade explodiu 49,4% na década - de 1.553 para 2.350 kg/ha, com picos de 4.000 kg/ha.   A produção dos EUA cresceu 32 milhões de toneladas (quase um Brasil), a da Argentina 11,5 milhões, e a do Brasil 10 milhões. Como foi possível, se as vantagens comparativas estavam do nosso lado – área a expandir a baixo custo, capacidade empresarial e de processamento disponível, insumos sem restrição de oferta, clima e base tecnológica adequados, etc.? Ocorre que os EUA expandiram seu mercado via subsídios à produção e comercialização, garantindo a rentabilidade do agricultor mesmo com cotações deprimidas. A margem dos agricultores americanos deriva de subsídios e não do lucro operacional. Bem posicionados no mercado mundial de trigo e milho, os EUA modificaram sua Lei Agrícola, aumentando o subsídio à cultura de soja, para manter sua posição no mercado. A Argentina expandiu sua produção às custas de reduções na área de sorgo, girassol e milho. Comparativamente ao Brasil, tem solos mais férteis e planos, melhor estrutura de escoamento e tributação mais vantajosa. Quando a defasagem cambial pesou negativamente, a redução de custos decorrente do uso de soja transgênica permitiu uma sobrevida à sua produção.

A s vantagens comparativas de área disponível e base industrial foram anuladas pelo custo Brasil: problemas de política macro-econômica, inflação, crédito escasso e caro, forte defasagem cambial, distorções tributárias e deficiências na infra-estrutura de armazenagem, transporte e embarque nos portos, inviabilizaram maior participação no mercado. O que permitiu ao Brasil manter sua posição relativa foi a maior produtividade, alicerçada no avanço tecnológico, gerando o diferencial de competitividade. A vantagem do ganho de produtividade sobre a expansão de área é que aquele vem acompanhado de menor custo por unidade produzida, viabilizando financeiramente o agricultor, conferindo sustentabilidade ao negócio.   Após uma década, o Brasil produz 10 milhões de toneladas de soja a mais, em uma área pouco maior. Pelo aumento de produtividade e, apenas dentro da porteira, o PIB agrícola foi incrementado em 2,4 bilhões de reais, não contados a agregação de valor e a demanda agregada de insumos e outros produtos ao longo da cadeia. O setor colheu os frutos do investimento em ciência e tecnologia de anos anteriores, o que lhe conferiu competitividade quando os demais fatores foram adversos. Compare o ganho de R$2,4 bilhões com os R$600 milhões do orçamento da Embrapa de 2000. A Embrapa trabalha com dezenas de cadeias agroprodutivas, através de milhares de projetos de pesquisa, gerando benefícios não apenas econômicos, mas de cunho social e ambiental. Isso posto, tem-se a dimensão de como o investimento passado em ciência e tecnologia foi uma das melhores aplicações dos recursos da sociedade. Não fosse o avanço tecnológico propiciado pela pesquisa agropecuária e a última década poderia ter sido inteiramente perdida para os agronegócios, assim como o investimento presente garantirá o nosso futuro.

ALCA ou União Européia?

Décio Luiz Gazzoni

O Brasil - e os demais países que compõem o Mercosul também - deve ser uma noiva muito atraente, a julgar pelo cortejo que lhe faz os EUA de um lado e a UE de outro. É amor antigo, pipocado de tapas e beijos, como convém aos apaixonados. Tanta adrenalina se justifica, porque está em disputa um mercado que hoje roça o trilhão de dólares, mas que possui um enorme potencial de crescimento, como é a América Latina. Mais que isso, uma aposta no futuro, na famosa complementariedade estratégica, ou seja, eu lhe vendo o que você não produz, e você me compra o que não produz competitivamente. Por paradoxal que pareça, é justamente quando se tenta antecipar o futuro que as coisas empacam. Ao tentar negociar com base na realidade presente, tanto a UE quanto os EUA (ALCA) não abrem mão de levar vantagem em tudo. Durante essa semana, mais uma etapa do namoro prosseguiu em Genebra e em Buenos Aires. As negociações para a criação de uma zona de livre comércio entre Mercosul e UE, uma fórmula interessante para os europeus, evitaria que a noiva seja monopolizada pelo concorrente americano, também é atraente para a noiva, que poderia arrancar melhores condições na formação da ALCA.   O busílis do problema
Eles, sempre eles, os subsídios agrícolas, o protecionismo, as barreiras tarifárias, sobretaxas, cotas e outros mecanismos de artificialização do comércio. O Brasil pendula entre os dois pretendentes, exigindo juras de amor eterno, lastreadas em reciprocidade comercial, o que tem significado falar em 98MHz quando o parceiro está sintonizado em 107MHz. Nem a Europa, nem os EUA, admitem negociar de forma transparente, todas as cartas em cima da mesa, jogo aberto. Uma negociação em que, tanto quanto possível, ambas as partes saiam vencedoras, posta a desigualdade entre as condições dos digladiantes. Algo como o Tubarão disputar a Copa Européia, com pretensões de chegar entre os três primeiros. Ocorre que os nossos contendores exigem comércio liberado para produtos de alto valor agregado, bens de capital ou de consumo com alta tecnologia, serviços prestados por gigantes globalizados, porém recusam-se a aceitar uma negociação global em torno dos produtos agrícolas. A Europa propõe discutir o setor vinícola (porque os melhores vinhos do mundo são europeus), mas não aceita discutir subsidio à carne, e reclama porque o Brasil bate o pé em discutir as questões agrícolas.

Mercosul só vê Agricultura
Essa é a queixa da Comissão Européia, braço executivo da UE. Como se fosse pecado ou vergonha! Supõe-se que alguém entre em uma negociação para conceder alguma coisa, receber outra em troca e que, ao final, as concessões s guardem uma proporcionalidade ou equivalência. O Brasil, ou o Mercosul por extensão, não se opõe a discutir, e mesmo a fazer concessões nas áreas em que a UE é claramente mais competitiva, em especial em produtos de alta tecnologia, inovação, bens de capital e similares. E deseja reciprocidade no setor da economia em que é altamente competitivo, que é a agricultura. Tão simples quanto isso, porém tão complicado quanto isso. Ocorre que a Europa não consegue lidar bem com a questão agrícola, não porque seja economicamente importante, vez que representa pequena parcela do PIB do Velho Continente. O problema é social e cultural.
  Reter o homem no campo
Para os governos europeus é fundamental reter o homem do campo no interior, pelas razões conhecidas de todos nós: é mais barato, menos complicado, não pressiona a periferia das cidades, não há disputa pelo emprego urbano, etc. Há também o componente histórico da fome recorrente que assolou a Europa por milhares de anos, devido a enfermidades epidêmicas ou a guerras. Por isso, o contribuinte europeu hoje paga centenas de bilhões de dólares de subsídios agrícolas, metade do orçamento da UE, cada vaca européia recebendo 28 salários mínimos brasileiros por ano em subsídios, muito mais que parcela razoável da PEA brasileira. Árdua é a tarefa do Embaixador Graça Aranha, chefe da delegação brasileira em Genebra, de negociar fincando o pé: ou tudo é negociável – em especial o anacronismo dos subsídios agrícolas – ou volta para casa e aguarda dias melhores.

Os agronegócios entre Davos e Porto Alegre

Décio Luiz Gazzoni

Saramago cunhou a frase "O bem e o mal não existem isoladamente, um é a ausência do outro". Refletindo, de espírito aberto, sobre os dois eventos que buscaram analisar propostas de organização da sociedade mundial, é impossível imaginar que a verdade estivesse exclusivamente em Porto Alegre ou Davos, eis que a análise e o contraditório expuseram as virtudes e as vicissitudes de uma ou outra posição. A polarização que se cristalizou em fevereiro último, estava latente há muito tempo. As divergências manifestavam-se de forma difusa na sociedade, pipocando tímida e desordenadamente, em diversos pontos do mundo, plasmando-se a partir de Davos em 1998, ganhando a mídia na frustrada reunião de lançamento da Rodada do Milênio em Seattle, e corpo a partir desse ano. O epicentro das desavenças está nas conseqüências das políticas econômicas dominantes no final do milênio passado, e seus desdobramentos sociais, ecológicos e comerciais. Enquanto os adeptos da conceituação dominante, materializada nas políticas implementadas pelas organizações internacionais, pregam a supremacia do mercado como definidor dos rumos que a sociedade mundial deve tomar, cresce o número de adeptos de uma intervenção da sociedade nesses rumos, de forma a que as políticas econômicas sejam subordinadas a compromissos sociais. Esse segmento nascido tímido cresce em progressão geométrica, organiza-se e deve representar uma força importante nos próximos anos, tornando-se um player fundamental para definição dos acontecimentos mundiais.   Davos
Davos é um palco histórico de discussão das teorias e tendências econômicas mundiais, que nada decide mas muito influencia. O encontro só mereceu a atenção da mídia e dos leigos quando as ONGs resolveram rotular Davos como o Lúcifer que havia parido a globalização, por sua vez matriz de todos os males que afligem a Humanidade. É necessário algum esforço para efetuar ilações dessa ordem, eis que Davos está mais para Academia do que para determinador de rumos globais. Trata-se de um encontro de cientistas políticos, economistas, formuladores de políticas públicas para discutir conjunturas, analisar o passado, aventar cenários e tendências. Seu principal desdobramento tem sido influenciar lideranças públicas e privadas em direção a determinados rumos de consenso, apresentados com convicção no foro. A globalização não é filhote de Davos, mas foi lá discutida inúmeras vezes, e muitos dos rumos e desdobramentos que assumiu foram gestados a partir de suas discussões ou por participantes do evento. Existe a alusão jocosa que o olho de vidro do banqueiro é o que chora, e o estereótipo de que todo o economista é um insensível social. Como corolário, não seriam esperadas propostas socialmente justas em Davos que, se não está muito longe da verdade, também não é a verdade completa.

Porto Alegre
A contestação a Davos cristalizou-se no Fórum Social de Porto Alegre, contraponto ao Fórum Econômico de Davos, com foco na discussão e proposição de políticas globais mais justas, equânimes, com oportunidades iguais, sem o domínio do poderoso sobre o apoderado. Sem dúvida, transbordam motivos para questionamentos e proposituras que, se não obnubilem, ao menos corrijam rumos e atentem para as implicações sociais das políticas econômicas. Esse mérito ninguém pode tirar dos organizadores do Fórum Social Mundial, porém a impressão que o mesmo deixou foi de um convescote, com odor démodé saudosista do Easy Rider dos anos 60, composto de tantas idéias, facções ou propostas quantos eram seus participantes, uma anarquia que impediu consolidar um documento síntese do evento. O ponto mais baixo do Fórum Social foi, sem dúvida, o factóide que entronizou como herói Monsieur José Bové, lídimo representante do establishment agrícola mais retrógrado da Europa, ferrenho defensor dos privilégios dos agricultores franceses, subsidiados ao extremo. Lastimável, porque destruir lavouras ou lanchonetes é uma alquimia para distrair a atenção do fato central: subsídios e xenofobia são a fórmula para manter os agricultores ineficientes dos países ricos no mercado competitivo, condenando à eterna pobreza países agrícolas como o nosso. O Senhor Bové tem todo o direito de não concordar com o uso de transgênicos, mas tem o dever de ser educado e cumpridor das leis do país anfitrião. E, ao invés de vir aos países emergentes pregar sua religião, deveria atentar para as nossas vicissitudes e propor ao seu próprio país, e aos demais membros da União Européia e outros países ricos, que eliminem os seus subsídios agrícolas para que a nossa agricultura possa mostrar o seu potencial.
  Nenhum?
Vade retro Satanás, não pretendo ser oráculo de Delfos, entretanto nem Davos nem P. Alegre contribuiu para um mundo melhor. Propostas claras, exeqüíveis, consensuadas de tornar o mundo mais justo, sem qualquer retrocesso, sequer roçaram ambos os eventos: se justas eram inexeqüíveis e vice-versa. Minha visão distante da emoção da capital gaúcha e da frieza acadêmica de Davos é a seguinte: é importante um regulamento internacional de proteção de patentes, da propriedade intelectual, da segurança do capital, da tecnologia, do patrimônio? Sim, é. É importante a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Sim é. Pois bem, apliquemos ambas, porém com a clareza de que qualquer direito não pode se sobrepor ao direito à alimentação, à moradia, à saúde, a uma vida digna. Como conciliar os antípodas é o desafio da nossa geração. E não será arrancando pés de soja de experimentos científicos que vamos atingir esse objetivo. Em especial, mecanismos deverão ser encontrados para que países com vocação agrícola venham a se posicionar adequadamente no mercado internacional, livres das barreiras atualmente impostas pelos países ricos, permitindo a alimentação passe a ser a grande prioridade do terceiro milênio.

Crítica e auto-crítica

Quem teve a pachorra de assistir ao tele-debate entre membros dos dois fóruns, viu-se frustrado pelo vácuo de propostas claras de reordenamento mundial, e pelo excesso de acusações de ambas as partes, recheado de emocionalismo piegas. Reparos de toda a ordem tem sido argüidos pelos simpatizantes de cada corrente à outra. A Academia e os governos reunidos em Davos começam a ouvir a voz rouca das ruas, e esquecer o que escreveram. O mercado já não é o deus ex-machina venerado e louvado nas últimas décadas. Concessões terão que ser feitas às questões sociais e ambientais, compatibilizando-as com as facetas econômicas. A função social do capital volta à cena, e os próprios economistas do fórum passam a acalentar a idéia de taxar as movimentações financeiras internacionais, compondo um fundo de auxilio aos países mais pobres.   Concedem que justiça social somente será conseguida com a eliminação dos subsídios agrícolas dos países ricos, e com equidade de tratamento no comércio internacional. Auto crítica também não faltou no Fórum Social Mundial, e uma de suas expressões foi cunhada por Liandro Lindner (jornalista e consultor da Prefeitura Municipal de Porto Alegre) em seu ensaio "Loucos de toda a ordem em Porto Alegre". De acordo com ele "...nos painéis, depoimentos emocionados narravam a fé, disposição e esperança de que um mundo novo mais solidário e igualitário pudesse ser possível. Gente sofrida, que não perdia a esperança de que o avanço do capitalismo, e de suas conseqüências nefastas, pudesse ser contido". Faltou criatividade e visão de futuro para transformar a ameaça em oportunidade.

O desdobramento comercial

Assumindo que um país à margem do mercado globalizado estará condenado à miséria, e sua população pagará o preço representado pela baixa qualidade de vida, é necessário fazer as devidas ligações entre o que tem se passado em Davos – e o que ainda se passará – e o que ocorreu em Porto Alegre, e como essa questão será encaminhada no futuro, para balizarmos nossa inserção na globalização. Ainda estamos no rescaldo da "crise da vaca louca", por um lado um fiasco da política externa canadense, que nos causou enormes prejuízos, mas por outro um avant première do que nos espera na guerra santa do mercado internacional. Tivemos habilidade e capacidade de "sair por cima" da crise, ganhando conceito nível 1 da OIE (o mais elevado), enquanto nossos detratores, Canadá e Estados Unidos, ficaram com as restrições do nível 2. Os conflitos comerciais, outrora restritos aos gigantes do Hemisfério Norte, começam a confluir para embates Norte-Sul, com intensidade crescente. Ocorre que alguns países começam a "colocar as mangas de fora", e disputar espaços comerciais.   O Brasil, particularmente, tem potencial para ser o país líder mundial no setor de agronegócios. Isso posto, é necessário preparar-se para a guerra que será sobreviver nesse mercado. Por exemplo, vivemos no momento o conflito entre a obediência cega aos preceitos do TRIPS (Acordo internacional para proteção de patentes) e a salvação de milhões de pessoas afetadas por endemias e epidemias que grassam no Terceiro Mundo, variando da malária à AIDS. Ocorre que os detentores de patentes valem-se do monopólio que a lei lhes confere para praticar preços absurdos, inviabilizando campanhas de saúde nos países pobres. Que, no desespero, ameaçam quebrar as patentes, caso os preços não sejam trazidos a patamares razoáveis. Do resultado desse embate sairão indicadores claros de como será encarado o conflito conceitual no setor de agronegócios, por envolver a mesma polarização de interesses entre países ricos e pobres, pois o anacronismo dos subsídios agrícolas que impedem o Brasil de alçar-se à liderança dos agronegócios mundiais será pauta tanto em Davos quanto em Porto Alegre.

Os gomos do barril

Décio Luiz Gazzoni

A geração de nossos pais – e a nossa – cresceu e se desenvolveu sob a esperança que ainda viria o dia do Brasil. Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste, recitava o poeta. Esse é o país do futuro, era o contraponto com orgulhoso nacionalismo de pais e mestres, governantes e mídia, uma rara unanimidade nacional. Terra farta e fértil, clima adequado, em se plantando tudo dá. Sempre imaginamos o progresso nacional alavancado por uma agropecuária forte, que redistribuísse renda para os outros setores da economia. O nosso desígnio predestinado não se concretizou por diversas razões, incluído o protecionismo dos países ricos que afoga nossas possibilidades. Porém há razões internas debitadas exclusivamente à nossa falta de visão, de interesse e de ação, de uma política e de uma estratégia para tornar inexorável o anseio de gerações.  

Custo Brasil
É muito importante ter terra fértil e farta, clima adequado, e agora tecnologia disponível para os quatro cantões do país. Mas a questão não é tão somente produzir competitivamente, mas chegar até o consumidor final com a mesma competitividade da produção dentro da fazenda. Os insumos precisam ter preço adequado, devem estar disponíveis a tempo e hora, assim como a maquinaria para sua aplicação e para os tratos culturais. Após a produção, é importante que a seqüência de eventos na cadeia produtiva mantenha o mesmo grau de competitividade para evitar morrer na praia, com a agregação de custos desnecessários entre a fazenda e a mesa. É o famoso Custo Brasil, que pesa negativamente ao longo de todo o processo de produção, processamento e comercialização. De nada adianta acalentar o sonho de nossos antepassados, achando que produzir é o que importa, o restante é acessório. Uma vez produzido, há que armazenar, processar, embalar, transportar, etc., cumprindo o ciclo até o consumidor final.

 

Transportes
Uma corrente é tão forte quanto o seu elo mais fraco, e o volume de água do barril é limitado pelo seu gomo menor. Para muitas culturas, conseguimos produzir em condições altamente competitivas em relação aos nossos contendores. Ao deixar a porteira da fazenda, as coisas começam a se complicar. O exemplo do momento é didático, quando a cabeça da fila de caminhões de soja está na beira do porto, em Paranaguá, e o rabo chegando em Curitiba. Dias de espera, fazendo com que o sistema emperre, o frete abocanhe parcela ponderável do valor do produto, sem sequer transferir renda para os transportadores, porque esses, por sua vez, estão repassando custos da ineficiência. O problema é só de Paranaguá? Antes fôra, ,mas o porto de Santos se debate com a crônica maldição do corporativismo que torna o custo de carga e descarga insuportável, e ainda precisa administrar a greve que paralisa as operações e acrescenta ainda mais custos. Itajaí e São Francisco do Sul (SC) não ficam atrás. É importante observar que estamos com uma oportunidade de ouro na mão, em função dos problemas sanitários na Europa, mas as nossas estradas e os nossos portos suportarão o aumento do fluxo de exportação de carne? Caminhão refrigerado não pode ficar parado na estrada por três dias, precisa de tomadas de energia em quantidade suficiente nos portos. Temos?
  Desinvestimento
Agora que a economia dava indícios de que sairíamos do atoleiro dos últimos anos, descobrimos que a falta de investimento em infra-estrutura se transformou em uma verdadeira bigorna que carregamos morro acima, como é o caso do mata burros da falta de energia, que tolhe qualquer possibilidade de ampliação da atividade econômica. No campo, além da energia faltam vias de transporte adequadas, as estradas que ainda existem estão saturadas, o piso esburacado, tornando o custo de transporte proibitivo para a maioria das explorações agrícolas. É por isso que as mentes lúcidas desse país vêm reclamando há anos uma política agrícola global, abrangente e duradoura, para evitar que o menor gomo do barril impeça que, em se plantando tudo dê.

Tecnologia garantindo o presente e o futuro

Décio Luiz Gazzoni

Um instituto científico produtivo é como uma cornucópia mitológica, de onde saem o pão e o peixe, o vinho e o leite. Que dizer do maior instituto de tecnologia para o agronegócio do Hemisfério Sul, que é a Embrapa? Dos seus laboratórios e campos experimentais tem brotado tecnologias que alavancaram o progresso da Nação e nos trouxeram até o presente, com forte lastro na qualidade e na competitividade. Colhemos hoje o fruto dos investimentos do passado recente, e o investimento que se fizer na Embrapa hoje garantirá não apenas o pão e o leite de nossos filhos e netos, mas as matas e os campos, os rios e os lagos preservados, o ar puro, o emprego e a renda da Nação brasileira. A Embrapa completou ontem 27 anos, e não há como falar de sua contribuição a não ser com exemplos esparsos, tamanha é sua produção científica e tecnológica. Vejamos alguns exemplos de novas variedades:   Frutas
Um híbrido de bananeira resistente à Sigatoka negra vai permitir criar um cinturão que evite a dispersão da doença além dos limites amazônicos e de Mato Grosso, protegendo a produção das áreas livres. Esse híbrido também resiste à Sigatoka amarela e ao Mal do Panamá. Produzir mangas só era possível durante 4 meses do ano, até que a Embrapa desenvolveu técnicas de paralisação do crescimento e indução floral, o que permite ter mangas o ano inteiro. Uma vez colhidas, nossas mangas alcançam o mundo após tratamento hidro-térmico desenvolvido pela Embrapa, para eliminar as larvas de moscas das frutas. Não apenas no semi-árido, mas nos pagos gaúchos a Embrapa também deixou sua marca, ao aumentar de 2 semanas para 4 meses o período de colheita do pêssego. A planta de Castanha do Pará agora produz a partir do 6o. ano – antes produzia no 14o. E os custos de produção foram sensivelmente reduzidos com novas técnicas de enxertia.

Grãos
A Embrapa liberou, nos últimos anos, 53 variedades de arroz de várzea e duas dezenas para arroz de sequeiro, aumentando a produtividade da cultura em até 74%. Lembra do mosaico do feijoeiro, doença sem solução? Coisa do passado, a Ônix, nova variedade de feijão da Embrapa é resistente ao mosaico, e em breve todas as novas variedades lançadas também serão. Tem mais, feijão irrigado produz 3 vezes mais que feijão de sequeiro, garantindo a estabilidade da oferta do produto, a custo menor. O milho já é palavra comum no Cerrado outrora improdutivo, e além de produzir muito, também possui qualidade melhor, é mais nutritivo, em função das variedades lançadas pela Embrapa. Sem contar as dezenas de variedades de soja, que hoje dominam a paisagem do Cerrado, e permitem que o Brasil sonhe com um porvir de liderança absoluta na produção de grãos em escala mundial.
  Hortaliças
Fungos de solo vinham transformando áreas férteis em marginais, até que a Embrapa desenvolveu as variedades de cenoura Brasília e Kuronan, que também são resistentes à pragas da área foliar. Apenas essas variedades foram responsáveis por elevar a rentabilidade do produtor em 340%. Variedades resistentes a pragas também foram desenvolvidas para tomates, batata, repolho, batata doce e outras hortaliças. No caso da ervilha, as variedades resistentes viabilizaram o seu plantio em pivô central nos Cerrados.

 

Investimento no Porvir
A lista é interminável, e abrange não apenas a agricultura, porém a pecuária, e os impactos não são apenas econômicos, porém sociais, ambientais e comerciais. A Embrapa está se estruturando para ser um poderoso sustentáculo da competitividade brasileira no mercado globalizado, em especial no que tange às questões de custo, qualidade e sanidade. A Embrapa é a garantia de que a Nação está preparada para competir nos agronegócios do mercado globalizado do III milênio. Mais que competir, para realizar seu potencial de liderança setorial, em escala planetária. Investir na Embrapa hoje é garantir a concretização do sonho futuro.

Vai trucar?

Décio Luiz Gazzoni

Sanidade agropecuária não é um jogo em que apostas possam ser feitas contra a banca, de forma impune. Agora que o Paraná é área livre com vacinação, na contagem regressiva para ficar livre também da vacinação, é bom refletir o que ocorre com apostas erradas. A febre aftosa é uma doença extremamente fácil de controlar, tomadas as medidas técnicas e higiênicas recomendadas. Epidemias de febre aftosa denunciam a incompetência e a falta de higiene do produtor, o descaso e a falta de sensibilidade dos governantes, a falta de visão das lideranças setoriais e a falta de união e de organização da sociedade em torno de objetivos comuns e permanentes. É muito dinheiro para arriscar na aposta errada.

Mau exemplo
Do alto de sua arrogância, as autoridades dos países europeus julgavam-se à prova de qualquer epidemia e acima de qualquer suspeita. Aí veio o sangue com HIV, a dioxina na ração, o fungicida na Coca Cola, a vaca louca, a febre aftosa, e os negócios foram água abaixo. Uma epidemia de enfermidade animal ou vegetal não afeta apenas o proprietário da fazenda, mas toda a comunidade e seus negócios, como esporte, turismo, lazer e outros. O Centro de Pesquisa em Economia e Negócios de Londres estima o custo da atual epidemia de aftosa na Inglaterra em cerca de 35 bilhões de reais. Eu disse trinta e cinco bilhões de reais! Ou 1,1% do PIB da terra da Rainha. Na dúvida, confirme com o seu economista Chefe Paul Crawford (feye@cebr.com). São mais de 2,5 milhões de cabeças de gado sacrificadas! Estima-se que o Governo inglês perderá mais de 10 bilhões de reais em impostos e gastará 700 milhões de reais com indenizações de produtores. Para ter uma idéia do impacto macro-econômico, essa perda de arrecadação é três vezes maior que a redução de impostos prevista no orçamento de 2001, destinada a reativar a economia do Reino Unido. Por que tamanho prejuízo? Porque os ingleses não deram importância às ações preventivas, e quando a epidemia começou agiram qual barata tonta, sem saber o que fazer, enquanto a aftosa se alastrava pelo país. Não estavam unidos nem organizados, não havia planos nem lideranças para resolver o problema.
  Bom exemplo
Eta Paranazão velho de guerra! Há 4 anos a sociedade paraense decidiu dar um basta na aftosa, doença que estigmatizava nosso gado, e denunciava o atraso, a falta de higiene e o descaso da nossa agropecuária. Foi elaborado um planejamento estratégico, foram definidas as ações operacionais, os papéis, as fontes de financiamento. A sociedade se uniu em torno de lideranças lúcidas bem representadas por Ágide Meneghetti no setor privado e o Secretário Poloni no segmento público. Os resultados não tardaram a aparecer, e o Paraná vai indo muito bem, Graças a Deus e a cada habitante do Estado que cumpriu o seu papel. Enquanto vemos pipocar maus exemplos à nossa volta, consolidamos nossa situação de área livre de aftosa.

União e organização

Empreitadas dessa magnitude somente são possíveis se toda a sociedade se conscientizar de que faz parte da rede de atuação. Não resolve ir reclamar com o bispo, porque o bispo também faz parte do sistema que busca manter um clima permanente de "pensar saudável" ou "pensar sanidade". É um jogo de um por todos e todos por todos, além de todos por um. Não há outra alternativa a não ser unir todas as forças vivas da sociedade, organizadas em torno do objetivo comum, com clareza de metas, papéis e ações, com lideranças competentes que saibam manejar o timão rumo ao Porto Seguro.   Não é jogo para trucar, para imaginar que, se os outros fizerem sua parte, você pode se acomodar e para e se apropriar do bem coletivo: você também faz parte desse mutirão. Usando a sabedoria do campo, se jogarmos uma garrafa de vinho francês no balde de mijo da vaca, o mijo ficará do mesmo tamanho. Mas ponha uma gota de mijo de vaca na garrafa de vinho francês para ver a meleca que dá. Falar nisso, o que você fez hoje para garantir o "Paraná livre de aftosa?"

 

Tem boi na rede

Décio Luiz Gazzoni

Quem assistiu a cerimônia de premiação da Ruraltech, durante a Expo Londrina talvez não percebeu haver vivido um momento histórico. O primeiro lugar da mostra competitiva coube a um inventor que desenvolveu um chip que, uma vez implantado no bezerro recém nascido, o acompanha por toda a vida, e é recolhido no frigorífico e guardado por algum tempo. Para que serve o chip? Ele identifica o animal e através de sua leitura, sabe-se sua idade, peso, ascendência, etc. Lembra do tempo da marcação a ferro, fogo? Agora o boi tá na rede, mas na rede da Internet. Frescura de criador modernoso? Negativo, exigência do mercado globalizado que impõe uma coisa complicada chamada traceability (traçabilidade, em tupiniquim). É um procedimento sanitário que permite saber, em qualquer ponto da cadeia, tudo o que aconteceu com o animal, desde seu bisavô, até o último minuto. E a melhor maneira de faze-lo é usando chips implantados, ou brincos com código de barra.   Agroinformática
Ciência nova, ainda bebê, deve movimentar esse ano mais de US$100 milhões só no Brasil. Em 2000, o volume comercializado no segundo semestre foi 25% superior ao do primeiro", afirma Flávio Pereira, diretor de marketing da Alma, que faz software para pecuária e administração de haras. Já a concorrente Agrisoft registrou crescimento em 2000 de 25%, e espera o dobro disso em 2001. A cadeia agroprodutiva precisa de controle como qualquer outro negócio. Compra-se e estoca-se calcário, adubo e ração. Animais são comprados e vendidos, máquinas precisam de manutenção, aves de comida e vacinas. Sem falar na administração dos parâmetros de produtividade, como leite produzido por quilo de ração, ganho de peso, eficiência econômica de fertilizantes, etc. Disponibilidade de insumos e produtos, taxas de câmbio, investimentos, negócios, informações tecnológicas, tudo isso já pode ser feito via Internet. Cotações de preços são feitas on line e real time, coisa impensada até pouco tempo. Movimentação bancária é no teclado e no mouse. Com a chegada do telefone na fazenda, o conceito de aldeia global já é uma realidade.

Banco de Dados
A maioria dos pecuaristas ainda usa o sistema antigo, o peão pesa o gado na balança comum; anota o peso numa caderneta, leva para o escritório, passa os números a limpo em fichas, e lá vão elas para o armário, aguardando aproxima anotação. Mesma coisa para ração, medicamentos, vacina, adubos, agrotóxicos, etc, Isso falando dos produtores mais organizados, que tem um controle "rígido" do seu negócio. Agora é possível passar o gado por uma balança com sensor, que registra automaticamente a data e o peso. O controle de compra de insumos e do seu estoque também está no computador. Mesma coisa para qualquer número da propriedade. De posse do banco de dados, o produtor pode cruzar o que quiser, e obter informações que o auxiliem a competir no mercado globalizado. Em especial, o produtor pode manter seu custo de produção sob controle, para dispor a todo o instante de elementos cruciais para a tomada de decisão de compra e venda.
  O arsenal da agro-informática
As exigências de competitividade, de sanidade e qualidade, e os avanços da agricultura de precisão, estão a exigir cada vez mais que o agricultor ingresse na nova era. As soft-houses já se especializam em softwares de gestão rural, enviando para o arquivo morto os arcaicos caderninhos. Sensores ligados a estações de rádio, colocados no meio da lavoura informam temperatura, umidade atmosférica e composição química do solo em tempo real, as máquinas dispõem de eletrônica embarcada, permitindo o tratamento adequado dos cultivos. O investimento é barato e retorna rapidamente - um pecuarista por um computador e um programa de gestão o equivalente a dois bois gordos. Para o produtor de grãos, a colheita de uns três hectares de soja. E com tendência a ficar cada vez mais barato. O que hoje é novidade e pode parecer coisa de mula-sem-cabeça, será a senha para permanecer no mercado amanhã. Portanto, é bom chamar o filho caçula agorinha mesmo, e começar suas aulas de agro-informática.

Econegócio, um grande agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

Por muito tempo o Brasil foi vilipendiado por poluir a atmosfera com as queimadas, mormente na Amazônia. Porém estudos sérios demonstraram que 80% da poluição atmosférica mundial provém dos países ricos, metade dela concentrada em atividades industriais nos Estados Unidos. Cientistas e líderes políticos e privados reuniram-se no Encontro de Kyoto, que estabeleceu uma agenda para reduzir os dejetos gasosos na atmosfera, causa principal do aquecimento global.

Ameaça
O compromisso de cada um fazer o dever de casa implica em mudanças ponderáveis no xadrez do comércio internacional, por demandar pesados investimentos industriais para modernização industrial. Esses investimentos, destarte seu montante, não afetariam sensivelmente a produtividade industrial e a qualidade dos produtos, o que geraria um baque de competitividade pelo acréscimo de custos a amortizar no curto prazo. Os EUA inventaram o Clean Air Act (Lei do Ar Limpo), reconhecendo que fábricas antigas não tem como modernizar-se e permanecer no mercado. O candidato Bush prometeu solenemente cumprir o disposto no Protocolo de Kyoto, mas feito presidente, tratou rapidamente de esquecer o que havia escrito, e declarou que não quer ser o coveiro da antiquada industria americana.
  Oportunidade
Se os industriais não vão fazer a lição de casa, embora de todo condenável, amplia-se a oportunidade de a agricultura reafirmar seu desígnio de ser uma atividade que limpa e purifica o ar, quando conduzida de acordo com os preceitos técnicos. É o que vem sendo chamado de Environmental Services, tendo até um segmento da economia (Environmental Economics) a fornecer o suporte teórico. Os serviços ambientais significam que alguém vai pagar para outrem retirar poluentes da atmosfera, mantendo florestas, matas ciliares e até pomares ou reservas faunísticas, expandindo para o Mundo o Clean Air Act americano. E o assunto não é coisa de xiita ecológico nem de visionário futurista, mas tema dos vetustos debates no FMI, nos templos do hard core do capitalismo americano, como Harvard ou Stanford.

Carbono commodity
O III milênio vai nos reservar surpresas inimagináveis. Ou você havia sonhado com alguma coisa parecida com o carbono virando commodity (carbon credits)? De acordo com o Protocolo de Kyoto, o negócio é simples: se você quer continuar poluindo, é só pagar a alguém para que produza o equivalente em ar puro, em qualquer lugar do mundo. Só o BIRD está investindo esse ano US$34 milhões em projetos do gênero. Na Internet começam a pipocar sites de negociação de créditos de carbono (www.carbonexchange.com, www.carbonmarket.com, www.carboncredits.com.ca). Na prática significa o seguinte: um investidor do Brasil pode captar um recurso de investimento de qualquer país que emporcalhe o ambiente, tipo os EUA, para plantar florestas ou pomares, desde que demonstre tecnicamente que vai retirar "x" unidades de gás carbônico do ar e devolver "y" unidades de oxigênio. Além de receber o dinheiro dos créditos de carbono, ainda dá para obter um lucro com a venda das frutas produzidas.
  E o Brasil?
Ao invés de apenas chorar o leite derramado, devemos protestar (e violentamente!), mas aproveitar a oportunidade. Está na hora de uma junção entre governo e iniciativa privada, para captar agressivamente os créditos carbono que começam a rolar pelo planeta, transformando-os em reflorestamento, em matas ciliares, em pomares de plantas perenes. É uma excelente oportunidade de atuar em duas pontas – o agronegócio e o econegócio – e beneficiar-se de ambos, tanto do ponto de vista ambiental quanto do econômico, com profundos reflexos no campo social (geração de emprego e renda) e na melhoria da nossa imagem na sociedade mundial. Novamente, o Brasil tem tudo para ser o líder do econegócios, como o tem para ser líder dos agronegócios. Vamos entregar o ouro de graça para os bandidos mais uma vez? Com a palavra lideranças públicas e privadas, de larga visão estratégica.

A sanidade agropecuária no dia a dia do cidadão

Décio Luiz Gazzoni

A missão da sanidade agropecuária é proteger os animais silvestres ou de importância econômica e as plantas cultivadas ou florestais das suas pragas, garantindo para os consumidores um alimento de qualidade, nutritivo e saudável. Quando um inseto ataca uma lavoura, a produtividade fica ameaçada, o custo aumenta, o lucro do agricultor diminui, o preço ao consumidor dispara. Dependendo da praga, a qualidade de apresentação, o sabor, o aroma ou outras características dos frutos ou das hortaliças é prejudicado. Caso seja necessário aplicar um agrotóxico, existe o perigo de atingir inimigos naturais ou animais domésticos, ou poluir o ar, a terra ou a água. Água poluída significa maior custo de tratamento para torná-la potável e o acréscimo de custo é arcado pelo contribuinte, através de impostos, ou pelo consumidor na fatura de água mais cara.   Ambiente saneado é importante
Se o ambiente de produção ou de processamento dos produtos agropecuários não for de alta condição sanitária, os alimentos poderão servir de veículo para doenças humanas, transmitidas através da carne, ovos ou leite de qualidade inferior, como a salmonelose, brucelose ou tuberculose, ou ainda provocar intoxicações como aquelas causadas pela aflatoxina do amendoim. Ainda está presente na memória o drama causado na Inglaterra, com a morte de pessoas que consumiram carne de animais contaminados pela vaca louca, pois a maior suspeita é de que os consumidores desenvolveram patologias cerebrais a partir de príons (compostos protéicos) encontrados na carne de animais contaminados. A atual epidemia de febre aftosa na Inglaterra deverá custar ao país mais de 35 bilhões reais em prejuízos diretos, indiretos e perda de arrecadação tributária.

Os desdobramentos
Um ambiente com sanidade inadequada não é atrativo para novos investimentos, nem motiva os empresários rurais para a modernização e melhoria de suas lavouras ou instalações industriais. Com menor produção, diminui o emprego e a renda no campo, empobrecendo as cidades do interior, o governo arrecada menos tributos, limitando seu investimento em segurança, educação, saneamento, saúde, habitação e infra-estrutura urbana. Desmotivado pela falta de oportunidades no interior do país, o cidadão migra para a periferia das grandes cidades, inchando as metrópoles, gerando maior demanda por serviços públicos que o Governo não consegue atender. O agravamento do quadro urbano aumenta a violência, os salários despencam, o empregado foge para a economia informal, e a Nação paga o preço da erosão na qualidade de vida e do menor desenvolvimento do país.

 

 

 

  Comércio internacional
O país que produz com condição sanitária inadequada é marginalizado no mercado globalizado. Os países ricos, que são muito exigentes, não compram mercadorias que não sejam inócuas do ponto de vista da segurança alimentar, isto é, estejam livres de pragas, microorganismos, resíduos de pesticidas, antibióticos e outros medicamentos. Sem poder vender para os países ricos, onde o produto alcança maior preço e com garantia de recebimento, o país com baixa sanidade é empurrado para os mercados marginais, com menor preço e até sem garantia de pagamento. As conseqüências também são sentidas no mercado interno, pois como as barreiras comerciais estão desaparecendo, os países que produzem em ambiente de alta sanidade têm produtos de melhor qualidade e menor preço, e conquistam o mercado dos países de baixa sanidade, fechando um perverso círculo vicioso. Ao final, o país perde seu mercado interno agravando a problemática do desemprego e da baixa renda, e perde também oportunidades de obtenção de divisas em moeda forte, gerando superávits na balança comercial, que são os recursos que a sociedade utiliza para alavancar o seu desenvolvimento e o seu progresso. Com isso queremos demonstrar que sanidade agropecuária não é um problema apenas do Governo ou do produtor:é meu, é seu, é nosso também!

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