Um triênio de muita adrenalina

Décio Luiz Gazzoni

Entre 2002 e 2005 o futuro dos agronegócios brasileiros estará sendo negociado. Em janeiro instala-se a Rodada do Milênio da OMC, foro multilateral de negociação das regras do comércio internacional, paralelamente à negociação da ALCA e entre Mercosul e União Européia. Como até uma caminhada de 1000 quilômetros inicia com o primeiro passo, esse será dado ao alvorecer do próximo ano. A jornada será árdua e o pote na ponta do arco íris será um novo ambiente de comércio internacional, livre de protecionismos, artificialismos e barreiras de qualquer ordem. É o melhor cenário que o Brasil pode imaginar para embicar a proa rumo à liderança dos agronegócios mundiais, no curto espaço de uma geração.   Agricultura e dumping
Na reunião da OMC no Qatar, este era o busílis da questão para o Brasil, em virtude do protecionismo conferido pelos países ricos à sua agropecuária, o que reduz dramaticamente o espaço negocial de países que não dispõem de fortunas para subsidiar uma agricultura ineficiente. De passagem é importante ressaltar que o protecionismo francês, o mais retrógrado e arraigado do mundo, foi candidamente elogiado por Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro passado, em sua visita à França. Por ser o líder da corrida sucessória no presente momento, se vencedor será o responsável pelas diretrizes da pauta brasileira de negociação a partir de 2003, razão pela qual é muito importante saber o que o candidato pensa a respeito do protecionismo agrícola dos países ricos. Os membros da OMC também concordaram em entabular "negociações destinadas a esclarecer e aperfeiçoar o artigo 6 do antigo GATT", que trata das regras anti-dumping, que vinham sendo usadas como barreiras por países ricos, toda a vez que aportava em seu território um produto proveniente de país pobre, com preço inferior ao produzido no país importador.

A proposta
Numa linguagem apenas acessível a iniciados nos meandros diplomáticos, a declaração de Doha reza: "Concordamos que negociações em assuntos relevantes de implementação devem ser parte integral do programa de trabalho que estamos estabelecendo". Tradução: Os países ricos haviam se comprometido, no acordo de Marraqueche de 1994, a reduzir drasticamente seus subsídios agrícolas até 2004, quando deveriam entrar em vigor novas regras para completa eliminação dos mesmos. Não o fizeram e agora estão reconhecendo que o tema deve ser renegociado. Indo ao ponto agrícola, o documento refere "(serão estabelecidas) negociações abrangentes para melhorias substanciais do acesso ao mercado". Tradução: propõe negociar a redução das tarifas de importação, as quotas e as sobretaxas que impedem a entradas de produtos agrícolas no Primeiro Mundo. Vai além ao citar "...reduções, com vistas à eliminação progressiva, de todas as formas de subsídios às exportações, e substanciais reduções em apoio doméstico que distorçam o comércio". Ou seja, coloca-se sobre a mesa os mais de US$400 bilhões anuais que os países ricos usam para contrabalançar a falta de competitividade de sua agricultura.
  Negociação
Absolutamente nada está ganho ou garantido, até porque Doha foi apenas uma rampa de lançamento da rodada de negociações, tendo sido estabelecidos alguns limites. O jogo começa no próximo ano. Será o momento de governo e iniciativa privada agirem em conjunto, com pauta única, consensada internamente. Temos que entrar em campo como um time que sabe que tem todas as condições de ganhar, atuar com segurança e profissionalismo, comparecendo com qualidade e quantidade nas mesas de negociação. O jogo será pesado, por vezes desanimador, dará muitas voltas, portanto o Brasil precisará arregimentar diversos parceiros para as suas teses. Será necessário habilidade, firmeza, perseverança, paciência, inteligência, esperteza, experiência, estratégia, visão de futuro, capacidade de negociação, entre outras virtudes. Mas é a única forma de pavimentar o caminho para o futuro do Brasil. Uma negociação bem sucedida poderá transformar a vergonha das 100 milhões de toneladas de grãos que produzimos hoje em 500 milhões daqui a 15-20 anos. Centenas de bilhões de dólares poderão ser arrecadados pela via do agronegócio para desenvolver o nosso país. É a melhor herança que poderemos deixar para a geração que nos sucederá.

Redescobrindo a China

Décio Luiz Gazzoni

A China tem 1 bilhão virgula uma América Latina de habitantes disputando cada centímetro do seu bilhão de km2 entre a área urbana e a agricultura. Não há vazios geográficos na China, onde até as montanhas a pique estão sendo aproveitadas. A China produz 400 milhões de toneladas de alimentos, das quais 200 milhões são grãos, importando outras 300 milhões de toneladas. Considerando o índice da FAO que estabelece a linha da fome na produção de 600 ton de grãos/hab/ano, a China deveria produzir inimagináveis 750 milhões de toneladas de grãos. Apesar de ser um dos países mais liberais no uso de transgênicos, é utópico imaginar que a China auto-suficiente em alimentos.   China e OMC
Noiva cobiçadissima, a China tem um mercado consumidor de 600 milhões de habitantes (4 brasis), com renda superior a US$1.000,00 anuais, apesar da média do país ser inferior US$500,00. Tratando a globalização de forma diferenciada, a China aproveitou as oportunidades e os capitais estrangeiros para crescer a 7-10% durante a década passada (acumulado de 120%), mantendo o patamar nesse início de século. E com um aumento de apenas 20% no consumo de energia! Lá pequenas margens são multiplicadas por grandes números. Se os chineses resolverem comer apenas 100g de frango a mais por mês, representa um consumo anual adicional de 1,5 milhão de toneladas, mais de US$1 bilhão! Em menos de 20 anos a China será um dos cinco maiores PIBs do mundo. Por essas e outras razões, a China foi cortejada e sua entrada na OMC foi muito festejada em Qatar.

China e Comércio Internacional

A China transaciona incríveis US$480 bilhões anuais, quase o valor de seu PIB (o Brasil transaciona menos de 15% do PIB), com projeção de igualar-se ao PIB em 2005 (US$650 bilhões), um acréscimo de US$95 bilhões nas importações (aproximadamente o montante do comércio internacional do Brasil). A China terá que adaptar-se às regras da OMC o que significa reduzir, em 3 anos, as alíquotas de produtos industrializados de 25 para 8% (veja tabela). Também haverá uma forte mudança de paradigma, pois a China assumiu o compromisso de respeitar a propriedade intelectual, o que lhe tira a margem de competitividade que era obtida com reproduções não autorizadas.

Imposto de Importação (%)

Item

2001

2004

Carne bovina

45

12

Carne suína

20

12

Carne de frango

20

10

Laranja

40

12

Óleo de soja

112

09

Maçã

30

10

Uva

40

13

Queijo

50

12

 

China e Brasil
Eis aí um casamento (quase) das mil e uma noites. A China precisa de alimentos, centenas de navios carregados de alimentos. O Brasil tem como produzir todo o alimento que a China demandar, e ainda sobra muito boi e muito pé de café. Em 1980 as transações Brasil China eram de US$ 17 milhões, em 2000 ultrapassaram US$3 bilhões, e o céu é o limite. Somente esse ano a China passou do 10o. comprador do Brasil (maio) para o 5o. (setembro)! A soja foi um dos grandes responsáveis por essa transmutação, com vendas superiores a US$500 milhões. Temos espaço para vender óleo e farelo de soja, suco de laranja, café, milho, frango, carne bovina, etc. Preferencialmente já com mão de obra e tecnologia agregadas, que duplicam o valor da mercadoria no comércio internacional. Eis aí a oportunidade dos produtores, da Embrapa, das indústrias. Porém há uma ameaça: o espaço negocial da China é o mesmo do Brasil – produtos primários com nível baixo de agregação de valor.
  Negociação
Em meados de novembro, o vice ministro de comércio Wei Jeanguo esteve no Brasil entabulando negociações visando ao incremento do comércio bilateral. Na pauta tanto exportações chinesas (eletrônicos, têxteis, brinquedos) quanto exportações brasileiras (aço, aviões, produtos agropecuários). A delegação reuniu-se com a equipe do Ministério da Agricultura chefiada pelo Secretário da SDA, Dr. Luiz Carlos de Oliveira, para discutir o acordo de regras sanitárias. É de transcendental importância ter em mente que a abertura do mercado chinês não significa, de forma alguma, mercado cativo para o Brasil. Significa que, quem ofertar produtos mais competitivos, com mais qualidade, melhor preço e condição sanitária adequada, vai ganhar o cliente. Além das demais razões, agora temos um negócio da China para incentivar o investimento em tecnologia e sanidade agropecuária.

 

As interfaces entre comércio e biotecnologia

Décio Luiz Gazzoni

Oferta e demanda de alimentos têm se mantido em equilibro instável, sob o efeito tampão dos estoques que impedem grandes saltos. Obedecem às leis do mercado, insensíveis às mazelas sociais ligadas à miséria e à fome. Há 200 anos o Homem se dedica a desacreditar Malthus e sua profecia pessimista. Sob a fria ótica do mercado estamos produzindo o suficiente para atender à demanda de quem possui recursos para adquirir alimentos. Porém, sob a ótica da dignidade humana, em especial da eliminação da fome, o mundo vem alargando o fosso que separa a oferta da demanda efetiva de alimentos.   É um fato que a maior parcela dos alimentos produzidos são consumidos no próprio país de origem, enquanto apenas um quarto da produção ingressa no mercado internacional. Entretanto, regiões endemicamente famélicas como a África sub-Sahara ou o sudeste asiático tendem a demandar cada vez mais alimentos produzidos em outras regiões. Com a crescente globalização dos mercados, qualquer inovação tecnológica precisa ser analisada sob esta ótica, como forma de vislumbrar o rumo dos agronegócios. O embate acerca da aceitação de alimentos produzidos a partir de OGMs demanda uma análise profunda dos impactos de uma grande dúvida e de diversas inquietudes que lhe são caudatárias. A dúvida é: o consumidor europeu, japonês e de outros países que tem mostrado resistência a OGMs manterá essa posição no médio prazo? Como será emoldurada a agropecuária mundial e os agronegócios agregados, a partir dessa realidade?

 

  As premissas
Para desenvolver essa análise é necessário elaborar determinados cenários. Parte-se do princípio que existem poucas áreas agricultáveis ainda passiveis de incorporação ao processo produtivo, e que essas áreas estão concentradas em algumas regiões claramente demarcadas. Assume-se a estimativa da inflexão da curva populacional a partir de 2050, quando a taxa de crescimento populacional será negativa. Aceita-se como certo a crescente exigência dos consumidores por elevada qualidade fisiológica, organoléptica e nutricional dos alimentos. O quadro de protecionismo (ou o seu phasing out) é considerado neutro para os eventuais efeitos de comércio internacional de OGMs. Porém admite-se que as exigências de biossegurança serão crescentes, independente do cenário que venha a ser estabelecido.
 

Cenário presente
Em nossa opinião, o cenário mais provável é uma progressiva atenuação das restrições aos alimentos contendo OGMs, junto aos consumidores de países ricos. Os principais fatores que impulsionaram e mantém as restrições, até o momento, são:

  1. consumidores de países ricos têm suas necessidades alimentares e nutricionais plenamente atendidas, não sendo este um ponto crítico;
  2. estes consumidores possuem alta renda per cápita e comprometem pequena parcela do orçamento doméstico com alimentação, logo não são sensíveis a argumentos de redução de preços;
  3. existe muita desinformação e desconhecimento em relação aos riscos de OGMs. O cidadão de Primeiro Mundo é bombardeado, diariamente, com milhares de informações, relativas às mais díspares áreas do conhecimento. Estando bem nutrido e sem pressão do custo da alimentação, não há razão para preocupar-se em informar-se melhor a respeito de OGMs, conseqüentemente assumindo a postura cômoda de rejeitar, liminarmente, seu uso;
  4. a seqüência de fiascos dos desaparelhados sistemas de proteção à saúde dos países europeus minaram profundamente a confiança dos consumidores, que preferem evitar qualquer risco por não acreditarem na capacidade dos Governos de proteger a sua saúde;
  5. é politicamente correto posicionar-se favoravelmente a ONGs que brandem bandeiras de proteção ao ambiente, justiça social e outras, e que também adotaram a luta contra OGMs.
  6. com respeito aos OGMs, a Europa estava tecnologicamente defasada em relação aos EUA, o que provocou uma onda de xenofobia tecnológica, com um discreto apoio de governos e empresas concorrentes às ações das ONGs.

 

Câmbios

O que deve mudar, substancialmente, ao correr da década, são dois aspectos fundamentais: em primeiro lugar mudará a percepção da sociedade em relação aos OGMs, porque os riscos hipotéticos que têm sido aventados não estão se concretizando, sobrevindo um efeito capitis diminutio em relação à sua influência na opinião pública. O segundo aspecto trata do foco da inovação tecnológica, que transmuta-se do produtor para o consumidor, orientada pelas suas próprias demandas. Os OGMs do futuro estarão voltados a aspectos nutricionais, organolépticos, de qualidade e de melhoria da saúde da população. Aspectos agronômicos continuarão a ser objetos de desenvolvimento biotecnológico, porém terão que dividir as atenções com as imposições advenientes do mercado.   Avalia-se que o mercado exigente e sofisticado dos países ricos terá uma cunha insertada, mesmo que na forma de um nicho inicial, o qual tenderá a consolidar-se uma vez conquistada a confiança do consumidor em relação à biossegurança e à proteção ambiental. A moldura geral desse quadro é um aumento substancial nas condições de biossegurança e da credibilidade do sistema de vigilância sanitária. Já, para países pobres e emergentes, a sofisticação alimentar é uma exigência marginal, nitidamente um detalhe do mercado, posto que duas outras preocupações são transcendentais: a primeira é produzir a baixo custo e com estabilidade; a segunda é garantir a segurança alimentar da população. Nesses países, seguramente, a resistência ao uso e consumo de OGMs será menor.

 

Modelo

O mercado necessita trabalhar com cenários alternativos e não apenas fixar-se no mais provável, que pode não se concretizar. Com o estigma de um bioterrorismo embrionário, não é descartável uma introversão do consumidor e uma adesão maciça a produtos orgânicos, contraponto tecnológico da agricultura com paradigma biotecnológico. Estudos econométricos de predição do comportamento do mercado têm sido efetuados, sendo um dos mais interessantes aquele conduzido em parceria pelo IFPRI (International Food Policy Research Institute) e pelo Danish Institute of Agriculture.   A assunção efetuada foi de que países emergentes adotarão a tecnologia em diferentes graus, os Estados Unidos, a China e a Argentina manterão ou ampliarão o estado atual, o Japão e a Europa manteriam suas restrições ao consumo. Os cientistas utilizaram um sofisticado modelo matemático do comércio agrícola mundial contemplando preços, produção e as conseqüências da mudança de preferência dos consumidores em relação a alimentos. O modelo foi exercitado tomando como exemplos o milho e a soja, com suas variantes OGM e não OGM. O modelo assume que é possível manter cadeias de processamento e comercialização estanques, certificando a sua origem e garantindo sua identidade ao longo da cadeia.

Fluxos comerciais

A idéia do estudo foi verificar quem se beneficiaria em um cenário de mercado parcialmente restrito aos OGMs. Por definição, o modelo assume que o custo de produção de OGMs é menor e que a sua produtividade é igual ou maior, caso contrário os agricultores não adotariam a tecnologia em larga escala. Os resultados empíricos indicam que o mercado se ajustaria rapidamente a uma situação de segregação, distribuindo as partidas de commodities ou alimentos de acordo com as exigências de cada mercado. O modelo detectou prêmios e ágios do mercado em função da segmentação, condicionados à arbitragem de cada commodity. Em mercados que aceitam OGMs, o preço de variedades não modificadas cai, em virtude do alto grau de substituibilidade entre OGMs e não OGMs, e também pela extensa área de não OGMs destinada a atender os mercados restritivos. Os resultados são análogos aos obtidos com um eventual aumento da preferência por produtos orgânicos. Os produtos orgânicos são consistentemente mais caros, reflexo de custos de produção mais elevados e menor escala.   Os autores concluem que os países em desenvolvimento, com menores restrições ao uso e consumo de OGMS, tenderão a beneficiar-se em maior grau. Em especial, as regiões que são mais receptivas à biotecnologia e sensíveis aos aumentos de produtividade, deverão apropriar-se da maior parcela de mercado. Entretanto, pela velha máxima do beati possidentis, as empresas e os países que efetivamente dominarem a tecnologia estarão em condições excepcionais para apropriação do maior ganho financeiro, qualquer que seja a forma de reorganização do mercado. Assim, estrategicamente, mais importante que o uso de OGMs, será possuir o domínio do ciclo completo da tecnologia, para auferir integralmente os eventuais ágios e prêmios que o mercado vier a conceder, aliados à apropriação dos ganhos com a propriedade intelectual da inovação tecnológica.

Globalização de mercados e o desafio sanitário

Décio Luiz Gazzoni

 

Quase um quarto do PIB mundial é derivado do intercâmbio comercial, demonstrando sua importância para o desenvolvimento das nações, conforme pode ser observado na Tabela ao lado, que mostra o percentual do PIB mundial envolvido no comercio internacional, nos últimos 150 anos.

1850

1880

1913

1950

1973

1985

1993

2000

5,1

9,8

11,9

7,1

11,7

14,5

17,1

23,4

 

Os países ricos investem em inovação tecnológica permanente, ao passo que países emergentes têm na produção agrícola sua peça de resistência no comércio internacional. Ao tempo em que países ricos podem contrapor o déficit na balança comercial através de outros mecanismos, os países periféricos dependem de juros altos e das divisas provenientes da exportação para sustentar o seu desenvolvimento. Países sem uma produção competitiva e sustentável permanecem à margem do mercado, com degradação de sua capacidade de troca.

 

O agronegócio brasileiro contribuiu com 21% na formação do PIB nacional, equivalendo a R$330 bilhões, de acordo com o estudo de Nunes & Contini, utilizando os dados do IBGE de 1996. Os produtos agropecuários contribuíram com 40% das exportações brasileiras, estimando-se um superávit comercial de 16 bilhões de dólares no ano fiscal de 2001, sendo o único componente consistentemente superavitário na balança comercial brasileira. Em 1966, o pessoal ocupado nos agronegócios somava 20 milhões de pessoas (23,3% da PEA), e cada pessoa ocupada na agricultura gerava um valor de produção de R$ 62.045,00. É no mundo do agronegócio que o número de empregos para cada milhão de mais investido e mais favorável como mostra a tabela ao lado, que indica quantos empregos são criados, para cada um milhão de reais investidos, em cada segmento da economia.

Indústria de Eletrodomésticos

78

Indústria Automobilística

85

Construção Civil

111

Comércio

145

Agronegócio

202

Uma das razões das baixas taxas de crescimento do Brasil é a sua tímida participação no comércio internacional. Historicamente ocupamos menos de 1% das exportações mundiais, apesar do potencial para deter 4-5% (Tabela 3). O índice exportações/PIB flutua entre 6 e 9% (Tabela 4), o que é pífio quando cotejado com a média mundial (23,4%). Necessitamos de uma saída nas contas externas à Deus ex-machina, sem o que será improvável qualquer projeto de crescimento contínuo e sustentado.

Tabela 3. Relação percentual entre o valor das exportações brasileiras e o das mundiais

 

1970

78

84

92

94

96

97

98

99

Brasil/Mundo

0,92

1,02

1,49

0,96

1,02

0,91

0,96

0,94

0,86

Tabela 4. Relação percentual entre valor das exportações e o PIB Brasileiro.

 

1992

93

94

95

96

97

98

99

2000

Exp/PIB

9,2

8,6

8,0

7,1

6,2

6,6

6,5

9,1

9,6

 

Liberação comercial
Pertencer à OMC significa um compromisso de tomar medidas positivas e efetivas para incrementar o comércio com outras nações. Significa reduzir as barreiras alfandegárias, as taxas e impostos de importação, além das barreiras técnicas e para-fiscais. Mas também significa compreender que a conformidade aos padrões sanitários passa a ser condição singular para o sucesso no mercado de produtos de origem agrícola. A lógica indica que a extinção das barreiras e a redução das tarifas reposicionam a questão sanitária no centro do palco do comércio internacional. Países que disputam posicionamento privilegiado na arena comercial inteligentemente elevaram a questão sanitária à prioridade máxima. O desafio das autoridades sanitárias tem sido o de adequar o seu sistema ao ambiente comercial do mercado globalizado, em função do aumento ponderável no volume de mercadorias transacionadas e da multiplicidade de origens e destinos.

 

 

  Sanidade agropecuária
Todo o país importante no comércio internacional de agro-produtos dispõe de tecnologia avançada e de um eficiente sistema de defesa agropecuária, bases da competitividade e do sucesso no mercado global. Esse sistema se destina a proteger a saúde pública, o ambiente produtivo, evitando restrições à qualidade ou produtividade, garantindo a conformidade e a inocuidade dos alimentos. Estima-se que as pragas são responsáveis por perdas de 30% da produção agrícola mundial, sendo que o prejuízo concentra-se nos países mais pobres do mundo, onde subsiste um sistema de sanidade de baixa qualidade, com inúmeras referências de casos em que toda a produção agrícola é completamente perdida devido aos ataques de pragas. No Brasil estima-se perdas anuais variáveis entre 20-50% da produção agrícola, devido ao ataque de pragas, incluindo as perdas pós-colheita. O intenso movimento comercial do início da década aumenta os riscos de disseminação de pragas agropecuárias, exigindo dos sistemas de defesa a associação com uma sólida rede de apoio científico e tecnológico, que lhe dê suporte. Por essa razão, países líderes do comércio internacional de produtos agrícolas investem maciçamente no dueto sanidade e tecnologia, para garantir sua competitividade no mercado, conseqüentemente consolidar e ampliar a sua liderança.

Ciência e Tecnologia

As regras internacionais impõem que medidas sanitárias devem possuir um relevante fundamento científico, sendo passível de contestação por parte de outros membros da OMC caso faleça essa condição. Um país que não disponha de um cabedal de informações científicas e tecnológicas fica duplamente prejudicado, pela dificuldade de emissão de regras sanitárias fundamentadas, e por sua incapacidade de análise de medidas emitidas por outros países. A utilização de medidas sanitárias como barreira comercial está sempre presente, quer de forma acintosa, como ocorreu recentemente envolvendo a proibição de importação de carne brasileira por suspeita de risco de contaminação por BSE, ou através de fixação de normas e padrões que dificultam o acesso ao mercado.   Essa ameaça exige que o país disponha de uma rede de Ciência e Tecnologia de apoio à Defesa Agropecuária, para permitir pronta resposta e rebater barreiras comerciais. A mesma análise aplica-se ao mercado interno, considerando-se que um dos postulados do Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) da OMC trata do princípio da não discriminação, ou seja, não se pode exigir de um parceiro comercial padrões mais rígidos que aqueles impostos ao mercado interno. Isso posto, o país que pretenda dominar o próprio mercado necessita produzir com alto padrão de qualidade e sanidade, para não ser excluído de um espaço negocial outrora cativo.

Inteligência quarentenária

Existem diversas pragas exóticas, que ainda não ingressaram no país, e que podem ser limitantes à produção brasileira. Por exemplo, a produção de 42 milhões de toneladas de soja previstas para esta safra, equivalendo a um valor bruto de produção dentro da porteira superior a R$15 bilhões, pode ser ameaçada, caso ingressem no país enfermidades como a ferrugem da soja, ou insetos como o pulgão da soja. Com o aumento do intercâmbio comercial, o risco de ingresso dessas pragas é muito alto, e o Brasil precisa estar preparado para evitar que o ingresso ocorra e, caso venha a suceder, é imperioso estar tecnologicamente preparado para continuar produzindo com o mesmo custo, mantendo a mesma produtividade e a mesma qualidade, sem prejuízo de sua competitividade.   A associação entre órgãos de defesa agropecuária e instituições de C & T é crucial para a melhoria do status sanitário. Recentemente foram introduzidas no Brasil diversas pragas com elevado potencial de danos. Podemos referir o cancro da haste e o nematóide do cisto da soja, capazes de por em questão a competitividade da cultura no país, e que foram eficientemente manejadas através de tecnologias que haviam sido desenvolvidas antes que os problemas ingressassem e se dispersassem em nosso ambiente produtivo. Caso a Embrapa não houvesse atuado preventivamente, desenvolvendo tecnologia para que o produtor de soja pudesse conviver com os novos problemas, seguramente o Brasil estaria produzindo hoje menos da metade do volume de soja que tem colhido, redundando em perdas diretas, dentro da porteira da fazenda, superiores a R$10 bilhões, e estimando-se perdas de R$40 bilhões ao longo da cadeia da soja. O recente ingresso da sigatoka nega da bananeira está apresentando impacto reduzido em função de cultivares resistentes, desenvolvidos pela Embrapa, que permitem a rápida substituição da base genética.

Prejuízos
Entre os exemplos negativos cite-se a vassoura de bruxa, que dizimou os cacaueiros, e que progrediu porque o Brasil não estava tecnologicamente preparado para debelar a praga ou com ela conviver. Nos anos 70 ingressou o bicudo do algodoeiro e a falta de tecnologia adequada para seu controle promoveu a erradicação do algodão dos estados do Sul e do Nordeste, gerando um surto de pobreza. O maior impacto ocorreu no Nordeste, onde seis milhões de agricultores perderam sua principal fonte de renda para aquisição de bens e insumos. Uma das motivações do surgimento do Movimento dos Sem Terra foi a busca de novas oportunidades de emprego e renda, perdidos com o desaparecimento de culturas como o cacau e o algodão, que extinguiu milhões de oportunidades após o ingresso dessas pragas. O algodão retorna ao cenário agrícola como cultura competitiva no Estado de Mato Grosso, valendo-se de um sistema de produção que incorpora modernas técnicas sanitárias.

 

 

 

  Febre aftosa e vaca louca
No plano mundial, as crises recentes causadas pelas epidemias de BSE (vaca louca) e de febre aftosa, no Continente Europeu, dão uma idéia clara da importância da sanidade agropecuária para a formação da riqueza e para o intercâmbio comercial. Apenas na Inglaterra a epidemia de febre aftosa determinou o extermínio de mais de dois milhões de animais, com enormes prejuízos econômicos, impactos ambientais, como contaminação de águas subterrâneas, e sociais, com desmonte de negócios, que redundaram em um surto de suicídios entre os pecuaristas. Para o ano de 2001, o prejuízo causado pela febre aftosa é estimado em 9 bilhões de libras esterlinas, o equivalente a 1,1% do PIB britânico. Ambas epidemias foram causadas pelo descompasso no ritmo de investimentos na modernização, no aparelhamento e na geração de novas técnicas de controle sanitário em praticamente todos os países da União Européia, o que ocasionou um paradoxal fechamento do mercado interno e externo para seus produtos.

 

 

  Investimento
Em conclusão, o país que não investir agressivamente na geração de informações e tecnologias em sanidade agropecuária, para produzir em um ambiente saneado, com competitividade e sustentabilidade, estará se auto-condenando à exclusão do mercado globalizado. Caso esse país tenha um perfil marcadamente agrícola, estará abrindo mão de sua principal perspectiva de progresso e desenvolvimento econômico e social, com profundos impactos na produtividade e qualidade de seus produtos agrícolas, com reflexos na área ambiental e nos aspectos sociais da agricultura, conduzindo à deterioração progressiva nas contas cambiais, que acabam por tolher sua soberania e as suas perspectivas futuras. O Brasil está demonstrando cada vez mais que é altamente competitivo, mesmo com regras que lhe são adversas e com o protecionismo exacerbado dos países ricos. Só há uma maneira de brecar nosso desenvolvimento, que é a imposição de barreiras sanitárias aos nossos produtos. Compete ao Brasil evitar que seja imposto esse freio ao seu desenvolvimento, atuando pró-ativamente para fortalecer os setores de C & T e de fiscalização agropecuária.

Duela a quen duela

Décio Luiz Gazzoni

Para os argentinos, o dia 1/12/2001 será inesquecível. El equipo nacional tinha que cair no grupo da morte na Copa do Mundo? E o Brasil tinha que pegar o grupo "mamão com leite"? Ao menos os vizinhos não tiveram os tímpanos rachados pela agressão verbal do título da coluna que, entre outras tristes lembranças, imortalizou o ex-presidente e futuro senador Collor de Mello. Que também patrocinou uma agressão inominável aos princípios basilares de uma organização social, que é o livre arbítrio sobre seus bens e seu patrimônio. A atitude de Cavallo mostra que lhe faltam originalidade e alternativas, teimando em evitar a única saída possível da crise – a flutuação cambial. O seqüestro dos ativos dilapidou a última gota de credibilidade do país e desperdiçou quiçá a derradeira oportunidade de uma desvalorização organizada e controlada do Peso. A alternativa, agora, é uma desvalorização caótica.

 

 

  Solidariedade
Solidariedade com o sofrimento de um país desmontado a golpes de imperícia e de orgulho irracional em manter um modelo falido, com final antecipado em prosa e verso. O seqüestro da poupança é um detalhe da agonia. Há três anos não teria sido necessário, porém agora, além de liberar o câmbio, a Argentina terá de declarar uma moratória geral e irrestrita, tipo "devo, não nego, pago daqui a 15 anos". A sustentação artificial do Peso exigiu a incineração de dezenas de bilhões de dólares, que escoaram pelo ralo, arrastando consigo os empregos, a renda, a competitividade e até o orgulho dos argentinos, restando ao povo apenas as contas a pagar.

 

 

 

 

  Indicadores sociais e econômicos
Em recessão há 40 meses, a renda emagreceu 30% e a sua distribuição assume contornos concentracionistas. O desemprego crescente é estimado em horripilantes 30%. Que se confunde com o emprego informal, uma das razões para o Governo exigir que as transações financeiras sejam através dos bancos, obrigando a regularização dos contratos de trabalho. E obrigando patrão e empregado a pagar a famigerada CPMF. Reduz a sonegação ao forçar a formalização dos pagamentos. Por outro lado, a pressão tributária na Argentina está em níveis perigosamente altos (não tão altos quanto os inacreditáveis 33% do Brasil). Um dos dogmas econômicos reza que a sonegação é diretamente proporcional ao custo dos tributos. Muitos empresários argentinos têm como opções pagar os tributos ou manter a empresa operacional. Um aperto tributário deflagrará uma onda de falências, acirrando o desemprego, reduzindo a renda, a arrecadação, o PIB e a competitividade argentina, agravando a recessão.

Mercosul
O risco Argentina ficou inadministrável. Em novembro as importações brasileiras da Argentina caíram 21,7% e as exportações 41,2%; os comerciantes brasileiros já estavam exigindo fianças adicionais pela dificuldade de receber seus pagamentos. O protecionismo argentino aumentará, uma muleta inútil para sua combalida economia. As importações diminuirão porque o consumidor argentino ficou mais pobre. Burocratizou-se a remessa de divisas. As afirmativas do Todo Poderoso Ministro Cavallo evidenciaram seu desprezo por qualquer compromisso com os parceiros do Mercosul, enfraquecendo o Bloco. Uma das inferências possíveis do embrulho recém editado é que, ao dolarizar os ativos financeiros, o Governo argentino sinaliza a adoção do dólar como a moeda oficial argentina.
  ALCA
Como não há reservas para bancar o jogo, creio que a dolarização arrastará o país para o inferno, cedendo um espaço de manobra crucial na política monetária e restringindo os espaços de definição da política macro-econômica. Também inviabiliza, na prática, o Mercosul nos moldes como foi concebido, porque este país não estará em condição de negociar diversos temas, eis que as decisões não estarão mais afetas a Buenos Aires, dependendo dos humores de Washington. Outra leitura possível é que, ao oficializar o dólar como moeda, a Argentina buscaria uma entrada à francesa no NAFTA, esnobando a negociação em conjunto com os parceiros do Mercosul. Essa é uma estratégia suicida, pois a Argentina em recessão profunda, com renda per cápita declinante, sem qualquer perspectiva de melhora no curto prazo, cuja dolarização somente irá agravar seu quadro de paciente terminal, não é atrativa para o "dono" do bloco, os EUA. Entretanto, para a negociação da ALCA, essa enfraqueceria a posição brasileira, obrigando a um redobrar de esforços para conseguir condições eqüitativas na negociação.

 

O valor econômico dos serviços da Natureza (1)

Décio Luiz Gazzoni

Os movimentos de proteção ambiental, organizaram-se a partir da segunda metade deste século, de forma tímida, com objetivos mais poéticos do que práticos. Houve necessidade de um período de amadurecimento para a formação de uma consciência ambiental universal, com amplo respaldo e suporte social. A partir dos movimentos iniciais, seguiu-se uma etapa de radicalização, importante do ponto de vista estratégico, para atrair a atenção da mídia, dos formadores de opinião e do público em geral para o conflito entre progresso, produção, produtividade, lucro e outros conceitos da área econômica e os processo naturais.

Homem, o Deus e Senhor?
Historicamente o Homem entendeu-se não como um elo, mas como senhor da Natureza, podendo dela dispor ao seu livre arbítrio. Sob esta ótica, podia o Homem explorar os recursos e os processos naturais, sem preocupar-se com a sua conservação, posto que entendia-se a Natureza como infinita, "indegradável", e a serviço do Homem. Paralelamente, a compreensão da complexidade das cadeias naturais era limitada, via de regra sendo captados apenas os processos lineares e óbvios.

  A reação da sociedade.
Em função da atuação dos movimentos de preservação, e do próprio crescimento geométrico das atividades humanas, evoluiu a atenção dispensada pela sociedade em geral e pelos agentes econômicos em particular, à importância da integração entre atividades agrícolas e industriais e a preservação do capital Natureza. Neste primeiro estágio, observou-se uma reversão das expectativas, e um patrulhamento (incluso o auto-patrulhamento) sobre as atividades que exerciam forte impacto no ambiente. Na seqüência, a sociedade passou a exigir investimentos para a recuperação de ambientes degradados e a adaptação dos processos para a inclusão de tecnologias mais brandas, menos agressivas ao meio ambiente. Em decorrência, os próprios agentes econômicos, em especial os financiadores de investimentos agrícolas ou industriais passaram a exigir avaliação ex-ante do impacto ambiental de novos investimentos, como condição sine qua non para a concessão do financiamento. Ou seja, a sociedade passou a exigir a regulamentação das atividades, sob a ótica da preservação da Natureza, e levando em consideração o aspecto preventivo.

 

Quanto valem os "serviços naturais"?
Atingimos agora um novo patamar: a rationale econômica ousa enveredar pelo pragmatismo extremo que conferir valores aos "serviços" prestados pela Natureza. Mais precisamente, cientistas como o grupo do Dr. Constanza, da Universidade de Maryland, procuraram calcular o quanto deveria ser despendido pela Humanidade caso tivesse que pagar pelos serviços que são prestados, gratuitamente, por um sistema que levou bilhões de anos para organizar-se harmonicamente. Mas, antes das considerações econômicas, precisamos entender: que serviços são estes?

Os produtos (recursos) naturais são concretos e possuem grande visibilidade, como madeira, ouro, prata, ferro, etc. Os serviços são mais sutis, mas ainda assim podem ser entendidos. Podemos grupá-los nas seguintes categorias:

Regulação gasosa, ou seja a regulação da composição da atmosfera, o balanço CO2/O2, o ozônio e a proteção da radiação ultravioleta;

Regulação do clima, como temperatura, pluviosidade, tempestades, proteção contra secas e enchentes, etc.

Regulação dos recursos hídricos, como aprovisionamento de água para irrigação, produção de energia e outros processos industriais;

Suprimento de água potável, para consumo humano ou animal, fluxo e estocagem em aqüíferos;

Controle de erosão, prevenindo perda de solo por erosão eólica ou por pluviosidade;

Formação do solo, intemperização de rochas e formação e acúmulo de matéria orgânica;

Reciclagem de nutrientes, como fixação de Nitrogênio e disponibilização de outros elementos;

Tratamento de dejetos, como metabolização de compostos tóxicos ou não tóxicos;

Polinização, permitindo o intercâmbio de material genético e a preservação de espécies botânicas;

Refúgio, garantindo habitat para organismos transitórios ou permanentes, como os animais migratórios;

Controle Biológico, propiciando a regulação natural de populações em uma comunidade, permitindo a convivência de espécies competidoras;

Produção de alimentos, como raízes, folhas, frutos, peixes, animais silvestres;

Matérias primas, como energéticos, minerais e madeiras;

Recursos genéticos, a fonte da biodiversidade, alicerce do ecossistema;

Lazer, ou seja, eco-turismo, alpinismo, pescaria

Cultural, envolvendo aspectos turísticos, artísticos, estéticos, e espirituais.

O que significaria, em termos econômicos, se a Mãe Natureza não nos providenciasse esta gama de serviços? O que representaria para a Humanidade a necessidade de investir para obter os mesmos serviços? Discorreremos sobre o tema no próximo artigo.

O valor econômico dos serviços da Natureza (2)

Décio Luiz Gazzoni

Em artigo anterior discorremos sobre o conceito dos serviços prestados pela Natureza, que se revertem em conforto e bem-estar para Humanidade, listando, como exemplo, 16 categorias destes serviços. Finalizamos com o questionamento sobre o valor econômico destes serviços. O Dr Constanza, da Universidade de Maryland (EUA), coordenou um grupo de cientistas que se debruçou sobre o tema, chegando à conclusão que este valor oscila entre 16 e 54 trilhões de dólares, em função da abordagem que for efetuada. A diferença entre os valores extremos deve-se ao tipo de bioma considerado, sendo que, o valor maior (US$ 54 trilhões) apropria a totalidade dos serviços naturais, inclusive geleiras, tundras e desertos. O menor valor se refere exclusivamente aos serviços absolutamente essenciais à sobrevivência da vida na Terra, tal como a conhecemos. Antes de imaginar que este valor é absurdo, procuramos verificar outros estudos similares, e as cifras encontradas não divergem significativamente do estudo do Dr. Constanza.

 

 

  Trilhões de dólares... de graça!
Cabe uma reflexão importante sobre estes valores: como os serviços naturais não são devidamente quantificados em termos mercadológicos, como eles estão disponíveis a custo quase nulo, não ocupam (ainda) posição de destaque nas formulações de políticas comerciais, agrícolas ou industriais. Levando-se ao extremo esta abordagem, a desconsideração com a Natureza poderia comprometer a continuidade e a intensidade destes serviços e a própria integridade dos biomas. Mas, não serão apenas os sistemas biológicos os prejudicados com a degradação dos processos naturais: as economias dos países também sofrerão impactos ponderáveis. Para tanto basta imaginar um processo de substituição, em que as sociedades passariam a custear processos artificiais, substitutivos dos processos naturais degradados.
  Quanto custa substituir a Natureza?
Vamos a uma ilustração, que pode ser facilmente entendido por qualquer produtor: imagine-se que as leguminosas - feijão e soja, por exemplo – não fixassem nitrogênio diretamente do ar atmosférico. Neste caso, o agricultor necessitaria adicionar este elemento no seu adubo. Esta substituição não traria qualquer vantagem do ponto de vista prático, ou seja, a produção e a qualidade seria exatamente a mesma. Mas os produtores de soja e feijão do mundo teriam gasto quase 10 bilhões de dólares para comprar adubo nitrogenado. Levando este raciocínio para o conjunto de serviços prestados pela Natureza, significaria que, Sem que um investimento monstruoso, com tamanha magnitude, retornasse de alguma forma como um adicional de conforto, progresso ou qualidade de vida: seria apenas uma substituição do "prestador de serviço". E mais, se possível fosse substituir a totalidade de serviços prestados pela Natureza, seria necessário investir três vezes todo o PIB do planeta Terra do ano de 1997, nas mesmas condições, ou seja, sem qualquer retorno pela substituição!

O preço da agressão ao ambiente.
Esta abordagem pode parecer excessivamente teórica, constituindo-se em divagação sobre uma ameaça intangível. A realidade é bem outra: Quanto custou despoluir o rio Tâmisa em Londres? O investimento atual de 6 bilhões de dólares na despoluição do Tietê é um exemplo típico de substituição de um serviço que era prestado gratuitamente pela Natureza. Quantos hospitais, postos de saúde, salas de aula ou creches poderiam ser construídos com este recurso? Um exemplo da área agrícola: quanto custa recuperar uma área erodida por mau preparo de solo? Após o investimento de milhares de reais por hectare – quando ainda for possível recuperar – na melhor das hipóteses voltamos à situação anterior, ou seja, à mesma condição de produtividade. Melhor teria sido não investir contra o serviço prestado pela Natureza, através dos processos físicos e biológicos de formação e agregação do solo.
  O produtor também lucra com a Natureza.
Neste particular, a equipe do professor Constanza afirma que os serviços naturais, em ambientes agrícolas, eqüivaleriam a 800 dólares por hectare. Ou o resultado da venda de 45 sacas de soja, próximo ao rendimento médio da lavoura paranaense. Fiquemos com este último exemplo para reflexão final: se tivéssemos que pagar pelos serviços naturais numa lavoura de soja, o preço do grão teria que ser multiplicado por dois, caso contrário todo o valor monetário da produção se destinaria ao pagamento exclusivo dos serviços naturais. Se não houvesse outro motivo para pensarmos seriamente em uma agricultura auto-sustentável, agora temos um argumento de peso: o nosso bolso.

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